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O Direito não parou

O Direito não parou

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O excesso de formalismo e a lenta condução do sistema processual brasileiro, como regra, tradicionalmente têm conduzido a uma flagrante descrença no Poder Judiciário. A situação geralmente agrava-se com a escassez de juizes, promotores, serventuários, etc... e, devemos reconhecer, com práticas não raras de nepotismo e corrupção em determinados fóruns e tribunais, sendo a primeira em alguns quase que a praxe, e a segunda um mal que, de resto, permeia também, e provavelmente em níveis até mais elevados, as faces administrativa e legislativa do Estado soberano idealizado por Montesquieu.

Além do que, o próprio acesso ao Judiciário é por demais estreito e de difícil penetração, fazendo com que a efetivação da prestação jurisdicional se torne um sonho raramente realizável, quando não impossível, para a imensa maioria da população. A situação, embora já tenha sido pior, é ainda muito grave e talvez até por isso não se resolva em nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito, embora esta possa ter o condão de, pelo menos, servir como alerta para a necessidade extremada da implantação de um efetivo controle externo do ,Judiciário (controle sobre o funcionamento, não sobre as decisões), bem como da urgência de se ampliar as possibilidades e maneiras de acesso à Justiça.

Urge uma ampla reforma do Judiciário no país, tão ampla que não pode ser embalada à luz de holofotes e ao sabor de discursos oportunistas e de vieses tão vergonhosamente eleitoreiros. É tragicômico que personalidades como ACM e tantas outras nefastas siglas nos falem em moralização do judiciário, como de resto não seria próprio deles qualquer espécie de moralização. Os debates têm que ser muito mais profundos, sem escapar jamais aos virtuosos controles impostos pela sempre imprescindível serenidade.

Apesar do quadro primariamente traçado, é de se admitir que alguns avanços estão em curso no sentido de facilitar o acesso à tutela jurisdicional. Nos últimos anos, por ordem da Constituição, foram semeados no país os Juizados Especiais, com suas faces Cível e Criminal (Lei 9099/95), esta visando à solução das lides atinentes às infrações de menor potencial ofensivo, consideradas como tais as contravenções penais e os crimes de pena máxima não superior a um ano. Aquela objetivando, precipuamente, a resolução das questões de menor atribuição pecuniária.

Os Juizados Especiais implantaram no sistema processual penal brasileiro inovações verdadeiramente dignas de elogios, como as figuras da transação (art. 76) e da suspensão condicional do processo (art. 89). Iniciativas como estas legitimaram expectativas sobre uma prestação jurisdicional possível e mais acessível, em particular pelo fato dos procedimentos realizarem-se de maneira bem mais rápida e informal.

A propósito das iniciativas de democratização do acesso à Justiça, em particular da criação dos Juizados Especiais, destaca Cândido Rangel Dinamarco, em sua excelente obra A Instrumentalidade do Processo: (*)

"...o que se viu foi o poder estatal instituindo, mediante este esforço de aperfeiçoamento da Justiça, o seu próprio processo de legitimação ou, pelo menos, processo de elevação do grau de sua legitimidade...As iniciativas em exame são ligadas à generosa idéia da universalização da Justiça, contida na promessa constitucional ainda imperfeitamente cumprida da inafastabilidade da tutela jurisdicional; e a população já sente que isso é necessário, tanto que a opinião pública se pôs inteiramente de acordo com essas iniciativas e depois, quando implantados os órgãos para atendimento das pequenas causas, passou a fazer expressivo uso dos seus serviços. É a confirmação de que a abertura da via de acesso à Justiça, que constitui postulado democrático no Estado-de-direito, é válido fator de legitimação do sistema processual e do exercício da jurisdição."

Como ressalva, aliás também observada pelo citado doutrinador, devemos notar que este processo de democratização do acesso ao Poder Judiciário, batizada apropriadamente por muitos como um processo de universalização da Justiça, é uma proposta cujo cumprimento está ainda em sua fase inicial. Regra geral, excluindo-se da análise os avanços conquistados com a criação dos Juizados Especiais, o processo, penal ou civil, é extremamente lento e caro, seja para as partes ou para o próprio Estado, e isso contribui para desgastar tanto o sistema jurisdicional quanto o seu processo de legitimação.

Outras iniciativas modernizantes e socializadoras vão aos poucos conquistando a empatia do mundo jurídico e os aplausos estimulantes de seu público, a exemplo de louváveis obras legislativas como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente. É o caso da arbitragem, instituição desafiadora e fascinante sob o prisma da celeridade e da economia, tanto processual como pecuniária. Fala-se agora também, com respaldo em projeto de lei que tramita no Congresso, em um rito mais célere para as causas trabalhistas de valores menores que R$ 5 mil, certamente que por inspiração dos próprios juizados especiais cíveis. Como se vê, o bordão segundo o qual "o direito é muito dinâmico" não é só conversa de professor chato. Felizmente.


NOTA

          (*) DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 7 ed. Malheiros, 1999. P. 142.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, José Renato de Oliveira. O Direito não parou. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/247. Acesso em: 25 abr. 2024.