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SAT, RAT e FAP: instituição, regulamentação e reenquadramento

SAT, RAT e FAP: instituição, regulamentação e reenquadramento

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Análise das principais questões judiciais envolvendo a constitucionalidade da instituição e da regulamentação da contribuição social para o SAT (seguro acidente do trabalho), incluindo a definição do chamado RAT (risco ambiental do trabalho) e do FAP (fator acidentário de prevenção).

Nos últimos anos, importantes questionamentos envolvendo a contribuição para o SAT têm batido às portas do Judiciário, ora impugnando sua instituição ora sua regulamentação, notadamente após o que se convencionou chamar de reenquadramento, a partir de quando muitos sujeitos passivos tiveram acréscimo de alíquotas.

O presente trabalho consiste em uma análise dos principais questionamentos surgidos a esse respeito, à luz do que se pacifica na jurisprudência dos tribunais superiores e de informações oficiais oriundas da própria Administração.


1. Da Instituição e Regulamentação da Contribuição para o SAT

Cuida-se, a chamada contribuição para o SAT (Seguro Acidente do Trabalho), de contribuição social instituída com fundamento na competência tributária abstratamente prevista nos arts. 149[i] e 195, I, 'a'[ii], da CF/88, voltada a satisfazer outro imperativo constitucional, qual seja o previsto no art. 7º, XXVIII, também da Constituição, que assim assegura:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

...”

Portanto, trata-se de contribuição de arrecadação vinculada ao programa assistencial dedicado a doentes ou acidentados em decorrência do trabalho, coerente com um Estado fundamentado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, III e IV).

Sua instituição obedeceu, ainda, o ditame constitucional do art. 201, inciso I e §10, que assim fixa:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

...”

Portanto, a contribuição para o SAT decorre da distribuição constitucional da responsabilidade para com os brasileiros doentes e acidentados no trabalho entre Estado e sociedade, notadamente empregadores (CF, art. 195), inspirada que é no chamado princípio da solidariedade.

Sua instituição, desconsideradas leis já sem vigência, ocorreu com o advento da Lei nº 8.212/91, espécie normativa primária (lei stricto sensu), em respeito ao Princípio da Reserva Legal (CF, art. 150, I[iii]), cujo art. 22, II, estabelece:

“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

...

II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).

a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

...”

De antemão, mister opinar no sentido de que a própria legiferação por lei ordinária não parece ter ofendido a Constituição, que não estabeleceu normatização por lei complementar, mormente porque não se tratava de uma contribuição fruto da competência residual da União, não se submetendo ao dispostos no art. 195, §4º, c/c art. 154, I, ambos da CF[iv]. Isso porque seu fundamento constitucional primordial é a previsão de seguro contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII), para cuja criação a Carta Magna não estabeleceu disciplina de lei complementar, e incide sobre folha de salário, o que lhe desvia o fundamento do §4º para o inciso I, alínea 'a', do mesmo art. 195 da CF, dispensando, assim, lei necessariamente aprovada por maioria absoluta. Além disso, o supratranscrito §10 do art. 201 da Constituição também remete apenas à “Lei” (ordinária), a dispensar disciplina de lei complementar. Nesse sentido foi o entendimento do STF quando da apreciação do RE 343.446, à frente comentado.

Por seu turno, é destacável que foi a lei (stricto senso) quem instituiu o tributo, quem definiu o fato gerador (utilização de mão-de-obra remunerada), o sujeito passivo (“empresa”), a base de cálculo (“o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos”) e as alíquotas (1%, 2% e 3%), satisfazendo, assim, o princípio da legalidade.

Frisa-se que “A Constituição somente preocupou-se em submeter à reserva de lei a instituição e a majoração de tributos”[v]. E, por desdobramento dessa reserva, considera-se submetida à disciplina de lei stricto sensu, o que consta do art. 97 do CTN[vi], donde se destaca, por pertinente ao assunto, os elementos fato gerador, sujeito passivo, alíquota e base de cálculo.[vii]

Com efeito, só é possível a conclusão de que, no caso, estão sob disciplina da lei todos os elementos sujeitos à estrita legalidade, não se cabendo reclamar violação ao princípio da reserva legal.

Porém, mesmo contendo a lei todos os elementos do tributo, ela não exaure a disciplina jurídica para a cobrança da exação, faltando complementos que lhe possibilitem a incidência, mormente no que tange às normas que orientem na definição de qual alíquota será aplicável a cada contribuinte, considerando que são três a possibilidades legais (1%, 2% e 3%), as quais, ainda, passaram a ser passíveis de aumento até o dobro ou redução até a metade, por força da Lei (também stricto sensu) nº 10.666/2003, cujo art. 10 estabeleceu as bases gerais do chamado FAP (Fator Acidentário de Prevenção), sobre o que se falará novamente adiante.

A lei, por assim dizer, não é autoaplicável, carecendo, pois, de regulamentação, dada pelo Poder Público (Executivo), em exercício do chamado Poder Regulamentar ou Normativo da Administração Pública, fundamentado no art. 84, IV, da Constituição[viii]. Sobre este, atém-se Maria Sylvia Zanella Di Pietro em lições de válida transcrição:

“Analisados os princípios que estão na base de toda função administrativa do Estado, é necessário examinar alguns poderes que deles decorrem para as autoridades administrativas; tais poderes são inerentes à Administração Pública pois, sem eles, ela não conseguiria fazer sobrepor-se a vontade da lei à vontade individual, o interesse público ao interesse privado.

Embora o vocábulo 'poder' dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis.

Todos eles encerram prerrogativas de autoridade, as quais, por isso mesmo, só podem ser exercidas nos limites da lei.

Dentre eles, serão aqui analisados o poder normativo, …

Normalmente, fala-se em 'poder regulamentador'; preferimos falar em poder normativo, já que ele não esgota toda a competência normativa da Administração Pública; …

Os atos pelos quais a Administração exerce o seu poder normativo tem em comum com a lei o fato de emanarem normas, ou seja, atos com efeitos gerais e abstratos.

Insere-se, portanto, o 'poder regulamentador' como uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua fiel execução.

Doutrinariamente, admitem-se dois tipos de regulamentos: o regulamento executivo e o regulamento independente ou autônomo. O primeiro complementa a lei ou, nos termos do art. 84, IV, da Constituição, contém normas 'para fiel execução da lei'; …; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração.”[ix]

Em esclarecedora análise, discorre também José dos Santos Carvalho Filho, igualmente merecedor de citação:

“(...) Modernamente, contudo, em virtude da crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, passou a aceitar-se nos sistemas normativos, originariamente na França, o fenômeno da deslegalização, pelo qual a competência para regular certas matérias se transfere da lei (ou ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador: a normatização sai do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio de ato regulamentar (domaine de l’ordonnance). O fundamento não é difícil de conceber: incapaz de criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de instituí-la, valendo-se dos especialistas e técnicos que melhor podem dispor sobre tais assuntos.

Não obstante, é importante ressaltar que referida delegação não é completa e integral. Ao contrário, sujeita-se a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, calcado nos critérios políticos e administrativos, transferindo tão-somente a competência para a regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enunciados na lei. É o que no Direito americano se denomina delegação com parâmetros (delegation with standards). Daí poder afirmar-se que a delegação só pode conter a discricionariedade técnica.

Trata-se de modelo atual do exercício do poder regulamentar, cuja característica básica não é simplesmente a de complementar a lei através de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não contidas na lei, proporcionando em conseqüência, inovação no ordenamento jurídico. Por esse motivo, há estudiosos que o denominam de poder regulador para distingui-lo do poder regulamentar tradicional”.[x]

Daí o pertinente arremate de Fábio Zambitte Ibrahim, ao dizer que “a delegação ao Poder Executivo é amplamente defensável pelo princípio da razoabilidade, pois não haveria condições de o Poder Legislativo apreciar questão de tamanha complexidade técnica”.[xi]

O raciocínio é de todo projetável ao particular, dada a completa impossibilidade de a lei exaurir a disciplina da contribuição para o SAT, tendo em vista a influência de questões técnicas muito específicas, relacionadas saúde e segurança do trabalho, apreciáveis à luz da medicina e da engenharia laborais. A definição da alíquota, segundo os padrões legais estabelecidos, não prescinde de escorreita análise de exposição do trabalhador, pela atividade exercida, a agentes patogênicos químicos e físicos e consequentes enfermidades possivelmente associadas, o que impôs ao Poder Público (Executivo) a complementação da regência, sem o que a incidência da lei seria impossível ou limitada ao mínimo, em desacordo com a exigência da realidade fática, que revela um demanda crescente de enfermos e/ou inválidos laborais.

Nesse contexto é que foi editado, também desconsideradas as regulamentações já revogadas, o Decreto nº 3.048/99, que fixou os critérios e requisitos faltantes para a devida incidência da lei, especialmente com a positivação, em seu anexo II, da lista de agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho; em seu Anexo IV, a classificação dos agentes nocivos; e em seu Anexo V, a relação das atividades preponderantes e correspondentes graus de risco inerentes, observada a intensidade da exposição aos agentes previstos nos anexos II e IV, tudo, segundo a Administração[xii], baseado em estudos e dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), dos quais o Brasil é membro.

Tal decreto e/ou seus respectivos anexos, foram, ainda, alterados, no decorrer do tempo, dentre outros, pelos Decretos nºs 6.042/2007, 6.957/2009 e 7.126/2010.

É conclusivo, pois, que esse exercício do Poder Normativo se deu legitimamente, para a devida aplicação da lei pelo Poder Público e sem qualquer excesso aos limites legais e regulamentares.

Isso, diga-se de passagem, foi o que alcançou a Corte Maior quando do julgamento do RE 343.446-2/SC, que não somente ratificou a constitucionalidade formal da Lei nº 8.212/91 para a instituição da contribuição para o SAT, sendo ordinária e não complementar, mas também dos decretos expedidos para sua regulamentação, atidos apenas aos critérios indispensáveis à aplicação da lei, com destaque para a fixação do que é grau de risco leve, médio e grave, relevante para a definição da alíquota aplicável (1%, 2% ou 3%).

No ensejo, vale transcrever artigo publicado no Informativo nº 301 do STF:

Contribuição para o SAT

O Tribunal, confirmando acórdão do TRF da 4ª Região, julgou que é constitucional a contribuição social destinada ao custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT, incidente sobre o total da remuneração, bem como sua regulamentação. Sustentava-se, na espécie, a inconstitucionalidade do art. 3º, II, da Lei 7.787/89, bem como do art. 22, II, da Lei 8.212/91, os quais, ao adotarem como base de cálculo o total das remunerações pagas aos empregados, teriam criado por lei ordinária uma nova contribuição, distinta daquela prevista no art. 195, I, da CF, o que ofenderia a reserva de lei complementar para o exercício da competência residual da União para instituir outras fontes destinadas a seguridade social (CF, art. 195, § 4º c/c art. 154, I). O Tribunal afastou o alegado vício formal tendo em conta que a Constituição exige que todos "os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios" (CF, art. 201, § 4º, antes da EC 20/98). Rejeitou-se, também, a tese no sentido de que o mencionado art. 3º, II, teria ofendido o princípio da isonomia - por ter fixado a alíquota única de 2% independentemente da atividade empresarial exercida -, uma vez que o art. 4º da Lei 7.787/89 previa que, havendo índice de acidentes de trabalho superior à média setorial, a empresa se sujeitaria a uma contribuição adicional, não havendo que se falar em tratamento igual entre contribuintes em situação desigual. Quanto ao Decreto 612/92 e posteriores alterações (Decretos 2.173/97 e 3.048/99), que, regulamentando a contribuição em causa, estabeleceram os conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio ou grave", a Corte repeliu a argüição de contrariedade ao princípio da legalidade tributária (CF, art. 150, I), uma vez que a Lei fixou padrões e parâmetros, deixando para o regulamento a delimitação dos conceitos necessários à aplicação concreta da norma. RE 343.446-SC, rel. Min. Carlos Velloso, 20.3.2003.(RE-343446)”

O STF já reiterou esse mesmo entendimento, valendo citar:

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – SEGURO DE ACIDENTE DE TRABALHO – SAT. A teor do que decidido no Recurso Extraordinário nº 343.446-2/SC e reafirmado no Recurso Extraordinário nº 684.291/PR, paradigma submetido à sistemática da repercussão geral, tem-se a constitucionalidade da cobrança do Seguro de Acidente do Trabalho. AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – MULTA. Se o agravo é manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil, arcando a parte com o ônus decorrente da litigância de má-fé.

(STF - AI 620978 AgR / BA, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j.  21/08/2012, Primeira Turma, DJe-174 DIVULG 03-09-2012 PUBLIC 04-09-2012)

Nesse mesmo sentido, também o STJ, por sua segunda Turma, registra-se:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SAT. ACÓRDÃO FIRMADO SOB FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. ANÁLISEVEDADA NESTA VIA RECURSAL. PUBLICIDADE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO- ROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. DEFINIÇÃO POR DECRETO DO GRAU DE PERICULOSIDADE DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELAS EMPRESAS. LEGALIDADE.

1. O acórdão recorrido analisou a matéria sob fundamento constitucional (art. 150, I, da CF), o que inviabiliza sua alteração em Recurso Especial.

2. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que houve a correta e transparente divulgação dos dados utilizados para fins do cálculo do FAP. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ.

3. Em relação à legalidade da cobrança da contribuição ao SAT, o STJ consolidou a orientação de que o decreto que estabeleça o que venha a ser atividade preponderante da empresa e seus correspondentes graus de risco - leve, médio ou grave - não exorbita de seu poder regulamentar. Precedentes do STJ.

4. Agravo Regimental não provido.

(STJ - AgRg no REsp 1290007 / SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN (1132), T2 - SEGUNDA TURMA, j. 14/02/2012, DJe 06/03/2012)

No Informativo nº 268 do STJ, foi publicado esclarecedor artigo, que noticiou o julgamento do REsp 780.359/SP pela Primeira Turma, de conveniente transcrição, a indicar, assim, unidade no entendimento de ambas as turmas do pretório:

CONTRIBUIÇÃO. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO. SAT. GRAU. RISCO. DECRETO.

A Turma, reafirmando o entendimento da Primeira Seção deste Superior Tribunal, entendeu ser possível se estabelecer, por decreto, o grau de risco (leve, médio, ou grave) para efeito de seguro de acidente do trabalho - SAT, partindo-se da atividade preponderante da empresa, por inexistir afronta ao princípio da legalidade (art. 97 do CTN). Não ocorreu, com a edição da Lei n. 8.212/1991, criação de nova contribuição, também não há que se falar em contribuição estendida ou majorada. Precedentes citados: REsp 444.477-SC, DJ 14/6/2004; REsp 415.269-RS, DJ 1º/7/2002; REsp 392.355-RS, DJ 12/8/2002; REsp 289.510-RS, DJ 31/5/2004; REsp 363.230-RS, DJ 31/5/2004, e REsp 512.488-GO, DJ 24/5/2004. REsp 780.359-SP, Rel. Min. José Delgado, julgado em 17/11/2005.

2. Do RAT – Da Definição e Do Reenquadramento

Consoante dito alhures, para a regulamentação da Contribuição para o SAT, o Executivo editou o Decreto nº 3.048/99, sucessivamente alterado, com a indicação dos agentes patogênicos laborais (anexos II e IV) e a mensuração do risco inerente de cada atividade (anexo V), de acordo com a exposição àqueles que esta impõe.

A norma, principalmente através do seu Anexo V, acabou por regulamentar o chamado RAT (Risco Ambiental de Trabalho), atribuído a cada atividade discriminada no citado anexo, que representa o chamado CNAE – Cadastro Nacional de Atividade Econômica.

O decreto discriminou as diversas atividades laborais e, levando em consideração a exposição por elas imposta aos diversos fatores nocivos já mencionados, atribuiu o grau de risco laboral delas decorrente, 1, 2 ou 3, sendo que 1 para atividades de grau de risco leve, 2 para atividades de grau médio e 3 para atividades de grau grave, o que leva, consequentemente, à aplicação das alíquotas 1%, 2% ou 3%, respectivamente, seguindo os ditames legais.

No ensejo, cabe dizer que a definição do RAT com base na atividade preponderante exercida é não somente um ditame legal, mas constitucional. É que o §9º do art. 195 da Constituição estabelece, com peculiar direção para a contribuição para o SAT, que seja observada, para a definição de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, a “atividade econômica, a utilização intensiva de mão-de-obra, o porte da empresa ou a condição estrutural do mercado de trabalho”. Eis como consta:

“Art. 195. …

§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

...”

Outro critério não espelharia a realidade e não contemplaria padrão objetivo, seguro e compatível com a orientação constitucional.

Foi o que considerou a jurisprudência tanto do STF quanto do STJ, já acima mencionada.

Para a definição dos agentes patogênicos laborais e das correspondentes enfermidades associadas, informa o Poder Público que levou em consideração dados da OIT[xiii]. Por sua vez, para a definição do RAT de cada atividade, a Administração afirma ter levado em consideração, além dos dados colhidos em organismos de aferição de risco laboral, informações do sistema DATAPREV, através dos quais são administrados os mais de 24 milhões de benefícios assistenciais e previdenciários vinculados ao Ministério da Previdência Social, dentre os quais auxílio-acidente, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Fez-se o cotejo da quantidade de doentes e acidentados vinculadas a cada atividade laboral para, assim, definir, com maior critério, o grau de risco (RAT) de cada uma delas.

Frisa-se, ainda, que cada empresa, ao registrar episódio de acidente de trabalho, tem que, por obrigação legal, comunicá-lo à Previdência Social, nos termos do art. 22 da Lei nº 8.212/91[xiv], o que também é franqueado, subsidiariamente, ao acidentado, a seus dependentes, ao médico que o acompanhou ou a qualquer autoridade (§2º), a tornar mais fidedignos os dados oficiais. Além disso, sendo o MPS o responsável pela administração da aposentadoria por invalidez e de outros benefícios para os quais é necessária perícia e colheita das informações que levaram à inatividade precoce, permanente ou temporária, pode-se dizer que seus dados são os mais fieis possíveis à realidade acidentária laboral.[xv]

Evidentemente que essa realidade não é estática. Muito pelo contrário, uma determinada atividade, com índices altos de acidentes e doenças do trabalho em determinado período, pode passar por uma reformulação estrutural de prevenção e ter diminuído, em pouca ou muita intensidade, seus episódios de enfermidade laboral vinculada. De outra sorte, outras atividades podem seguir o caminho inverso.

Em meio a esta dinâmica é que houve o reenquadramento realizado pelo Decreto nº 6.042/2007 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.957/2009. A partir de uma contabilização cada vez mais precisa dos acidentes de trabalho e doenças laborais, vinculados às respectivas atividades, foi que, com a periodicidade que a burocracia estatal permitiu, houve o reenquadramento das atividades econômicas (CNAE) aos respectivos graus de risco do trabalho (RAT).

Todos os dados que serviram de base para a redefinição dos RAT's foram divulgados no sítio da previdência social na Rede Mundial de Computadores (site da MPS na internet), no link de estatísticas de segurança e saúde ocupacional[xvi].

No link, é possível se encontrar o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho (AEAT), com informações acerca da acidentalidade nacional, revistas ano a ano. Para o reenquadramento ocorrido em 2009, observou-se o AEAT-2008, divulgado, ainda, quando da edição da Portaria Interministerial nº 254/2009, publicada no DOU de 25/09/2009[xvii].

Segundo a Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS, a Previdência ainda buscou respaldo em estudos realizados em parceria entre a Secretaria de Previdência Social (SPS) e a Universidade de Brasília (UnB) que, valendo-se do Direito Comparado, analisou alíquotas do equivalente à contribuição para o SAT em oito países (França, Itália, Argentina, Colômbia, Espanha, México, Canadá/Alberta e Chile) entre os anos de 2004 e 2009. Observou-se que a média tarifária mínima era de 0,51% sobre a folha de salários e a máxima de 11,9%, revelando que, mesmo após a reclassificação do RAT, a tarifação brasileira máxima ainda está quatro vezes menor que a média.[xviii]

O reenquadramento do RAT obedeceu, ainda, a uma exigência financeira e atuarial.

Consoante Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS, dados do DATAPREV apontam que, no ano de 2009, o custo da previdência com aposentadoria precoce decorrente de acidente ou doença de trabalho foi de aproximadamente R$ 14,2 bilhões, ao passo que a arrecadação da contribuição SAT foi de algo em torno de R$ 8,1 bilhões, importando em um déficit aproximado de R$ 6,1 bilhões, somente neste ano.

No acumulado de 2003 a 2009, a despesa foi de R$ 74,6 bilhões, enquanto a arrecadação girou em torno de R$ 42 bilhões, acumulando déficit próximo de R$ 32,6 bilhões.

Portanto, a previdência estava com o desafio de deixar a contribuição mais justa e equânime, fazendo com que aqueles que mais acidentam e adoecem seus trabalhadores paguem mais, pagando menos aqueles que têm maior zelo com seus colaboradores. Mas, mais do que isso, tinha que fazê-lo de uma forma que diminuísse o déficit público com relação às aposentadorias por invalidez decorrentes de acidentes ou doenças de trabalho, objetivando, em razoável espaço de tempo, zerar esse rombo.

Portanto, o reenquadramento revelou-se oportuno e razoável, coerente com a legislação e a realidade fática, na busca de efetividade e equidade na tributação.

Destarte, não parece ter havido aumento generalizado de alíquotas, mas sim adequação tributária, muitas vezes para menos, outras para mais, mas com justiça.


3. Do FAP

A redefinição dos RAT's/CNAE's coincidiu, também, com a implementação do chamado FAP – Fator Acidentário de Prevenção.

Como dito, a contribuição para o SAT teve definidos os critérios de incidência da lei, no que tange à alíquota a ser observada, com a fixação do RAT (Risco Ambiental de Trabalho), que, levando em consideração a atividade preponderante da empresa (CNAE), seguindo orientações legais e constitucionais, promoveu a chamada tarifação coletiva. Ou seja, todas as empresas que exercem, com predominância, uma determinada atividade econômica passaram a ser taxadas com uma alíquota específica, correspondente ao RAT da atividade.

Embora essa escolha siga ditames constitucionais e é o critério mais objetivo e fidedigno possível sob uma perspectiva abstrata, ele põe, no mesmo grupo, empresas que, a despeito de realizarem a mesma atividade, podem seguir padrões de procedimento de prevenção de acidentes e doenças do trabalho completamente diversos, do ponto de vista qualitativo.

Essa aparente anti-isonomia tinha que ser equacionada com a temperança do critério objetivo (a definição de alíquotas com base na atividade preponderante) com um critério subjetivo (os resultados dos projetos de prevenção de acidentes e doenças laborais de cada empresa).

Imagine uma empresa que exerça uma atividade de elevado risco laboral (cujo seguimento, em geral considerado, tem alto índice acidentário). Imagine também que essa empresa implementa bom programa de prevenção e de aumento das rotinas de segurança e saúde no trabalho que faz com que seus números de invalidez sejam bastante diminuídos, discrepando das demais concorrentes do mesmo seguimento. Não seria justo que, mesmo assim, essa empresa continuasse sendo tributada igualmente às outras.

O contrário também é visualizável. Não é razoável que uma empresa que tem índices acidentários bem mais elevados que a média do seguimento seja tributada igualmente às pares, com números inferiores.

Para temperar o critério objetivo de tarifação (tarifação coletiva) com um critério subjetivo é que foi criado o FAP – Fator Acidentário de Prevenção.

Funciona da seguinte forma: a alíquota coletiva, aferida com base na atividade econômica, ao ser individualizada para o contribuinte específico, pode ser diminuída até a metade ou aumentada até o dobro, conforme sejam positivos ou negativos os registros acidentários de cada empresa. E não haverá alteração de alíquota se não houver impacto nos resultados acidentários da empresa em comparação com a média do seguimento.

O objeto é não somente premiar as empresas com melhores resultados acidentários, frutos de políticas de prevenção de acidentes e doenças no trabalho, mas também incentivar as empresas a implementarem programas e rotinas de aumento da segurança e melhoria da saúde do trabalhador.

Trata-se, pois, de uma política fiscal de indução da atividade econômica sob uma perspectiva pedagógica.

Obviamente que não poderiam ser realizadas alterações nas alíquotas sem amparo em uma lei, em razão do princípio da reserva legal, alhures abordado.

A aplicação dessa política fiscal foi possível em razão da Lei nº 10.666/2006, cujo art. 10 estabelece:

“Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.”

Tal como a contribuição para o SAT, a implementação do FAP carecia de regulamentação que possibilitasse a aplicação da lei, que não exauria a disciplina. Aliás, a própria lei remete a tal necessidade, conforme se percebe da parte final do dispositivo transcrito. Tal regulamentação se deu com a edição do Decreto nº 6.042/2007, que introduziu o art. 202-A ao Decreto nº 3.048/99; do Decreto nº 6.957/2009, que o alterou a redação deste; e do Decreto nº 7.126/2010, que introduziu o art. 202-B ao mesmo Decreto nº 3.048/99. Todos, por sua vez, tiveram a implementação possibilitada pelas rotinas definidas pelo MPS, em portarias e demais atos do Conselho Nacional Previdência Social, órgão quadripartite, composto por representantes do Estado, dos empregados, dos empregadores e do beneficiados (aposentados e pensionistas), a rigor do que consta na lei.

Em linhas gerais, o FAP é um índice multiplicador da alíquota coletiva que varia de 0,5 a 2, alcançado a partir de equação que leva em consideração os resultados de cada empresa no que tange a frequência, gravidade e custo acidentário, segundo os registros do MPS.

Os resultados acidentários por atividade econômica são publicados anualmente, pelo MPS, no Diário Oficial da União e no site da previdência, conforme dito acima. Já os resultados de cada empresa, parametrizados pelo índice FAP, por envolver informações sigilosas, não são publicados no DOU, mas são no site da previdência, a disposição de cada empresa, que os visualiza, individualmente, mediante cadastramento de login e senha.

Portanto, ao que parece, não somente a regulamentação foi legítima e motivada, mas a aplicação em si da lei é criteriosa e observa a publicidade cabível, com a divulgação ampla das informações que não são sigilosas e disposição, para cada empresa (mediante login e senha), das suas informações privadas.

O FAP de um ano é aplicado a partir do quarto mês seguinte ao da sua publicação.

Eis a previsão do art. 202-A do Decreto 3.048/99, compilado:

“Art. 202-A.  As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007

§ 1o  O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 2o  Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 3o  (Revogado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 4o  Os índices de freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007

I - para o índice de freqüência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos.  (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 5o  O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, sempre no mesmo mês, no Diário Oficial da União, os róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 6o  O FAP produzirá efeitos tributários a partir do primeiro dia do quarto mês subseqüente ao de sua divulgação. Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007

§ 7o  Para o cálculo anual do FAP, serão utilizados os dados de janeiro a dezembro de cada ano, até completar o período de dois anos, a partir do qual os dados do ano inicial serão substituídos pelos novos dados anuais incorporados. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 8o  Para a empresa constituída após janeiro de 2007, o FAP será calculado a partir de 1o de janeiro do ano ano seguinte ao que completar dois anos de constituição. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 9o  Excepcionalmente, no primeiro processamento do FAP serão utilizados os dados de abril de 2007 a dezembro de 2008. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 10.  A metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social indicará a sistemática de cálculo e a forma de aplicação de índices e critérios acessórios à composição do índice composto do FAP. (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

Com efeito, nenhuma mácula constitucional e legal parece haver na regulamentação e aplicação do FAP.

E também esse, é defensável dizer, não provocou o aumento generalizado de alíquotas. Muito pelo contrário, o FAP deu equidade à exação, temperando o critério objetivo de definição de alíquota (baseado na atividade) com um critério subjetivo (os resultados acidentários de cada empresa).

Em agradável surpresa, o FAP/2009, por exemplo, revelou uma quantidade considerável de empresas com boas práticas de segurança e saúde do trabalho, gerando diminuição de alíquota em cerca de 92% das empresas, impondo aumento em apenas 8% delas.

Segundo dados contidos na Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS, excluídas empresas aderentes do Simples Nacional, foram parametrizados pelo índice FAP 952.561 empresas, das quais 879.933 tiveram FAP abaixo de 1 (com redução de alíquota), ao passo que somente 72.628 tiveram FAP acima de 1 (com aumento de alíquota).

Ou seja, ao que tudo indica, somente empresas que realmente não têm boas práticas de saúde e segurança do trabalho são prejudicadas com a política.

No entanto, aumentar a tributação desse tipo de empresa é exatamente o que se busca, com fundamento na dignidade da pessoa humana, nos valores da função social da propriedade e da livre iniciativa, e na equidade da tributação da contribuição para o SAT.

Contudo, muitas empresas demandam a justiça sob a alegativa de que foram ignoradas melhorias implementadas com reflexos na segurança e saúde do trabalhador, como aprimoramentos ergonômicos, treinamentos, implementação de CIPA[xix], implementação de SESMT[xx], ginásticas laborais, renovação dos EPI's[xxi] etc.

Consoante destacado acima tais práticas são consideradas e estimuladas pelo Poder Público e são também determinantes na definição do FAP.

Porém, o que se tira por base são os resultados acidentários.

Isso porque a Administração não pretende que sejam implementadas práticas de prevenção de acidentes e de doenças laborais, mas sim que sejam implementadas praticas efetivas de prevenção de acidentes e de doenças laborais.

Não é o fim do Poder Público a implementação de programas preventivos. O fim é a redução dos acidentes e doenças do trabalho. Tais programas são o meio. O que é premiado pelo FAP redutivo de alíquotas não é a implementação do meio, mas sim o alcance do fim. São os resultados.

Destarte, se a empresa tem por objetivo apenas reduzir sua tributação (e não, efetivamente, reduzir os índices acidentários) e institui programas ineficazes de prevenção acidentária, sem resultados práticos, não será beneficiada com um FAP redutivo de alíquota. Como dito, o que é levando em consideração são os resultados dessas melhorias, não elas próprias.


4. Do Contraditório e Da Ampla Defesa

Por fim, é salutar destacar que todas essas implementações e modificações observam o devido processo legal também do ponto de vista da garantia de ampla defesa e do contraditório, sobretudo no que tange às empresas que tiveram ou têm elevação de alíquotas.

Evidentemente que, no que tange à redefinição do RAT, não há que se falar em contraditório ou ampla defesa para cada sujeito passivo, já que nessa perspectiva, da tributação coletiva, é considerado o resultado acidentário da atividade econômica como um todo e em todo o território nacional, contemplando dados de todas as empresas de cada seguimento, o que é compilado no AEAT (Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho).

Porém, naquilo que diferencia as diversas empresas do mesmo seguimento, o FAP, é dada ampla defesa, a ser exercida em contraditório.

Reza o art. 202-B do Decreto nº 3.048/99, acrescido pelo Decreto nº 7.126/2010, que, no prazo de trinta dias da divulgação do FAP de cada empresa, poderá ser apresentada contestação, perante o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional, que aponte divergências quanto aos elementos previdenciários que compõe o cálculo do FAP. Da decisão que apreciar tal contestação cabe recurso para a Secretaria de Políticas de Previdência Social. E tanto a contestação quanto o recurso têm efeito suspensivo sobre a exigibilidade do crédito tributário resultante da aplicação do FAP impugnado.

Eis como consta:

“Art. 202-B. O FAP atribuído às empresas pelo Ministério da Previdência Social poderá ser contestado perante o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional da Secretaria Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência Social, no prazo de trinta dias da sua divulgação oficial. Incluído pela DECRETO Nº 7.126, DE 3 DE MARÇO DE 2010 – DOU DE 4/3/2010)

§ 1º A contestação de que trata o caput deverá versar, exclusivamente, sobre razões relativas a divergências quanto aos elementos previdenciários que compõem o cálculo do FAP. Incluído pela DECRETO Nº 7.126, DE 3 DE MARÇO DE 2010 – DOU DE 4/3/2010)

§ 2º Da decisão proferida pelo Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional, caberá recurso, no prazo de trinta dias da intimação da decisão, para a Secretaria de Políticas de Previdência Social, que examinará a matéria em caráter terminativo. Incluído pela DECRETO Nº 7.126, DE 3 DE MARÇO DE 2010 – DOU DE 4/3/2010)

§ 3º O processo administrativo de que trata este arigo tem efeito suspensivo (Incluído pela DECRETO Nº 7.126, DE 3 DE MARÇO DE 2010 – DOU DE 4/3/2010)”

Tal possibilidade de defesa, registra-se, não foi incluída em 2010. Já em 2009, quando da normatização acerca da implementação do Decreto nº 6.042/2009, através da Portaria Interministerial nº 329/2009, já havia a previsão de possibilidade de impugnação, pelas empresas, do FAP a elas atribuído pelo MPS. Eis o teor do art. 1º:

“Art. 1º O FAP atribuído pelo Ministério da Previdência Social - MPS poderá ser contestado perante o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional daquele Ministério, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação desta Portaria, por razões que versem sobre possíveis divergências dos elementos previdenciários que compõem o cálculo do Fator”.

Portanto, sempre é e foi dada ampla defesa às empresas no que tange ao FAP a elas atribuído anualmente, a ser exercido em contraditório, com amplas possibilidades de impugnação e interposição de recursos, com efeito suspensivo inclusive.

Em conclusão, atribui-se constitucionalidade à instituição da contribuição para o SAT, bem como à sua legítima regulamentação, sobretudo no que toca à implementação do RAT e do FAP, a partir da criação de toda uma legislação tributária específica, nos termos do art. 96 do CTN[xxii], implementada mediante lícitas rotinas administrativas.


Referências Bibliográficas:

- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006;

- IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12ª ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2009;

- PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF, 12ª Ed., Impetus, Niterói-RJ, 2007;

- PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 17ª Ed., Atlas, São Paulo, 2004;

- Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS, expedida pelo Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social;

- Informativo STF nº 301, de 17 a 21 de março de 2003, visualizável em http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo301.htm;

- Informativo STJ nº 268, de 14 a 18 de novembro de 2005, visualizável em http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp.


Notas

[i] A chamada regra matriz das contribuições:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

...”

[ii]“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

...”

[iii]“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

...”

[iv] “Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

...”

[v]PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF, 12ª Ed., Impetus, Niterói-RJ, 2007, p. 83.

[vi] “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”

[vii]Nesse sentido, a melhor doutrina, valendo transcrever:

“A par disso, o STF pacificamente considera objeto de reserva legal todas as matérias enumeradas no art. 97 do Código Tributário nacional, o que decorre, como veremos, da estruturação de nosso ordenamento jurídico. A lista constante desse dispositivo costuma ser apontada por parcela da doutrina, e pelo STF, como um rol taxativo (numeros calusus), ou seja, outras matérias pertinentes ao direito tributário alí não expressas poderiam ser disciplinadas por ato infralegal, como os decretos. São as seguintes as matérias arroladas no art. 97 do CTN:

I) instituição ou extinção de tributos;

II) majoração ou redução de tributos;

III) definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do sujeito passivo;

IV) fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo;

V) cominação de penalidades;

VI) exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários e dispensa ou redução de penalidades.”

(PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Cit, p. 84)

[viii] “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

...”

[ix]PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 17ª Ed., Atlas, São Paulo, 2004, p. 86/87.

[x]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 45 a 46.

[xi]Cf. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12ª ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2009.p. 216.

[xii]Vide Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS, expedida pelo Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social.

[xiii]  Vide Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS.

[xiv] “Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.

§ 1º Da comunicação a que se refere este artigo receberão cópia fiel o acidentado ou seus dependentes, bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria.

§ 2º Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo.

§ 3º A comunicação a que se refere o § 2º não exime a empresa de responsabilidade pela falta do cumprimento do disposto neste artigo.

§ 4º Os sindicatos e entidades representativas de classe poderão acompanhar a cobrança, pela Previdência Social, das multas previstas neste artigo.

§ 5o  A multa de que trata este artigo não se aplica na hipótese do caput do art. 21-A. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006)”

[xv]Logicamente que esse dados ainda não são totalmente verossímeis, pois muitos episódios acidentários continuam sem comunicação oficial, o que deve motivar o Poder Público, seja quando das perícias seja quando da fiscalização das relações de trabalho (através dos Auditores Fiscais do Trabalho), a criar rotinas que permitam a alimentação do sistema com dados mais precisos. Porém, essa distância ainda existente entre a realidade acidentária e os dados oficiais beneficia as empresas, e não as prejudica, na medida em que há omissão de ocorrências danosas, e não acréscimo.

[xvi] http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423#p1.

[xvii]Visualizável in http://www2.dataprev.gov.br/fap/portmps254.pdf.

[xviii] O novo Seguro de Acidente e o Novo FAP. São Paulo:LTR.  Capítulo VI. Comparabilidade entre o Seguro Acidente do Trabalho no Brasil e o de Oito países no mundo. Págs. 100 a  176, apud  Nota Judicial nº 016/2012/DPSSO/SPPS.

[xix]Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.

[xx]Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho.

[xxi]Equipamentos de Proteção Individual.

[xxii]“ Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.”


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Paulo Mariano Alves de. SAT, RAT e FAP: instituição, regulamentação e reenquadramento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3646, 25 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24779. Acesso em: 18 abr. 2024.