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Uma revisão do princípio da legalidade tributária

Uma revisão do princípio da legalidade tributária

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É possível a utilização de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais no direito tributário, bem como uma maior atuação legislativa do Poder Executivo para complementar conceitos, definir critérios técnicos e instituir elementos não essenciais do tributo.

Resumo: O presente artigo trata do princípio a legalidade tributária, abordando suas origem e posições doutrinárias. Leva em consideração a modificação do conteúdo desse princípio por autores modernos, no sentido de permitir a utilização de técnicas legislativas que permitam uma maior atuação da Administração para definição de critérios técnicos e para aplicação da lei em massa. O artigo analisar ainda os efeitos da crise da lei no princípio da legalidade tributária.

Palavras-chave: princípio da legalidade, tributação, flexibilização.


1. Histórico da legalidade tributária

O princípio da legalidade tem sua origem na Idade Média, com expressão em numerosos documentos medievais, dentre os quais se destaca a Magna Charta Libertatum inglesa de 1215 (NABAIS, 2010).  Este documento impôs a necessidade de prévia aprovação dos súditos para a cobrança dos tributos e afirmou o princípio da no taxation without representation.  A ideia era exigir o consentimento do contribuinte para a invasão do patrimônio particular. Formou-se assim a ideia de autoimposição, autotributação ou autoconsentimento dos impostos.

Sobre a Magna Carta, vale destacar que a mesma não foi imposta ao rei pelo povo ou por seus representantes, mas por um conselho de barões normandos que em nada aparentava os atuais parlamentos (COÊLHO, 2010). Ainda sobre a Magna Carta, é preciso esclarecer, conforme lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006), que a “legalidade jamais foi um conceito unívoco e pacífico”, sendo a Magna Carta um instrumento muito mais de autonomia da common law no direito anglo-saxão que da ideia da supremacy of law.

Feitas essas considerações, importa esclarecer a diferença dos tributos atuais com os impostos medievais. De acordo com José Casalta Nabais (2010), os impostos medievais tinham caráter extraordinário. O monarca somente podia instituir impostos por motivos excepcionais e com aprovação das Cortes, devendo a Coroa ser financiada, em regra, por seus próprios bens e direitos. Somente com a instituição do Estado moderno e com o abandono da antiga regra de convocação das Cortes, os impostos passaram a ser permanentes.

No século XVIII, sucumbindo às exigências revolucionárias, houve um retorno à antiga ideia da autotributação, agora marcada por duas características: votação anual da cobrança de impostos pela aprovação do orçamento anual e a exigência de os impostos serem criados e disciplinados através de lei (NABAIS, 2010).

No período liberal, a lei era vista como garantidora da qualidade do produto que regulava. Ela versava sobre o direito justo dentro da mítica que se formou em torno da lei no período pós-Revolução Francesa. Nesse contexto, o princípio da legalidade tributária era uma garantia plena ao contribuinte (Nabais, 2009). O cidadão desconfiava do Executivo, ainda impregnado de elementos do regime absolutista, e depositava sua confiança nos verdadeiros representantes do povo, ou seja, no parlamento.

José Casalta Nabais afirma que esse quadro se alterou totalmente na passagem para o estado social. Nesse período, ocorreu uma reaproximação entre a sociedade e o Estado, tendo esse assumido a tarefa de proteção daquela. A lei deixou de ser a representante do direito justo para se tornar expressão de interesses particulares. Nas palavras do autor português:

Mas todo este quadro se alterou profundamente com a posterior evolução do estado de direito, traduzida na instauração do estado social, sendo pois outros os pressupostos em que se assenta o seu funcionamento e, consequentemente, a base do próprio princípio da legalidade dos impostos. Por um lado, caiu por terra a ideia de uma separação rígida entre a sociedade, autoregulada e senhora do reino da economia, e o esta, concebido como um mal necessário e senhor do reino da política, em que aquela se apresentava protegida deste (encarnado no executivo) através do parlamento, desabando assim a base da amizade apriorística depositada neste pelos cidadãos. (2009, p.332)

Apesar do enfraquecimento da confiança depositada na lei, tendo em vista as consequências do surgimento do estado social, ela ainda se manteve como fonte principal do direito tributário.  O princípio da legalidade tributária se tornou tão forte que, mesmo nos Estados Unidos, marcado pela judicial review e preponderância do judiciário, a competência tributária é restrita ao Poder Legislativo. Assim, nos países que adotaram a tripartição dos poderes do Estado, o principio da legalidade constitui verdadeira barreira ao Executivo e Judiciário em relação à atividade legislativa tributária.

Sacha Calmon Navarro Coelho (2010) e José Casalta Nabais (2010) destacam dois aspectos do princípio da legalidade: a reserva de lei formal e a reserva de lei material. O princípio da reserva de lei formal exige a imposição de lei parlamentar escrita, aprovada pelo Poder Legislativo, de acordo com o processo legislativo vigente. Já o princípio da reserva de lei material, implica a prescrição abstrata, impessoal e obrigatório da norma, abarcando também o princípio da tipicidade.


2.  A tese majoritária

A maioria da doutrina no Brasil foi influenciada pela tipicidade fechada defendida por Alberto Xavier. Segundo esse autor, o princípio da tipicidade exige que todos os elementos do tributo sejam previstos taxativamente em lei, não podendo a Administração agir com nenhuma margem de discricionariedade.

Roque Carrazza (2010) possui entendimento bastante restritivo quanto ao princípio da legalidade. Para esse autor, todas as ações do Fisco, assim como todos os elementos da hipótese de incidência e consequência jurídica, mesmo as obrigações acessórias, prazos e procedimentos, devem estar detalhadamente previstos em lei. Veja-se:

O princípio da legalidade é uma das mais importantes colunas sobre as quais se assenta o edifício do Direito Tributário. A raiz de todo o ato administrativo tributário deve encontrar-se numa norma legal, nos termos expressos do art. 5º, II, da Constituição da República.

[...]

Como se isso não bastasse, só a lei pode criar deveres instrumentais tributários, regular a época e forma de pagamento dos tributos, definir a competência administrativa dos órgãos e repartições que vão lança-lo, cobra-lo e fiscalizar seu pagamento, descrever infrações tributárias, cominado-lhes as sanções cabíveis, e assim por diante.

[...]

Portanto, o princípio da legalidade, no Direito Tributário, não exige, apenas, que a atuação do Fisco rime com uma lei material (simples preeminência da lei). Mais do que isto, determina que cada ato concreto do Fisco, que importe exigência de um tributo, seja rigorosamente autorizado por uma lei formal. (Alberto Xavier) ou de estrita legalidade (Geraldo Ataliba). (CARRAZZA, 2010)

Com essas passagens, conclui-se que Roque Carrazza defende que não apenas os elementos essenciais do tributo devem estar previstos em lei, mas toda a atuação do Fisco. Esse autor descarta também o uso de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais no direito tributário.

Luciano Amaro (2008) identifica o princípio da legalidade tributária com o art. 150, I da Constituição. Mas vai muito além, afirmando que a lei deve definir todos os aspectos relevantes da tributação, sem possibilitar qualquer espaço para ação discricionária da Administração. Amaro repete a doutrina da tipicidade tributária de Alberto Xavier, entendendo que a lei deve ser taxativa e completa. Assim Luciano Amaro define a legalidade tributária:

Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos: requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei (AMARO, 2012, p. 133).

Também adepto desta visão do princípio da legalidade, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2010) afirma que esse princípio é mais rígido no direito tributário do que no direito penal, visto que neste último ramo do direito, cabe ao juiz determinar a dosimetria da pena. Por outro lado, no direito tributário, nenhuma liberdade é dada ao Fisco para definir o valor do tributo. Além disso, nega a possibilidade de tributação por analogia e defende a tipicidade cerrada, declarando que a “ideia tipificante abomina o concurso da Administração e do Judiciário na estruturação da lei fiscal” (COÊLHO, 2012, p. 179). Afirma ainda, que, apesar de não ser possível a participação do Judiciário na tributação, cabe a esse poder invalidar leis e atos praticados pela Administração que contrariem o princípio da legalidade, bem como aos demais princípios tributários. Esse autor também acolhe a doutrina de Alberto Xavier sobre a tipicidade fechada.


3.  Revisão do princípio da legalidade

A partir da década de 1990, alguns autores como Ricardo Lobo Torres, Ricardo Lodi Ribeiro, José Marcos Domingues de Oliveira, Marco Aurélio Greco, dentre outros, passaram a defender a superação da legalidade estrita e a possibilidade de utilização de conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais e tipos abertos no direito tributário.

Para se compreender a legalidade tributária, deve-se atentar para o princípio da legalidade conforme o mesmo se apresenta na Constituição. O art. 150, I da Constituição veda expressamente aos entes da federação “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Ao contrário dos que defendem uma legalidade estrita ou tipicidade fechada, não há nada na Constituição que determine uma legalidade tributária taxativa e classificatória, com exigência de reserva absoluta de lei. O que a constituição dispõe, a par da legalidade genérica do art. 5º, II, é a vedação para aumento e instituição de tributo sem lei. E somente isso[1].

Mesmo o CTN, em seu art. 97, não exige uma absoluta adequação entre todos os elementos da tributação e a lei. Mas resguarda para a legalidade, os elementos essenciais do tributo. Esses elementos são, além da instituição e majoração previstos na Constituição, a base de cálculo, a alíquota (apesar de existirem exceções constitucionais), a extinção, a redução, a definição do fato gerador, as penalidades e as hipóteses de suspensão de créditos tributários e de dispensa ou redução de penalidade.

Esses elementos, considerados essenciais para o princípio da legalidade, possuem essa característica porque assim definiu o CTN. Nenhuma vedação haveria em retirar desse núcleo duro da legalidade alguns elementos, salvo os previstos na Constituição. No entanto, é salutar que a legalidade tributária esteja amparada por todos eles. Não apenas por proporcionar ao contribuinte segurança jurídica, mas para proteger o próprio Estado da ação de maus gestores que poderiam reduzir ou extinguir tributos e penalidades visando o atendimento de interesse pessoal, sem previsão legal. Por isso, pode-se dizer que a legalidade tributária prevista no CTN se presta à proteção do contribuinte e, também, à proteção da própria Administração Pública.

Além desses dispositivos, o §1º e §2º do art. 97 do CTN incluem na legalidade tributária o aumento de tributo por manipulação da base de cálculo e excluem a correção inflacionária. Esses mecanismos são importantes, pois a alteração da base de cálculo, que é genericamente prevista na Constituição (menos para as contribuições especiais) e no CTN, pode resultar em aumentos expressivos no valor do tributo a ser pago. Além disso, fica excluída a alteração irregular da base de cálculo por regulamento visando somente o aumento da arrecadação com distanciamento da realidade, o que poderia ocorrer não fosse o §1º do art. 97 do CTN.

E por fim, é bom esclarecer que o dispositivo contido no §2º do mencionado artigo não se limita ao reajuste por um índice inflacionário oficial, como já entendeu o STF no caso do IPTU. Mas permite-se o reajuste via ato infralegal, tendo em vista os valores praticados pelo mercado aferíveis pelo Fisco. Como se trata de recomposição dos valores pelos efeitos da inflação, não se constata aumento do tributo, mas a manutenção do valor real da base de cálculo.

Sobre a recomposição dos efeitos da inflação nos tributos, José Cassalta Nabais defende a atualização por ato normativo, desde que previsto em lei. Acrescenta que a recomposição da inflação não se identifica com aumento do tributo. Nas palavras do autor:

[...] Com efeito, a falta de tratamento da inflação pela dogmática jusfinalista, a que se tem assistido, conduziu a que o princípio da legalidade fiscal se aplique com a mesma rigidez a alterações reais e a alteração nominais dos elementos essenciais dos impostos. Ora, temos como seguro que a actualização (mormente anual) dos valores nominais dos elementos dos impostos, de molde a fazê-los coincidir com os valores reais ou valores deflacionários, não cai na reserva de lei fiscal, podendo o legislador delegá-la na administração a realizar por via normativa (isto é, em termos genéricos). É que, a atualização de tais elementos, com base na taxa de inflação, não configura qualquer alteração (real) dos impostos, não constituindo por isso qualquer violação do princípio da reserva da lei. [...] (2009, p. 369-370).

Enumerados os elementos da legalidade tributária previstos na Constituição e no CTN, necessário se faz analisar a limitação exata de sua extensão. Não basta apenas exigir lei para instituição desses elementos. Existem situações que colocam à prova a aplicação da legalidade em casos difíceis, que não encontram pronta resposta unicamente na lei.

Como visto, a doutrina tradicional defende uma interpretação extremamente extensiva da legalidade tributária, visando aplicá-la a todos os elementos do tributo e não apenas aos essenciais. Para compreender esse posicionamento é preciso, antes de analisar seus argumentos, verificar o contexto de sua produção, bem como as consequências que ela propicia.

Verifica-se que a  tipicidade nos moldes propostos é uma excelente matéria de defesa contra a Administração Tributária, pois exige que a lei seja um instrumento de precisão cirúrgica e que abarque todas as possibilidades da vida. Como consequência, acaba por deixar de fora da incidência tributária novos fatos geradores que a evolução tecnológica e da sociedade criam, mesmo que autorizada a tributação de forma genérica pela Constituição. Além disso, é verdade também que a legalidade, conforme apresentada pela doutrina tradicional, defendendo a utilização do método casuístico e a hipótese de incidência “carregada de detalhes irrelevantes no que tange à capacidade contributiva, geram uma possibilidade ilimitada para a prática da elisão fiscal, sem que seja garantida a segurança jurídica.” (RIBEIRO, 2002, p. 329).

Além disso, observa-se que vasta produção doutrinária sobre o princípio da legalidade tributária foi realizada no período da ditadura militar (1964/1988). Os nomes mais ilustres construíram o que Sacha Calmon (2010) denominou de uma verdadeira escola, que poderia ter renome internacional não fosse a limitação da língua portuguesa.[2]

Por se tratar de um período de preponderância do Poder Executivo federal e de debilidade democrática e institucional, a exacerbação da legalidade seria um caminho de resistência contra as arbitrariedades do regime ditatorial. Por isso é fácil entender a adesão da maioria da doutrina à tese da tipicidade fechada de Alberto Xavier. A taxatividade e determinação pregada pelo autor lusitano devolveria a segurança jurídica que havia sido estremecia pelo golpe de 1964[3].

Passadas mais de duas décadas da promulgação da Carta Maior, o contexto é totalmente diverso. Na democracia brasileira, consolidada por ter experimentado a alternância de poder entre situação e oposição, o princípio da legalidade tributária deve ser entendido não mais como uma arma de defesa contra um Estado opressor e ilegítimo, mas como instrumento da democracia.

Vive-se hoje momento completamente distinto, no qual a defesa exagerada da legalidade não se mostra o caminho adequado para proteção do cidadão em face do Estado. Discorrendo sobre o assunto, Ricardo Lodi Ribeiro afirma que:

A despeito da aceitação cada vez maior que essas ideias obtém em todo mundo, no Brasil, a segurança jurídica ainda padece de uma coloração individualista, contemporânea do iluminismo, o que de certa forma pode ser explicado pelo grande desenvolvimento do Direito Tributário pátrio no período da ditadura militar (1964-1985). Em certa medida, a luta contra o arbítrio cria um ambiente político propicio ao fortalecimento da legalidade. Dentro desse contexto, se explica o aferramento à legalidade como única forma de defesa contra o arbítrio dos generais-presidentes, mas que com a redemocratização do país, soa sem sentido e em dissintonia com as tendências verificadas em todo o mundo. (2002, p. 317).

A segurança jurídica não pode ser o único valor a ser tutelado pelo direito tributário. É preciso o entendimento de que, na democracia, a segurança jurídica deve conviver lado a lado com os princípios da capacidade contributiva e isonomia. Não se trata mais de defender o cidadão contra o Estado, mas de construir uma tributação condizente com o Estado Democrático de Direito.

Importante lição nos apresenta Marco Aurélio Greco (2004) ao afirmar que, considerando o ambiente mutante que em se vive atualmente, seria recomendável a adoção de técnicas legislativas que tornassem a legislação tributária perene, abarcando fatos e situações projetadas para o futuro. O legislador deve disciplinar a realidade considerando que as mudanças são mais velozes que sua capacidade de prever novas regras. Para esse autor, a forma de acompanhar as mudanças

[...] é prever standards, padrões de conduta ou padrões de fato, em vez de prever condutas individuais ou fatos específicos. Criam-se modelos abstratos, partindo da ideia de que o modelo pode ter uma vida maior do que a descrição de cada conduta individualizada. (GRECO, 2004, p. 129).

Nesse cenário, é necessário pensar como o legislador deveria elaborar a lei tributária almejando tributar todos os fatos possíveis e os que poderiam surgir. A técnica taxativa e classificatória não se apresenta como uma forma segura de se chegar a esse objetivo. Pode-se até utilizar de tabelas e listas como no caso da lista do Imposto Sobre Serviço – ISS. Entretanto, a técnica utilizada, com adoção de termos como “congêneres”, “qualquer natureza”, “qualquer espécie”, “em geral” e “relacionados” acaba dotando os elementos da base de cálculo do ISS de uma interpretação extensiva explícita, contrária à tipicidade fechada.

É preciso reconhecer que, apesar de ser o ideal que o legislador preveja todos os elementos da obrigação tributária em lei, tal situação se mostra impossível. Não apenas porque a linguagem é por si imprecisa, temporal e contextual, mas porque na sociedade atual, marcada pelas complexidades e por rápidas mudanças, não é desejável petrificar todos os elementos da hipótese de incidência e da consequência jurídica, sob pena de serem necessárias modificações frequentes na legislação para abarcar novos fatos que possam surgir e que sejam aptos a medir a capacidade contributiva dos contribuintes da mesma forma que os fatos geradores até então previstos em lei.

A legalidade tributária deve permitir o uso de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. Essas técnicas legislativas têm a vantagem de dar vida longa a lei e abarcar de forma abrangente as situações da vida possíveis de influenciarem no fato gerador[4].


4. Dos conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais

Apesar da crítica da doutrina tradicional, parte dos estudiosos do direito tributário, tais como Ricardo Lobo Torres, Ricardo Lodi Ribeiro, Luis Eduardo Schoueri, Ana Paula Dourado, José Casalta Nabais, dentre outros, defende o uso essas técnicas legislativas.

Os conceitos jurídicos são em regra indeterminados, conforme assevera Ricardo Lodi Ribeiro (2002, p. 324) citando Karl Engish, “sendo os absolutamente determinados muito raros no Direito”. Os conceitos determinados são aqueles que possuem significado inequívoco, tais como os conceitos numéricos. Também Ana Paula Dourado (2007, p. 365) reconhece a indeterminação dos conceitos jurídicos afirmando que “a indeterminação legal não pode ser eliminada, não só porque por vezes a opção por uma maior determinação conduz a respostas e resultados mais imprecisos e não manejáveis [...], como também porque a linguagem jurídica é indeterminada”.

Com a adoção de técnicas taxativas corre-se o risco de deixar de fora fatos que possuem o mesmo conteúdo econômico, dando origem a injustiças fiscais e elisão não almejada pelo legislador. Neste sentido, é positiva a lista de serviços do ISS, como dito, por apresentar termos ampliativos e extensivos, dando margem à inclusão de fatos geradores não expressamente mencionados no texto da lei.

É neste ponto que as lições de Ricardo Lodi Riberio e Ricardo Lobo Torres se mostram muito pertinentes ao afirmarem que a legalidade tributária como defendida pela doutrina tradicional se apega à segurança jurídica somente, deixando de fora a isonomia e a capacidade contributiva. Com a utilização dos conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, bem como de listas exemplificativas, consegue-se eliminar a injustiça fiscal ao abarcar na hipótese de incidências os fatos que demonstram o mesmo valor econômico e capacidade contributiva.

Os conceitos jurídicos indeterminados são aqueles que não possuem significado imediato, necessitando do caso concreto para determinação do conceito. “Neles estão presentes conceitos de experiência e valor” (RIBEIRO, 2002, p. 325). No conceito indeterminado o legislador confere à Administração uma certa margem de apreciação, “onde esta, a partir de uma valoração objetiva, vai interpretar a norma de acordo com as concepções morais dominantes na sociedade, que não se confunde com a moral pessoal do juiz.” (RIBEIRO, 2002, p. 326). Para Ana Paula Dourado (2007) cabe aos órgãos da Administração, sob a revisão do Judiciário, preencher com valorações próprias os conceitos jurídicos indeterminados.

Eduardo García de Enterría e Tomáz-Ramón Fernández (2011) entendem o conceito jurídico indeterminado como uma técnica jurídica na qual a lei abarca uma esfera da realidade cujos limites não se mostram bem precisos no seu enunciado, ou seja, no texto da lei, mas se mostram claros no caso concreto. Para eles, existem conceitos que não admitem uma quantificação ou determinação rigorosa e por isso devem ser descritos de forma indeterminada na lei. Mas, a realidade indeterminada no dispositivo legal será determinada no momento da aplicação da lei.

Para entender a importância e, mesmo, a segurança que o uso dos conceitos jurídicos indeterminados se reveste, é necessário analisar a diferença entre esses conceitos e a discricionariedade. O uso dessa última no direito tributário poderia comprometer a segurança jurídica, mas não os conceitos jurídicos indeterminados.

Para os autores espanhóis mencionados, a diferença central entre os conceitos jurídicos indeterminados e a discricionariedade é que, nos primeiros, existe apenas uma solução justa no caso concreto, passível de revisão pelo judiciário. Além disso, nesses conceitos, não existe nenhuma margem para que o aplicador da lei atue com liberdade de decisão. Cabe a ele executar a única solução correta/justa. Porém, na discricionariedade, existem várias soluções legalmente justas e a escolha das mesmas não pode ser revisada pelo judiciário. Nas palavras de Enterría e Fernandez (2011, p. 483-484):

La discrecionariedade es esencialmente uma libertad de elección entre alternativas igualmente justas, o, si se prefiere, entre indiferentes jurídicos, porque la decisión se fundamenta normalmente em criterios extrajurídicos (de oportunidad, econômicos, etc.), no incluídos em la Ley y remitidos al juicio subjetivo de la administración. Por el contrario, la aplicación de conceptos jurídicos indeterminados es um caso de aplicación de la Ley, puesto que se trata de subsumir em uma categoria legal (configurada, no obstante su imprecisión de limites, com la intención de acotar um supuesto concreto) unas circunstancias reales determinadas; justamente por ello es um processo reglado, que se agota em el proceso intelectivo de comprensión de uma realidad em el sentido de que el concepto legal indeterminado há pretendido, proceso em el que no interfiere ninguna decisión de voluntad del aplicador, como es ló próprio de quien ejercita uma potestad discrecional.

Las concecuencias de esse son capitales. Siendo la aplicación de conceptos jurídicos indeterminados um caso de aplicación e enterpretación de la Ley que há creado el concepto, eu juez puede fiscalizar tal aplicación, valorando si la solución a que com Ella se há llegado es la única solución justa que la Ley permite. Esta valoración parte de uma situación de hecho determinada, la que la prueba le ofrece, pero su estimación jurídica la hace desde el concepto lagal y es, por tanto, uma aplicación de la Ley. Em cambio, el juez no puede fiscalizar la entraña de la decisión discrecional, puesto que sea, ésta del sentido que sea, si se há producido dentro de lós limites de la remisión lagal a la apreciación administrativa (y com respeto de lós demás limites generales que veremos), es necesariamente justa (como ló sería igualmente la solución contraria).

Portanto, o uso de conceitos jurídicos indeterminados não causa insegurança jurídica, nem confronta o princípio da legalidade tributária. Ao contrário, esses conceitos, possuindo apenas uma interpretação justa no caso concreto, se revelam um excelente instrumento para a tributação, na medida em que, além de dar segurança através da interpretação do Poder Judiciário, possibilita o uso de termos amplos, evitando os inconvenientes da taxatividade.

É preciso apenas advertir que a indeterminação dos conceitos não pode ser muito elevada, ou seja, não é recomendável que o grau de indeterminação seja muito alto, sob pena de que a Administração Pública atue com uma margem de livre apreciação na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados. É necessário que o “indivíduo possa ter a oportunidade de confrontar o seu comportamento à lei.” (DOURADO, 2007, p. 304).

A cláusula geral é uma hipótese legal dotada de grande generalidade destinada a abarcar um domínio de casos subordinados a seu tratamento jurídico. Em importante lição, Ricardo Lodi Ribeiro (2002) assim define as cláusulas gerais:

Ao lado dos conceitos indeterminados, a lei utiliza-se ainda, como técnica desvinculadora, as chamadas cláusulas gerais, que se traduzem na formulação da hipótese legal que, dada sua grande generalidade, abrange todo um domínio de casos subordinados a seu tratamento jurídico. São conceitos multisignificativos, que se contrapõem a uma elaboração casuística das espécies legais. A sua utilização pelo legislador não significa uma opção por conceitos abstratos, discricionários ou indeterminados, uma vez que não possuem qualquer estrutura própria, embora quase sempre resultem em um conceito indeterminado. (2002, p. 329).

As cláusulas gerais não prescrevem uma conduta, mas definem valores e parâmetros hermenêuticos. Por isso colocam em relevo o papel do intérprete, em especial do juiz para definição do caso concreto. No direito tributário, não se trata de definir uma cláusula geral tributária apta a abrigar todas as manifestações de capacidade contributiva (RIBEIRO, 2002). Trata-se do uso de uma técnica legislativa que permita, em certos casos, que o intérprete chegue à decisão correta a partir de uma abstração. Essa técnica também se opõe à casuística e oferece vantagens relativas à isonomia e capacidade contributiva.

Do mesmo modo que os conceitos jurídicos indeterminados, o grau de abstração das cláusulas gerais não deve ser muito amplo, de forma a conferir à Administração várias opções. Aqui também existe apenas uma solução justa para o caso concreto. Apesar de defender neste trabalho o uso das cláusulas gerais no direito tributário, adverte-se que seu uso deve ser restrito, a fim de que não seja substituída a vontade do legislador pela vontade da Administração ou, em última análise, pela vontade do juiz.


5. Do princípio da praticabilidade

Para José Casalta Nabais é necessário mitigar o princípio da determinação, no Brasil chamado de princípio da tipicidade ou legalidade estrita, tendo em vista o princípio da praticabilidade. Esse autor entende ser o princípio da legalidade de extrema importância no direito tributário, sendo necessário para a definição dos elementos essenciais do tributo. Entretanto, o autor lusitano permite uma maior margem de atuação da Administração por entender impossível uma determinação absoluta em lei, sendo que essa determinação acabaria por gerar novas indeterminações e lacunas não almejadas pelo legislador. Além disso, é preciso reconhecer que a complexidade da economia atual não permite uma taxatividade fiscal, sob pena de ofensa à isonomia e à capacidade contributiva. Para Nabais:

Mas esta pretensão do apuramento do real – mormente tratando-se da realidade econômica em permanente e acelerada evolução - , para além de conduzir a uma excessiva analítica da lei do imposto, capaz de pôr em causa a segurança jurídica que essa consideração do real visava salvaguardar, é, em larga medida, impossível de realizar ao nível das normas fiscais, não restando ao legislador outro remédio senão deixar essa função à administração fiscal a exercer aquando da aplicação das mesmas. Por isso, uma tributação ancorada na capacidade contributiva efectiva dos contribuintes singulares ou colectivos, ao invés da visão clássica (liberal), que reclamava uma legalidade fiscal e a consequente atribuição de uma dada “margem de livre decisão” à administração fiscal. Uma margem que, nomeadamente, lhe permita actuar eficazmente contra a fraude e a evasão fiscais, permitidas por um sistema que arvore a reserva de lei em valor absoluto, e deixe, por impossibilidade prática, de prever ou de prever adequadamente a tributação de factos que eminentes razões de justiça exigem. (2009, p.335).

Encontrando aqui pontos de contato da crise da lei com o direito tributário, Casalta Nabais (2009) assevera que o princípio da legalidade não carrega mais a carga garantística de outrora, tendo em vista os jogos de pressão que influenciam no processo legislativo. Além disso, também o Executivo não é mais entendido como um mal necessário ou um inimigo a ser combatido, tendo em vista a legitimidade dos governos no Estado Democrático de Direito. Por isso, o princípio da legalidade tributária deve ser mitigado para permitir a tributação em massa (praticabilidade) e uma atuação técnica do Executivo mais contundente. Nas palavras do autor lusitano:

Pois bem, tendo em conta todas as transformações que vimos de enumerar, fácil é concluir que o princípio da legalidade fiscal deixou de constituir a garantia de produção de um direito fiscal justo decorrente do consentimento dos contribuintes. De um lado, a lei já não está acima de qualquer suspeita, violando com alguma frequência os direitos dos cidadãos, mormente os da(s) minoria(s) vencida(s) no parlamento. De outro lado, o executivo já não se apresenta com o carimbo de inimigo número um das liberdades, uma vez que, para além da indiscutível legitimidade democrática de que actualmente goza, está frequentemente em melhores condições, mormente de ordem técnica, do que o parlamento para ser suporte da realização da ideia de direito e tutelar as exigências tradicionalmente imputadas à ideia de autoconsentimento dos impostos subjacente a legalidade fiscal. (2009, p. 340).

No Brasil, o princípio da praticabilidade poder ser apontado como consequência do princípio da eficiência, erigido a princípio constitucional pela Emenda Constitucional nº 19/1998. Esse princípio constitucional exige que a Administração Pública preste serviços públicos à população de forma eficiente, com vistas ao resultado. E não apenas nos serviços públicos se insere a eficiência, mas também aos serviços administrativos internos. Exige-se com esse princípio que a Administração paute sua atuação voltada para os resultados, simplificação, desburocratização, economia e efetividade. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho (2007):

Vale a pena observar, entretanto, que o princípio da eficiência não alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao contrário, deve ser observado também em relação aos serviços administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas. Significa que a Administração deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter a qualidade total da execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem exercê-las. Tais objetivos e que ensejaram as recentes ideias a respeito da administração gerencial nos Estados modernos (public management), segundo a qual se faz necessário identificar uma gerência pública compatível com as necessidades comuns da Administração, sem prejuízo para o interesse público que impele toda a atividade administrativa. (2007, p. 24).

Na Administração Tributária, o princípio da eficiência vai exigir que os tributos sejam lançados de forma simples e menos onerosas, com utilização de tecnologia da informação e de métodos de tributação em massa. Nesse contexto, verifica-se a importância do princípio da praticabilidade consistente na adoção de técnicas que evitem a investigação exaustiva do caso isolado e a dispensa da colheita de provas difíceis (DERZI, 2007). Em obra de vulto sobre o assunto, Mizabel de Abreu Machado Derzi (2007) assim conceitua a praticabilidade:

Praticabilidade é o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis. Como princípio de economicidade e exequibilidade inspira o direito de forma global. Toda lei nasce para ser paliçada e imposta, por isso não falta quem erija a praticabilidade a imperativo constitucional implícito.

Não se deve reduzir a extensão do princípio às atribuições de regulamentar as leis, inerentes às funções do Poder Executivo, constitucionalmente conferidas. A praticabilidade tem conotação mais ampla e é codeterminante de todas as formas de atividade estatal. Nesse sentido tem sido compreendida como um tipo de interpretação ou um desdobramento da tradicional regra teleológica, inspirada da fixação de inteligência e limites da compreensão das normas jurídicas. Segundo essa regra, deve-se coler o sentido da norma que acarrete aplicação mais cômoda, simples, econômica e funcional. (2007, p. 138-139).

O princípio da praticabilidade é imperativo para o lançamento de tributos em massa, tendo em vista o grande número de contribuintes e as complexidades da legislação tributária e dos fatos geradores definidos pelo legislador. Até mesmo nas situações favoráveis ao contribuinte, como as deduções, é inevitável o uso do princípio da praticabilidade.

Entretanto, deve-se atentar para o fato de que a praticabilidade entra em conflito com a taxatividade exigida pelo princípio da tipicidade fechada ou legalidade estrita. Mesmo se analisada a legalidade com a flexibilidade já apontada, constitui a praticabilidade, muitas vezes, uma afronta à legalidade tributária. Isso porque, na praticabilidade, utiliza-se de tipos médios e frequentes para aplicação em massa da legislação tributária, em substituição à realidade do caso concreto. Tal expediente pode, não raro, ser um instrumento de injustiça e afronta à capacidade contributiva.

Assim, é necessário que seja conferido ao contribuinte o direito ao contraditório e ampla defesa nos lançamento em massa, a fim de que o mesmo possa comprovar que seu caso não se coaduna com o padrão médio definido pela legislação tributária. Além disso, verifica-se que o regulamento é o instrumento utilizado pela administração para baixar normas de execução em massa da lei tributária, complementando conceitos, definindo critérios técnicos, instituindo procedimentos e prazos.

Fica por isso bem colocado o conceito do princípio da legalidade de José Casalta Nabais, consistente em colocá-lo como resultado de uma mediação entre o princípio da determinação (tipicidade) e o princípio da praticabilidade, de forma a conferir segurança jurídica ao lançamento de tributos em massa.


6. A crise da lei e o direito tributário

Ao fim, verifica-se que a crise da lei atingiu em cheio a legalidade administrativa, mas trata-se de um fenômeno do direito e também no direito tributário vai deixar marcas. As razões da crise da lei estão também presentes no direito tributário. A inflação legislativa, as injustiças criadas pela lei, a relevante atuação legislativa do Poder Executivo, a consolidação do constitucionalismo e o domínio da agenda do legislativo pelo Executivo são fatos que ocorrem no direito tributário.

No Brasil é patente a complexidade e o grande volume das leis tributárias. Além de existirem muitos e diferentes tributos, com o federalismo, observa-se numerosas legislações sobre os mesmos tributos em cada ente da federação.

As injustiças perpetradas pela legislação tributária brasileira são notórias quanto ao desrespeito do princípio da capacidade contributiva. A carga tributária constante dos tributos indiretos (IPI, ICMS, ISS, COFINS, CSLL, etc) é alta em relação aos países desenvolvidos, tornando as mercadorias e serviços onerosos à população. Além disso, esses impostos não diferenciam a capacidade contributiva, revestindo-se de extrema injustiça tributária. Ademais, os tributos sobre a renda são menores, com alíquotas máximas baixas comparadas aos estados europeus do bem estar social.

Conforme se verá no próximo capítulo, a atuação legislativa do Poder Executivo é bastante significativa, sob os protestos da doutrina e sob a aprovação dos tribunais. Também a vinculação à constituição tem se mostrado mais importante que a vinculação a lei, uma vez que a Constituição de 1988 é bastante extensa quanto ao sistema tributário. Por essa razão, muitas lides tributárias discutem dispositivos constitucionais e a adequação das leis a esses dispositivos.

Por último, também se verifica o domínio do processo legislativo em matérias tributárias pelo Executivo. Não apenas pela iniciativa das leis tributárias, que diga-se, é sempre do Executivo, mas dos bastidores do legislativo, uma vez que a aprovação de leis tributárias tem alto custo político e requer amplas manobras e negociações para aprovação.

Neste contexto de crise da lei, verifica-se que ela ainda continua a ter muita relevância, em especial no direito tributário. Mas o princípio da legalidade deve ser entendido de forma a compatibilizar o autoconsentimento com as complexidades dos tempos atuais. Nesse sentido, é fundamental que a lei defina os elementos essenciais dos tributos (art. 97 do CTN), mas abra a possibilidade para que a Administração Tributária detenha instrumentos para concretizar a tributação. A legalidade tributária deve permitir que a Administração atue complementando conceitos, definindo critérios técnicos e determinado elementos não essenciais do tributo.


7.  Conclusão

Concluindo, verifica-se que a legalidade tributária prevista na Constituição e no CTN limita-se a exigir lei para a instituição e o aumento do tributo e para definição dos elementos essenciais da obrigação tributária. Além disso, é possível a utilização de tipos, conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais no direito em geral e também no direito tributário. Não se trata de mecanismos de burla à legalidade, mas de técnicas legislativas visando dotar a lei de perenidade e permitir que a mesma abarque todos os casos possíveis da vida, conforme almejado pelo legislador.

Ante o exposto, conclui-se que o conceito da legalidade tributária consiste em tornar obrigatória a lei para instituição e majoração dos tributos e para definição dos elementos essenciais da obrigação tributária, sendo permitido o uso de técnicas legislativas para garantir a aplicação da lei tributária ao caso concreto. Além disso, pode-se pontuar as seguintes conclusões:

a)  A legalidade tributaria é um dos princípios fundamentais do direito tributário, possuindo grande importância por exigir o autoconsentimento do contribuinte para a instituição e majoração de tributos, favorecendo a democracia. Ademais, o princípio da legalidade tributária confere ao sistema tributário segurança jurídica;

b) O princípio da legalidade tributária não se confunde com a tipicidade fechada e legalidade estrita defendida por grande parte da doutrina. Essa teoria foi formulada em período ditatorial no qual o apego extremo à legalidade se justificava para defesa da democracia e como resistência ao regime de exceção;

c)  O princípio da determinação, como exigência de taxatividade, classificação e exclusivismo legal, conforme lecionado por Alberto Xavier não encontra fundamento jurídico na Constituição e nem no CTN;

d) A legalidade exigida pela Constituição e pelo CTN limita-se à obrigatoriedade de lei para instituição e majoração dos tributos e para definição dos seus elementos essenciais enumerados no art. 97 do CTN;

e)  É possível a utilização de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais no direito tributário, bem como uma maior atuação legislativa do Poder Executivo para complementar conceitos, definir critérios técnicos e instituir elementos não essenciais do tributo.


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Notas

[1] Para Ricardo Lodi Ribeiro (2002, p. 323): “[...] como se vê, a Constituição brasileira, no que tange a consagração do princípio da legalidade tributária, não apresenta qualquer particularidade em relação ao direito comparado. O que há de diferente em nosso país, é uma criação doutrinária sem lastro constitucional e em desacordo com os valores e princípios mais caros ao nosso ordenamento. Como bem observado por Ricardo Lobo Torres, a utilização das expressões tipicidade “fechada”, legalidade “estrita”, reserva “absoluta” de lei, não derivam da nossa Constituição, mas de construção de nossa doutrina, embalada por razões mais ideológicas que científicas.”

[2] “A doutrina brasileira sobre o tema, talvez por atravessar, desde 1964 até 1988, um longo período de predomínio do Executivo federal, é das mais vastas em qualidade e quantidade. Os juristas do Brasil, como em nenhum outro lugar, escreveram páginas fulgurantes sobre o princípio da legalidade da tributação, aprofundando-o e dele extraindo todas as consequências possíveis. A produção dos mestres é inumerável. Nomes ilustres construíram, pode-se assim dizer, uma escola que, se não fora a língua portuguesa, teria hoje renome internacional. Somos uma ilha de fala culta num arquipélago cujos idiomas são o inglês, o alemão, o espanhol, o francês e o italiano.

Na pena desta plêiade de lidadores do Direito Tributário, o princípio da legalidade de tributação mereceu lugar de destaque, Por todos, de citar excertos de Alberto Pinheiro Xavier, pelo tratamento rigoroso que imprimiu à matéria, levando-a para o campo da tipificação, uma das consequências vitais do princípio da legalidade da tributação, em que pese ser o tipo coisa diversa do conceito fechado, como demonstrado por Misabel Derzi.” (COÊLHO, 2010, p. 188)

[3] Para José Marcos Domingues de Oliveira (1995, p. 110): “A doutrina da “tipicidade fechada” no direito tributário teve seu apogeu num período histórico felizmente já ultrapassado. Claudicando outros mecanismos de controle democrático do poder do Estado, aqui como alhures, era necessário conquistar a lei como último recurso ou garantia de Liberdade; daí a adoção da tipicidade fechada no Brasil, quando aqui grassava excessivo positivismo.

Haviam sido revogados pela Emenda 18, de 1965, os dispositivos da Constituição de 1946 que prestigiavam o princípio da capacidade contributiva e a personalização dos impostos (art. 202) e a intributabilidade dos gêneros d consumo necessário (§1º do art. 15). Antes, o Supremo Tribunal Federal flexibilizara o princípio da anualidade tributária, dando origem à indigente regra da anterioridade (§29 do art. 153 da Emenda n. 1 `Carta de 1967). Restava então, a legalidade tributária. E a tipicidade “fechada”...”

[4] Luis Eduardo Schoueri (2011) defende a utilização de conceitos jurídicos indeterminados e clausulas gerais no direito tributário. Nas palavras do autor: “Não se pode negar que, idealmente, deveria o legislador definir, com precisão, a hipótese tributária. Este mandamento, entretanto, deve ser temperado, quando se considera que o legislador vale-se de palavras as quais, por sua natureza, apenas são representações de uma ideia. Não se pode esperar que, com o emprego de palavras, afaste-se certo grau de vaguesa. Ao contrário, o intérprete sempre encontrará, ao lado de situações claramente incluídas na hipótese abstrata e de outras claramente excluídas, aquelas que se colocarão em área de penumbra, em que, em última instância, o Poder Judiciário é que definirá se há, ou não, a incidência.

Ademais, em sua sociedade complexa, não se pode esperar do legislador que ele empregue termos tão precisos a ponto de cobrir, casos a caso, todas as inúmeras situações da vida que revelem a possibilidade da tributação. Tampouco seria isso desejável, já que novas situações surgiriam, a exigir, a cada segundo, nova atividade legislativa.

É por isso que boa parte dos doutrinadores vem reconhecendo que, em matéria tributária, surge o emprego, pelo legislador, de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, sem que por isso se fira o Princípio da Legalidade.” (2011, p. 286)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Huaman Xavier Pinto. Uma revisão do princípio da legalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3653, 2 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24786. Acesso em: 18 abr. 2024.