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A real possibilidade de integralização do capital social da empresa com o capital intelectual

A real possibilidade de integralização do capital social da empresa com o capital intelectual

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Muitos operadores do direito confundem capital intelectual com prestação de serviços, sem saber que com o primeiro é possível integralizar o capital social de uma empresa.

Inicialmente devemos esclarecer que o CAPITAL INTELECTUAL, espécie de SIGNO DISTINTIVO, é protegido pela Constituição Federal em seu art. 5º, XXIX – cláusula pétrea, para dizer em seguida, que nem a lei tributária pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressamente pela Constituição Federal [CTN, art. 110]

Segundo Borges, Beildeck, Medina & Vilardo Advogados, CAPITAL INTELECTUAL é:

  •  Conhecimento tecnológico ou criatividade que podem ser convertidos em valor econômico;
  • Conjunto que consiste em três componentes principais:

a) capital humano;

b) recursos intelectuais estruturais;

c) um subconjunto dos recursos intelectuais que são protegidos legalmente: a propriedade intelectual (art. 5º, XXIX, CF/88)

  • Uma expressão cunhada por Galbraith, que como conceito de prática empresarial surgiu do programa sueco que resultou do desenvolvimento do Skandia Navigator;
  • Um sistema de reconhecimento, fixação e proteção dos itens de ativo das empresas que não são descritíveis como capital financeiro, nem itens físicos de ativo;
  • Conjunto de conhecimentos, a capacidade criativa e de resolução de problemas, liderança, habilidade gerencial e empreendedora intrínseca aos funcionários;
  • “Know how, segredos de mercado, direitos de comercialização, patentes e vários direitos de design, que são mecanismos legais para proteger os ativos da empresa.

Onde estaria o CAPITAL INTELECTUAL da empresa? Resposta: No bolso e na cabeça do técnico que vai para a concorrência.

Mas também há capital jogado fora:

a) Se o empresário deixa sua criatividade escondida do seu balanço; ou

b) Se numa fusão da empresa ou venda de ativos não se leva em consideração todos os valores criativos do negócio; ou

c)  Se deixa de atrair investimento por falta aparente de ativos próprios.

O que ativar e como ativar?

A questão passa por considerações:

a)  Contábeis;

b)  Societárias;

c)  Tributárias;

d) Regulatórias (CVM, etc...);

e) De Direito Administrativo;

f) Estratégicas.

A teoria contábil faz distinção entre bens intangíveis identificáveis (as patentes, as cartas-patentes de instituições financeiras, as marcas, etc.) e os não identificáveis (o know-how, o aviamento em geral, etc.).

Numa perspectiva de investimento externo, o GAAP, Statemente of Financial Statements nº 142, diz que:

Os bens intangíveis que tenham período de validade indeterminado, adquiridos após 30 de junho de 2001 (como, por exemplo, as marcas), deverão ser reavaliados anualmente, a fim de que os balanços fiscais das empresas reflitam o verdadeiro valor de tal propriedade.

Por tudo isso, a grande confusão de conceitos na aplicação prática de CAPITAL INTELECTUAL surge no momento que juízes e advogados se imiscuem em temas alienígenas do campo jurídico sem o imprescindível apoio técnico de especialistas da seara contábil.

Quando ousam discutir subscrição, integralização, aportes e cessões de quotas a coisa complica cada vez mais. A consequência disso tudo é a total nulidade dos contratos sociais que se equivocam em conceitos puramente contábeis. Metem os pés pelas mãos, falam tantas besteiras pueris que tangenciam às piadas mal contadas.

Digo isso e provo!

Muitos operadores do direito, sem saber o que estão falando, confundem CAPITAL INTELECTUAL com prestação de serviços, na falsa acepção de que não é possível integralizar o CAPITAL SOCIAL com CAPITAL INTELECTUAL, sem ao menos saberem, do ponto de vista científico, o que vem a ser CAPITAL INTELECTUAL, caracterizando verdadeira USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA técnica contábil.


CAPITAL INTELECTUAL

Definitivamente a integralização do capital social com o ativo intangível CAPITAL INTELECTUAL é plenamente válida dos pontos de vista contábil, jurisprudencial e também doutrinário.

Aliás, este tema é absolutamente contábil, regulado pelo COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS – PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 04 (RI) – CORRELAÇÃO ÀS NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE – IAS 38 (IASB – BV 2010); RESOLUÇÃO CFC Nº 1.303/10, NBC TG 04 – ATIVO INTANGÍVEL, de 25.11.2010.  Muito mais contábil do que jurídico! Daí a grande confusão por parte dos operadores ordinários de direito.

Atuando como Auditor Independente, Perito Contábil e Contador  já enfrentei diversas situações nas quais empresas integralizaram o CAPITAL SOCIAL com o CAPITAL INTELECTUAL e validei a prática sem maiores problemas, principalmente após o advento da Lei nº 11.638, de 28.12.2007, que reconheceu a existência de ativos intangíveis ou bens incorpóreos, verbis:

Art. 179 da Lei das Sociedade por Ações (S/A): As contas serão classificadas do seguinte modo:

(...)

VI – no ativo intangível, os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos [Toshi: Capital Intelectual] destinados à manutenção da companhia...

O CAPITAL INTELECTUAL é confundido com outras denominais contábeis inapropriadas: AVIAMENTO, GOODWILL OF A TRADE, TECHNICAL EXPERTISE, “XAROPE DA COCA COLA”.

Por exemplo: numa empresa de tecnologia da informação, hardware, software, desenvolvimento de sistemas de informática, manutenção de software, suporte e treinamento de usuários, licenciamento, desenvolvimento representação ou cessão de direitos de uso de software e de programa de computador, filio-me no entendimento jurisprudencial [AI nº 492.275-4/3 e 493.216-4/2 TJSP, j. 24.04.2008] que a saída dos sócios que agregam expertise à empresa poderá reduzi-la à própria sorte.

Então estamos afirmando categoricamente que CAPITAL INTELECTUAL É UM BEM INCORPÓREO INTANGÍVEL, DIFERENTE DE CONTRIBUIÇÃO EM PRESTAÇÃO EM SERVIÇO. É lógico que os dois fenômenos podem conviver simultaneamente, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

A "outra coisa", que não pode integralizar capital é:

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.

(...)

§ 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.

Repetindo: esta vedação não se aplica ao CAPITAL INTELECTUAL. Além da previsão legal acima, na Lei das S/A, art. 179, VI, vamos então ver o que diz a doutrina e a jurisprudência quanto a este tema:

DOUTRINA

A IMPORTÂNCIA DA CONTABILIZAÇÃO DO CAPITAL INTELECTUAL E O DESAFIO QUE TRAZ AOS PROFISSIONAIS DE CONTABILIDADE (XI INIC / VII EPG – UNIVAP 2007, XI ENCONTRO LATINO AMERICANO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, VII ENCONTRO LATINO AMERICANO DE PÓS-GRADUÇÃO – UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA)

Vânia Gonçalves - Universidade do Vale do Paraíba/Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas

Jonas Comin de Campos - Universidade do Vale do Paraíba / Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas

Tem se tornado óbvio que o valor real de algumas corporações não pode ser determinado somente por procedimentos contábeis tradicionais.

O valor de uma empresa de softwares, por exemplo, não está no valor do seu prédio, nem mesmo nos seus estoques ou seus equipamentos, mas em outro tipo intangível de ativo: O Capital Intelectual.

O TRATAMENTO CONTÁBIL DO CAPITAL INTELECTUAL EM EMPRESA COM VALOR DE MERCADO SUPERIOR AO VALOR CONTÁBIL

Joel Marques de Oliveira - Professor do Centro Universitário de Jaraguá do Sul – SC

Ilse Maria Beuren - Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina – SC

Diante disso, a questão que permeia essa discussão é como medir o capital intelectual e determinar o seu valor. Percebe-se que a mensuração do capital intelectual, de certa forma, já vem sendo realizada pelo próprio mercado quando atribui valor a uma determinada empresa, quase sempre, bastante superior àquele encontrado nos registros contábeis.

Não foram identificados na literatura, métodos padronizados para a mensuração do capital intelectual. Entretanto, algumas formas interessantes têm sido desenvolvidas.

JURISPRUDÊNCIA

AC Nº 2.0000.00.405135-6/000, TJMG, Rel(a). Des(a) Beatriz Pinheiro Caires, v.u., j. 19.08.2004

A melhor forma para se calcular o valor de uma empresa deve considerar os ativos intangíveis, que assumem cada vez mais uma participação relevante no processo de precificação.

(...)

Isso é o que caracteriza e torna o Capital Intelectual tão valioso.

(...)

O Capital Intelectual sempre existiu, mas só agora, na era da globalização, é que ele foi alçado à condição de matéria-prima chave na economia e na engenharia.

(..)

Razões pelas quais, dou provimento em parte à apelação principal, como anteriormente anunciado, com o ativo intangível da empresa devendo ser conhecido em sede de liquidação...

AC nºs 7.122.335-1 e 7.122.336-8, da Comarca de São Paulo, Rel. José Araldo da Costa Telles, j. 29.05.2007

De efeito, dentre os elementos que integram o estabelecimento empresarial está o aviamento, goodwill of a trade, no direito inglês, ou fundo de empresa, na observação de Fábio Uhoa Coelho. É o resultado do capital intelectual investido no negócio, anota Gladston Mamede (gn).

AI nº 492.275-4/3 e 493.216-4/2, da Comarca de São Paulo, Rel. Maurício Vidigal, j. 24.06.2008

Perdas de capital intelectual e financeiro (referidas na ressalva “f”), decorrentes da saída dos sócios, são eventos possíveis. Estão contidos no risco do negócio. Este já foi considerado quando a PRICE desprezou a estimativa da Delloite para o crescimento dos fluxos e desconto na sua previsão.

DIREITO DE EMPRESA, Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Revista dos Tribunais, 4ª ed. 2012: São Paulo, p. 356.

Isso implica dizer que as quotas de capital social da sociedade limitada representam sempre contribuições patrimoniais e que o sócio não tem vínculo com a sociedade, senão como sócio-investidor

Se o sócio, não é administrador, mas trabalha para a sociedade , só pode fazê-lo na condição de empregado ou na falta de subordinação hierárquica , na de trabalhador autônomo.

CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, Alice Monteiro de Barros, 1ª ed. LTr, 2005 (APUD ACÓRDÃO Nº 20060087956 – TRT/SP, Rel. Cândida Alves Leão, j. 21.02.2006)

A inserção da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho é polêmica, pois se de um lado ela é necessária à proteção dos legítimos interesses da empresa, numa época em que o capital intelectual importa mais do que o segredo de fabricação, dada a intensa concorrência a que são submetidas as empresas, de outro lado ela poderá infringir a liberdade de trabalho, ofício ou profissão assegurada em preceito constitucional (gn).

Concluo este pequeno artigo científico com uma pergunta, a qual acompanha a resposta:

P: Qual seria o nome dado à diferença entre o CAPITAL SOCIAL da empresa de arquitetura do mestre in curvilíneo Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho quando atingiu 50 anos de idade, e hoje, após a sua morte?

R: CAPITAL INTELECTUAL cujo valor ultrapassava o próprio valor contábil do CAPITAL SOCIAL.

Não é isso?


Autor

  • Toshinobu Tasoko

    Toshinobu Tasoko

    Auditor independente. Contador. Administrador de empresas. Mestre em Finanças. Professor licenciado do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí (SP). Ex-controller da Uniroyal Química do Brasil. Ex-diretor administrativo e financeiro da Incepa/Cidamar. Ex-diretor financeiro da Polenghi. Ex-diretor vice-presidente financeiro do Frigorífico AIBP. Autor dos livros: "PIS/COFINS sobre combustíveis" (LZN, Campinas, 2006) e "Processo tributário: uma abordagem lógica material" (LZN, Campinas, 2007).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TASOKO, Toshinobu. A real possibilidade de integralização do capital social da empresa com o capital intelectual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3654, 3 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24863. Acesso em: 23 abr. 2024.