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Pessoa jurídica na lei ambiental-efetividade e (in) eficácia da lei penal face ao bem jurídico tutelado

Pessoa jurídica na lei ambiental-efetividade e (in) eficácia da lei penal face ao bem jurídico tutelado

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Consolida-se a possibilidade de imputação de crimes ambientais aos entes jurídicos, haja vista que se desenvolve uma espécie de flexibilização do conceito clássico de crime, abrindo caminho para um conceito moderno que admite tal responsabilização penal.

Resumo: O presente artigo traz ao leitor uma visão reflexiva acerca dos instrumentos oferecidos pelo sistema normativo no sentido de se buscar maior eficácia no que diz respeito a aplicabilidade da lei 9605/98, denominada “lei de crimes ambientais”, no que se refere a responsabilização penal das pessoas jurídicas e sua conseqüente aplicabilidade ao ente coletivo e as pessoas físicas a ela vinculadas.

Sumário: INTRODUÇÃO.1.HIERARQUIA DAS LEIS.2.“POSITIVISMO JURÍDICO” e “REALISMO JURÍDICO”: A Definição do Direito como norma válida ou como norma eficaz. 3.EFETIVIDADE DA RESPONSABILIIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO. 4.REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE. 5.CRIMES AMBIENTAIS. 6.PRINCÍPIO DA SUBSDIARIEDADE. 7.RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA.. 8.TEORIAS DA FICÇÃO E DA REALIDADE EM CONFRONTO. 9.CONCLUSÃO. 10.REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

A possibilidade de se punir criminalmente as pessoas jurídicas constitui-se até os dias atuais um dos pontos mais controvertidos a serem enfrentados pelo operador do direito, haja vista que a “lei de crimes ambientais”, quando de sua vigência não esclareceu de forma expressa qual o procedimento a ser aplicado no caso prático, gerando, destarte, uma ausência de padronização no que se refere à aplicabilidade da norma punitiva. Diante deste cenário, o presente artigo traz uma visão panorâmica acerca da hierarquia das leis, positivismo jurídico, julgados, sistemas penais, dentre outros instrumentos necessários ao alcance da almejada tutela penal ambiental, oferecendo ao leitor uma reflexão acerca de algumas das ferramentas existentes em nosso sistema normativo.


1. HIERARQUIA DAS LEIS

Ao iniciar o estudo proposto se faz necessária uma visão panorâmica acerca do sistema normativo positivado, haja vista que ao desenvolvermos um raciocínio voltado a matéria ambiental, devemos ter em mente o mandamento constitucional:

“Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Parágrafo 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

A análise do dispositivo expresso na lei maior nos remete a intelecção de que não é possível se divorciar da realidade, a qual, no caso em estudo, é a relevância da responsabilização penal da pessoa jurídica na lei ambiental.

Entretanto, quando nos referimos à responsabilização penal quanto à sua análise para necessária aplicabilidade, verificamos que, além do mandamento constitucional, conforme discorremos têm como ferramenta a ser utilizada a importante lei número 9605/98-denominada “lei de crimes ambientais”, entendida esta como lei penal infraconstitucional (de fato e de direito), haja vista que esta oferece ao bem jurídico tutelado a proteção almejada pelo legislador maior, conforme podemos observar em seu artigo 3º:

“Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade.”

Parágrafo único.  A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”

Ao analisar o dispositivo acima mencionado, nos parece evidente que referida norma tem por finalidade transformar em realidade social, a tutela penal ambiental.

Destarte, devemos verificar que cabe ao Estado-Juiz, proporcionar a tutela jurisdicional aos delitos ambientais, considerando inclusive a ratificação de tal possibilidade, quando do surgimento da denominada “lei de crimes ambientais”, haja vista que a punição ao criminoso ambiental quando da vigência da lei 9605/98, já se encontrava a aproximadamente dez anos prevista expressamente em nosso ordenamento constitucional.

Sendo assim, para a adequada compreensão do tema, devemos ter em mente que o sistema normativo clama por eficácia no sentido de se utilizar todas as ferramentas admitidas no sistema normativo, como instrumentos para o alcance da eficácia da norma positivada, pois se assim não ocorrer estaremos diante do declínio do direito penal ambiental.


2. “POSITIVISMO JURÍDICO” e “REALISMO JURÍDICO”: A DEFINIÇÃO DO DIREITO COMO NORMA VÁLIDA OU COMO NORMA EFICAZ.

 Segundo nos ensina Norberto Bobbio, (2006, p. 142), “o positivismo jurídico, definindo o direito como um conjunto de comandos emanados pelo soberano, introduz na definição o elemento único da validade, considerando, portanto como normas jurídicas todas as normas emanadas num determinado modo estabelecido pelo próprio ordenamento jurídico, prescindindo do fato de estas normas serem ou não efetivamente aplicadas na sociedade: na definição do direito não se introduz assim o requisito eficácia.

Uma corrente jurídica contemporânea (surgida no início do século passado), que pode ser considerada pertencente ao positivismo jurídico entendido em sentido genérico, embora se diferencie do positivismo em sentido estrito, sustenta que é insuficiente a definição do direito baseada no requisito único da validade, sendo necessário, pelo contrário, introduzir também o requisito da eficácia.  O direito observa essa escola, é uma realidade social, uma realidade de fato, e sua função é ser aplicado: logo, uma norma que não seja aplicada, isto é, que não seja eficaz, não é, conseqüentemente, direito.  A doutrina desta corrente, que é conhecida com o nome de escola realista do direito, pode ser resumida da seguinte maneira: é direito o conjunto de regras que são efetivamente seguidas numa determinada sociedade.

As diferentes definições do direito dadas pela escola realista e aquelas da escola positivista (em senso estrito, por exemplo, a de Kelsen) decorrem do ponto de vista diverso em que os expoentes das duas escolas se colocam, para considerar o fenômeno jurídico; os juspositivistas enfocam o direito pelo ângulo visual do dever ser, considerando assim o direito como uma realidade normativa; os realistas enfocam o direito do ângulo visual do ser, considerando assim o direito como uma realidade fatual.

É incorreto considerar incompleta a definição juspositivista baseada no requisito único da validade; esta realmente se adequa e reflete fielmente a atitude operativa, que efetivamente o jurista assume.  O jurista, ao desenvolver a sua atividade, se coloca diante do direito de um ponto de vista normativo, considera as normas jurídicas no plano do dever ser: ele, antes de estudar o conteúdo de uma norma de um instituto jurídico, se pergunta se eles são válidos, mas não se indaga também se são eficazes, isto é, se ou em qual medida foram, são ou serão aplicados.

A diversidade entre a definição juspositivista e a realista nasce, em última análise, do modo diverso de individualizar a fonte do direito.  O que significa para um realista dizer que o direito são as normas efetivamente cumpridas?  Em outras palavras: que conduta se observa para estabelecer a efetividade de uma norma?  Talvez a conduta dos cidadãos?  Não: quando os realistas falam de eficácia do direito não se referem ao comportamento dos cidadãos; não pretendem dizer que são direito as normas aplicadas por estes últimos, e isto por dois motivos: em primeiro lugar, se se devesse acolher uma semelhante definição do direito, este não existiria porque não há normas jurídicas que todos os cidadãos respeitem; em segundo lugar, é extremamente difícil (e praticamente impossível) desenvolver uma investigação sociológica para verificar se e em qual medida os cidadãos aplicam certas normas – e conseqüentemente constatar quais são as normas jurídicas.

Falando de eficácia, os realistas se referem ao comportamento dos juízes, daqueles que devem fazer respeitar as regras de conduta impostas aos cidadãos.  Normas jurídicas são, pois, aquelas que os juízes aplicam no exercício de suas funções, vale dizer no dirimir as controvérsias.  A definição realista do direito não faz conseqüentemente tanta referência ao legislador que estabelece a norma, mas sobretudo ao juiz que a aplica; naturalmente no aplicar as normas legislativas é possível que o juiz lhes modifique o conteúdo, e portanto é possível uma divergência, uma defasagem entre o ordenamento do legislador e o dos juízes.

O problema de se dever considerar o direito do ponto de vista da validade (do dever ser) ou da eficácia (do ser), pode, portanto, ser reformulado assim: qual é o verdadeiro ordenamento jurídico?  O do legislador, embora não aplicado pelos juízes, ou o dos juízes, embora não seja conforme às normas postas pelo legislador?  Para os realistas deve-se responder afirmativamente à segunda alternativa: é direito verdadeiro somente aquele que é aplicado pelos juízes; as normas que procedem do legislador, mas que não chegam ao juiz, não são direito, mas um mero flatus vocis.  Kantotowicz, por exemplo, define o direito como:

o conjunto das regras da conduta externa, de cuja aplicação o juiz está encarregado (“Legal Science”, in Columbia Law Vev., 1928, p. 679).

Numa obra posterior (The Definition of Law – Cambridge, 1958), o mesmo autor, depois de ter examinado e descartado uma longa série de definições do direito, afirma que a característica do direito é ser justiciable (termo inglês que não tem correspondente em italiano ou português), isto é, suscetível de ser aplicado por um órgão judiciário com um procedimento bem definido (op. cit., p. 79).

A escola realista surgiu e se desenvolveu principalmente nos países anglo-saxônicos, enquanto o positivismo jurídico floresceu sobretudo na Europa continental – o que se explica perfeitamente, já que no mundo anglo-saxônico os juízes desempenham um papel de primeiro plano na produção das normas jurídicas, enquanto no mundo europeu continental a produção do direito é obra essencialmente do legislador”.²


3.  EFETIVIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO

Segundo ELADYO LECEY, “A responsabilidade penal da pessoa jurídica, realidade na Lei dos Crimes contra o meio ambiente, gradativamente vem se tornando efetiva.  De um modo geral, as pessoas jurídicas tem acatado sua responsabilização trazida pela Lei número. 9.605/98.

Há registro de diversas ocorrências de fatos, em tese constituindo crimes tipificados pela mencionada lei de proteção do meio ambiente, a respeito dos quais as pessoas jurídicas, aceitando a atribuição da autoria, tem efetuado transação penal, nos termos da Lei dos Juizados Especiais, a Lei número 9.099/95, aceitando a imposição imediata de medida alternativa (restritiva de direitos ou multa) não havendo, em contrapartida, instauração de processo criminal com juízo de condenação e aplicação de pena.  Dita transação é possível para determinadas infrações, consideradas de menor potencial ofensivo (contravenções penais ou crimes com penas cominadas até dois anos, artigos 61 e 76 da Lei número 9.099/98 e artigo 2º. da Lei número 10259/01).

Também registram-se fatos, tipificados como crimes contra o ambiente, em que as pessoas jurídicas tem acordado a suspensão do processo, trazida para o direito brasileiro pela Lei dos Juizados Especiais, em seu artigo 89 (possível para os crimes a que cominada pena mínima não superior a um ano).  Em tal situação, oferecida denúncia, fica o processo suspenso, mediante condições avençadas, transcorrido o prazo da suspensão, cumpridas as condições, constatada por laudo a reparação do dano ao ambiente, é declarada extinta a punibilidade.

Ditas medidas, além de propiciarem pronta solução aos casos, constituem, em nosso sentir instrumentos de efetiva tutela ao meio ambiente, já que somente é possível a transação penal se houver prévia composição do dano causado ao meio ambiente, assim como na suspensão do processo, conforme já apontado, para a declaração da extinção da punibilidade é exigida a constatação por laudo da reparação do dano ao ambiente (artigos 27 e 28 da Lei número 9.605/98).

É de se observar que, dentre os crimes previstos na lei ambiental, apenas um não se enquadra, em razão das penas cominadas, dentre os que admitem transação ou suspensão do processo, qual seja, o de incêndio doloso contra mata ou floresta (artigo 41, “caput”).  Assim, a grande maioria dos fatos acabam não sendo submetidos a processo e condenação no juízo criminal, restringindo-se àquelas alternativas no mesmo juízo criminal, é bem verdade.

Registram-se, no entanto, casos de instauração de processo criminal contra pessoas jurídicas, principalmente decorrentes do juízo de não suficiência daquelas alternativas (transação penal e suspensão do processo submetem-se também a outros requisitos, além da quantificação de pena cominada, demonstrando suficientes ditas alternativas).

Alguns casos já chegaram aos tribunais de segundo grau, dentre os quais, registra-se o Recurso Criminal 00.020968-6, julgado pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, sendo relator o Desembargador Sólon d`Eça Neves, que, dando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, determinou o recebimento de denúncia contra a empresa Agropastoril Bandeirante Ltda. Pelos crimes de poluição previstos nos artigos 54, parágrafo 2º., V e 60 da Lei número 9.605/98.  Haviam sido denunciados tanto a empresa quanto as pessoas físicas seus sócios, tendo o juiz de primeiro grau rejeitado a denúncia relativamente à pessoa jurídica, a recebendo tão somente quanto às pessoas físicas.  Por unanimidade, a Câmara acatou o recurso, admitindo expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica, com a seguinte ementa: “Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da ação penal que tenta apurar a responsabilidade criminal por ela praticada contra o meio ambiente”.

Outro caso significativo tramita na Justiça Federal do Brasil.  Trata-se de ação penal 2000.70.00.019440-4, na 2ª. Vara Criminal de Curitiba, Paraná, em que foi denunciada a Petrobrás – Petróleo Brasileiro S/A, pessoa jurídica de direito privado e alguns de seus dirigentes, pelo delito de poluição previsto no artigo 54 da Lei dos Crimes contra o ambiente.  Houve interposição de mandado de segurança criminal, visando o trancamento da ação penal contra a pessoa jurídica, tendo sido denegado, neste aspecto, por unanimidade pela Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região.

Destaca-se, da ementa do julgamento: “Crime contra o meio ambiente.  Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Possibilidade. Evolução histórica do conceito de pessoa jurídica. Passagem da criminalidade individual ou clássica para os crimes empresariais... .  Imputação penal às pessoas jurídicas.  Capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e com desacato ao papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Possibilidade da pessoa jurídica praticar crimes dolosos, com dolo direto ou eventual, e crimes culposos.  Culpabilidade limitada à manifestação de vontade de quem detém o poder decisório”. (Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-0/PR).

Em 18 de abril de 2002 foi proferida sentença, a primeira, ao que consta, lançada em nosso país, condenando pessoa jurídica por crimes contra o meio ambiente.  Trata-se de decisão do magistrado Luiz Antonio Bonat, Juiz Federal, da 1ª. Vara em Criciúma, Santa Catarina, no processo 2001.72.04.002225-0 que condenou a empresa A.J. Bez Batti Engenharia Ltda. E seu diretor pelos crimes previstos nos artigos 48 (impedimento de regeneração de vegetação) e 55 (extração indevida de recursos minerais) da Lei número 9605/98, em concurso formal.

Mais recentemente ainda, em 6 de agosto de 2003, o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, julgando a apelação criminal número 2001.72.04002225-0/SC, por decisão unânime, sendo relator o Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, manteve, por unanimidade, a sentença condenatória.  Trata-se, portanto, ao que tudo indica, da primeira condenação de pessoa jurídica em segundo grau de jurisdição proferida no Brasil, tendo o acórdão já transitado em julgado, sendo, pois, definitiva a decisão.  Configura, assim, significativo precedente.

Registram-se, atualmente, várias outras decisões, tanto de primeiro quanto de segundo grau, no sentido da admissibilidade da responsabilização criminal da pessoa coletiva por delitos contra o ambiente.  Ainda, outras sentenças com juízos condenatórios foram proferidas não se tendo, todavia, notícia de já terem sido decidias em segundo grau de jurisdição.”(LECEY, p.35/36).³


4.  REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE

O artigo 3º. da lei número 9605/98 deixa claro que a responsabilidade penal da pessoa jurídica está condicionada à satisfação de alguns requisitos.

São requisitos explícitos para tal responsabilização a deliberação do ente coletivo, que o autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica, que a infração tenha sido praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica.  Porém, a responsabilidade penal depende ainda de outros requisitos serem satisfeitos.  São eles:

1) que a pessoa jurídica seja de direito privado;

2) que o autor material tenha agido sob o amparo da pessoa jurídica;

3) que tal atuação ocorra na esfera das atividades da pessoa jurídica, ou

4) que essas atividades se prestem a dissimular a verdadeira forma de intervenção da pessoa jurídica.

Abaixo analisaremos cada item, visando melhor esclarecimento do assunto.

4.1 DELIBERAÇÃO NO ÂMBITO DO ENTE COLETIVO

Como requisito explícito para a responsabilização, o artigo 3º. exige que a violação da norma ocorra por deliberação havida na esfera de poder legitimada a representar a pessoa jurídica e orientar seus caminhos.

Nas palavras da lei, a infração deve ser cometida “por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado”.  A exigência da deliberação do representante do ente coletivo não significa que a pessoa jurídica somente possa ser responsabilizada por crime doloso.  A deliberação pode se relacionar à execução de atividade de risco e a execução material da conduta que viola a norma jurídica, vindo a caracterizar um tipo culposo.

A exigência de comprovação da deliberação do representante da pessoa jurídica é consectário lógico da relação objetiva que deve se estabelecer entre a pessoa jurídica e a pessoa física.  Não se pode admitir que a pessoa jurídica seja responsável por resultado lesivo que não foi determinado em sua esfera de decisão.  Os atos praticados por deliberação exclusiva da pessoa física, sem poderes de representação, repercutem efeitos apenas para determinar sua própria responsabilidade.

4.2 AUTOR MATERIAL VINCULADO À PESSOA JURÍDICA

A responsabilidade da pessoa jurídica é sempre vinculada a uma conduta violadora da norma protetiva do bem jurídico, que se verifica em seu nome e benefício.  Portanto, também é requisito para sua responsabilização a constatação da vinculação existente entre a conduta do executor material do fato lesivo e a deliberação institucional.  Isso significa que a conduta do executor material do fato se dá em cumprimento à deliberação tomada no âmbito de poder decisório da pessoa jurídica.  Vale dizer, é necessário verificar a relação de casualidade entre a decisão e a violação concreta da norma.  Tal verificação exige a identificação do indivíduo que materialmente viola o comando normativo.

A responsabilidade da pessoa jurídica, entretanto, independe da responsabilidade da pessoa física identificada como autor material da violação da norma.  Em todos os crimes definidos na lei ambiental usou-se a técnica tradicional de redação típica, de modo que a caracterização dos crimes somente se dá diante da constatação da conduta proibida referida nos tipos e não da atividade lesiva ao meio ambiente.

Ressalvamos ainda que a violação da norma jurídica se dê no estrito cumprimento da deliberação da pessoa jurídica, não podendo ser responsabilizada nos casos de excesso de mandato.

4.3 INTERESSE OU BENEFÍCIO DA PESSOA JURÍDICA

Diz expressamente o artigo 3º. da Lei 9605/98 que a responsabilidade da pessoa jurídica somente ocorrerá quando a infração for cometida no interesse ou benefício da entidade.  Assim, é necessário comprovar que a violação ao meio ambiente visava atender aos interesses da pessoa jurídica ou lhe trazer algum benefício.

A princípio pode parecer que o legislador foi redundante ao mencionar interesse e benefício da pessoa jurídica.  No entanto, uma análise mais cautelosa faz perceber que nem sempre à satisfação do interesse proporciona a obtenção direta do benefício, e a norma jurídica deixa claro que a responsabilidade se justifica com a busca de satisfação tão só do interesse.  Resta claro ainda que a responsabilização da pessoa jurídica independe da satisfação do interesse ou da obtenção do benefício.  Sendo o crime perpetrado, na sua forma consumada ou tentada, para satisfazer o interesse ou obter benefício para a pessoa jurídica, esta será responsabilizada.

Como alternativa ao requisito do interesse da pessoa jurídica, o artigo 3º. da Lei  9605/98 estabelece que a responsabilidade penal da pessoa jurídica também pode se dar quando a infração da norma ocorrer visando o benefício da pessoa moral.

4.4 PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO

As pessoas jurídicas que podem ser penalmente responsabilizadas são aquelas mencionadas no artigo 44 do Código Civil, não podendo ser responsabilizadas as pessoas jurídica de direito público, pois estas somente podem perseguir fins que se conciliem com o interesse público; não se pode falar na prática de crime em seu interesse ou benefício.  Além disso, possuindo o Estado o monopólio do jus puniendi, não seria adequado pensar que este possa punir a si mesmo. 4  Quando a pessoa jurídica de direto público for utilizada para atender aos interesses privados haverá desvio de finalidade do administrador público, que deverá responder pessoalmente pelo crime.

Ressalva cabe nos casos de pessoas jurídicas que constituem formas descentralizadas de prestação de serviços públicos.  É o caso das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e das fundações instituídas pelo Poder Público.

As empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações instituídas pelo Poder Público, denominadas entidades paraestatais, não se confundem com o Estado e podem ser criminalmente responsabilizadas, em regra. Hely Lopes Meirelles esclarece que:

“Autarquia é pessoa jurídica de direito público, com função própria e típica outorgada pelo Estado; entidade paraestatal é pessoa jurídica de direito privado, com função pública atípica, delegada pelo Estado. A autarquia integra o organismo estatal, a entidade parestatal justapõe-se ao Estado, sem com ele se identificar. Aquela é infra-estatal; esta é extra-estatal. A autarquia está no Estado; o ente paraestatal situa-se fora do Estado, ao lado do Estado, paralelamente ao Estado, como indica o próprio étimo da palavra paraestatal. 5”

4.5 AMPARO NO PODER DA PESSOA JURÍDICA

É requisito implícito da responsabilidade da pessoa jurídica que a pessoa física tenha se aproveitado do poderio, da infra-estrutura da pessoa jurídica para a prática da infração.  Somente poderá ser considerada legitima a responsabilização da pessoa jurídica quando a organização institucional estiver estritamente relacionada à infração penal.

A opção política de responsabilizar o ente moral decorre do reconhecimento de que na pessoa jurídica convergem forças econômicas que aumentam muito a gravidade da intervenção delitiva, e que tal fato repercute efeitos diretos na lesão ao bem jurídico.  A resposta penal é mais intensa e a pessoa jurídica é responsabilizada justamente porque o ataque ao bem jurídico é mais forte.  Se a conduta da pessoa física é desvinculada da organização institucional, não utilizando as forças maiores da pessoa jurídica (seus recursos materiais e imateriais) a lesão ao bem jurídico é menos importante e a responsabilidade deve restringir-se à pessoa física.

Para que haja responsabilidade da pessoa jurídica é necessário comprovar o nexo de causalidade entre seus recursos e a infração à norma jurídico-penal.

4.6 ATUAÇÃO NA ESFERA DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA

Como corolário do requisito anteriormente abordado para a responsabilização da pessoa jurídica, tem-se que a conduta da pessoa física deve se conciliar com as atividades desenvolvidas pela pessoa jurídica.  A conduta da pessoa física é o meio de execução da atividade institucional que ataca o bem jurídico.  A própria referência constitucional (artigo 225, parágrafo 3º.) deixa claro que a atividade lesiva ao meio ambiente é o fundamento material da responsabilidade da pessoa jurídica.  A legislação infraconstitucional é no mesmo sentido ao dispor que a infração que autoriza responsabilizar a pessoa jurídica ocorre por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado.  A conduta delitiva da pessoa física materializa a atividade institucional.

4.7 QUE ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA SE PRESTEM A DISSIMULAR SUA VERDADEIRA FORMA DE INTERVENÇÃO

É possível, no entanto, que a organização e as atividades desenvolvidas pela pessoa jurídica sirvam para dissimular a verdadeira forma de atuação da pessoa física, e conseqüentemente, o ataque ao bem jurídico. Nesse caso, as atividades da pessoa jurídica apresentam mera aparência de licitude, sendo que sua verdadeira forma de intervenção é ilícita.  A conduta da pessoa física, da mesma forma, materializa a atividade ilícita da pessoa jurídica e autoriza a responsabilização.  O fato de a pessoa jurídica dissimular sua verdadeira forma de intervenção não descaracteriza os requisitos de responsabilização.  A forma dissimulada da atividade da pessoa jurídica decorre de decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, e a atividade institucional lesiva ao bem jurídico legitima a responsabilidade.

Com certeza, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não somente tem lugar quando a lesão ao bem jurídico decorre de suas atividades materialmente desenvolvidas, ainda que de forma dissimulada.


5.  CRIMES AMBIENTAIS

O raciocínio desenvolvido por Norberto Bobbio e trazido no presente trabalho se justifica, haja vista que o delito ambiental no que tange a sua aplicabilidade e conseqüente eficácia, deve ser entendido sob o aspecto de legislação penal infraconstitucional especial, que é; logo, se revela oportuno uma breve introdução a sistemática adotada pelo direito criminal, haja vista que por uma questão de entendimento acerca do tema em estudo, devemos relembrar que o Código Penal vigente, tutela de forma geral toda conduta criminosa, sendo entendida esta como um direito penal geral, enquanto que a lei de crimes ambientais, trata-se de lei especial.

Entretanto, a primeira não impossibilita a aplicabilidade subsidiária da segunda, sendo certo que as duas compartilham da mesma finalidade, seguindo fielmente as regras estabelecidas pelo sistema normativo, sendo oportuno ressaltar que tal raciocínio se relaciona com a pretensão punitiva prevista expressamente no texto constitucional, conforme já discorremos.


6. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

Vitor Eduardo Rios Gonçalves,esclarece que:

“De acordo com esse princípio, em havendo duas normas aplicáveis ao caso concreto, se uma delas puder ser considerada subsidiária em relação à outra, aplica-se a norma principal, denominada “primária”, em detrimento da norma subsidiária.

Aplica-se o brocardo lex primaria derrogat subsidiariae.

A subsidiariedade de uma norma não pode ser avaliada abstratamente.  O intérprete deve analisar o caso concreto e verificar se, em relação a ele, a norma é ou não subsidiária.  Aqui existe uma relação de conteúdo e continente, pois a norma subsidiária é menos ampla que a norma primária.  Dessa forma, primeiro se deve tentar encaixar o fato na norma primária e, não sendo possível, encaixá-la na norma subsidiária”(GONÇALVES, 2002, p. 18).6.

O mesmo autor esclarece ainda:

“Neste sentido, o artigo 12 estabelece que as regras da Parte Geral do Código Penal “aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.Esse dispositivo consagra a aplicação subsidiária das normas gerais do direito penal à legislação especial, desde que esta não trate o tema de forma diferente. Ex.: o artigo 14, II, do Código Penal, que trata do instituto da tentativa, aplica-se aos crimes previstos em lei especial, mas é vedado nas contravenções penais, uma vez que o art. 4º. da Lei das Contravenções Penais declara que não é punível a tentativa de contravenção.”7.

Entretanto, é importante ressaltar que o raciocínio acima  desenvolvido foi baseado na teoria geral do crime voltada  para a conduta da pessoa humana; portanto, em virtude da inovação trazida pela lei 9605/98, algumas situações juridicamente previstas restarão inaplicáveis a pessoa jurídica.

Isso não significa que tais condutas (pessoa física e pessoa jurídica), não estejam relacionadas, uma vez que a conduta da(s) pessoa (s) física (s) , na figura de ente coletivo é que dá a base de sustentação para a responsabilização da pessoa jurídica.

Ao analisar a lei 9605/98, em seu artigo 3º.parágrafo único: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”, vislumbramos que ocorre uma inovação no sentido de se admitir no ordenamento jurídico a denominada responsabilidade penal cumulativa.


7.  RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA

A maior inovação contida na Lei 9.605/98, e que tem seu fundamento na Constituição Federal, é a responsabilidade penal da pessoa jurídica pelos atos de degradação ambiental cometidos por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (artigo 3º.), sem excluir, evidentemente, a responsabilidade individual das pessoas físicas autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Trata-se de verdadeira revolução no Direito Penal pátrio, tradicionalmente edificado em torno da responsabilidade individual e no princípio da intranscendência da pena.

O Texto legal peca ao deixar de estabelecer regras processuais mais claras e definidas quanto ao rito e procedimentos processuais nos crimes atribuídos à pessoa jurídica, o que exigirá, além do natural emprego das normas processuais penais, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Sérgio Salomão Shecaira, afirma:

“As penas aplicáveis à pessoa jurídica, por óbvio, não serão as privativas de liberdade, mas as de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade (artigos 22 e 23), com possibilidade, inclusive, de liquidação forçada, na hipótese extrema de se constatar a constituição ou utilização da pessoa jurídica com  o fim preponderante de praticar crimes ambientais (artigo 24).  É a “pena de morte da pessoa jurídica”. 8.

A responsabilidade penal, surge com a ocorrência de condutas tipificadas em lei que causam danos ao meio ambiente e deriva do jus puniendi (direito de punir) do Estado.

É um recurso externo – “última ratio” – utilizado para tutelar os bens mais relevantes para a sociedade, tais, como a vida, o patrimônio e o meio ambiente.

A responsabilidade penal existe quando se comete um crime ou uma contravenção, ou seja, quando o agente pratica uma ação ou omissão prevista em um tipo penal, ficando sujeito as penas correspondentes à sua conduta.

A responsabilidade penal, ao contrário da civil tem caráter eminentemente punitivo, visando à prevenção especial (para que não haja reincidência por parte do causador do dano) e geral (para que a punição sirva de exemplo para toda a sociedade).


8. TEORIAS DA FICÇÃO E DA REALIDADE EM CONFRONTO

A controvérsia sobre a possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, tem origem doutrinária sobre a natureza dessas entidades.

A questão central é saber se as atividades desenvolvidas, em nome da pessoa jurídica, devem ser atribuídas a elas ou às pessoas físicas que as representam.

As teorias que se propuseram à solução do problema são agrupadas em dois grandes grupos principais: a Teoria da Ficção e a Teoria da Realidade.

6.1 Teoria da Ficção

A Teria da Ficção foi defendida por Savigny e prevaleceuna França e na Alemanha durante o século XVIII.

Para a Teoria da Ficção a pessoa jurídica é uma criação da lei e, como tal, não pode ser responsabilizada criminalmente.

Segundo, Fausto Martin Sanctis:

“A concepção geral da ficção estabelecida por Savigny e seus sucessores considera que cada direito supõe essencialmente um ser ao qual lhe pertence.  Segundo eles, é o homem somente que por sua natureza possui aptidão de ser sujeito de direitos.  O legislador, por isso, aceira a criação, ao lado do homem, que é o único sujeito, de uma outra pessoa jurídica, que se constitui em um grupamento de pessoas e bens”.

A Teoria da Ficção firma o seu fundamento no fato de que o direito regula as relações entre os homens pressupondo sempre um agir.

Só o homem é capaz de agir de acordo com o seu discernimento, de deliberar uma conduta positiva ou negativa.

A capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações é inerente ao ser humano e a atribuição de direitos e obrigações a outras pessoas, que não o homem, trata-se de uma criação legal, uma ficção visando regulamentar as relações entre esses entes com outras pessoas de direito.

Savigny exclui por todo um século o problema da responsabilização penal da pessoa jurídica ao alegar a incapacidade de delinqüir dos entes coletivos, por carecerem de vontade e capacidade de ação e ao impor a concepção romanista.

Para a maioria dos autores da época, o Direito Romano não conhecia a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a ausência dessa responsabilidade vem expressa na conhecida locução societas delinquere non potest, um dos alicerces do Direito Penal Clássico.

6.2 Teoria da Realidade

A Teoria da Realidade também conhecida como realidade objetiva ou orgânica, nasceu na Alemanha, cujos defensores mais conhecidos são Otto Gierke e Zitelman, baseia-se em pressupostos contrários a teoria da ficção.

Para a Teoria da Realidade a pessoa jurídica é um ser real, um organismo dotado de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais.

Os atos praticados por seus integrantes é distinto daqueles exercidos pela pessoa jurídica.

O ente corporativo é uma realidade social.

Por ser sujeito de direitos e obrigações tem existência própria, distinta dos seus criadores.

O fundamento dessa teoria se deu pelo fato de que os indivíduos necessitam se unir aos outros porque não conseguem realizar todas as atividades individualmente.

Assim, o direito deve reconhecer e proteger os interesses desse grupo.

Esse grupo tem interesse distinto dos seus componentes, capaz de expressar sua vontade por essa razão, o direito deve fornecer-lhes mecanismo, que possibilite o exercício de seus interesse.

Para justificar no plano jurídico, a existência real da pessoa jurídica, conceberam-se cinco razões, as quais foram destacadas por Fausto Martins de Sanctis.

Elas são: biológica, fisiológica, sociológica, institucional e técnica.

Para a concepção biológica a coletividade possui um conjunto de órgãos como uma pessoa física.

Cada órgão exerce uma função distinta.

Um desses órgãos são representados pelas pessoas físicas que a compõem, por essa razão, dizem que a pessoa jurídica é um ser com inteligência e vontade própria.

Mas essa comparação não foi suficiente para justificar o fenômeno da pessoa jurídica, uma vez que, possuem vida distinta, socialmente reconhecida.

A teoria fisiológica considera que os indivíduos ao se associarem criam um novo ser real e ativo formando uma única vontade.

Contudo, essa teoria não explica como se agrupam as vontades até ela se tornar uma.

Os defensores da teoria sociológica justificam a existência real da pessoa jurídica porque esta é objetiva, visto que, a base do agrupamento está nas suas origens e, com isso, se revela capaz de ter direitos e contrair obrigações.

A teoria da instituição argumente que a personalidade jurídica é um atributo conferido pela ordem jurídica estatal aos entes que o merecem.

Essa teoria faz da vontade geral a base da personalidade jurídica.

Por fim, a concepção da realidade técnica coloca a vontade comum no plano jurídico e não filosófico.

Os atos, em realidade, são de vontade dos indivíduos, mas juridicamente são os atos de vontade da coletividade.

Esses fundamentos explicam a teoria da realidade demonstrando uma vontade superior da pessoa jurídica, expressa através dos seus órgãos, mas possui existência independente dos membros que a compõem.


9. CONCLUSÃO

Não obstante respeitáveis opiniões em contrário, devemos ter em mente que nossa Constituição Federal, consagrou expressamente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no plano ambiental.

Entretanto, somente recentemente veio à lume os reflexos jurídicos do diploma normativo que instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito infraconstitucional, ou seja, a lei 9605/98 se consolidou em nosso ordenamento positivo.

Parece óbvio que a empresa por si mesma, não comete atos delituosos, ela os faz através de alguém, objetivamente uma pessoa natural.

Destarte, sempre através do homem é que o ato delituoso é praticado, logo, verificamos em nosso estudo a existência da denominada responsabilidade social que justifica a punição penal aos entes coletivos.

Verificamos ainda a relevância da Teoria da Realidade, também conhecida como realidade objetiva ou orgânica, a qual disciplina que a pessoa jurídica é um ser real, um organismo dotado de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais, conforme discorremos no item anterior, o que possibilita a melhor compreensão da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Diante de tais institutos verificamos que se consolida como real a possibilidade de imputação de crimes ambientais aos entes jurídicos, haja vista que desenvolve-se a partir das diretrizes acima narradas uma espécie de flexibilização do conceito clássico de crime, abrindo caminho para um conceito moderno que admite tal responsabilização penal.

É importante ressaltar que tal possibilidade de responsabilização não se estende a pessoa jurídica de direito público, pois o patrimônio público além de ser indisponível, não possui no plano teórico o elemento volitivo, pressuposto necessário para imputabilidade.

Ademais, em se tratando de pessoa jurídica de direito público, vige a Teoria da Ficção, segundo a qual a pessoa jurídica é uma criação da lei e, como tal, não pode ser responsabilizada criminalmente, conforme discorremos no item anterior.

Finalmente, devemos observar que se revela possível a aplicabilidade da correspondente penalidade ao criminoso ambiental, entretanto, se faz necessária a utilização de todas as ferramentas oferecidas pelo sistema normativo, pois, se assim não ocorrer, estaremos diante da ineficácia da lei e o conseqüente declínio do direito penal ambiental.


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VALLES, Jaqueline do Prado. Leis Penais Especiais. São Paulo: Quartier Latin, 2004.


Notas

² O Positivismo Jurídico Lições de Filosofia do Direito. Norberto Bobbio.São Paulo Ícone 2006.

³ ELADIO LECEY, é Presidente do Instituto “O Direito por um Planeta Verde” e Professor das Escolas da Magistratura e do Ministério Púbico do Rio Grande do Sul, participou do 8º. Congresso Internacional de Direito Ambiental;  publicou, na oportunidade, artigo intitulado “Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Efetividade e Questões Processuais”.

4 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. Cit., p. 142-144.

5. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 307-308.

6.  GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.

7. GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. São Paulo Saraiva, 2002, p. 33.

8. SHECAIRA, Sérgio Salomão. É presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCRIM e professor da USP. Autor do artigo intitulado: A responsabilidade das pessoas jurídicas e os delitos ambientais. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 65/ed.esp., p. 03, abril de 1998.


ABSTRACT:  This article offers the reader a thoughtful about the instruments offered by the regulatory system in order to seek greater efficiency with regard to the applicability of the law 9605/98, the "law of environmental crimes", in relation to the criminal liability of corporations and their consequent applicability to the collective entity and individuals linked to it.

 

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Uilemberguem Alves. Pessoa jurídica na lei ambiental-efetividade e (in) eficácia da lei penal face ao bem jurídico tutelado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3817, 13 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26140. Acesso em: 23 abr. 2024.