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Os sistemas processuais penais

Os sistemas processuais penais

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Expõem-se as diversas opiniões doutrinárias acerca de qual seria o sistema processual penal adotado pelo Brasil: acusatório, inquisitivo ou misto.

Resumo: Este trabalho tem como objeto os sistemas processuais penais considerados existentes pela Doutrina, iniciando-se com o conceito de sistemas e a relação dos sistemas processuais com o contexto político-social de cada Estado, e tratando, em seguida, dos aspectos de cada um dos três sistemas processuais penais – o acusatório, o inquisitivo e o misto – separadamente, para, por fim, expor as mais diversas opiniões doutrinárias acerca de qual seria o sistema processual penal adotado pelo Brasil.

Palavras-chave: sistemas, acusatório, inquisitivo, misto, processo.


Introdução

Podemos dizer que a palavra sistema, dentre suas inúmeras definições, significa um “conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizado”, ou melhor, uma

Estrutura que se organiza com base em conjuntos de unidades interrelacionáveis por dois eixos básicos: o eixo das que podem ser agrupadas e classificadas pelas características semelhantes que possuem, e o eixo das que se distribuem em dependência hierárquica ou arranjo funcional.[1]

Assim, os sistemas surgem de elementos comuns, que, juntos, formam uma unidade maior característica, podendo estar todos os elementos presentes, um ou outro ausente, ou, ainda, misturados, o que definirá tais sistemas, respectivamente, como puros, impróprios ou impuros.

Nesse sentido, Paulo Rangel define o sistema processual penal como sendo “o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto.”[2]

Observa-se, dessa forma, que o sistema processual de cada Estado varia com o contexto político-social em que se encontra. De modo que, nos Estados totalitários, a moldura da legalidade se estende, aumentando o espaço para a discricionariedade e para o campo de atuação do Estado-juiz. Já nos Estados democráticos, a atuação do juiz é mais restrita, encontrando seu limite nos direitos individuais, como ensina Rangel:

Em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario sensu, no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema inquisitivo encontra sua guarida. [3]

A doutrina tende a definir o sistema processual penal de cada Estado tomando por base uma característica considerada principal ou considerando, necessariamente, a presença de todos os princípios de forma integral para definir um ou outro sistema, classificando como misto o sistema que apresente características tanto de um regime totalitário, quanto de um regime democrático.

Contudo, na prática, não é possível dizer que um Estado que adote o sistema inquisitivo é ditatorial ou que um Estado que adote o sistema acusatório é necessariamente democrático. O Brasil, por exemplo, é indiscutivelmente um Estado democrático que, para muitos doutrinadores, como veremos, adotaria o sistema processual penal inquisitivo.

Os sistemas processuais variam de país para país e normalmente, não necessariamente, são reflexo da conjuntura político-social de cada um deles. No Brasil, tendo em vista as incongruências persistentes entre o Código de Processo Penal e a Constituição Federal de 1988, muito se discute, ainda, acerca do sistema processual penal vigente.


O Sistema Processual Penal Acusatório

O sistema processual penal acusatório tem origem no segundo período evolutivo do processo penal romano, quando a expansão do Império, no final do período republicano, fez necessária a criação de mecanismos mais eficientes de investigação de determinados crimes.

O aumento do número de causas e a dificuldade de processá-las nas grandes assembleias acarretaram a necessidade de se delegar as funções jurisdicionais do Senado ou do povo para tribunais ou juízes em comissão, órgãos jurisdicionais inicialmente temporários, que levavam o nome de quaestiones,[4] constituídos por cidadãos representantes do povo romano (iudices iurati) e presidido pelo pretor (quaesitor).

A importância histórica das quaestiones “se deve ao fato de que elas substituíram as assembleias populares no julgamento dos casos penais, por conseguinte evitando influências políticas e dando à jurisdição um caráter mais técnico e autônomo”.[5]

O sistema processual penal acusatório ganhou seus contornos clássicos no Direito Inglês, no reinado de Henrique II, quando foi instituído, em 1166, o chamado trial by jury, no qual o julgamento popular se dividia em duas etapas: a da admissão da acusação e a da aplicação do direito material ao caso. O representante do rei, equivalente ao juiz-presidente, “não intervinha, a não ser para manter a ordem e, assim, o julgamento se transformava num grande debate, numa grande disputa entre acusador e acusado, acusação e defesa.”[6]

O Estado, então, para garantir a necessária separação de funções, cria um órgão próprio: o Ministério Público, com origem nos procuradores do rei da França do final do século XIV.[7] Será o órgão ministerial, assim, o responsável pela propositura da ação penal quando pública. Mantendo-se a iniciativa da ação penal privada, ou a dependente de representação, nas mãos do particular.

Cria-se, assim, o ato de três personagens: o juiz, órgão imparcial de aplicação da lei a ser provocado; o autor, responsável pela acusação; e o réu, que não é visto como um mero objeto do processo, exercendo seus direitos e garantias.

Com base nos ensinamentos de Goldschmidt, Aury Lopes Jr. explica que “no modelo acusatório, o juiz se limita a decidir, deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos, isto é, às partes.”.[8]

Dessa forma, no sistema acusatório, o magistrado deixa de reunir em suas mãos as três funções, manifestando-se, apenas, quando devidamente provocado, garantindo-se, desse modo, a imparcialidade do julgador, última razão do processo acusatório.

Também conduz a uma maior tranquilidade social, pois evita-se eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do “juiz apaixonado” pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.[9]

Pode-se dizer, resumidamente, que o sistema processual penal acusatório apresenta como características[10]: as funções de acusar, julgar e defender em mãos distintas; a publicidade dos atos processuais como regra; a presença do contraditório e da ampla defesa durante todo o processo; o réu como sujeito de direitos; a iniciativa probatória nas mãos das partes; a possibilidade de impugnar decisões com o duplo grau de jurisdição; e o sistema de provas de livre convencimento motivado[11].

A principal crítica a este sistema sempre foi, e segue sendo, em relação à inércia do juiz, que, ao deixar exclusivamente nas mãos dos litigantes a produção probatória, terá que se conformar com “as consequências de uma atividade incompleta das partes, tendo que decidir com base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado.”[12]

Quanto à essência do sistema acusatório, para autores como Eugênio Pacelli, Paulo Rangel e Hélio Tornaghi, ela está na separação das funções de acusar, defender e julgar[13]. Contudo, esta não é uma posição pacífica na doutrina. Para Joaquim Canuto, por exemplo, a decisão fundamentada com o que consta nos autos, em conjunto com outras características típicas, é o que define o sistema acusatório puro e o que afasta por completo o poder inquisitório do juiz.

O poder inquisitório do juiz é amplo ainda quando às partes é dado requerer a instauração do procedimento, definitivo ou preliminar. Permanece quando lhes é possível instruir o juízo por meio de alegações e produção de meios de prova. Restringe-se, quando o juiz é obrigado a atender a tais pedidos de produção de provas por outro motivo que não seja a demonstração da existência do crime e da autoria; ou quando o juiz é obrigado a instaurar procedimento sempre que requerido pelo autor. Diminui, ainda mais, quando o juiz não pode ter a iniciativa para proceder; e anula-se, definitivamente, se o juiz não pode senão julgar segundo o alegado e provado pelas partes. Este é o tipo processual acusatório puro.[14]

Já Jacinto Coutinho e Aury Lopes Jr. consideram que é a gestão da prova exclusivamente nas mãos das partes, figurando o juiz como mero espectador, que constitui o princípio dispositivo, o qual fundamenta o sistema acusatório.[15]

No sistema acusatório, o processo continua sendo um instrumento de descoberta de uma verdade histórica. Entretanto, considerando que a gestão da prova está nas mãos das partes, o juiz dirá, com base exclusivamente nessas provas, o direito a ser aplicado no caso concreto (o que os ingleses chamam de judge made law). Aliás, O processo penal inglês, assim, dentro do common law, nasce como um autêntico processo de partes, diverso daquele antes existente. Na essência, o contraditório é pleno; e o juiz estatal está em posição passiva, sempre longe da colheita da prova. (...) É elementar que um processo calcado em tal base estruturasse uma cultura processual mais arredia a manipulações, mormente porque o réu, antes de ser um acusado, é um cidadão e, portanto, senhor de direitos inafastáveis e respeitados.[16]

Independente de sua característica fundante, fato é que, diante da atual estrutura democrática estatal, diferentemente do que ocorre na maioria dos ordenamentos que adotam o sistema misto, “o sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal”[17] e deve ser aplicado de forma efetiva e não como meras promessas.


O Sistema Processual Penal Inquisitivo

O termo “inquisitivo”, nos dicionários, refere-se à inquisição, que designava, no início, o processo adotado desde o século XII pelos tribunais eclesiásticos para investigação criminal, tendo sido o papa Gregório IX quem, no século XIII, instituiu a Inquisição como justiça e tribunal eclesiásticos da Idade Média que julgava os delitos contra a fé, em sua forma definitiva e persecutória, com o objetivo de exterminar aqueles considerados hereges.[18]

O sistema processual penal inquisitivo, por sua vez, como ensina Rangel,

Surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII. Surgiu com sustento na afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que iniciavam a persecução penal no acusatório privado anterior. O cerne de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia para si do poder de reprimir a prática dos delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares.[19]

Não se admitia mais a delegação do poder de repressão por se considerar que tamanha discricionariedade nas mãos de um particular acabava por tornar a realização da justiça muito dispendiosa, quando não acarretava na, tão indesejada, impunidade do autor do delito.

A concentração das funções de acusar e julgar nas mãos do Estado-juiz foi, então, a solução encontrada e a característica principal do sistema inquisitivo, o que, claramente, comprometia a imparcialidade do julgador, que passou a tomar a iniciativa da própria acusação a ser julgada por ele mesmo.

O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação.[20]

Ademais, a publicidade dos atos processuais, que predominava no começo, foi, aos poucos, substituída pelos processos sigilosos. “As sentenças, que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do Tribunal, no Império assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência.”[21]

Mais uma vez, a não pacificação doutrinária quanto à característica fundante dos sistemas se reflete, também, no modelo inquisitivo. Apesar de grande parte dos autores enxergar a concentração das funções em uma só mão seu caráter principal, Jacinto Coutinho defende a posição de que a gestão da prova é a responsável por estruturar o sistema através do princípio inquisitivo, cabendo ao julgador, como juiz inquisidor, gerir a prova, o que fundamentaria o sistema inquisitório.

Com efeito, pode-se dizer que o sistema inquisitório, regido pelo princípio inquisitivo, tem como principal característica a extrema concentração de poder nas mãos do órgão julgador, o qual detém a gestão da prova. Aqui, o acusado é mero objeto de investigação e tido como o detentor da verdade de um crime, da qual deverá dar contas ao inquisidor. [22]

Nos moldes do sistema inquisitivo, portanto, o juiz acaba não formando seu convencimento diante das provas dos autos que, anteriormente, teriam sido trazidas pelas partes, “mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, um juízo de valor ao iniciar a ação”.[23]

Juan Montero Aroca critica a expressão “Processo Inquisitivo” afirmando que

[...] o denominado processo inquisitivo não foi e, obviamente, não pode ser, um verdadeiro processo. Se este se identifica como actum trium personarum, em que ante um terceiro imparcial comparecem duas partes parciais, situadas em pé de igualdade e com plena contradição, e apresentam um conflito para que aquele o solucione aturando o direito objetivo, algumas das características que temos indicado próprias do sistema inquisitivo levam inevitavelmente à conclusão de que esse sistema não pode permitir a existência de um verdadeiro processo. Processo inquisitivo se resolve assim em uma contradição entre termo.[24]

Paulo Rangel, no entanto, discorda da posição de Aroca, considerando o processo inquisitivo sim um processo, que apenas teria certas marcas que o identificam com a inquisição, como o papel do autor e do julgador na mesma pessoa, que acaba por retirar algumas garantias constitucionais do acusado.

Adequada ou não a expressão, podemos apontar como características do sistema processual penal inquisitivo[25]: concentração das três funções (acusar, defender e julgar) nas mãos de uma só pessoa; início da acusação pelo juiz ex officio; processo sigiloso e sempre escrito; a ausência do contraditório e da ampla defesa, uma vez que o acusado é visto como mero objeto do processo, e não como sujeito de direitos, sem lhe conferir qualquer garantia; e o sistema da prova tarifada, sendo a confissão a “rainha das provas”[26].


O Sistema Processual Penal Misto

Com a Revolução Francesa, os movimentos filosóficos da época acabaram por repercutir, também, na esfera do processo penal, retirando, aos poucos, características do modelo inquisitivo, em prol da valorização que passou a ser dada ao homem. Esse momento coincidiu com a adoção dos Júris Populares, dando início à passagem para o sistema processual penal misto, predominante até hoje[27].

Com fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo, desenvolvido a partir do Direito canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista, no sistema processual penal misto, a persecução penal seguiu nas mãos do Estado-juiz em fase preliminar, passando o início da persecução penal para as mãos do Ministério Público, responsável pela acusação. [28]

O sistema misto, assim, é dividido em duas fases: a primeira, consistente na instrução preliminar, tocada pelo juiz e nitidamente inquisitiva; e a segunda, judicial, sendo a acusação feita por órgão distinto do que irá realizar o julgamento.

Visto por Jacinto Coutinho como um “monstro de duas cabeças”[29], Aury Lopes Jr. aponta como principal defeito do modelo o fato de que

[...] a prova é colhida na inquisição do inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão. Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada; cotejando a prova policial com a judicializada; e assim todo um exercício imunizatório (ou melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar uma condenação, que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição. O processo acaba por converter-se em uma mera repetição ou encenação da primeira fase.[30]

Percebe-se que, nesse sistema, a imparcialidade do magistrado continuou comprometida, mantendo-se o juiz na colheita das provas antes mesmo da acusação, quando deveria este ser retirado da fase persecutória, “entregando-se a mesma ao Ministério Público, que é quem deve controlar as diligências investigatórias realizadas pela polícia de atividade judiciária, ou, se necessário for, realizá-las pessoalmente, formando sua opinio delicti e iniciando a ação penal”[31].

O sistema processual penal misto tem como característica básica, portanto, ser bifásico, com “uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório”[32]. Sendo o procedimento preliminar secreto, escrito, sem contraditório e ampla defesa; e a fase judicial, oral, pública, com todos os atos praticados em audiência, garantidos ao acusado os direitos de contraditório e ampla defesa.

Aury Lopes Junior, no entanto, critica a classificação do sistema como misto, considerando ela insuficiente e redundante, uma vez que “não existem mais sistemas puros (são tipos históricos), todos são mistos.”. Para o autor, é preciso localizar “o princípio informador de cada sistema”, seu núcleo, que, então, fará um sistema ser ou inquisitivo ou acusatório.[33]

Como não pode haver um princípio misto, consequentemente, também não poderia ser o sistema assim classificado. O sistema seria informado por um princípio unificador, de modo que, em sua essência, seria sempre puramente inquisitivo ou acusatório; misto, apenas em relação a elementos secundários emprestados de um para outro sistema.

[...] não é preciso grande esforço para entender que não há - e nem pode haver - um princípio misto, o que, por evidente, desfigura o dito sistema. Assim, para entendê-lo, faz-se mister observar o fato de que, ser misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos (todos secundários), que de um sistema são emprestados ao outro.[34]


O Sistema Processual Penal Brasileiro

Antes de discorrer sobre os variados posicionamentos doutrinários acerca da classificação do sistema processual brasileiro, é importante lembrar que o “atual” Código de Processo Penal Brasileiro data de 1941, influenciado pelo Código de Rocco, código processual penal italiano de 1930. Como explica Espínola Filho, o código italiano, reflexo da época de Mussolini, tinha uma forte matriz autoritária. Para se ter uma ideia, participou da redação deste último Vincenzo Manzini, representante da escola técnico-jurídica, que via o processo penal como instrumento de combate ao crime e não de garantia de direitos do indivíduo frente ao Estado (VILELA, 2005, p. 49). Para Manzini, por exemplo, segundo Espínola Filho (1954), a presunção de inocência era um absurdo ilógico, pois que, se havia uma acusação contra uma pessoa, era porque existiam fortes indícios de autoria, não podendo esta pessoa ser tratada como inocente.[35]

Diante dessa influência autoritária e da “lógica” da presunção de culpa, até hoje, muitos artigos do Código Processual Penal Brasileiro vão de encontro com princípios e direitos dados ao longo dos anos e garantidos pela Constituição Federal de 1988, fazendo com que não haja uma classificação doutrinária unânime quanto ao sistema processual penal do país.

Para autores como Hélio Tornaghi e Edilson Bonfim, por exemplo, nosso sistema seria bifásico, e, por conseguinte, misto, considerando o Inquérito Policial, nitidamente inquisitivo, como fase preliminar do processo, seguida pela fase judicial, de caráter acusatório.[36]

Mirabette, Tourinho e Scarance, no entanto, refutam o entendimento que se baseia na teoria do processo bifásico para classificar o sistema processual penal como misto, por considerarem que a fase investigatória não é propriamente processual e sim de caráter eminentemente administrativo.[37]

De fato, a participação de um órgão jurisdicional é pressuposto de existência do processo, e, sendo o Inquérito presidido por uma autoridade policial, não passaria este de um procedimento administrativo, só havendo que se falar em processo a partir da demanda apresentada ao órgão jurisdicional competente, quando, ao menos em teoria, as garantias constitucionais do sistema acusatório passam a vigorar. Ademais, diferentemente do que ocorre, por exemplo, na França, que adota o modelo misto, o juiz, no Brasil, em nenhum momento realiza a investigação diretamente.[38]

Nucci também considera o sistema brasileiro misto (inquisitivo-acusatório, inquisitivo garantista ou acusatório mitigado), fundamentando seu entendimento não no processo bifásico, mas em um “senso de realidade”.

Os princípios norteadores do sistema, advindos da Constituição Federal, possuem inspiração acusatória (ampla defesa, contraditório, publicidade, separação entre acusação e julgador, imparcialidade do juiz, presunção de inocência etc.). Porém, é patente que o corpo legislativo processual penal, estruturado pelo Código Processual Penal e leis especiais, utilizado no dia a dia forense, instruindo feitos e produzindo soluções às causas, possui institutos advindos tanto do sistema acusatório quanto do sistema inquisitivo. [39]

Os doutrinadores, por sua vez, que consideram o sistema processual penal brasileiro acusatório se baseiam na posição adotada pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 129, inciso I,[40] que dispõe ser atividade privativa do Ministério Público promover a ação penal pública, o que afastaria qualquer possibilidade de persecução pelo órgão julgador.

Nesse sentido, posiciona-se Paulo Rangel, afirmando que “hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório, pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular.”[41]

Capez, ao tratar do sistema acusatório, aponta suas características relacionando-as com nossas garantias constitucionais, concluindo, também, ser o sistema acusatório o adotado pelo Brasil:

A Consituição Federal de 1988 vedou ao juiz a prática de atos típicos de parte, procurando preservar a sua imparcialidade e necessária equidistância, prevendo distintamente as figuras do investigador, acusador e julgador. O princípio do ne procedat iudez ex officio (inércia jurisdicional) preserva o juiz e, ao mesmo tempo, constitui garantia fundamental do acusado, em perfeita sintonia com o processo acusatório.

[...]

O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), do devido processo legal (art. 5º, LIV), da garantia do acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), da garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e I), da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção da inocência (art. 5º, LVII). (Gianpaolo Poggio Smanio. Criminologia e juiza especial criminal. São Paulo, Atlas, 1997, p. 31-8). É o sistema vigente entre nós. [42]

Não se nega, no entanto, a “impureza” do sistema brasileiro, considerando que resquícios do sistema inquisitivo ainda permeiam a lei processual penal do país. Como dispõe Rangel,

O Brasil adota um sistema acusatório que, no nosso modo de ver, não é puro em sua essência, pois o Inquérito Policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo, dando acesso ao juiz a informações que deveriam ser desconsideradas em juízo, mas que a prática tem demonstrado que são comumente levadas em consideração pelo magistrado. Assim, não podemos dizer, pelo menos assim pensamos, que o sistema acusatório adotado entre nós é puro. Há resquícios do sistema inquisitivo, porém já avançamos muito.[43]

Ainda, para alguns, as possibilidades de produção supletiva de provas ex officio pelo magistrado seriam outros exemplos da “impureza” do sistema pátrio[44]. Rangel, entretanto, refuta esse papel atribuído aos poderes instrutórios do juiz, considerando que tais possibilidades estão ligadas ao princípio da verdade real, e não ao sistema acusatório.

Para Aury Lopes Jr. e Jacinto Coutinho, como visto anteriormente, o núcleo do processo penal está na gestão da prova, já que a finalidade deste seria reconstituir o crime como um fato histórico que é, o que só é possível com as provas trazidas aos autos, que levam à verdade processual[45], corroborando ou não com os fatos narrados.[46]

Destarte, a diferenciação destes dois sistemas processuais [Acusatório e Inquisitório] faz-se através de tais princípios unificadores [dispositivo e inquisitivo], determinados pelo critério de gestão da prova. Ora, se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstituição de um fato pretérito, o crime, mormente através da instrução probatória, a gestão da prova, na forma pela qual ela é realizada, identifica o princípio unificador. [47]

Aury Lopes Jr. não nega a importância da separação das funções de julgar, defender e acusar, mas a considera um elemento secundário (assim como a oralidade, a publicidade, o livre convencimento motivado etc.), não sendo por si só suficiente para a adequação do modelo acusatório.

Apontada pela doutrina como fator crucial na distinção dos sistemas, a divisão entre as funções de investigar-acusar-julgar é uma importante característica do sistema acusatório, mas não é a única e tampouco pode, por si só, ser um critério determinante, quando não vier aliada a outras (como iniciativa probatória, publicidade, contraditório, oralidade, igualdade de oportunidades etc.).[48]

Assim, para Aury Lopes Jr. e Jacinto Coutinho, diante dos dispositivos que atribuem poderes instrutórios ao juiz, o sistema processual penal brasileiro não seria misto e muito menos acusatório, mas sim essencialmente inquisitivo.[49]

[...] pode-se concluir que o sistema processual penal brasileiro é, na essência, inquisitório, porque regido pelo princípio inquisitivo, já que a gestão da prova está, primordialmente, nas mãos do juiz, o que é imprescindível para a compreensão do Direito Processual Penal vigente no Brasil.[50]

No entanto, Pacelli, que vê como elemento essencial a separação das funções nas mãos de personagens distintos, refuta esse posicionamento, alegando que:

Não será o fato de se atribuir uma reduzida margem de iniciativa probatória ao juiz na fase processual, isto é, no curso da ação, que apontará o modelo processual penal adotado.

O juiz inerte, como é a regra no denominado sistema de partes do direito norte-americano, normalmente classificado pela doutrina como modelo acusatório puro, encontra fundamentação em premissas e postulados valorativos absolutamente incompatíveis, não só com nossa realidade atual, mas com a essência do processo penal.

E isso porque a base ou estrutura sobre a qual repousa o aludido sistema é, e como não poderia deixar de ser, a igualdade entre as partes. Mas não a igualdade material, na qual se examina as concretas possibilidades de exercício de direitos e faculdades, mas unicamente a igualdade formal, isto é, aquela segundo o qual todos são iguais perante a lei, ainda que, na realidade histórica, jamais se comprove semelhante situação (de igualdade). Em sistemas como este, do juiz inerte, há se conviver, em maior ou menor grau, com a possibilidade de condenação de alguém pela insuficiência defensiva, reputada, a priori, igual à atividade acusatória.[51]

O supracitado autor, assim como Rangel, entende que, diante das distinções entre o sistema inquisitivo e o sistema acusatório, o adotado pelo Brasil seria mesmo o segundo, contudo, reconhece que a questão não é simples:

Há realmente algumas dificuldades na estruturação de um modelo efetivamente acusatório, diante do caráter evidentemente inquisitivo do nosso Código Processual Penal e seu texto originário.

Nada obstante, pequenos, mas importantes, reparos foram feitos ao longo desses anos, em relação à construção de um modelo prioritariamente acusatório de processo penal.[52]

Geraldo Prado[53], por sua vez, considera que o que prevalece no Brasil é a teoria da aparência acusatória, uma vez que a Constituição Federal, com todas as garantias e a privatividade da ação penal pública dada ao Ministério Público, de fato se filiou ao sistema acusatório. Mas, levando em consideração o concreto estatuto jurídico dos sujeitos processuais e a dinâmica dos tribunais, diz que se deve admitir que o princípio e o sistema acusatórios ainda são meras promessas.


Conclusão

Enquanto não houver acordo sobre o princípio fundante do sistema processual penal, tampouco haverá posição unânime quanto ao sistema adotado pelo Brasil.

Reconhece-se a presença de dispositivos típicos do sistema inquisitivo, no que concerne ao poder instrutório do juiz, no ordenamento brasileiro. O próprio Rangel aponta de forma exemplificativa os artigos 5º, II; 13, II; 18; 26; 75, 83; 241; 311; 385; 413, todos do Código de Processo Penal.[54] Dispositivos estes que, dentre outros, para Aury Lope Jr, são provas de que a separação inicial de funções deixa de existir ao longo do processo, permitindo “que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora.”.[55]

Tais dispositivos, no entanto, devem ser vistos com base no sistema acusatório adotado pela Constituição Federal de 1988, sendo, simplesmente, considerados não recepcionados pela Carta Magna, e não um indicativo de que o sistema brasileiro seja inquisitivo.

A questão da atuação do juiz, em momento anterior a denúncia, mesmo que seja a requerimento, compromete substancialmente a parcialidade do magistrado, que não deveria sequer ter acesso ao Inquérito Policial, para cumprir seu dever de julgar exclusivamente com as provas colhidas em juízo.

O manejo probatório de ofício pelo juiz anterior à ação, por si só, já coloca em xeque sua imparcialidade, mas, em certos momentos durante o processo, ainda se faz necessária, quando, por exemplo, na audiência de instrução e julgamento, é feita referência a alguma pessoa que contribuiria para a elucidação dos fatos – a chamada testemunha referida –, nessa situação, teria o juiz o dever de agir e chamá-la a juízo.

Da mesma forma, a iniciativa probatória do juiz, no decorrer do processo, também se mostra necessária para garantir a igualdade de atuação das partes em um sistema como o brasileiro em que o acusado poucas vezes consegue pagar por uma defesa atuante, ficando nas mãos de advogados relapsos ou da Defensoria Pública, que normalmente não está na prioridade do Estado e sofre com a falta de recursos.

Ademais, antes de refutar por completo a atuação de ofício do magistrado, cumpre ressaltar que o juiz, ao determinar a produção de uma prova, não sabe o seu resultado, de modo que não há como afirmar que sua imparcialidade estaria afetada e que estaria o julgador procurando meios de condenar o acusado e não meios de formação de seu convencimento até mesmo da inocência do réu.

Em busca da concretização do sistema acusatório processual almejado na Constituição Federal, o que se deve é aplicar uma interpretação constitucional a todos os dispositivos do Código de Processo Penal, procurar meios para que eventuais atuações do juiz na fase do Inquérito Policial não venham a contaminar o julgamento da causa e não condenar por completo o poder instrutório do magistrado durante o processo, mas sim tratá-lo com razoabilidade.


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NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.


Notas

[1] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2585.

[2] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 49.

[3] Idem, Ibidem, p. 49.

[4] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro, 3. ed., v. 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 30. apud MALAN, Diogo e SAAD, Marta. Origens históricas dos sistemas acusatório e inquisitivo. Disponível em: <http://www.malanleaoadvs.com.br/artigos/origens_historicas_sistemas.pdf>. Acesso em: 17 jul., 2012.

[5] GIORDANI, Mário Curtis. Direito penal romano. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987., p. 08. apud MALAN, Diogo e SAAD, Marta. Origens históricas dos sistemas acusatório e inquisitivo. Disponível em: <http://www.malanleaoadvs.com.br/artigos/origens_historicas_sistemas.pdf> Acesso em: 17 jul., 2012.

[6] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda e CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. O novo processo penal à luz da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. apud BEM, Leonardo de. O processo penal brasileiro e sua matriz inquisitória. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/leonardodebem/2012/03/27/o-processo-penal-brasileiro-e-sua-matriz-inquisitoria/>. Acesso em: 17 jul., 2012.

[7] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 52.

[8] LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 133.

[9] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 120.

[10] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 52; CAPEZ, Fernado. Curso de Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82; e LOPES JR, Aury. op. cit., p. 58.

[11] No sistema do livre convencimento, ou da persuasão racional, é dada ao julgador a possibilidade de valorar livremente a prova, desde que exponha os motivos que o levaram à decisão. É “uma maneira de garantir flexibilidade aos julgamentos, evitando situações manifestamente injustas ensejadas pela adoção cega do sistema da prova legal, sem, por outro lado, recair no excessivo arbítrio concedido aos juízes pelo sistema do livre convencimento absoluto, permitindo um controle objetivo sobre a legalidade das decisões.” (BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358).

[12] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 119.

[13] Também nesse sentido se posicionam Gimeno Sendra e Armenta Deu. (Apud LOPES JR, Aury. op. cit., p. 129.)

[14] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Processo penal, ação e jurisdição. São Paulo: RT, 1975, p. 120. apud RANGEL, Paulo. op. cit., p. 52.

[15] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3. LOPES JR, Aury. op. cit., p. 134-135.

[16] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3.

[17] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 119.

[18] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1623.

[19] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 50.

[20] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 122.

[21] Idem, Ibidem, p. 118.

[22] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3.

[23] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 50.

[24] AROCA, Juan Montero. Principios del proceso penal, p. 28-29. apud RANGEL, Paulo. op. cit., p. 50. No mesmo sentido, Edilson Bonfim diz que “A rigor, a denominação ‘processo inquisitório’ somente tinha pertinência em um momento histórico – na época das monarquias absolutas – em que não havia uma bem demarcada distinção entre as funções administrativas e as jurisdicionais, confiando-se ambas as funções aos distintos órgãos a um só tempo, e os então impropriamente chamados ‘tribunais’ aplicavam penas sem a realização de um processo. Logo, eram ‘inquisitoriais’, mas não configuravam, obviamente, um sistema processual. Assim, a denominação ‘processo inquisitório’ parece-nos incorreta, pois ‘não foi e não pode ser, obviamente, um verdadeiro processo’”. (BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61-62.)

[25] Nesse sentido: RANGEL, Paulo. op. cit., p. 50 e CAPEZ, Fernado. op. cit., p. 83.

[26] Coutinho, ao tratar do sistema da prova tarifada ou legal, ensina que “muitas legislações aceitaram a previsão da possibilidade do juiz incorrer em erro, no momento de valoração dos meios de prova utilizados, razão pela qual fixou-se, na lei, uma hierarquia de valores referentes a tais meios. Veja-se, neste sentido, o sistema processual inquisitório medieval, no qual a confissão, no topo da estrutura, era considerada prova plena, a rainha das provas (regina probationum), tudo como fruto do tarifamento previamente estabelecido. Transferia-se o valor do julgador à lei, para evitar-se manipulações; e isso funcionava, retoricamente, como mecanismo de garantia do arguido, que estaria protegido contra os abusos decorrentes da subjetividade. Sem embargo, a história demonstrou, ao revés, como foram os fatos retorcidos, por exemplo, pela adoção irrestrita da tortura.” (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op.cit., p. 3.)

[27] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 127.

[28] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 54.

[29] Apud LOPES JR, Aury. op. cit., p. 130.

[30] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 130.

[31] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 55.

[32] CAPEZ, Fernado. op. cit., p. 83.

[33] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 56.

[34] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios do Direito Processual Penal brasileiro. Separata ITEC, ano 1, nº 4 – jan/fev/mar 2000, p. 3.

[35] ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, p. 385.

[36] BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 62-63.

[37] Apud BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 62-63.

[38] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 13.

[39] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 28-29.

[40] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; (...). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 18 jul., 2012.

[41] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 56. Nesse sentido também se posicionam Antônio Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco. (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 64-66).

[42] CAPEZ, Fernado. op. cit., p. 74 e 82.

[43] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 56.

[44] Luiz Flávio Gomes considera que a possibilidade de o juiz determinar, supletivamente, a realização de prova ex officio descaracteriza o modelo acusatório puro do nosso ordenamento, mas não nega que se aproxima do ideal. (GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processo penal. Revista dos Tribunais, 1999, p. 182. apud RANGEL, Paulo. op. cit., p. 56.)

[45] “Carnelutti mostrou-nos, ao colocar em crise - e destruir - a noção de verdade processual, a corda bamba pela qual temos que passar para sobreviver. Resta-nos, porém, uma ética na qual o outro conte - e deve contar - alguma coisa; a ética da alteridade. Já não somos, por outro lado, os mesmos dos tempos dos nossos avós, onde a palavra valia acima de qualquer lei (ou com ela se confundia), quiçá porque estamos perdendo o registro do simbólico, em troca de um crescente deslizar no imaginário. As aparências, como diz o ditado popular, enganam; e enganam mesmo! Diagnosticada a falta da verdade, no lugar dela Carnelutti propõe que no processo passe-se a buscar e investigar a certeza.” (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3.)

[46] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 134.

[47] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3.

[48] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 131.

[49] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3. LOPES JR, Aury. op. cit., p. 135.

[50] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit., p. 3.

[51] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 11.

[52] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. op. cit., p. 10.

[53] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 171. apud RANGEL, Paulo. op. cit., p. 57.

[54] RANGEL, Paulo. op. cit., p. 61-71.

[55] LOPES JR, Aury. op. cit., p. 132.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Martina Pimentel. Os sistemas processuais penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3833, 29 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26262. Acesso em: 25 abr. 2024.