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Lei municipal sobre propaganda de bebidas alcóolicas é inconstitucional

Lei municipal sobre propaganda de bebidas alcóolicas é inconstitucional

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Em vista do disposto no art. 220, §3º, II e §4º, da CF/1988, são inconstitucionais as leis municipais que estabeleçam restrições à propaganda comercial de bebidas alcóolicas.

Em 02/01/2014, foi publicada a Lei nº 9.374, do Município de Goiânia/GO, que estabelece a obrigatoriedade de as empresas que fabriquem ou comercializem bebidas alcoólicas do âmbito daquela municipalidade “incluírem em seus rótulos, fotografias de veículos em colisão, decorrente de acidente em que o motorista encontrava-se embriagado por ingestão de bebida alcoólica”.

A despeito do caráter educativo da norma, é patente a sua inconstitucionalidade, tendo em vista o sistema de distribuição de competência legislativa formatado pela CF/88, ex vi, a disposição contida no art. 220, §3º, II, da Carta da República.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(...)

§ 3º - Compete à lei federal:

(...)

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Pela leitura dos transcritos dispositivos constitucionais, fica claro que a Constituição Federal conferiu à União a competência privativa para legislar sobre a propaganda comercial de produtos nocivos à saúde humana, referindo-se expressamente às "bebidas alcoólicas".

De se notar que a expressão "propaganda comercial" abrange todo e qualquer tipo de divulgação e mídia de tais produtos, incluindo, portanto, o próprio "rótulo" e "embalagem". Logo, a partir da leitura do art. 220, §3º, II, c/c §4º, da CF, é inafastável a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 9.374/2013, porquanto o legislador municipal usurpou a competência da União para legislar sobre o assunto.

A regulamentação do §4º, do art. 220, foi realizada pela União por meio da Lei Federal nº 9.294/1996, que, em seu art. 4º, §2º, estabelece: "os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: "Evite o Consumo Excessivo de Álcool"". Não obstante, tal lei federal foi devidamente regulamentada pelo Decreto nº 2.018/1996.

É mister ressaltar que, caso a discussão seja conduzida sob a ótica do direito do consumidor, o STF já sufragou o entendimento de que não haveria usurpação da competência da União por Estados e Municípios. Nesse sentido, vide os seguintes julgados: ADI nº 2818/RJ (j. em 09/05/2013), ADI nº 2832/PR (j. em 07/05/2008) e ADI nº 2359/ES (j. em 27/09/2006).

Fundamental, pois, reconhecer que a Lei Municipal nº 9.374/2013 não tem por propósito direto e imediato a proteção do consumidor (direto à informação sobre o produto), mas sim regular o conteúdo dos rótulos de bebidas alcoólicas comercializadas no âmbito do Município de Goiânia, presumida a nocividade do produto. Trata-se de um mercado que, dada as suas peculiaridades, o constituinte optou por conferir privativamente à União a sua "regulação".

Ademais, é inegável a implicância da Lei nº 9.374/2013 nas relações comerciais intermunicipais e, até mesmo, interestaduais, visto que institui obrigação e custos adicionais aos fabricantes e comerciantes de bebidas alcoólicas. Nesse sentido, o STF, na ADI nº 2832/PR, julgou parcialmente inconstitucional a Lei nº 13.519/2002, do Estado do Paraná, "no ponto em que a lei impugnada estende os seus efeitos a outras unidades da Federação".


Os meios jurídicos de impugnação:

Em vista da inconstitucionalidade da Lei nº 9.374/2013, passa-se a vislumbrar quais seriam os meios jurídicos aptos para sua impugnação.

Em termos de controle abstrato de constitucionalidade, para fins de fulminar a existência da norma municipal, tem-se por cabível Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, tendo em vista a inadmissibilidade de ADI perante o STF tendo por objeto "lei municipal" (art. 102, I, “a”, da CF).

Por sua vez, o cabimento de ADPF perante o Supremo seria questionável, não em razão da qualidade do objeto (posto ser viável a ADPF em relação à "lei municipal"), mas sim em decorrência da restrição do “parâmetro de controle”, porquanto deverá restar configurada a afronta a preceito fundamental contido na CF/88.

A seu turno, é patente que a Lei nº 9.374/2013 surtirá efeitos concretos, atingindo os produtores e comerciantes de bebidas alcoólicas no âmbito do Município de Goiânia. Dada a inconstitucionalidade da norma, entende-se por cabível mandado de segurança preventivo a fim de, em caráter de tutela inibitória, evitar a concretização da sanção prevista no art. 2º da lei municipal.

A jurisprudência do TJ/GO reconhece a possibilidade de ajuizamento do mandamus em tais casos:

MANDADO DE SEGURANCA PREVENTIVO. IMPETRACAO CONTRA LEI EM TESE. NAO CARACTERIZACAO. SUMULA 266/STF. ARGUICAO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE.

I - CONSIDERANDO-SE QUE O LANCAMENTO E ATIVIDADE ADMINISTRATIVA VINCULADA E OBRIGATORIA, FORCA CONVIR QUE A REVOGACAO DO BENEFICIO FISCAL NOTICIADO NOS AUTOS COLOCOU A IMPETRANTE NA IMINENCIA DE VIR A SER ATINGIDA PELOS EFEITOS ADVINDOS DO ARTIGO 80, PARAGRAFO UNICO, DO ANEXO VIII, DO DECRETO N. 4.852/97, NAO HAVENDO QUE SE FALAR, PORTANTO, EM INADEQUACAO DA VIA ELEITA, JA QUE O CARATER PREVENTIVO DO MANDAMUS, COMO NO CASO AFASTA A APLICACAO DA SUMULA N° 266 DO STF, PORQUANTO NAO SE TRATA DE IMPETRACAO CONTRA LEI EM TESE.

(...)

(TJGO, MANDADO DE SEGURANCA 17167-7/101, Rel. DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 10/03/2009, DJe 314 de 15/04/2009)

"MANDADO DE SEGURANCA. MATERIA TRIBUTARIA. TEXTO LEGAL COM EFEITOS CONCRETOS. POSSIBILIDADE. EVIDENCIADO QUE A IMPETRANTE BUSCA DEFESA DE DIREITO QUE ENTENDE LIQUIDO E CERTO, AO FUNDAMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TEXTO LEGAL, E ADMISSIVEL O MANDADO DE SEGURANCA CONTRA LEI TRIBUTARIA QUE PRODUZ EFEITOS CONCRETOS NA ESFERA PATRIMONIAL DO CONTRIBUINTE, RESSALTADO O DIRECIONAMENTO DA SUPREMA CORTE NO SENTIDO DE QUE NAO SE PODE INTERPRETAR DE FORMA ABUSIVAMENTE EXTENSIVA A SUMULA 266, PORQUANTO SE PODERIA OBSTAR TODO E QUALQUER MANDADO DE SEGURANCA PREVENTIVO.

(...)

(TJGO, MANDADO DE SEGURANCA 16061-0/101, Rel. DES. FELIPE BATISTA CORDEIRO, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/11/2008, DJe 231 de 05/12/2008)

No caso, impõe-se reconhecer às empresas produtoras e comerciantes de bebidas alcoólicas a legitimidade ativa para a impetração do mandado de segurança.

Considerando que a eventual sanção prevista no art. 2º da Lei nº 9.374/2013 advirá de fiscalização realizada por órgão municipal competente, convém arrolar como autoridades coatoras o Prefeito de Goiânia e o Secretário Municipal de Fiscalização (SEFIS), tendo em vista as atribuições estabelecidas pela Lei Complementar Municipal nº 239/2013.

Com fundamento na inconstitucionalidade incidental da Lei nº 9.374/2013, o pedido consistirá na concessão de tutela inibitória no sentido de que o Município de Goiânia abstenha-se de realizar qualquer procedimento de fiscalização e penalização que tenha por fundamento a referida norma.


Autor

  • Victor Aguiar Jardim de Amorim

    Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Lei municipal sobre propaganda de bebidas alcóolicas é inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3891, 25 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26769. Acesso em: 24 abr. 2024.