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Defesa preliminar e resposta à acusação

Defesa preliminar e resposta à acusação

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Defesa preliminar e ou Resposta à Acusação em processo crime real.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL – SÃO PAULO

PROCESSO Nº. 

CONTROLE = 

Pelo acusado: .............

                 Conspícuo Magistrado,

                                     

                 O acusado, através de seu advogado infra-assinado, vem, mui respeitosamente, a ilustre presença de Vossa Excelência apresentar sua DEFESA PRELIMINAR as acusações que lhe são imputadas na denúncia. Para tanto expõe e requer:

“Sob a ponte da Justiça passam todas as dores, todas as misérias, todas as aberrações, todas as opiniões políticas, todos os interesses sociais. E seria de desejar fosse o Juiz capaz de reviver em si, para os compreender, cada um desses sentimentos.”(M.P. Pimentel, in Revista do Direito Penal, v. 24, p. 91).

                                     O Juiz SOUSA NETO entre 1946-1947, publicou o primeiro livro:

“A mentira e o delinqüente”. Nesse ensaio de criminologia e de processo penal, ele se revela o juiz justo e corajoso que sempre foi. Traça, logo, uma regra fundamental, de moralidade e de justiça, que adotará em toda a sua vida, advertindo, com elevação que não pode condenar em dúvida:

“Não há um princípio de filosofia, um dogma de moral, um cânone de religião, um postulado de bom senso, uma regra jurídica, que autorize um pronunciamento condenatório na dúvida. Justifica-se, pois, a assertiva de João Ramalho: “Sem prova plena e verdadeira, a condenação será sempre uma injustiça e a execução da sentença uma violência”.

“A justiça só vive da prova. Só o arbítrio se alimenta do monstro da presunção. A dúvida é a certeza dos loucos. Estes são julgados, não julgam”.

O PAPEL DA JUSTIÇA

“O juiz precisa, antes de tudo, de uma calma completa, de uma serenidade inalterável, porque os acusados apresentam-se diante dele sob a paixão violenta e apaixonada da opinião”.

“Os jornais, com uma indiscrição que a lei devia reprimir, divulgaram o fato nas cem trombetas da fama e crivaram o réu dos adjetivos mais furibundos. O crime repelente e abjeto desperta em toda alma delicada um natural sentimento de indignação e revolta. O espírito insensivelmente se previne e por essa elaboração lenta de que fala PAULA LOMBROSO, digna filha do eminente antropologista criminal, que resiste a todos os argumentos e provas em contrário”.

“É necessário, portanto, a máxima calma na apreciação do processo. O magistrado deve manter o seu espírito sereno, absolutamente livre de sugestão de qualquer natureza” (Atentados ao Pudor, págs. 295 e 296, 3ª edição, de Viveiros de Castro).

                                     Vossa Excelência, ilustre e culto magistrado que honra a toga Paulista, notadamente pelo seu saber jurídico e possuidor de um dos requisitos essencialíssimo para ser julgador de homens como afirma CALAMANDREI, “julgar o semelhante deve-se, antes de tudo ter a compreensão dos fatos e decidir de forma humana e justa”. Essas qualidades Vossa Excelência as tem e este modesto advogado é testemunha ocular de todas essas afirmações que coloco na defesa do acusado.

                                     Aliás, como anunciou CALAMANDREI, “o Juiz é o intermediário entre a norma e a vida. Em certos momentos, até a lei pode falhar, mas nunca poderá faltar a Justiça”. Por isso, sempre acreditei que o Juiz é mais, muito mais do que esclareceu o Mestre italiano, porque o Juiz, sob cuja tutela repousa, seguramente, a liberdade, a honra e o patrimônio, é a última esperança do homem e sociedade, a partir do primeiro malogro da lei. (In Raphael Carneiro Arnaud; Magistrado, administrador e cultor da história).

                                  Neste passo o Egrégio RUI BARBOSA, o maior de todos nós quando escreveu ‘O dever do advogado’ nos ensinou o seguinte:

“Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas mínimas formas. Cada uma delas constitui uma garantia, maior ou menor, da liquidação da verdade, cujo interesse em todas se deve acatar rigorosamente.   

   

PRELIMINARES

                              A denúncia oferecida pelo  Representante do Ministério Público encontra-se em desrespeito aos preceitos do nosso sistema processual penal, devendo pois, ser rejeitada, conforme o artigo 395, I, do Código de Processo Penal, por ser INEPTA.

                               Tal afirmação se faz verdade porque na peça inaugural, o denunciado fora acusado por fatos descritos genericamente, sem qualquer respaldo fático, o que inviabiliza a sua defesa, restringindo seu direito constitucionalmente garantido da ampla defesa.    

                        

                                 Neste Passo a importância essencial da defesa preliminar é decotar os excessos da denúncia e ainda, permitir que o magistrado receba ou não a peça acusatório de pormenorizada se o conteúdo da denúncia tem admissibilidade ou lhe falta justa causa para o prosseguimento da ação.

                                Na defesa preliminar, como se vê, é bem distinta da antiga defesa “prévia” (que ocorria depois do interrogatório). Na preliminar, a defesa deve invocar tudo que possa interferir na decisão do juiz de receber ou rejeitar a peça acusatória.

                               O trinômio processual mais relevante na atualidade consiste em preliminares, prejudiciais e mérito. Ele é superior ao clássico pressupostos processuais, condições da ação e mérito. As preliminares e as prejudiciais consistem questões prévias. O mérito é a questão principal. Na defesa preliminar o acusado e seu defensor deve argüir preliminares, questões prejudiciais(quando existente) assim como razões que interferem no mérito da causa( deve-se discutir sobre tudo a correta classificação da infração).

                               Nas preliminares a defesa deve discutir: a. os pressupostos processuais( de existência do processo - pedido e orgão jurisdicional – de existência de relação jurídica processual – pedido, partes e orgão jurisdicional – e de validade do processo); b. as condições da ação( possibilidade jurídica do pedido, legitimidade para agir, interesse de agir e justa causa); c. os aspectos formais da peça acusatória(inépcia formal); e d. as exceções(de litispendência, de coisa julgada, de incompetência, delegitimidade de parte e suspeição), que serão processadas de acordo com o Código Processo Penal, art. art. 95 e ss.

                              Eventuais questões prejudiciais devem suceder as preliminares. Depois se ingressa no mérito, ou seja, devem ser invocadas” todas as razões de defesa”. A defesa preliminar é muito importante para discutir vários pontos, mas sobre tudo para questionar a classificação da infração. Se trata-se de um usuário e a polícia o enquadrou no art. 33(traficante) o momento de se discutir tudo isso é agora:

                              Deve-se fazer de tudo para convencer o juiz, de plano, qu a classificação mais severa está equivocada. Caso o juiz aceite essa argumentação, rejeitará a peça acusatória e enviar tudo aos Juizados( ou dará prosseguimento ele mesmo, seguindo o procedimento dos Juizados, que é o competente para processar e julgar o agente flagrado em posse de drogas para consumo pessoal).

                              A defesa preliminar, de outro lado, constitui o momento oportuno para: a. oferecer documentos e justificações; b. especificar as provas que se pretende produzir; c. arrolar testemunhas, sob pena de preclusão até o número de cinco.

                               Esta importância Excelência. se caracteriza principalmente porque dar ao magistrado o exame mais aprofundado da admissibilidade ou não do controle jurisdicional da denúncia de que tanto fala o mestre RENATO FLÁVIO MARCÃO.

                                  A realidade forense tem relevado uma determinada situação procedimental abusiva e que bem demonstra a falta de amor aos valores constitucionais por expressiva parcela do Judiciário. Felizmente, não a sua totalidade.

                                  Dando triste atualidades às palavras de NOÉ AZEVEDO, onde este adverte que “as leis mais liberais, com providencias as mais sábias e justas para a proteção da liberdade individual, podem se transformar em verdadeiros flagelos, si as suas disposições forem manejadas, como látego de feitores, por juízes retrógrados, obtusos e cruéis”, o fato é que tem sido recebido, às mãos cheias, denúncias e mais denúncias contra acusados inseridos na Lei de Tóxicos, sem a mínima fundamentação, fazendo-se Tábula Rasa do Direito de Defesa e do Due Process.

                                 Quando o constituinte brasileiro incluiu esta exigência no art. 93, IX, da Magna Carta republicana, evidentemente, pretendeu criar um padrão para toda e qualquer manifestação judicial que apresente uma carga decisória, por menor que esta seja, só estando excluídos os denominados despachos de expediente, coisa que a decisão inaugural da relação processual penal, nem de longe, pode ser confundida. Nesse teor, explicita ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO: “Ao dizer que serão fundamentadas ‘todas’ as decisões, a Constituição brasileira não expressa apenas a extensão do dever de motivar, mais do que isso, prescreve um único modelo de decisão judicial – a decisão fundamentada -, em que tal exigência deve condicionar o próprio raciocínio decisório”. (Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, nº. 30 – Jun/Jul 2009).

                                 Ainda nesse diapasão, vibrando e alertando contra  o peso e as agruras de um processo criminal inaugurado por esta decisão, CARLOS EDUARDO SHEID adverte que “observando-se o processo penal através da lente constitucional, pensa-se ser exigível que a decisão de recebimento da denuncia seja motivada”. (A motivação das decisões penais – a partir da teoria garantista, Livraria do Advogado,2009.p.151).

                                 E, pergunta-se: Frente á teoria de KELSEN, e sua consagrada pirâmide, há outra lente a observar qualquer lei nesse país? Há outro filtro interpretativo, senão a constituição?

                                 Entre nós, é categórico BARBOZA MOREIRA: “Last but not least”, trata-se de garantir o direito que tem as partes de ser ouvidas e de ver examinadas pelo órgão julgador as questões que houveram suscitado. De reclamar do órgão judicial a consideração atenta dos argumentos e provas trazidos aos autos”.( A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao estado de direito – Temas de Direito Processual – 2º serie. São Paulo, 1980.p.88).

                                 Com TORNAGHI, aprendemos que: “A lei do processo é o prolongamento e a efetivação do capitulo constitucional sobre os direitos e as garantias individuais” (Tornaghi, Hélio.Ob.,v.I,p.75).

                                Diante de dispositivo processual que cria este espaço de debate a ser analisado pelo juiz no momento de receber ou não a denuncia, observa-se que ao fraudar-se a análise, fraudados estão os princípios constituídos do contraditório, da Ampla defesa, do Devido Processo Legal e da Motivação das decisões penais.

                                Dar exigência a motivação no recebimento da denuncia é a garantia entre a eficiência da sanção e o respeito para com os direitos fundamentais, sendo todo este equilíbrio um permear constante dentro de um processo penal democrático. Sobre o tema da sanção de nulidade face ao desrespeito a garantia constitucional da motivação, o mestre das Arcadas ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO encerra o assunto:

“(...) Cabe agora examinar a conseqüência processual do não-atendimento dos mencionados requisitos do discurso justificativo judicial. A tarefa, nesse ponto, é sensivelmente facilitada pela clareza do texto constitucional: ‘Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade’ (art. 93, IX).

                                Trata-se, portanto, de uma daquelas hipóteses em que a atipicidade do ato por inobservância de norma constitucional tem a sua conseqüência processual determinada própria lei fundamental: as decisões judiciais de qualquer espécie (todas) não fundamentadas, são ineficazes. A NULIDADE NO CASO É ABSOLUTA, pois o ato processual inconstitucional, quando não juridicamente inexistente, não pode dar lugar à nulidade relativa, uma vez que as garantias processuais-constitucionais, mesmo quando aparentemente postas em benefício da parte, visam em primeiro lugar ao interesse público na condução do processo segundo as regras do devido processo legal.

(...) Ademais, dizer que a nulidade é absoluta implica também admitir que o prejuízo acarretado pelo vício é evidente, dispensando a demonstração de dano para a parte ou para a própria decisão. No caso da decisão judicial não fundamentada, o prejuízo fica induvidosamente revelado pela frustração de todos aqueles objetivos políticos e processuais que determinam a exigência constitucional.” (Gomes Filho, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. RT, 2001. p. 202-203.

                                Sobre o tema, era o que tínhamos a expor. Acreditamos, com IHERING, que: “A forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gêmea da liberdade”.

                                Acreditamos, com ELIÉZER ROSA, que: “Num mundo democrático o Estado não tem o direito de sofismar com a liberdade do homem”. 

                                Por conseguinte, o juiz moderno o qual se enquadra Vossa Excelência, como afirmava o saudoso RUI BARBOSA:

“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se dos seus despachos e sentenças, antes se relustra, desdizendo-se do sentenciado ou resolvido, quando se lhe antolha claro o engano, em que laborava, ou a injustiça, que cometeu”

   

                                Nesse ponto vale a pena a advertência que fez o Conselho de Dom Quixote a Sancho Pança às vésperas de ser governador:

“Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei do delinqüente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo”.

   

                                Isto posto, e como a NULIDADA é de caráter ABSOLUTO, noutras palavras, nos dizeres de SOARES (1977, p. 361), “...o Direito Processual Penal é eminentemente formal, isto é, cada norma processual penal corresponde a um ato, sujeito a determinada forma, que constitui a própria garantia e segurança da ordem processual”, por conseqüência deve Vossa Excelência anular todos os atos praticados no processo a partir  do recebimento da denúncia e, de imediato, determinar a soltura do acusado, pois encontram-se preso mais tempo que a lei permite, sem prejuízo de ser refeita a instrução penal até final sentença.

NO MÉRITO

                                Como na fábula, abandonando a sensatez do cordeiro, tomou o Representante do Ministério Público as atitudes de lobo e declarou guerra à todos os princípios de lógica judiciária, que arrazoou com a força atômica das suas conjecturas e das suas reticências.

                                Porquanto, não conseguiu o Representante do MP, demonstrar a culpabilidade do acusado, mas, não quer acreditar na INOCÊNCIA dele.

                                Neste norte, é velho princípio de lógica judiciária:

“A acusação não tem nada de provado se não conseguiu estabelecer a certeza da criminalidade, ao passo que a defesa tem tudo provado se conseguiu abalar aquela certeza, estabelecendo a simples e racional credibilidade, por mínima que seja, da inocência”.

                                As obrigações de quem quer provar a inocência são muito mais restritas que as obrigações de quem quer provar a criminalidade” (F. MALATESTA – A lógica das Provas – Trad. De Alves de Sá – 2ª Edição, págs. 123 e 124).

                                O ministro CELSO DE MELO, um dos mais importantes juristas da atualidade, quando em um dos seus votos em acórdãos da sua lavra definiu que o ônus da prova recai EXCLUSIVAMENTE ao MP:

“É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalecem em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº. 88, de 20/12/37, art. 20, nº. 5). Precedentes.” (HC 83.947/AM, Rel. Min. Celso de Mello).

                                Convém assinalar, neste ponto, que, “embora aludido ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão [...], a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação” (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito À Prova no Processo Penal, p. 113, item nº. 7, 1997, São Paulo: Revista dos Tribunais).

                                De igual modo a doutrina de maneira uníssona ampara o acusado:

“O processo criminal é o que há de mais sério neste mundo. Tudo nele deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer grandeza algébrica. Nada de ampliável, de pressuposto, de anfibológico.

                                Assente o processo na precisão morfológico legal e nesta outra precisão mais salutar ainda. A VERDADE SEMPRE DEVE SER DESATAVIADA DE DÚVIDAS. (CARRARA)

                               Por isso é que o Eminente e culto Des. AMILTON BUENO DE CARVALHO, integrante do colegiado dos pampas em suas reiteradas decisões, quando os depoimentos são evasivos, decidem assim:

“Furto qualificado. Prova policial: valor igual a zero no momento judicante. Condenação: não pactua com prova atônica. Negaram provimento ao apelo da acusação (unânime). (Apelação crime, 70021713128, Quinta Câmara Criminal, Des. Rel. Amilton Bueno de Carvalho, j. 07.11.2007)”.

“Apelação-crime. Roubo majorado. Prova oral policial: valor algum tem em um processo penal que se pretenda democrático e garantista. Absolvição: ausente a certeza – base ética indeclinável da condenação –, o resultado absolutório se impõe. Recurso defensivo provido (unânime). (TJRS, Apelação Crime, 70029469186, Quinta Câmara Criminal, Rel. Amilton Bueno de Carvalho, j. 13.05.2009)”.

                               No mesmo passo o inesquecível Min. ALCIDES CARNEIRO quando integrava o STM assentou:

“A prova, para autorizar uma condenação, deve ser plena e indiscutível, merecendo dos julgadores o maior rigor na sua apreciação, mormente quando se trata de testemunhas marcadas pela dúvida e pela suspeição, geradas pelo interesse em resguardar situações de comprometimento pessoal”.

                               Portanto, o ônus da prova cabe ao MP e pelos depoimentos jurisdicionalizados não traduz a certeza real que deve ter o julgador carreado para os autos para poder julgar com certeza o seu semelhante.

                               Não se pode olvidar que, se a prova demonstra dúvida quanto aos fatos a eles atribuídos, embora plausíveis, a absolvição é imperativa, pois a condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis e que evidenciem a materialidade e a autoria.

                               Assim, existindo dúvida, deve-se aplicar o princípio do IN DÚBIO PRO REO para absolvê-los.

Trago a colação alguns arestos:

 “No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando à alta probabilidade desta ou daquela. E não pode, portanto, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio.” (TJSP – RT, 619/267). 

“Inadmissível a prolatação de decreto condenatório se suficientes os elementos probatórios apenas para fundar suspeitas contra o réu. É que a simples probabilidade de autoria, tratando-se de mera etapa da verdade, não constitui, por si só, certeza” (TACRIMSP – in JUTACRIM 45/218).

Prova precária. Absolvição decretada. (TJSP, Ap. Crim. 213.603-3, 2ª Câm. Crim., j. 30-9-1996, rel. Des. Renato Talli, JTJ 184/313).

“Se a prova dos autos não gera a certeza de que a substância entorpecente apreendida pela polícia realmente pertencia ao acusado da prática do crime de posse, impõe-se a absolvição do mesmo com adoção do princípio do in dúbio pro reo” (TJMG, Proc. 1002401099985-2, 3º Câm. Rel. Des. Paulo Cezar Dias, DJMG de 5-11-2004, Revista Magister de Direito Penal e Processo Penal, n. 2, p. 115).

      

                               No caso concreto, não se vislumbra menor indicio de participação do acusado nos delitos a ele imputados.

                                A prova carreada aos autos é extremamente frágil,” Notadamente o depoimento dos policiais, colhidos na fase inquisitorial , que se contradizem de maneira manifesta ao ponto de cada um dos depoentes afirmarem coisa dispara não dando nenhuma sustentação para que o magistrado mais rigoroso que seja, possa proferir a sentença condenatória, porquanto a autoria não ficou demonstrada a saciedade.

                                A culpabilidade deve resultar apurada, estreme de duvida, dentro do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV). É a regra do ID QUOD NON EST IN ACTIS NON EST IN MUNDO ( o que não está nos autos não esta no mundo).                                                             Ninguém deve ser acusado ou condenado apenas pelos seus antecedentes, mas unicamente por realizar uma ação típica, antijurídica e culpável.

                                 A culpabilidade é do fato e não do autor. O agente só pode ser considerado culpado “POR AQUILO QUE ELE FEZ NÃO PELO QUE ELE É” (ASSIS TOLEDO, “Princípios”, PP.382-389).

                                O direito penal moderno  e liberal é “direito penal do fato, não do autor”; o juízo de culpabilidade recai sobre o fato do agente, não sobre o caráter ou modo de pensar do agente do fato”(JESCHECK, “Tratado”,p.581); FIANDACA-MUSCO – “Diritto Penalle” , p. 155, citado por LUIZ FLAVIO GOMES, in “ Erro de Tipo e Erro de Proibição”, RT, PP. 110/111).

                                O juiz de primeiro (1º) grau, único que é nomeado em virtude de concurso público e provas e de títulos, não tem razões para ser subserviente e decidir fazendo média, como se político fosse, mas tão-somente decidir cumprindo e fazendo cumprir a lei e a Constituição. Se a lei e a constituição são iníquas, anacrônicas e conduzem a injustiça e a impunidade, aqueles que as elaboram (o legislador e o constituinte) que cuidem de revogá-las.

 “É melhor absorver um culpado do que condenar um inocente”(ROBERTO LYRA)

“Condenar um possível delinqüente e condenar um possível inocente (NELSON HUNGRIA)

“A condenação exige certeza, não basta sequer a alta probabilidade”.

                               Não é possível, observa FRAGOSO, fundar sentença condenatória em prova que não conduz a certeza... Como ensina o grande mestre EBERHARDT SCHIMDT (“Deutsches Strafprozessrecht”, 1967, p.48). constitui princípio  fundamental do processo o de que o acusado somente deve ser condenado quando o Juízo, na forma legal, tenha estabelecido os fatos que fundamentam a sua autoria e culpabilidade, com completa certeza... Se subsiste ainda que apenas a menor dúvida, deve o acusado ser absolvido... A condenação exige certeza e não basta, sequer, a alta probabilidade... (“Jurisprudência Criminal”,III, Borsoi, 1973, p. 405/406).

                               Não é fácil a uma pessoa responsável, condenar seu semelhante, a propósito de bem julgar, assim leciona ROBERTO LYRA, em sua obra “Como julgar, como defender e como acusar”, Editora Científica, RJ, PP. 12/13, verbis:

“Nem manejar a lei como pedra ( a lei nasceu na pedra) contundente e mortífera (lei hierática, fira, dura, objeto de idolatria, fetichismo, culto), nem tratá-la como inimiga ou parceira. O juiz não é condomínio e muito menos cabecel da lei. Esta não é muro de lamentações e desabafo. A missão crítica (mais importante é a auto-crítica) do magistrado tem por objetivo pedidos, razoes, provas e jamais a lei que ele encarna.quem quer é a lei (lei propriamente dita, é claro) e não o juiz. este não dispõe contra a lei.

A aplicação da lei penal ao caso concreto, depois de contraditório probatório, crítico e polêmico, não implica sutilezas e transcendências. Mais do que altas indagações de direito valem baixas indagações de fato. Juridicamente, não é preciso mais do que extrair a síntese da tese da acusação ante a antítese da defesa do contraditório elementar. As alternativas são inerentes a todo litígio. As dificuldades do juiz, em matéria penal, não são dogmáticas ou exegéticas, salvo inércia. O que preocupa e inquieta ao magistrado de fundo e a responsabilidade de deliberar sobre o destino de um semelhante. E isto nada tem a ver com a técnica. Há magistrados capazes de auto-revisões espontâneas e há  os que estendem a lei do menor esforço ao campo moral ou entretêm a frieza intima com prolações destinadas a publicidade.

O julgamento não é um ato de ciência, mas de consciência. O juiz deve pensar e, sobretudo, sentir a causa para assegurar, propiciar, acompanhar o futuro do condenado.

Julgando, o juiz concretizará o abstrato, objetivando o subjetivo, socializará o individual, aprofundando-se para elevar-se, projetando-se pelo social e, portanto, pelo humano. O juiz deve preencher as áreas abertas para transfundir o Direito na lei e não para fecundá-la artificialmente. Sua principal missão é reduzir os limites do possível, as desigualdades da lei, reflexo das desigualdades sociais”.

                                      Para bem julgar, o magistrado precisa ter a visão cósmica da realidade jurídica e também da realidade cultural. Não basta a informação, porque é necessária formação. E esta, sem prejuízo daquela, exige cultura humanística e uma visão global da humanidade”(VICENTE GRECO FILHO, in “Tutela Constitucional da Liberdades”, Saraiva, 1989, p. 22).

                                    O admirável LIDIO MACHADO BANDEIRA DE MELLO, em cujas mãos o Direito penal ganha uma beleza e uma grandeza extraordinárias, refere-se ao fato de a ignorância da lei penal não eximir da pena, pois, do contrário, a aplicação da penalidade, em grande numero de casos, seria impossível, entretanto, pondera o mestre que, a rigor, para que a ignorância da lei pudesse ser sempre repelida, impunha-se eu a lei penal fosse simples, clara, límpida, ao alcance da compreensão de toda gente. Uma lei penal mal redigida, que exige acurada interpretação, não pode, em sã justiça, ser obrigatória para todos os homens.

                                    Se não se dá ao povo o direito de ignorar a lei, indispensável é que a lei esteja ao alcance do entendimento do povo. Em ultima analise, as que proíbem matar, ferir, roubar, violentar mulheres e crianças. Tais crimes todos conhecem e todos reprovam, reconhecendo que eles ofendem os sentimentos da caridade e negam as virtudes essenciais da condição humana”. (HÉLIO SODRÉ), “Manual Compacto de Direito”, Forense, 1980, p. 75).

                                    Ainda a propósito da responsabilidade de julgar a liberdade do ser humano, PIERO CALAMANDREI, in “Elogio Del Giudice Scritto da Unvocato”, 6º Ed. Livraria Clássica Editora, Lisboa(Portugal), 1981,pp. 173/174, nos dá a seguinte lição, verbis:

 “Um velho magistrado, sentindo que morria, dizia assim serenamente em seu leito:

- Queria, senhor, ao morrer ter a certeza de que todos os homens que condenei morreram antes de mim, pois não posso pensar que fiquem nas prisões deste mundo, a sofrer penas humanas, os que lá foram metidos por ordem minha.

-  Queria, senhor que quando me apresentasse ao Teu Juízo, os encontrasse a Tua porta, para que me disse sem que os julguei com justiça, e se para com algum e sem dar por isso fui injusto, esse, mais do que outro, desejaria encontrar ao meu lado, para lhe pedir perdão e para lhe dizer que nem uma só vez esqueci ser uma pobre criatura humana, escrava do erro, que nem uma só vez, ao condenar consegui reprimir a perturbação da consciência, tremendo perante um oficio que, em ultima instancia, apenas pode ser Teu, Senhor”.

                                 Compete à acusação demonstrar o elemento subjetivo da culpa, que há de ser plena e convincente, ao passo que para o Acusado basta a dúvida. 

                                     É a consagração do in dúbio pro reo ou actore non probante absolvitur réus; há prevenção legal da inocência do Acusado. È o que o Código expressamente consagra: “absolver-se o réu quando não existir prova suficiente para a condenação”.

                                     

                                     Por estas razões, e outras do convencimento de Vossa Excelência a acusada, deverá ser ABSOLVIDO, dos delitos a ele imputados na denuncia, por falta de prova da autoria, aplicando o principio universal in dúbio pro reo.

                                      Nestes termos, j. esta aos autos,

                                      São Paulo, 26 de julho de 2011

                                      ROBERTO BARTOLOMEI PARENTONI

                                      ADVOGADO

                                      ANTONIO AURÉLIO SOARES

                                      ACADÊMICO DE DIREITO

                             

                   


Autor

  • Roberto Parentoni

    O escritório ROBERTO PARENTONI e ADVOGADOS, com mais de 30 anos de atuação, é especializado em Advocacia Criminal e Penal Empresarial, foi fundado pelo Advogado Criminalista Dr. Roberto Parentoni em 1991 e está sediado em São Paulo – Capital. Um dos mais tradicionais e renomados escritórios de Advocacia do Brasil, conta com Advogados militantes que atuam de maneira consultiva, preventiva e contenciosa, em defesa do acusado ou a favor da vítima, pessoa física ou jurídica, em todas as esferas, instâncias e tribunais do país.

    www.parentoni.com

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