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Ação declaratória incidental e questão prejudicial

Ação declaratória incidental e questão prejudicial

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Sumário: Introdução; Capítulo 1 - A Ação Declaratória, 1.1 - Breve histórico, 1.2 – Características, 1.3 - Natureza da ação declaratória, 1.4 - Eficácia da sentença; Capítulo 2 - Questões Prejudiciais, 2.1 – Generalidades, 2.2 - Questões prejudiciais e questões preliminares, 2.3 - Prejudicialidade homogênea e heterogênea, 2.4 - Relação entre questão prejudicial e declaração incidente; Capítulo 3 - A Ação Declaratória Incidental, 3.1 – Histórico, 3.2 - Natureza jurídica, 3.3 – Conceito, 3.4 - Finalidade , 3.5 - Limites da coisa julgada, 3.6 - Interesse de agir, 3.7 - Procedimento no direito brasileiro; Capítulo 4 - A Ação Declaratória Incidental e sua Relação com as Questões Prejudiciais, 4.1 – Explicação, 4.2 - A questão prejudicial até o Código de 1939, 4.3 - A coisa julgada, 4.4 - Diferença entre o inciso III do art. 469 e o art 470 do CPC; Conclusão; Referências Bibliográficas


INTRODUÇÃO

Dentre as modificações introduzidas pelo vigente Código de Processo Civil, aparece como das mais relevantes, do ponto de vista teórico, a declaração incidente e as questões prejudiciais. O tema é realmente complexo, suscitando fundadas dúvidas e divergências doutrinárias e jurisprudenciais mesmo naqueles países, como a Alemanha, Áustria e Itália que o consagram há muito tempo.

Pode ocorrer que, algumas vezes, uma das partes pretenda ver definitivamente resolvida uma questão prejudicial, com força de coisa julgada, de modo a evitar novas discussões futuras. Para atender a essa situação, contemplou o legislador, a exemplo de algumas legislações estrangeiras, a figura da ação declaratória incidental.

O presente trabalho, então, tem como objetivo estabelecer algumas considerações acerca da ação declaratória incidental, das questões prejudiciais e, por fim, relacionar ambas, para que se tenha exata noção da importância delas em nosso ordenamento jurídico.

Para isso é necessário apresentar-se todos os enredos que a ação declaratória incidental despertou desde o seu nascedouro, analisando, claro, sua nascente, a ação declaratória, sua fonte, a questão prejudicial, e relacionando-as, tendo em vista que são diretamente ligadas.

Primeiramente, se fará uma abordagem da ação declaratória pois a ação declaratória incidental corresponde a uma ação declaratória embutida no processo cujo objeto inicial era outra relação jurídica a cujo respeito se formulara outro pedido.

Depois, tratar-se-á das questões prejudiciais que são a fonte da ação declaratória incidental, tendo em vista que a declaração incidente resulta do aparecimento de uma questão prejudicial que interferirá no julgamento da lide, sendo então necessária, a requerimento da parte, seu julgamento com força de coisa julgada.

A ação declaratória incidental será tratada logo a seguir, procurando-se trazer todos os detalhes e curiosidades sobre esta tema que, como falam todos os juristas, é muito importante com relação a coisa julgada nos limites do que indefere ou não o pedido.

E, por fim, relacionar-se-á a ação declaratória incidental com as questões prejudiciais, tendo em vista serem diretamente ligadas, para que se possa ter exata noção da interferência das questões prejudiciais na ação declaratória incidental, principalmente, com relação a coisa julgada.


Capítulo 1 - A AÇÃO DECLARATÓRIA

1.1 - Breve Histórico

A ação declaratória começou a aparecer na época do sistema formulário, em Roma, quando passou-se a utilizar de uma forma de processo não condenatório. Nas fórmulas daquele sistema havia a "Demonstratio, que continha o fundamento jurídico da demanda, a Intentio, em que se exprimia a intenção do autor, a Condemnatio, na qual o magistrado dava ao juiz o poder de condenar ou absolver e a Adjucatio, em que se atribuía ao juiz o poder de adjudicar bens aos litigantes"[1] que eram as partes da ação.

Em todas as fórmulas encontrava-se a Intentio. Com relação a Condemnatio, existia em quase todas as fórmulas, menos em uma, específica, que eram as chamadas praejudiciales que eram compostas apenas da Intentio. Assim, passou-se a conceber ações que não tinham finalidade condenatória mas simples declaração de fato de ou direito. Como o praejudicium não tendia a condenação, distinguia-se da ação propriamente dita mas, sendo um judicium, qualificavam-no, também, de actio. Essas fórmulas, visando a simples declaração, eram chamadas de praejudiciales, e tinham por objeto não apenas relações de status mas de natureza patrimonial.

Então, nessa época, os prejudicia passaram a constituir-se casos típicos de ação declaratória, tal como é hoje admitida.

No período de Justiniano, as actiones praejudiciales foram restringidas as questões relativas ao estado das pessoas.

Com o declínio do direito romano, as ações prejudiciais desapareceram e, criaram-se lacunas no que diz respeito as situações jurídicas que demandavam aquele tipo de remédio processual.

Assim, foram criados os juízos provocatórios, revestidos de idéias romanas e com essência germânica, que tinham as seguintes características.[2]

"a) Esses institutos geralmente não são ações mas sim remédios jurídicos, o que se demonstra porque a maior parte desses processos não se inicia por um libellus, como as ações mas sim por uma imploratio officii judicis, uma súplica, portanto, ao juiz, um apelo a sua equidade.

b) Esses processos tem geralmente a forma provocatória, isto é, visam a obrigar o demandado a agir, a provocar sua atividade. No juízo provocatório não é examinada a relação de direito. Esse juízo provocatório, portanto, não constitui ação declaratória, tala como hoje a entendemos, se bem que, no resultado prático, frequentemente se chegasse ao mesmo fim."

Do direito comum, os juízos provocatórios passaram ao dos Estados Modernos da Europa continental, inclusive Portugal. Na Itália foram utilizados até meados do século XIX, desaparecendo na unificação legislativa, sem serem, entretanto, expressamente substituídos pela ação declaratória.[3]

Como conhecida modernamente, a ação declaratória aparece, primeiramente, em uma codificação, na ordenação processual alemã de 1877 (no texto atual, artigo 256), com origem no direito francês que utilizava um tipo de ação destinada ao reconhecimento de escritos e títulos, a action en reconnaissance d´ecrit ou de titre. A redação atual do art. 256 do Código de Processo Civil alemão é.

"Pode-se demandar a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica e o reconhecimento de uma autenticidade ou a declaração da fasidade de um documento, se o demandante tem interesse jurídico em que a relação jurídica ou a autenticidade ou a falsidade do documento seja declarada imediatamente por decisão judicial."[4]

Inspirados no Código alemão, vários outro Códigos inseriram, em seus textos, a admissibilidade da ação declaratória, como o Código austríaco de 1895, o norueguês de 1915, o búlgaro de 1930, o polonês de 1933, o japonês de 1926 e o chinês de 1935.

Na Inglaterra ações declaratórias típicas eram conhecidas desde o início do século XIX mas limitadas a casos específicos.

Portugal, como os demais países da Europa Ocidental, recebeu do direito comum os juízos provocatórios e as exceções prejudiciais e os usou frequentemente. Mas somente em 1939, o Código Português veio a consagrar o instituto, dando uma larga amplitude pois admitia a declaração de existência ou inexistência de direito e de fato.

No direito brasileiro, o Código filipino trouxe os juízos provocatórios e as exceções prejudiciais. Entretanto, o reconhecimento legislativo para a ação declaratória, só chegou com a República, introduzida que foi em alguns dos Códigos estaduais de processo civil. Primeiramente se deu no Código de Processo Civil do Distrito Federal de 1924, inspirado pelo Código alemão. Em 1939, O Código de Processo Civil, estendeu, a todo país, as vantagens da ação declaratória, inspirando-se, outra vez, no código alemão, reproduzindo quase completamente o texto deste. E o Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 4º, admite a ação declaratória, em redação equivalente a do Código anterior.

1.2 - Características

A ação declaratória é uma ação de conhecimento que tem por objetivo uma declaração judicial quanto à determinada relação jurídica. Como o litígio se concentra exatamente na incerteza da relação jurídica, a declaração judicial torna certo aquilo que é incerto. Depreende-se que a ação declaratória não pretende mais do que declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica. O fundamento legal da ação declaratória se apresenta no art. 4º do CPC, que diz: "O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência ou da inexistência de relação jurídica; II - da autenticidade ou falsidade de documento".

A declaração, na ação declaratória, é o principal elemento pois existem ações em que a declaração não é e elemento mais importante, não interessando, assim, para o estudo da ação declaratória.

Nas ações declaratórias, o conflito entre as partes está na incerteza da relação jurídica, que a ação visa a desfazer, tornando certo aquilo que é incerto, desfazendo a dúvida em que se encontram as partes quanto à relação jurídica.

O interesse de agir consiste apenas na obtenção de uma decisão declarando a existência ou inexistência de uma relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de um documento.

Moacyr Amaral Santos[5] fornece sobre o assunto o seguinte exemplo:

"Quero efetuar um empréstimo num banco. Entretanto alguém propala que lhe sou devedor de vultosa quantia, ou que não costumo pagar minhas dívidas. Porque o banco tem no seu cadastro informações colhidas na praça sobre a situação dos seus clientes, à vista daquele boato, nega-me o empréstimo. Poderei, sabedor de quem seja esse inimigo gratuito, propor contra ele ação de perdas e danos, exigir que me indenize pelo mal que me causa. Mas pode ser que essa pessoa seja insolvável. Que me adiantará exigir-lhe indenização? Então, vou a Juízo e proponho uma ação declaratória da inexistência de relação de débito e crédito entre mim e essa pessoa. Peço que o Juiz declare que entre mim e essa pessoa não há relação de devedor e credor, ou que nunca houve relação de devedor e credor. A sentença apenas declarará isso, estabelecerá a certeza quanto a uma relação jurídica duvidosa"

Assim, as ações declaratórias tem como elemento predominante o de enunciado de fato. Nelas se diz, em primeiro plano, que algo existe ou que algo não existe.

1.3 - Natureza da ação declaratória

Várias foram as teorias que buscaram esclarecer qual a natureza jurídica da ação declaratória. Sustentou-se a existência de um "duplo espírito", baseado na Exposição de Motivos do Código alemão, que se separaria no direito a prestação em si e o direito a segurança da relação. Também sustentou-se a ação declaratória como remédio preventivo de litígios mas se viu que a função preventiva na realidade não existe. A teoria da cautio diz que toda relação jurídica deriva um direito a garantia da relação, a sua segurança mas também esta teoria não foi aceita, tendo em vista que mesmo que a finalidade pretendida pelo legislador ao instituir a ação declaratória seja assegurar direitos, o conteúdo da sentença não é dessa natureza. E menos satisfatória foi a teoria que pretendia ver a ação declaratória com uma ação sem pretensão pois trata-se de claro retrocesso as concepções medievais, a filiar o instituo ao processo provocatório.

Citado por Lopes da Costa,[6] Costa Manso formula interessantes anotações à natureza da ação declaratória, in verbis:

"A ação meramente declaratória é um remédio preventivo dos litígios. Por ela, exerce o Estado a ação tutelar que lhe compete, não só assegurando a paz entre os cidadãos, mas também garantindo os direitos subjetivos, quando, ainda não violados, sofram grave ameaça ou se tornem incertos, daí resultando diminuição de sua importância social. Sou portador de um título não vencido. Quero descontá-lo, porque necessito de dinheiro. Encontro, porém, sérios obstáculos, porque o devedor propalou na praça, ou declarou, mediante protesto judicial, que o título é falso, que a dívida já foi paga. Não posso intentar a ação de cobrança para demonstrar o meu direito. Mas a lei me assegura a faculdade de descontar o título, de transformá-lo imediatamente em dinheiro. Impor-me paralelamente o sacrifício de aguardar o vencimento da dívida, para só então agir, será tornar ilusória a garantia, será diminuir a extensão de meu direito.

A ação declaratória, entretanto, me acudirá, pois, por meio dela, afasto a dúvida suscitada, torno límpido o direito e evito o dano que estive ameaçado de sofrer. Outro exemplo: quero efetuar um empréstimo, mas encontro o meu crédito abalado, porque alguém se diz meu credor por vultosa quantia, ou me acusa de impontual, em relação a certo débito. Como sair dessa situação embaraçosa, sem auxílio do juiz? E como pedir o auxílio do juiz, sem o uso da ação meramente declaratória, pois nenhum direito exigível tenho no momento? Dir-se-á que posso recorrer à ação de perdas e danos. Mas, e se o réu estiver de boa-fé, convicto de que é meu credor? Se for insolvente, não podendo assim indenizar-me? Ainda uma hipótese.

Certa mulher, que viveu na companhia de um homem, jacta-se, depois de rompidas as relações, de ser casada com ele. Esse indivíduo se vê colocado numa situação angustiosa. Pode pretender casar e encontrará justa repulsa nas famílias, em conseqüência do suposto estado. Desejará alienar um imóvel e lhe exigirão a outorga da pretendida mulher. Dando-se-lhe, porém, a faculdade de pedir a declaração de seu estado civil, mostrará ele a sentença do juiz, e a sua situação jurídica se tornará definida. Recusar a ação declaratória, admitindo apenas a existência do remédio judicial, quando o direito se tornar exigível, é, de um lado, deixar sem garantia inúmeras relações jurídicas e, de outro, colocar o Estado na posição de um provocador de litígios, só se interpondo entre os contendores depois de travada a luta".

Para Barbi[7] a melhor teoria que explica a natureza jurídica da ação declaratória é aquela usada por Chiovenda, de ação como direito potestativo ou poder jurídico tendente a atuação da vontade da lei.

Já Fabrício[8], entende que a teoria de Chiovenda é compatível com qualquer das teorias que sustentam a autonomia do direito de agir em face do direito material, dizendo-se que ela melhor se ajusta a teoria do direito "abstrato" de agir do que a idéia de ação como direito potestativo.

Assim, a melhor teoria, no nosso entender, é aquela que diz que a certeza jurídica é, em si mesma, um bem da vida, perseguível, como qualquer outro bem juridicamente relevante, por via do processo. A doutrina anterior via o interesse sempre capaz de ser alcançado por outro meio, quando o processo não alcançar. Na verdade há bens que só o processo pode alcançar. Então, funciona o processo, nesse caso, como fonte autônoma e única possível do bem procurado pois ao direito de agir, autônomo e abstrato, correlaciona-se o dever jurídico do Estado de prestar o acertamento judicial.

1.4 - Eficácia da sentença

Declaratória é a sentença que não constitui situação jurídica, nem condena a uma prestação. Declara uma relação jurídica preexistente. Em linhas gerais, toda sentença tem um conteúdo declaratório e condenatório. O Juiz não pode constituir uma relação jurídica ou condenar a uma prestação sem reconhecer a preexistência de um direito, pois que a lei é a medida das ações humanas e a sentença, não podendo ser ato de arbítrio, terá de fundar-se na preexistência de um direito. Ao mesmo tempo, se o Juiz reconhece e declara o direito, condena o réu nas custas e nos honorários de advogado (CPC, art. 20). Em toda sentença há, pois, um conteúdo declaratório e uma disposição condenatória.

A sentença declaratória acolhe o pedido, ou acolhe em parte ou o rejeita. Toda sentença diz que a parte "tem razão" ou "não tem razão" no seu pedido. O "não tem razão" nas ações declaratórias consiste em "tem razão" para outra parte. Assim, ação declaratória tem como finalidade preponderante o enunciado "se perde quem disse que é, ganha quem disse que não é, se perde quem disse que não é, ganha que disse que não é"[9].

O que é próprio da natureza da força declarativa, imediato ou mediato, é a força da coisa julgada material, em toda a extensão do decidido. Daí a sentença na ação declaratória, com ínfimos elementos de outra natureza, a fazer coisa julgada material, em toda a extensão do decidido.

Assim, a eficácia principal da sentença declaratória é a de coisa julgada material. A eficácia imediata, de regra, é a eficácia mandamental. Na ação declaratória, a sentença que transita em julgado tem eficácia para preceito e a execução do que houver sido declarado somente pode promover-se em virtude sentença condenatória.[10]


Capítulo 2 - QUESTÕES PREJUDICIAIS

2.1 - Generalidades

Para que se possa entender precisamente o que é uma ação declaratória incidental é necessário estudar as questões prejudiciais pois elas são a controvérsia da relação jurídica, sobre a qual a ação declaratória incidental diz respeito.

As questões prejudiciais foram estudadas antes mesmo de se conhecer a ação declaratória, tendo em vista que as ações declaratórias, tanto a principal como a incidente, decorrem, no processo histórico, das chamadas actio praeiudicialis do direito romano. Assim, o desenvolvimento histórico das questões prejudiciais é o mesmo da ação declaratória.

Porém, o tema da prejudicialidade poucas vezes recebeu a devida atenção no direito brasileiro, diferente da Itália, onde as questões prejudiciais podem levar a suspensão do processo.

Então, é necessário um esforço no sentido de se delimitar e identificar as questões prejudiciais, para que, assim, chegue-se a compreensão exata da ação declaratória incidental.

A questão prejudicial pode ser definida como "a relação jurídica, ou autenticidade ou falsidade de documento, de cuja decisão depende, no todo ou em parte, julgamento da lide."[11]

Esclarece ainda, Ada Pellegrini Grinover[12], que "em sentido estrito, porém, a moderna doutrina processual reservou a denominação "questão prejudicial" para as questões relativas a outros estados ou relações jurídicas, que não dizem respeito a relação jurídica controvertida, mas que, podendo ser por si só objeto de um processo independente, apresentam-se naquele determinado processo apenas como ponto duvidoso na discussão da questão principal. E as questões prejudiciais, em sentido lato, dá-se hoje o nome de questões preliminares."

Também, Athos Gusmão Carneiro[13] diz que "parece razoável definir como "prejudicial" toda a questão que constitua, em primeiro lugar, um antecedente lógico da sentença (prejudicialidade em sentido lato) e que, outrosssim, se baseie "en una relación sustancial independiente de la que motiva la litis (Hugo Alsina, Las Cuestiones Prejudiciales en el Processo Civil, EJEA, 1959, p. 63)."

Observa-se, então, que a questão prejudicial é o ponto controvertido como um antecedente lógico da decisão final ou ainda os pontos de direito controvertidos que, afora o antecedente lógico da sentença, poderiam ser objeto de ação autônoma.

2.2 - Questões prejudiciais e questões preliminares

É importante distinguir as questões prejudiciais das questões preliminares, para que não haja erro quanto a utilização de uma ou de outra no processo, com conseqüências que podem chegar até a declaração incidente se não houver correta compreensão de quando se tem uma prejudicial e quando se tem uma preliminar.

A prejudicial é questão influidora na decisão principal. Sua resolução prejudica a solução da questão principal. A questão prejudicial relaciona-se com a decisão principal.

Já a questão preliminar ou prévia, entendida como prejudicial no sentido amplo[14], é aquela que antecede a matéria de mérito de contestação ou em recurso, em sentença ou acórdão, tendo por finalidade a regularização do processo, que deve ser decidida com antecedência pois pode impedir o julgamento final.

A questão preliminar também se distingue da questão principal que é o núcleo da sentença pretendida na pretensão material da lide.

Também pode-se dizer que as preliminares são as questões cuja solução pode tornar dispensável ou inadmissível o julgamento das questões dela dependentes, enquanto as prejudiciais são as questões cuja decisão influenciará ou determinará o conteúdo da questão vinculada.[15]

Fabrício[16] faz uma correta diferenciação entre os dois tipos de questões, quando diz que a questão preliminar é aquela que, a depender do sentido em que seja resolvida, pode obstar a apreciação da principal, tornando-a desnecessária ou mesmo imprevisível, como quando uma questão relativa a legitimidade ad processum, se dirimida no sentido da ausência desse requisito, trunca aí mesmo o iter processual, impedindo o juiz de passar ao exame de outras questões, a respeito das quais fica pré-excluída qualquer apreciação.

Com relação a questão prejudicial, diz Fabrício que ela não fecha a porta a posterior apreciação da principal mas pode predeterminar o sentido em que será resolvida, como quando alguém é chamado a responder como fiador e alega, como defesa, a nulidade ou inexistência da obrigação principal, ficando a resolução judicial que acolher essa alegação, condicionada ao teor desta decisão.

Para este trabalho, importa que se compreenda a questão prejudicial pois relaciona-se, diretamente, com a ação declaratória incidental.

2.3 - Prejudicialidade homogênea e heterogênea

As questões referentes a prejudicialidade são complexas em toda a doutrina, cabendo, aqui, mais uma distinção com relação as questões prejudiciais para que se especifique o termo questão prejudicial que se utiliza neste trabalho.

A distinção entre prejudicialidade homogênea e heterôgenea está na identidade entre a questão prejudicial e a questão principal como pertencentes ao mesmo ramo do direito.

A heterôgenea envolve relações interjurisdicionais. A decisão do juízo cível pode influir na decisão do juízo criminal, hipótese em que a possibilidade de declaração incidente é afastada pela radical incompetência ratione materiae do Juiz da causa prejudicada.[17] Já a homogênea é aquela que ocorre dentro do âmbito do processo civil.

Exemplo de prejudicialidade heterôgenea está no art. 1525 do Código Civil que considera a responsabilidade civil independente da responsabilidade penal, não se podendo questionar sobre a existência do fato ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime.

Aqui, então, interessa a prejudicialidade homogênea que é aquela no âmbito do processo civil e que relaciona a questão prejudicial e a questão principal, pertencendo ao mesmo ramo do direito.

2.4 - Relação entre questões prejudiciais e declaração incidente

No que diz respeito a ação declaratória incidental, as questões prejudiciais são o ponto de partida para o conhecimento da declaração incidente, o que as deixam ligadas a ação declaratória incidental.

O conteúdo da ação declaratória incidental é sempre uma controvérsia em torno de relação jurídica cuja existência ou inexistência condiciona o julgamento da lide. Assim, essa controvérsia envolve uma questão que, relativamente a causa principal, é prejudicial.

O pedido de declaração incidente destina-se a ampliar a área a ser coberta pela coisa julgada entre as mesmas partes, em correspondência com o alargamento da área lógica sobre a qual se desenvolverá o trabalho do juiz, consequente a suscitação da questão prejudicial.

Assim, a ação declaratória incidental tem por objetivo precípuo fazer com que também sobre a questão prejudicial haja coisa julgada. Numa ação, em que tenha sido levantada questão prejudicial, desde que esta passe a ser objeto de ação declaratória incidental, o juiz assim decidindo-a, sobre a mesma pesará, igualmente aquilo que ocorre com o mérito, a autoridade da coisa julgada e, desta forma, ulteriormente, não será possível rediscutir-se tal causa prejudicial.

Como se vê, a questão prejudicial é causa para a ação declaratória incidental que evita, assim, pela formação da coisa julgada sobre a questão prejudicial, que esta venha a ser objeto de nova discussão, provas e decisão, em demandas futuras entre as mesmas partes e que tenham como objeto ou como prejudicial a mesma questão.


Capítulo 3 - A AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL

3.1 - Histórico

A ação declaratória incidental tem origem na doutrina européia, sendo admitida por princípio elaborado pela doutrina francesa que se transmitiu ao direito itlaiano, ao direito germânico e ao direito austríaco.

Na Itália, a elaboração dos autores franceses foi admitida pela doutrina, embora a legislação, inicialmente, não contemplasse expressamente a ação declaratória incidental. Entretanto, o Código de 1940 veio dispor expressamente sobre o assunto, nos seguintes termos "art. 34 - Il giudice, se per legge o per esplicita domanda di una delle parti é necessario decidere com efficacia di giudicato una questione pregiudiziale che appartiene per materia e valore alla competenza di un giudice superioe, rimette tutta la causa a quest´ultimo, assegnando alle parti un termine perentorio per la riassunzione della causa davanti a lui"[18]

O Código de Processo Civil alemão regula, também, a ação declaratória incidental, tendo sido a fonte desse assunto no direito brasileiro. Prescreve o § 280, do Código de Processo Civil alemão:

"Até o encerramento da audiência em que se profere a sentença, o autor, ampliando o pedido, o réu, propondo uma reconvenção, podem requerer que o Tribunal se pronuncie sobre uma relação jurídica, controvertida no curso do processo, e de cuja existência ou inexistência dependa, no todo ou em parte, a decisão da lide."[19]

Também, o Código austríaco e o Código português disciplinaram a matéria, explicitamente.

No Brasil, a ação declaratória incidental foi introduzida pelo Código de Processo Civil de 1973 que se inspirou no direito alemão. O art. 5º do Código de Processo Civil brasileiro instituiu esse tipo de ação ao falar que "se no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer ao juiz que a declare por sentença."

3.2 - Natureza jurídica

De acordo com a doutrina dominante, a ação declaratória incidental ou declaração incidente não constitui mero incidente processual, nem se confunde com a reconvenção, quando proposta pelo réu.

O art. 280 do Código de Processo Civil alemão definiu a declaratória incidental como ampliação do pedido, quando de iniciativa do autor e como reconvenção, quando de iniciativa do réu. Entretanto, essa fixação não é pacífica na doutrina. O Código de Processo Civil austríaco definiu a declaratória incidental, tanto de iniciativa do autor como do réu, como pedido de declaração, conceituando-a como ação e de natureza declaratória.[20]

Essa posição é a mais aceita hoje pelos doutrinadores. Também Chiovenda vê ação declaratória incidental como uma verdadeira ação, independente de outro processo pois a característica da ação declaratória incidental consiste em que o interesse de agir decorre aí, da contestação de um ponto prejudicial, formulada numa lide precedente.[21]

Assim, pode-se dizer que a ação declaratória incidental é sempre uma ação, de natureza declaratória e que se desenvolverá no mesmo processo em que se desenvolve a ação principal, seja quando requerida pelo autor, seja quando proposta pelo réu.

3.3 - Conceito

Trata-se de uma ação proposta no transcurso de um processo, estando relacionada com a questão neste versada.

No curso do procedimento, o juiz, com freqüência, é chamado a resolver diversas questões (pontos controvertidos) de cuja solução depende o deslinde do mérito da causa.

Tais questões denominadas prejudiciais, porque constituem premissas necessárias da conclusão, são normalmente resolvidas incidentemente (incidenter tantum), de tal modo que os efeitos do pronunciamento judicial respectivo não se projetam fora do processo, vale dizer, não se constitui a coisa julgada material.

Pode ocorrer, porém, que uma das partes pretenda, desde logo, ver definitivamente resolvida tal questão prejudicial, com força de coisa julgada, de modo a evitar novas discussões futuras, cujos inconvenientes são de meridiana clareza. Para atender a essa situação, contemplou o legislador, a exemplo de algumas legislações estrangeiras, a figura da ação declaratória incidental.

A ação declaratória incidental é, pois, a ação, proposta pelo autor ou pelo réu, em processo pendente, visando à aplicação do âmbito da coisa julgada material.

Para Maria Helena Diniz a declaração incidente é a "sentença judicial na qual o juiz se manifesta, a requerimento de qualquer das partes, sobre a existência ou não de uma relação jurídica que, no curso do processo, se tornou litigiosa ou de uma questão prejudicial relativa a um bem jurídico diferente do objetivado na ação principal".[22]

Nelson Nery Junior define a ação declaratória incidental como "ação declaratória pura, positiva ou negativa, cujo objetivo é fazer com que a questão prejudicial de mérito, que será apreciada incidenter tantum, necessariamente, pelo juiz, possa ser abrangida pela coisa julgada".[23]

Assim, observa-se que mediante a ação declaratória incidental, operar-se-á a ampliação do objeto do pedido e questão prejudicial, que poderia constituir objeto de processo autônomo, terá sido declarada dentro de ação que verse sobre outro estado ou relação jurídica, de forma que a ela também se estenda a autoridade da coisa julgada.

3.4 - Finalidade

A finalidade da ação declaratória incidental é estender a autoridade da coisa julgada também às questões prejudiciais, que de outra forma, seriam apreciadas incidenter tantum.

Através da ação declaratória incidental, impede-se a ocorrência de sentenças conflitantes, uma vez que, nos processos posteriores, será sempre possível argüir-se, ou decretar de ofício, a coisa julgada que no processo anterior se formou sobre a questão prejudicial.

Celso Agrícola Barbi diz.

"com ela se evita, pela formação da coisa julgada sobre a questão prejudicial que esta venha a ser objeto de nova discussão, provas e decisão, em demandas futuras entre as mesmas partes e que tenham como objeto ou como prejudicial a mesma questão. Com seu uso, evita-se também o risco de decisões contrárias sobre a mesma questão nas sucessivas demandas, o que, se não é vedado, pelo menos não é desejável pois acarreta desprestígio para a justiça, pelo menos aos olhos dos leigos, não conhecedores dos problemas técnicos dos processos".[24]

Também, a jurisprudência já firmou entendimento no sentido que "a ação declaratória incidental tem por objetivo alcançar a certeza jurídica da existência, inexistência ou modo de existir de uma relação jurídica, ante uma incerteza objetiva e atual, dando eficácia de coisa julgada a decisão que julga a questão prejudicial".[25]

Entende-se, assim, que a finalidade principal da ação declaratória incidental relaciona-se com o princípio da economia processual pois com ela se evita, nova discussão, em processo futuros, sobre questão prejudicial já decidida com força de coisa julgada.

3.5 - Limites da coisa julgada

É necessário o requerimento de uma das partes, através de ação declaratória incidental em juízo competente em razão da matéria, para que assim se constitua o pressuposto indispensável para o julgamento da lide. Dessa forma se acolhe, então, a autoridade e eficácia de coisa julgada.

Ressalte-se que deve-se considerar que, justamente sobre o objeto litigioso, lide ou mérito, é que recairá a imutabilidade da coisa julgada ou, nos termos do art. 468 do Código de Processo Civil, trata-se de sentença que julgar total ou parcialmente a lide a qual terá força de lei, precisamente nos limites da lide e das questões decididas.

Assim, deve-se observar, ainda, por outro lado, que o art. 469, I, do Código de Processo Civil dispõe a respeito dos motivos e o respectivo relacionamento com a coisa julgada, no sentido de que "ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença", não fazem coisa julgada. Também, o mesmo art. 469, III, diz que também não é objeto de coisa julgada "a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo".[26]

Entretanto, o que se tem é que a ação declaratória incidental é tema diretamente relacionado com o do objeto litigioso e, em rigor com a inserção na extensão objetiva da coisa julgada. Por isso, o Código de Processo Civil brasileiro inseriu uma restrição a regra da coisa julgada, em seu art. 470 que diz que "Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (art. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide."

Assim, a restrição da autoridade da sentença ao decisum é, de resto, um pressuposto para que se admita, em determinado sistema processual, a ação declaratória incidental. O ordenamento que incluísse nos limites objetivos da coisa julgada a resolução de questões prejudiciais, a cujo respeito não existisse pedido expresso, não teria lugar para aquele remédio, cujo objetivo é estender a tais resoluções a força da lei atribuída a sentença.

3.6 - Interesse de agir

Como em toda a ação, a declaratória incidental só pode ser iniciada por quem tiver interesse de agir. Este surge quando a relação jurídica condicionante, preliminar, for controvertida entre as partes. Logo, por faltar controvérsia, não é possível a declaração nos processos em que ocorrer a revelia.[27]

No direito brasileiro o interesse de agir é condição da ação, a teor do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

O interesse de agir pode ser do autor ou do réu.. Como exemplo de interesse de agir para propor ação declaratória incidental pelo réu tem-se no caso de uma ação de cobrança de juros de um contrato mútuo, em que o réu impugna não apenas o pedido daqueles mas o contrato de mútuo. No caso do autor, tem-se como exemplo de interesse de agir quando o réu, na ação de cobrança, alegar compensação de crédito de valor superior ao pedido e o autor contestar a existência desse crédito do réu.

Para que o autor ou o réu possam provocar a causa prejudicial, não basta, então, o surgimento de uma questão prejudicial. É necessário haver um interesse de agir específico, diverso do interesse de agir na causa principal.

3.7 - Procedimento no direito brasileiro

É necessário, primeiramente, que se fixe qual o momento de se requerer a declaração incidental.

O art. 325 do Código de Processo Civil é expresso ao dispor que o autor tem 10 dias, para demandar a ação declaratória incidental se o réu contestar o direito que constitui fundamento do pedido. O Código foi omisso, ao não dizer a partir de quando se contará os 10 dias mas, evidentemente, só pode ser contado do momento em que o autor teve conhecimento da contestação.

O Código também é omisso quanto ao momento de ajuizamento da ação de declaração incidental partida do réu mas é de se concluir que ele só o poderá fazer na contestação.[28]

Entretanto, há autores que vêem na declaratória incidental, quando proposta no momento da contestação, uma semelhança com a reconvenção, entendendo só ser possível o ajuizamento de ação declaratória incidental por parte do réu por motivo superveniente a contestação. É o que diz Theotonio Negrão[29].

"O réu só poderá propor a declaratória incidental por motivo superveniente a contestação. Se tiver ação contra o autor, deverá faze-lo, no prazo da resposta, sob forma de reconvenção. E, se o fizer como declaratória incidental, deverá esta ser processada como reconvenção, sem outras conseqüências."

E mais adiante.

"A doutrina e a jurisprudência admitem a declaratória incidental ajuizada pelo réu, por motivo preexistente a contestação, contanto que seja proposta no prazo para a defesa."

Correta é a afirmação de João Batista Lopes[30] ao distinguir a declaratória incidental e a reconvenção.

"Em geral, porém, as conseqüências práticas da distinção são pequenas, uma vez que nada obsta a que o réu, deixando de pedir a declaração incidente, formule idêntica pretensão em sede reconvencional. É que tanto a declaratória incidental como a reconvenção são consideradas, tecnicamente, ações, não se confundindo com a simples contestação do réu. E ambas devem ser oferecidas pelo réu no prazo para a resposta."

Observa-se, então, que mesmo com essa distinção, fica claro o momento de ajuizamento da ação declaratória incidental.

Após o pedido de declaração incidente, que deve ser escrito e obedecer aos requisitos do art. 282 do CPC, o juiz determinará a citação para se responder ao pedido. Processar-se-á, então, a declaratória incidental nos mesmos autos da principal pois a declaração incidental não traz acréscimo na atividade processual das partes e do juiz, no que se refere a prova ou as questões suscitadas.

O juiz deverá, então, sanear a declaratória incidental juntamente com a principal, podendo, também, julgá-la conforme o estado do processo, observados os requisitos do art. 330 do CPC. Para isso é necessário que a principal também esteja pronta para o julgamento. Da mesma forma, com relação a audiência, onde as provas, tanto de uma como de outra, devem ser colhidas na mesma oportunidade.

Com relação a sentença, há uma divergência doutrinária pois o Código de Processo Civil brasileiro, ao contrário do austríaco, não esclarece se a decisão sobre a declaração incidente deve ser proferida juntamente com a da causa principal ou se pode ser antes dela.

Então, se a questão principal e a prejudicial não dependerem da colheita de prova em audiência deve ser feito o julgamento de ambas, simultaneamente, na forma do julgamento antecipado da lide.

Se a questão prejudicial tiver sua solução dependente de fatos cuja prova deve ser colhida em audiência, evidentemente não se pode falar em julgamento apenas dela pois não está pronta para a decisão.

Também, se a questão prejudicial não depender de colheita de prova em audiência mas a questão principal depender, será inconveniente julgar apenas aquela, porque haveria tumulto processual.

Thereza Alvim[31] observa, corretamente, a necessidade de se sentenciar, conjuntamente, a declaratória incidental e a principal, dizendo que "o julgamento da declaratória incidental deverá anteceder ao da lide principal pois aquela é uma causa prejudicial cuja solução irá influenciar o teor do julgamento da causa principal. Entendemos, porém, que como se trata de um só processo, contendo vária lides, a sentença deve ser formalmente una".

Quanto ao recurso cabível da decisão, a maior dificuldade é saber se cabe apelação ou agravo de instrumento contra ato que a rejeita liminarmente porém o STJ já firmou entendimento que "é decisão interlocutória a decisão que repele in limine ou põe termo a declaratória incidental antes de julgada a ação principal, passível, portanto, de agravo de instrumento. Será sentença se proferida juntamente com a que julgar o mérito da causa."[32]

Assim, no que se refere a sentença, o recurso cabível é a apelação, havendo controvérsia, apenas quando a declaração incidental relacionar-se com questão de estado pois o julgamento parcial, da questão de estado, não extingue o processo pois ele prosseguirá para o julgamento da lide principal, cabendo, então, agravo de instrumento.


Capítulo 4 - AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL E SUA RELAÇÃO COM AS QUESTÕES PREJUDICIAIS

4.1 - Explicação

A necessidade de se estabelecer a relação entre a ação declaratória incidental e as questões prejudiciais diz respeito a ligação que a incidental tem com relação a questão prejudicial, tendo em vista que a incidental decorre de certa questão prejudicial que, em determinado momento, pode prejudicar a decisão principal.

Assim, é necessário que se estabeleça a relação entre elas, para que se verifique a coisa julgada com relação a questão prejudicial, questão que necessita um certo cuidado, tendo em vista que o Código de Processo Civil brasileiro faz distinção entre a questão prejudicial decidida incidentemente no processo, não fazendo coisa julgada e a questão prejudicial constituindo pressuposto necessário ao julgamento da lide, fazendo coisa julgada.

4.2 - A questão prejudicial até o Código de 1939

No direito brasileiro anterior ao Código de 1939, em matéria de limites objetivos da coisa julgada, prevaleceu a doutrina romana que dizia que a imutabilidade do julgado somente alcançava a parte dispositiva, isto é, o decisório da sentença e não os seus motivos, as questões prejudiciais, cujo exame teria de ser feito para julgamento do pedido do autor. As questões prejudiciais eram examinadas apenas incidenter tantum e não eram objeto de decisão em sentido técnico.

Com a publicação do Código de 1939, abriu-se larga controvérsia acerca dos seus dispositivos relativos aos limites objetivos da coisa julgada, dada a redação de seu art. 287. Segundo esse dispositivo, a sentença teria força de lei nos limites das questões decididas. E seu parágrafo único considerou decididas todas as questões que constituíssem premissa necessária da conclusão.

Se interpretado literalmente o artigo, não se teria dúvida que fariam coisa julgada todas as questões prejudiciais que fossem premissas da conclusão. Essa interpretação era a mesma de Savigny, segundo a qual a coisa julgada atinge não só a decisão como também os seus motivos objetivos.[33]

Assim, os intérpretes do Código se esforçaram para dar uma interpretação do artigo diferente de Savigny, tendo em vista que o entendimento de Savigny encontra forte oposição na doutrina e na legislação dos países que influenciaram o direito processual brasileiro. Ela também é repelida pelo direito nacional anterior a 1939 e tem realmente várias falhas que desaconselham sua utilização.[34]

No Código de Processo Civil vigente, procurou-se superar a enorme controvérsia sobre os limites da coisa julgada, adotando-se a teoria restritiva de Chiovenda, onde diz que a questão prejudicial, desde que constitua pressuposto necessário ao julgamento da lide, pode fazer coisa julgada.

4.3 - A coisa julgada

O fim em si da ação declaratória incidental é fazer com que também sobre a questão prejudicial haja coisa julgada.

Deve se atentar para o princípio geral, onde as questões prejudiciais se resolvem, normalmente, sem o efeito da coisa julgada.

Por isso é que se afirma que a ação declaratória incidental tem grande função na fixação da coisa julgada pois "a regra geral, no processo civil, é a de que as questões relacionadas, prejudicialmente, com a questão principal, o mérito (Hauptsache, do direito alemão entre outros termos), apresentadas num único processo e ação, tem, necessariamente, de ser objeto ordenadamente da atividade do juiz"[35]. São, porém, normalmente, sem o efeito da coisa julgada, o que significa que é possível que tais questões, em outros processos, possam novamente ser discutidas e ter solução diversa aquela dada a elas anteriormente.

Daí o legislador ter inserido no nosso Código de Processo Civil, art. 469, o seguinte "Não fazem coisa julgada III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente, no processo."

Restritivamente e em decorrência do enlace com a doutrina européia, logo a seguir, abriu um precedente para dizer no art. 470, do Código de Processo Civil que "Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer, o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide".

Penido Burnier[36] comenta, com precisão, a regra do art. 470 ao dizer que "tal regra está ligada as do art. 5º e 325, de maneira que não se restringem os pressupostos da ação declaratória incidental ao eu dispôs o art. 470, sendo necessário, também, que tenha havido controvérsia sobre a questão, isto é, que o réu tenha tornado controvertida, de forma explícita, a relação jurídica prejudicial, a qual goza de autonomia, podendo servir de pressuposto para a decisão de outra lides."

Assim, é conveniente lembrar que a apreciação da questão prejudicial, em regra, não produz coisa julgada material, consoante disposição expressa do art. 469 inc. III do Código de Processo Civil. Mas, nos termos do art. 470 deste mesmo estatuto, faz coisa julgada a resolução da questão prejudicial se a parte o requerer (art. 5º e 325) e o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto processual necessário para o julgamento da lide ou, mais corretamente, do pedido. É que nessas casos, insere-se no processo em andamento uma nova pretensão, deduzida mediante ação declaratória incidental, que transforma também a questão prejudicial em objeto do processo, passando a ser decidida, por sentença, junto com a principal (no dispositivo da sentença e não entre os motivos).

Ainda sobre o preceito constante no inc. III do art. 469, relativo às questões prejudiciais fazerem ou não coisa julgada, são bem esclarecedoras as lembranças e ensinamentos de Moacir Amaral Santos[37] quando nos diz.

"A resolução de tais questões como motivos da decisão final, isto é, como fim de fundamentá-la, não incide em coisa julgada. Claro Chiovenda, que inspirou o inc. III do texto que se analisa, ao emitir princípio dominante: "as questões prejudiciais são decididas, em regra, sem os efeitos de coisa julgada (incidenter tantum)". E conclui o mestre: "Daí a necessidade de manter a coisa julgada nos confins da demanda, e de discernir na cognição as questões prejudiciais ou motivos, sobre os quais o juiz decide incidenter tantum, ou seja, com o fim exclusivo de preparar a decisão final, mesmo quando não se insiram em sua competência e sobre a qual a causa é designada à sua competência e sobre a qual provê principaliter, com autoridade de julgado".

Concluindo as suas colocações sobre a matéria em foco (questão prejudicial e coisa julgada) o apontado jurista sintetiza assim:

"O princípio é que não faz coisa julgada a apreciação de questão prejudicial, seja esta ou aquela solução, feita incidentalmente no processo. Ou, com as palavras da lei: não faz coisa julgada a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo (art. 469, nº III). De tal modo, se a resolução da questão prejudicial se dá apenas como preparação lógica do julgamento da lide, não fará coisa julgada, mas apenas terá a natureza e a eficácia de motivo da sentença. Todavia, se qualquer das partes, no momento próprio, requerer que a prejudicial seja resolvida com força de sentença declaratória, isto é, se a seu respeito propuser ação declaratória incidente, a decisão, que a declarar, acolhendo-a ou rejeitando-a, terá eficácia de coisa julgada."

Para que a conclusão do juiz sobre a questão examinada como prejudicial tenha força de coisa julgada, é necessário que ela seja tomada como decisão e não apenas como atividade de simples conhecimento incidenter tantum. Para isso é necessário um pedido, que transforme a discussão em verdadeira causa ou ação.

4.4 - Diferença entre o inciso III do art. 469 e o art. 470 do CPC.

Diz o inciso III do art. 469 do CPC que não faz coisa julgada a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. Já o art. 470 do CPC diz que faz coisa julgada a questão prejudicial se requerida pela parte, se o juiz for competente em razão da matéria e se for pressuposto necessário para o julgamento da lide.

Como se observa há duas conclusões que se pode ter a partir da leitura dos arts. 469, III e 470 do CPC. A questão prejudicial ou faz coisa julgada ou não faz.

A questão prejudicial, como já visto, é aquela questão decidida previamente, antes do mérito da ação principal que influi no julgamento da ação principal. Se decidida incidenter tantum, constitui premissa necessária a conclusão da parte dispositiva da sentença, sendo que esta hipótese já está contemplada pelos incisos I e II do art. 469 pois a decisão incidente sobre a questão prejudicial faz parte da motivação da sentença.

Assim, a decisão sobre a questão prejudicial somente será acobertada pela coisa julgada se tiver sido ajuizada ação declaratória incidental, de acordo com o art. 470 do CPC pois neste caso a decisão não seria mais proferida incidentalmente mas de forma principal.[38]

Precisa é a lição de Nelson Nery Júnior[39] quando diz que ação declaratória incidental é "ação declaratória pura, positiva ou negativa, cujo objetivo é fazer com que a questão prejudicial de mérito que será apreciada incidenter tantum, necessariamente, pelo juiz, possa ser abrangida pela coisa julgada. Objetiva-se a decisão principaliter sobre a relação jurídica prejudicial que influirá na decisão sobre o mérito, aumentando-se assim os limites da coisa julgada."

Assim, tem-se que, normalmente, os motivos constantes da fundamentação da sentença, dentre os quais se encontra a solução da questão prejudicial, não são alcançados pela coisa julgada, de acordo com o art. 469 do CPC. Com a propositura da ação declaratória incidental, há ampliação do thema decidendum, fazendo com que os limites objetivos da coisa julgada sejam aumentados, abarcando a parte da motivação da sentença, onde se encontra resolvida a questão prejudicial de mérito. Com isso evita-se tanto a proliferação de demandas quanto a possibilidade de haver decisões conflitantes, ao mesmo tempo em que se atua benefício da economia processual.


CONCLUSÃO

Transcorrendo uma causa, inúmeras vezes, o julgador se vê obrigado a analisar vários pontos suscitados na controvérsia. Tais pontos se manifestam como preliminares ou prejudiciais a questão principal. Da controvérsia desses pontos surge o marco em função do qual o juiz declarará, se houver pedido expresso, na forma de ação declaratória incidental, para fazer coisa julgada, tomando-o com decisão e não como mera atividade incidenter tantum.

A partir daí, procurou-se discorrer, no presente trabalho, sobre o tema da ação declaratória incidental e das questões prejudiciais, apresentando suas ligações, ficando clara a importância do tema no ordenamento jurídico nacional e internacional.

O que se demonstrou, assim, foi que a questão prejudicial é uma questão que influi diretamente no processo, podendo ou não estar ligada a resolução da questão principal. Se diretamente relacionada a questão principal ela viabiliza a ação declaratória incidental que, se intentada, faz, então coisa julgada.

Buscou-se a amplitude na procura de conhecimentos sobre a ação declaratória incidental e as questões prejudiciais que se mostrou, através das pesquisas, ser um tema bastante tumultuado, reinando uma vasta escassez na contribuição jurisprudencial, o que dificulta numa definição, necessitando ainda de uma maior aplicabilidade, para que, através das decisões proferidas, venha a se delinear na sua totalidade.

Assim, o tema ficou restrito a demonstrar o que é a ação declaratória incidental, a questão prejudicial e suas relações, concluindo que a questão prejudicial viabiliza a utilização da ação declaratória incidental.


NOTAS

1.BARBI, Celso Agrícola, Ação Declaratória Principal e Incidente, editora forense, 6ª edição, Rio de Janeiro, 1987, p. 25.

2.BARBI, Celos Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 25.

3.FABRÍCIO, Adroaldo, Furtado, A Ação Declaratória Incidental, editora forense, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1976, p. 32.

4.FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, Ob. cit. n.º 3, p. 30.

5.SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, volume I, editora forense, Rio de Janeiro, p. 150.

6.COSTA, Lopes da, Direito Processual Civil, José Konfino editor, 1º volume, 2ª edição, São Paulo, 1947, p. 78.

7.BARBI, Celso Agrícola, ob. cit. n.º 1, p. 70.

8.FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, ob. cit n.º 3, p. 48.

9.MIRANDA, Pontes de, Tratado das Ações, p. 78

10.MIRANDA, Pontes de, ob. cit. n.º 9, p. 56.

11.BUZAID, Alfredo, Ação Declaratória Incidental, editora forense, Rio de janeiro, p. 73.

12.GRINOVER, Ada Pellegrini, Ação Declaratória Incidental, editora revista dos tribunais, volume 7, São Paulo, 1972, p. 18.

13.CARNEIRO, Athos Gusmão, Notas Sobre a Ação Declaratória Incidental, revista ajuris, n.º 27, ano X, Porto Alegre, 1983, p. 49.

14.GRINOVER, Ada Pellegrini, Ob. cit. n.º 12, p. 18.

15.LOPES, João Batista, Ação Declaratória, editora revista dos tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1985, p. 103.

16.FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, Ob. cit. n.º 3, p. 65.

17.CARNEIRO, Athos Gusmão, Ob. cit. n.º 13, p. 50.

18.LOPES, João Batista, Ob. cit. n.º 15, p. 97.

19.LOPES, João Batista, Ob. cit. n.º 15, p. 97.

20.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 206.

21.SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ação Declaratória Incidental, síntese jornal, n.º 35, ano 3, São Paulo, p. 4.

22.DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, editora saraiva, volume 2, São Paulo, 1998, p. 22.

23.NERY JUNIOR, NELSON, Código de Processo Civil Comentado, editora revista dos tribunais, 4ª edição, São Paulo, p. 383.

24.BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, Rio de Janeiro, p. 103.

25.Recurso Especial 11528-SP, STJ, 4ª Turma, DJ 09 12 91.

26.SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ob. cit. n.º 21, p. 5.

27.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 211.

28.CARNEIRO, Athos Gusmão, Ob. cit. n.º 13, p. 53

29.NEGRÃO, Theotonio, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, editora saraiva, 30ª edição, São Paulo, 1999, p. 379.

30.LOPES, João Batista, Ob. cit. n.º 15, p. 101.

31.ALVIM, Thereza, Questões Prévias e Limites Objetivos da Coisa Julgada, editora revista dos tribunais, São Paulo, p. 104.

32.Recurso Especial 66674-SP, STJ, 3ª Turma, DJ 20 04 96.

33.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 205.

34.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 205.

35.SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ob. cit. n.º 21, p. 5.

36.BURNIER, Penido, Ação Declaratória Incidental, revista de processo, n.º 11, Rio de Janeiro, p. 105.

37.SANTOS, Moacir Amaral, Comentários ao Código de Processo Civil, editora forense, volume IV, Rio de Janeiro, p. 89.

38.NERY JÚNIOR, Nelson, Ob. cit. n.º 23, p. 922.

39.NERY JÚNIOR, Nelson, Ob. cit. n.º 23, p. 383.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BECKER, Rodrigo Frantz. Ação declaratória incidental e questão prejudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2729. Acesso em: 7 maio 2024.