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O grito dos malditos

O grito dos malditos

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Antes de analisarmos e criticarmos casos de corrupção, temos que pensar nos casos de sonegação, que são muito mais graves e envolvem muito mais perdas econômicas ao país.

De forma muito simples pode-se dizer que o tributo recolhido junto à população e empresas serve para financiar a estrutura publica que, de regra, está posta para defender e preservar os interesses da coletividade. É evidente que a realidade não é essa e que a estrutura pública nada mais é do que uma das tantas formas de preservação e manutenção da ordem a fim de facilitar a acumulação de dinheiro nas mãos das grandes empresas privadas, empresários e economistas.

Toda vez que uma empresa privada deixa de recolher os tributos por ela devidos comete o delito de sonegação fiscal. Independentemente da “desculpa” dada por uma empresa privada, na maioria das vezes aquela bem ruim vinda das redes de telecomunicações presentes e que diz respeito à alta carga tributária, deixa a empresa de contribuir para a manutenção da lógica que preserva os interesses das classes mais abastadas e das grandes corporações de capital privado. O resquício, a sobra de toda esta tributação, é destinado à população que normalmente precisa, população esta que vive com o mínimo e que gera a riqueza, pelo trabalho assalariado, de quem está no topo da pirâmide.[1]

É interessante perguntar-se, antes de tudo, se sonegação fiscal não pode ser equiparada à corrupção. Juridicamente é evidente que são delitos distintos, classificados pela legislação penal de forma diversa e com conduta diversa. Mas moralmente, será que quem sonega tributos não age de forma corrupta? No final das contas o prejuízo não é muito parecido? Não é a sociedade quem paga tanto pelo ato de corrupção, quanto de sonegação? A resposta é evidente. Mas se é evidente porque a imprensa não as classifica assim? A resposta não é difícil!

Apego-me, agora, a trezentos milhões de reais. Valor que permite se construam, como sempre repete a mídia em se tratando de casos de corrupção, cinco mil casas populares. Que garante o direito à moradia, como preceitua o artigo 6o, cabeça, da CF/88, a cinco mil famílias. Pois é este o valor que duas das maiores empresas de telecomunicações do Brasil estão devendo, por sonegação, cada uma, ao governo. Não bastasse os favores fiscais, os baixos salários pagos como regra geral, ainda deixam de recolher o mínimo, acumulando e concentrando ainda mais riqueza e poder.[2]

É difícil, em um país dominado pela mídia, pelo jornalismo tendencioso e ruim, sustentar o dever de as empresas privadas recolher os tributos devidos. Embora o recolhimento destes tributos as favoreça, fortalecendo polícia, poder judiciário e ministério público, estes agentes de repressão das massas financiados pelo próprio estado em proveito destas mesmas empresas, os valores que deixam de recolher normalmente são aqueles resquícios e migalhas que faltam para a construção de casas populares, merenda escolar, salário de professores e que permitiram a inclusão dos que vivem com quase nada. Para que se chegue a esta conclusão basta simples observância da sociedade presente e de suas estruturas e castas!

É por isso que antes de analisarmos e criticarmos casos de corrupção, e o devemos fazer de forma severa e justa, temos que pensar também nos casos de sonegação que, adianto, são muito mais graves e maiores e envolvem muito mais perdas econômicas ao país. Antes de criticarmos determinadas pessoas por não processar corruptos que, todos os dias, estão nas capas de jornais, devemos também exigir que os sonegadores façam parte deste rol. A cruzada, a fim de preservar o público, deve levar em conta também quem não paga os tributos e não apenas que age de forma corrupta.

A corrupção não é apenas um conceito jurídico. Existe o conceito jurídico de corrupção mas, em se tratando do mundo da vida, ele envolve também a moral, podendo, quanto a esta, ter ou não efeitos econômicos. A falta de recolhimento de tributos, a sonegação, além de delito grave, é uma forma de corrupção moral com reflexos econômicos graves sobre toda a coletividade e, como tal, deve ser tratada não apenas pelo próprio poder público que na medida do possível faz a sua parte, mas pela imprensa e pela sociedade em geral. 

Processar corruptos sim. Processar sonegadores sim. Exigir o cumprimento das normas legais do país é o mínimo que se espera da imprensa e também da coletividade. Não haverá sociedade sem sonegadores e corruptos. O que não pode existir é uma sociedade apenas de corruptos, sem sonegadores visíveis como é a nossa. Que gritem os malditos!


[1] http://www.quantocustaobrasil.com.br/ - acesso 02 de março de 2014, às 12h43min. Neste link o leitor tem acesso ao sonegômetro. Este mostra que quase vinte por cento dos tributos devidos são sobegados. O valor é tão alto que se não houvesse sonegação se poderia fazer uma nova leitora da tabela do IR por exemplo, exonerando a classe baixa e média baixa do pagamento do tribbuto.

[2] http://www.sul21.com.br/jornal/sonegacao-de-impostos-no-brasil-supera-orcamentos-de-educacao-e-saude/#comment-301647 - acesso 02 de março de 2014, às 12h35min. Esta reportagem fala da precarização da procuradoria da fazenda nacional que não tem condições de buscar os créditos do pober público frente aos sonegadores. Fala também da falsa idéia de alta incidência tributária no Brasil, onde os pobres e classe média pagammais tributos que os ricos, grandes empresas e especuladores. 


Autor

  • Rafael da Silva Marques

    Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul;<br>Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc;<br>Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha;<br>Membro da Associação Juízes para a Democracia

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Rafael da Silva. O grito dos malditos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4021, 5 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28530. Acesso em: 24 abr. 2024.