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Da legitimidade ad causam da ação injuncional

Da legitimidade ad causam da ação injuncional

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Analisa-se quem são os legitimados ativos e passivos do mandado de injunção, o que termina por resvalar na análise da efetividade que se busca conferir a esse instrumento constitucional.

Da legitimidade ativa

Interessa anotar, de início, a observação feita por Flávia C. Piovesan, para quem “um primeiro elemento a ser destacado, no exame da legitimidade ativa, é a própria localização do dispositivo relativo ao mandado de injunção. Como ressaltado, situa-se ao lado das demais garantias constitucionais, no inciso LXXI do art. 5° do texto, que, enquanto verdadeira Carta de Direitos, tem como endereçado toda e qualquer pessoa” [1].

Por esta razão é que se pode dizer ser o controle da omissão legislativa em sede de mandado de injunção algo em grande medida mais democrático do que o realizável por meio da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, uma vez que conferido a toda e qualquer pessoa, natural ou jurídica, nacional ou estrangeira, cujo exercício de direito, liberdade ou prerrogativa, dispostos na Constituição, esteja sendo obstado por ausência de norma que os regulamente.

Importante questão a ser analisada é a possibilidade de o mandamus ser impetrado por entidades coletivas, como organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída.

É bem de ver que, à luz de uma interpretação sistêmica, mormente em razão do que dispõem o inciso XXI do art. 5° e o inciso terceiro do art. 8° da Constituição Federal[2], a resposta há de ser positiva, cuidando o caso de verdadeiro Mandado de Injunção Coletivo[3].

Dessa sorte, “as entidades de classe ou associativas e os sindicatos, substituindo processualmente seus membros ou filiados, a exemplo do que ocorre no mandado de segurança coletivo (CF art. 5, LXX), poderão ajuizar a ação de mandado de injunção” [4].

Por derradeiro, resta acrescentar o que observou, com especiais acuidade e acerto, Flávia C. Piovesan, para quem o mandado de injunção presta-se, indubitavelmente, à tutela de direitos coletivos, mas não difusos, porquanto, “caso se admitisse a tutela também de direito difuso, o instrumento do mandado de injunção estaria, até certo ponto, a se confundir com o instrumento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Isto é, caberia, em julgamento de mandado de injunção, a elaboração de norma regulamentadora geral e abstrata. O mandado de injunção deixaria de consistir instrumento de defesa de direito, subjetivo, voltado a viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais, para se transformar em instrumento de tutela de direito objetivo, permitindo a eliminação de lacunas do sistema jurídico-constitucional[5]”.

Não obstante a observação acima registrada, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou em dezembro próximo passado o projeto de lei 6.002/90, destinado a regulamentar o instrumento injuncional, e, na oportunidade, foi prevista a possibilidade do Ministério Público promover mandado de injunção na defesa de direitos e interesses difusos.


Da legitimidade passiva

A legitimação passiva é algo que demanda uma análise mais acurada. Uma vez que a ação injuncional ainda espera pela regulamentação que se lhe venha a dar, todas as considerações a seu respeito partem tão-somente do que entendem os doutrinadores e decide a jurisprudência.                   

Dessa maneira, a mais consequente doutrina sugere duas razoáveis construções e o Supremo Tribunal Federal aponta uma terceira, de todo contrária às duas anteriores e à própria finalidade do mandado de injunção.

Para a primeira delas, figuraria no polo passivo a autoridade ou órgão omisso, bem assim, em litisconsórcio necessário, a parte pública ou privada que viesse a suportar o ônus de eventual ordem concessiva da injunção. É este o entendimento de Carlos Velloso, segundo quem “o mandado de injunção pode ser requerido contra a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que deva suportar os efeitos da sentença, que atuará em litisconsórcio com a autoridade ou entidade incumbida da elaboração da norma regulamentadora, fixando esta a competência do órgão julgador” [6].

Para a segunda, a incumbência de integrar o polo passivo recairia, tout court, sobre a pessoa a quem caberia prestar a obrigação decorrente da ordem injuntiva. Entendimento tributário a esta tese é o de Sérgio Bermudes, segundo quem a legitimidade há de guardar harmonia com a finalidade da ação de injunção, pois se esta se presta “à tutela de uma pretensão, ela deverá ser exercida contra a pessoa, pública ou privada, que se opõe à pretensão; contra o titular da resistência. Assim, a legitimidade passiva no processo da ação de injunção deve ser determinada pela lide, atual ou iminente, ocupando o polo passivo da relação processual quem, no conflito, exercer a resistência, opondo-se, ou ameaçando opor ao exercício do direito ou da liberdade, emergente da constituição, ou da prerrogativa, assegurada na lei, cuja efetividade dependa da lei regulamentadora, ainda não editada. Não faria sentido chamar-se ao processo a autoridade (lato sensu) a cuja inércia se imputa a omissão, deixando-se de fora a parte contra a qual a pretensão é dedutível; nem há razão por que se haverá de trazer a autoridade ao processo, quando a sentença concessiva da injunção limitará seus efeitos ao impetrante, não se estendendo, pela falta de regra que lhe empreste efeito abrangente, a quem não tiver sido parte no processo” [7].

Ambas as teses comungam da ideia de que eventual discordância ao que foi acima esposado é decorrente de uma leitura equivocada dos arts. 102, I, “q” e 105, I, “h” da Constituição Federal.[8] É certo que, por ocasião deles, a Constituição disciplina, em razão do órgão ou da autoridade omissa, a competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento do mandado de injunção, mas disto não se pode inferir que está, em verdade, a apontar o legitimado passivo do instrumento injuncional. Cuida-se, tão-somente, de um critério de partilha de competências dentre órgãos jurisdicionais.

A esse respeito, também oportunas mais estas palavras de Sérgio Bermudes:

 “Parece-me errôneo supor que a legitimidade seja a da autoridade competente para editar a norma regulamentadora faltante. [...] Vejo nessa atribuição apenas a adoção de um critério de estabelecimento da competência do órgão jurisdicional, por equivalência sem, contudo, extrair, daí, qualquer regra atinente à legitimidade” [9].

De sua vez, a maioria do Supremo Tribunal Federal adota posicionamento que faz sombra aos alvissareiros propósitos do remedium iuris em questão, à medida que não admite a participação, seja como parte principal ou como litisconsorte, da pessoa, pública ou privada, que venha a sofrer os ônus de eventual ordem injuntiva, permitindo figurar no polo passivo tão-somente a autoridade ou órgão a quem caberia a regulamentação do direito invocado[10].

O que se entende é que a mencionada posição da Corte Suprema não se faz acorde com a finalidade do mandado de injunção. Com efeito, se se presta o mandado de injunção a fazer as vezes da lei ausente quando da resolução do caso concreto, o seu polo passivo não poderia prescindir da parte que nega cumprimento a direito constitucional sob a cômoda escusa de inexistir norma que o regulamente. Estar-se-ia, em se entendendo o contrário, a esvaziar, em larga medida, a utilidade do instrumento injuntivo.

Pensa-se, data maxima venia, portar-se assim a maioria do Supremo Tribunal Federal à conta de uma já velha insistência em atribuir ao mandado de injunção aquilo a que já se presta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão: dar ciência à autoridade competente de sua mora legislativa. Dessa maneira, é lógica a conclusão: nenhuma relevância teria a participação de quem porventura houvesse de prestar o direito não regulamentado. Por esta razão é que Luís Roberto Barroso escreveu residir o erro de concepção da posição majoritária da Corte Suprema na natureza mandamental que se atribui ao instituto[11].

Conforme se ventilou alhures, em dezembro próximo passado a Comissão de Constituição e Justiça deliberou acerca da norma regulamentadora do mandado de injunção. Contudo, o substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.002, de 1990, não põe uma pá de cal no assunto, uma vez que dispõe expressamente apenas acerca da legitimidade ativa. A maneira omissa como trata a legitimidade passiva rende ensanchas à defesa de ambas as teorias acima indicadas, uma vez que o artigo 7º disciplina que o juiz ordenará a citação do “órgão ou autoridade estatal impetrada” e, mais adiante, o art. 9º disciplina que ao mandado de injunção se aplicam as normas do Código de Processo Civil em relação ao litisconsórcio. A depender da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é de se esperar que tudo continue como está[12].


Notas

[1] PIOVESAN, Flávia C.. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 126.

[2] Pronunciam os dispositivos mencionados, respectivamente: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade pala representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”, “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

[3] O Supremo Tribunal Federal já se manifestou expressamente sobre esta possibilidade: “Mandado de injunção coletivo: admissibilidade, por aplicação analógica do art. 5°, LXX, da Constituição; legitimidade, no caso, de entidade sindical de pequenas e médias empresas, as quais, dependentes do crédito bancário, têm interesse comum na eficácia do art. 192, §3º, da Constituição, que fixou os limites aos juros reais.” (Revista de Direito Administrativo. Decisão em Mandado de Injunção no. 478/96, no. 209, jul/set. 1997. Renovar, FGV).

[4] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5. ed. Rio dc Janeiro: Renovar, 2001.

[5] PIOVESAN, Flávia C.. Op. cit., mesma página.

[6] Revista de Direito Administrativo. Decisão em Mandado de Injunção no. 478/96. no. 209, jul./set. 1997. Renovar, FGV.

[7] BERMUDES, Sérgio. O Mandado de Injunção. In RT, no. 642, abr. 1989, p. 24.

[8] Pronunciam os dispositivos mencionados, respectivamente: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma das Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal” e “Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originalmente, q mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.”

[9] BERMUDES, Sérgio. Op. cit, mesma página. Também nesse sentido discorre Flávia C. Piovesan, op. cit., p. 128.

[10] Foi o que se sucedeu quando do julgamento do MI323-8, em que o Rel. Min. Moreira Alves firmou o entendimento segundo o qual “em face da natureza mandamental do mandado de injunção [...], ele se dirige às autoridades ou órgãos públicos que se pretendem quanto à regulamentação que viabilize o exercício dos direitos e liberdades constitucionais [...], não se configurando, assim, hipótese de cabimento de litisconsórcio passivo entre essas autoridades e órgãos públicos que deverão, se for caso, elaborar a regulamentação necessária, e particulares, que em favor do impetrante do mandado de injunção, vierem a ser obrigados ao cumprimento da norma regulamentadora, quando vier esta, em decorrência de sua elaboração, a entrar em vigor.” DJ 09.12.94, p.34080.

[11] BARROSO, Luís Roberto. Op. cit, p. 258.

[12] EMENTA Agravo regimental. Mandado de injunção. Aviso prévio proporcional. Ordem parcialmente deferida. Possibilidade do direito ao aviso prévio ser analisado nos termos da lei nº 12.506/11. Ilegitimidade passiva ad causam da pessoa jurídica de direito privado. Recurso de José Goulart de Melo do qual se conhece e ao qual se nega provimento. Agravo regimental da Vale S/A do qual não se conhece. 1. Impossibilidade de formação de litisconsórcio passivo, em sede de mandado de injunção, entre a autoridade competente para a elaboração da norma regulamentadora de dispositivo constitucional e particulares. 2. Vale S/A não figura no polo passivo da presente lide em mandado de injunção, conforme já referendado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e assentido nas razões do próprio recurso interposto. 3. Agravo regimental de José Goulart de Melo do qual se conhece e ao qual se nega provimento. 4. Agravo de Vale s/a do qual não se conhece. (MI 1007 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 10-03-2014 PUBLIC 11-03-2014)


Autor

  • Karine Martins de Izquierdo Villota

    Procuradora Federal. Membro da Advocacia-Geral da União. Atuou como responsável pela Procuradoria Federal Especializada da FUNAI em Dourados/MS e na Consultoria da sede da Funai em Brasília. Atualmente atua na Procuradoria Seccional Federal em Campina Grande/PB.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILLOTA, Karine Martins de Izquierdo. Da legitimidade ad causam da ação injuncional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4026, 10 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28715. Acesso em: 25 abr. 2024.