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Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela

Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela

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SUMÁRIO:1. Fontes da responsabilidade civil. 2. Responsabilidade civil no código de processo civil. 3. Responsabilidade civil decorrente da execução de medidas judiciais provisórias. 4. Dos danos indenizáveis e sua execução. 5. Riscos decorrentes da alteração da administração social por meio de medida judicial provisória. 6. Responsabilidade civil dos gestores investidos por força de medida judicial provisória. 7. Conclusões.


1. FONTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Definir o que é direito é missão que tem causado seríssimas controvérsias no meio científico. O espírito prático do jurista romano, todavia, logrou resumir todo o complexo do direito em três preceitos fundamentais de grande singeleza e de fácil percepção: o direito se resume na exigência de viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um o que é seu.

Quem pauta sua conduta em sociedade pela observância de tais preceitos comporta-se licitamente e pode contar com a tutela da ordem jurídica. Quem age de modo contrário a eles, pratica ato ilícito e, por isso, sujeita-se às sanções cominadas pelas normas jurídicas.

Dentre as sanções com que o direito pune o infrator de seus preceitos destaca-se a responsabilidade civil, que vem a ser a obrigação, atribuída a todo aquele que, por ação ou omissão, causa dano a outrem, de indenizar a vítima de seu ato ilícito.

Para se chegar à responsabilidade civil é preciso ter presente que o mundo do direito se desenvolve no plano da vontade e que, por isso, para descobrir-se a obrigação de indenizar, há de passar-se por vários níveis de interpretação do fato danoso: primeiro, ter-se-á de imputá-lo fisicamente a um agente que, segundo as leis naturais, tenha desencadeado o fenômeno; depois, ter-se-á de imputá-lo moralmente, ligando-o a um ato de vontade do agente; finalmente, proceder-se-á à imputação jurídica, por meio da qual o dever de indenizar será visto como presente em face da conduta física e voluntária da qual adveio o dano.

Desta maneira, a responsabilidade, cuja matriz se localiza no art. 159 do Código Civil, nasce, em princípio da conduta preexistente, imputável ao agressor do patrimônio alheio. Dentre os elementos mínimos necessários à gênese da obrigação de indenizar encontra-se, portanto, a culpa, como requisito ético da imputabilidade.

De duas maneiras esse elemento subjetivo se manifesta: pelo dolo, quando o agente dirige intencionalmente sua conduta para provocar o dano, e pela culpa em sentido estrito, quando sem desejar propriamente o dano, o agente não cuida de evitá-lo. Esse tipo de culpa, portanto, pressupõe também conduta voluntária diversa da que seria necessária. Equivale à "omissão das diligências devidas para constituir a conduta incensurável" [1]. Diz-se que a pessoa houve-se com culpa ou porque "fez menos do que o devido (negligência)" ou porque "se atreveu a fazer mais do que o devido (imprudência)" [2].

A culpa, qualquer que seja sua dimensão, se refere, sempre, à condição psicológica do agente em face das normas jurídicas de conduta. Será investigada, invariavelmente, no componente subjetivo da conduta antijurídica do eventual responsável, já que pressupõe a reprovabilidade do modo de agir da pessoa a que se pretende imputar o dever de ressarcir.

Violado um dever de conduta preexistente, tem-se configurado o ato ilícito que faz originar a responsabilidade civil, caso concomitante surja desse ato um dano injustamente suportado pela vítima. Dar-se-á, nesse quadro, a conjunção dos três elementos indispensáveis da responsabilidade civil subjetiva: o dano, o ato ilícito culposo e o nexo causal entre eles.

Não parte a responsabilidade civil de um só desses dados constitutivos do dever de indenizar. Não basta a presença do dano nem tampouco é suficiente a ocorrência da ilicitude isoladamente, para configurar-se a obrigação de indenizar. É da reunião de todos eles que a responsabilidade civil prevista no art. 159 do Código Civil surge. Os danos provocados na esfera alheia pela conduta lícita daquele que exerce regularmente seus direitos subjetivos, nessa ordem de idéias, não podem provocar o dever de indenizar, pois, segundo a norma do art. 160 do Código Civil, não correspondem a ato ilícito e, assim, comportam-se dentro da álea e dos constrangimentos a que se sujeitam todos que juridicamente se relacionam. Pelos desfalques patrimoniais, v. g., sofridos pelo devedor que não logra saldar seus débitos e que, por isso, se expõe a medidas executivas ruinosas, obviamente não responderá civilmente o credor que, no exercício regular de seus direitos, protestar seu título de crédito ou promover a respectiva execução judicial. Há, na convivência social, infortúnios e prejuízos que o homem de bem e a sociedade organizada não conseguem impedir nem têm como sancioná-los.

O ser humano, destarte, está na vida em comunidade exposto a alguns riscos e a certos prejuízos para os quais não há ressarcimento e que haverão de ser suportados pela própria vítima. Para esse tipo de lesão, não se encontra na ordem jurídica um responsável, em sentido técnico, pela reparação. Se a conduta daquele que interfere no patrimônio alheio é conforme o direito, é amparada pelos critérios jurídicos eleitos pela sociedade, não há base para exigir-lhe a observância do dever civil de indenizar. Só alguma norma especial, dentro do ordenamento jurídico, poderá em caráter excepcional, dispor de modo diverso.

É bom ressaltar que, embora o princípio geral seja o de somente impor o dever de indenizar a quem age com culpa na causação do dano, o certo é que às vezes a lei se afasta desse critério, para estatuir a denominada responsabilidade civil objetiva, fundada apenas no nexo causal entre o prejuízo e o comportamento do responsável, mesmo que não seja este censurável. É que a consciência social constata que da atividade legítima de alguns agentes ou de algum grupo deriva risco exagerado para outras pessoas ou para outros grupos, de forma que os prejuízos decorrentes da atividade humana não se acham divididos e suportados de forma eqüânime, justa ou ideal. Em semelhante conjuntura, elege a lei, objetivamente, alguns responsáveis pelo infortúnio, em razão de outros valores que não a reprovabilidade da conduta, que não a culpa.

Surge, então, o dever objetivo de indenizar. Alcunhada de teoria do risco, essa teoria da responsabilidade civil apregoa a imputabilidade sem culpa. Ensina ALTERINI:

"Esta teoria prescinde de la subjetividade del agente, y centra el problema de la reparación y sus limites en torno de la causalidad material, investigando tan sólo cuál hecho fue, materialmente, causa del efecto, para atribuirselo sin más. Le basta la producción del resultado dañoso, no exige la configuración de un acto ilícito a través de la sucesión de sus elementos tradicionales - que arrancan de la ilicitud objetiva del obrar y se continúan con la culpabilidad del agente -, y se contenta con la transgreción objetiva que importa la lesión del derecho subjetivo ajeno" [3].

A teoria do risco, porém, se adotada como cláusula geral, levaria a extremos de injustiça e a situações completamente indesejadas, porque nocivas ao equilíbrio das relações jurídicas e à paz social.

Os ordenamentos jurídicos de todo o mundo, portanto, adotam a responsabilidade civil fundada na culpa como regra geral, por ser tradução mais satisfatória dos anseios de justiça social, e temperam-na com disposições de exceção, quando a lei especialmente eleja objetivamente um responsável pelos danos. Como resultado de um equacionamento racional de lucros e prejuízos decorrentes de determinada atividade humana, o legislador acaba por escolher qual o seguimento social que, em determinadas circunstâncias, deve suportar os prejuízos patrimoniais provocados, de tal sorte que, ao final, a sociedade assista a uma distribuição justa de benefícios e de ônus.

A atribuição objetiva de responsabilidade, porém, não fica a critério do juiz ou de quem aplique o direito. É operação que cabe ao legislador, enquanto expressão de valores e vontades da sociedade que o investe de poderes representativos. Portanto, só quando o ordenamento jurídico determina que certos agentes dedicados a atividades específicas, que causem demasiado risco ou extraordinário perigo à incolumidade das pessoas, hajam de responder pelos danos que provocaram, é que haverá de se imputar o dever de indenizar à margem da culpabilidade. E de forma diversa não poderia ser, já que a Constituição brasileira elegeu, entre os princípios fundamentais do Estado democrático brasileiro, o Princípio da Legalidade. Ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. A fonte do dever de indenizar, segundo a responsabilidade objetiva, nessa ordem de idéias, é a lei.

Em suma: do exercício regular de direitos subjetivos não nasce o dever de indenizar (art. 160 do C. Civil), a menos que a lei disponha de forma diversa e eleja um responsável pelo infortúnio alheio. Nessas hipótese, não será a culpabilidade o elemento determinante da responsabilidade. Será a lei, que segundo valores sociais e ideológicos determinará, de modo objetivo, a pessoa ou classe de pessoas que deverá suportar os prejuízos acarretados pela atividade humana, ainda que não culposa.


2. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Exposta, em linhas gerais, a teoria da responsabilidade civil tal qual admitida pelo ordenamento pátrio, poder-se-ia afirmar que o exercício regular do direito de ação perante o Poder Judiciário não geraria o dever de indenizar os danos acaso acarretados à contraparte. Todavia, o Código de Processo Civil brasileiro previu a conduta anômala e nociva no âmbito processual como causa de pretensão indenizatória. E, ao cuidar dos prejuízos que a atividade processual dos litigantes pode provocar, optou por um sistema misto de responsabilidade civil, ora atribuindo, objetivamente à parte dever de indenizar, ora condicionando a obrigação ressarcitória à verificação da existência de conduta culposa.

A fonte legal da responsabilidade civil, portanto, não se localiza apenas na disciplina do direito material. Também na regulamentação do exercício das faculdades inerentes ao processo e ao direito processual está prevista a possibilidade de o litigante contrair a obrigação de reparar dano que sua conduta em juízo tenha causado ao adversário.

Conforme ensina GALENO LACERDA, o sistema do Código de Processo Civil alberga duas categorias de responsabilidade indenizatória, que podem, inclusive, ser impostas concomitantemente:

a-subjetiva, isto é, fundada na culpa, a que é regulada pelos arts. 16 a 18, imposta ao litigante que age com improbidade ou de forma temerária; e

b- objetiva, isto é, sem o pressuposto do elemento psicológico, quando impõe ao sucumbente o dever de pagar os encargos descritos no art. 20. E, também, quando obriga a parte a ressarcir os danos decorrentes da execução de medida cautelar ou da execução provisória (art. 811) (4).

Com efeito, o art. 811, sem cogitar de qualquer ato doloso ou culposo do requerente, dispõe que este responderá pelo prejuízo causado ao requerido pela execução da medida cautelar, sempre que ocorrer frustração dos propósitos instrumentalizados pela tutela preventiva [5].

Convém ressaltar que essa responsabilidade civil deriva não do deferimento da pretensão cautelar, mas da efetiva execução do provimento. Além disso, hão de ser distinguidas as medidas constritivas e restritivas de direito das que se portam apenas com força administrativa, como as exibitórias e antecipatórias de prova em geral. As primeiras são as que têm potencialidade para causar danos indenizáveis; já as não contenciosas ou administrativas, em regra, não geram lesão no patrimônio do requerido, a não ser as despesas processuais que se recuperam normalmente pelas regras da sucumbência no desfecho do processo principal. Daí porque a elas não se aplica o disposto no art. 811 do CPC [6].

Acerca do disposto no artigo 811, e respectivos incisos, do CPC, afirma JOSÉ OLYMPIO DE CASTRO FILHO:

"...aqui está consagrado, em exemplos, nada mais, nada menos, do que o princípio da sucumbência, que o Código adotou na sua parte inicial, com relação às custas e aos honorários de advogado. Agora, no Código atual, se no processo principal a sentença for desfavorável ao requerente do processo cautelar, tenha este agido ou não, com culpa, dolo, erro ou fraude, responderá pelo prejuízo causado, no arresto, no seqüestro, na busca e apreensão etc. Quer dizer, é, sem dúvida, a consagração, neste Código, do princípio da responsabilidade processual objetiva: não se cuida mais da intenção de lesar, da fraude ou dolo, mas, apenas se cuida de verificar se aquele que requereu um arresto, uma busca, uma exibição de livros ou um protesto etc., decaiu ou não, da sentença, na ação principal" [7].

Não é diferente a lição de CLITO FORNACIARI JÚNIOR:

"... no artigo 811 está prevista uma hipótese de responsabilidade objetiva, prescindindo por completo de qualquer indagação da intenção em causar prejuízo. Basta o fato objetivamente definido na lei para que haja a responsabilização do litigante" [8].

Defensor da imputação objetiva da responsabilidade civil processual nessas hipóteses, CHIOVENDA justifica o acerto da opção nos seguintes termos:

"A ação de segurança é, portanto, ela própria, uma ação provisória, o que importa se exerça, em regra, a risco e perigo do autor, isto é, que este, em caso de revogação ou desistência, seja responsável pelos danos causados pela medida, tenha ou não culpa: pois é mais équo que suporte o dano aquele dentre as partes que provocou, em sua vantagem, a providência a final tornada sem justificativa, do que a outra, que nada fez para sofrer o dano e nada poderia fazer para evitá-lo" (grifos do original) [9].

Do mesmo pensamento comunga a doutrina brasileira, bem representada na lição de GALENO LACERDA:

"Quem tem interesse, para sua conveniência (cômodo), em executar a cautela ou a sentença provisória, suporta a inconveniência (incômodo) de indenizar o prejuízo causado, se decair da medida ou for vencido na ação. Nada mais certo e justo. Tudo não passa de responsabilidade objetiva, decorrente de livre avaliação de risco. Daí, a contracautela do art. 804, como conseqüência lógica dessa responsabilidade. Ao réu, sem culpa, é que seria sumamente injusto arcar com o dano causado pelo autor" [10].

No mesmo sentido, pronuncia-se ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA, invocando a lição de CALMON DE PASSOS, in verbis:

"O fundamento da responsabilidade objetiva consagrada no ordenamento processual brasileiro, pelo Código de Processo Civil de 1973, diz CALMON DE PASSOS, denota um comprometimento ideológico do legislador com o valor segurança jurídica que imprime aos atos emanados do Poder, principalmente quando envolve interesses de natureza patrimonial, vindo daí que imputa àquele que se beneficiou economicamente, de modo provisório, em detrimento de outrem, o dever de indenizar, tendo em vista uma regulação definitiva dos interesses pelo Estado, cuja justiça ou injustiça da regulação está comprometida com a própria noção de definitividade" [11].

Não há dúvida que a Teoria do Risco, no campo da tutela cautelar, foi adotada pelo CPC e amplamente acatada pela doutrina, como melhor, mais justa e jurídica opção do legislador. Com efeito, tem-se a responsabilidade objetiva do art. 811 "como contrapartida do juízo provisório e superficial que justifica a concessão da cautelar... Quem pleiteia em juízo, valendo-se apenas dos aspectos da probabilidade, há que indenizar a parte contrária sempre que esta, em um melhor exame, demonstrar a sua razão. É o risco e sua assunção andando lado a lado" [12].

Não se trata, em síntese, de sancionar a má-fé, mas apenas de cobrar do promovente da medida cautelar o prejuízo acarretado ao requerido, visto que tudo se passou sob o pálio de um juízo provisório e superficial próprio da tutela emergencial prestada por conta e risco da parte que, afinal, veio a decair de sua pretensão. O dever de indenizar, in casu, configura um ônus que o promovente assumiu objetivamente, como risco inerente ao provimento cautelar que lhe foi proporcionado.


3. A RESPONSABILIDADE CIVIL NA EXECUÇÃO DE MEDIDAS JUDICIAIS PROVISÓRIAS

A responsabilidade civil do promovente de medida provisória de urgência decorre, pois, de disposição legal que prescinde da culpa e se contenta com o risco criado pela parte que se beneficia da tutela preventiva.

Fundamenta-se a responsabilidade objetiva do exeqüente de medida provisória cautelar na necessidade de distribuição justa dos danos decorrentes da atividade judicial, que embora legítima e necessária, pode acarretar prejuízos injustos aos que a ela se submetem.

Destaca, ainda, GALENO LACERDA que o CPC brasileiro, adotou também a responsabilidade objetiva para a execução provisória de sentença, derivada do art. 588, já que se trata de medida de igual natureza. Explica o respeitado professor que:

"Vincula-se à idéia objetiva de ônus ou de risco processual, comum não apenas às ações cautelares, como à execução provisória da sentença. Neste sentido, a responsabilidade decorrente do art. 811 é da mesma natureza da derivada do art. 588, I" [13].

De igual opinião comunga PONTES DE MIRANDA. A responsabilidade "em caso de execução provisória", assim como no caso de medida cautelar, independe da malícia, do erro grosseiro ou da culpa, "porque também é objetiva a responsabilidade" [14].

PONTES DE MIRANDA já vislumbrava, mesmo antes da criação do instituto genérico da antecipação de tutela, a aplicabilidade da responsabilidade objetiva fundada no art. 588, CPC, a toda e qualquer execução provisória fundada em "outros títulos que a sentença" [15].

Daí se poder concluir que todos os atos executivos provisórios admitidos e tutelados pelo direito processual sujeitam o promovente à responsabilidade objetiva, sejam elas medidas cautelares (art. 811), medidas de antecipação de tutela (art. 273), ou medidas promovidas no processo de execução provisória de sentença (art. 588).

As medidas de antecipação de tutela hão de receber igual tratamento das medidas cautelares não só porque pertencem ao mesmo gênero das medidas cautelares - tutela provisória de urgência - como porque o legislador, ao regulá-las, fez expressa referência ao art. 588, submetendo-as ao disposto nos incisos II e III do citado dispositivo legal.

O inciso III, do art. 588 estabelece, expressamente, a responsabilidade civil do exeqüente (de sentença não definitiva ou de medida de antecipação de tutela) pela restituição do requerido ao status quo ante, caso sobrevenha "sentença que modifique ou anule a que foi objeto de execução". Ou seja, para surgir a obrigação ressarcitória, basta tão somente a reforma da sentença ou da medida liminar, por decisão definitiva contrária ao exeqüente. Não se indaga de má-fé, de dolo ou culpa, grave ou leve. Basta que a parte tenha assumido o risco de promover em seu favor a execução de medida judicial provisória, despida de segurança e definitividade.

Já afirmava PONTES DE MIRANDA, com respaldo em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que "o exeqüente, na execução provisória, assume o risco de não ser vencedor na via recursal. A volta ao status quo ante por vezes acarreta indenização de danos, inclusive morais. Não se indaga se houve dolo, ou culpa [16]. O ato de executar provisoriamente entra no mundo jurídico como ato-fato lícito, que dá causa à reparação, por se ter de repor o status quo ante" [17].

Também aqui, no artigo 588 do CPC, a responsabilidade não é aquiliana, ou fundada na culpa: é objetiva e decorre da vontade da própria lei, que prescinde do elemento subjetivo dolo ou culpa stricto sensu. Isto porque, na verdade, não se pode afirmar que o credor tenha praticado ato ilícito, desde que a execução provisória, nos casos admitidos em lei, é um direito seu, embora de conseqüências e efeitos aleatórios [18].

Não enfraquece a tese da responsabilidade objetiva do exeqënte de tutela antecipada o fato de o legislador não ter feito, no art. 273, remissão ao inciso I do art. 588, onde há alusão expressa ao dever de "reparar os danos causados ao devedor". Primeiramente, há que se destacar que o comando principal desse inciso se refere a obrigatoriedade da prestação de caução. E foi a incidência dessa imposição que o legislador quis afastar das medidas de tutela antecipada. Ademais, substancialmente, não se pode vislumbrar qualquer distinção entre o dever de "reparar os danos causados" (inciso I) e a obrigação "restituir as coisas no estado anterior" (inciso III), considerando-se, em Direito, ambas as expressões sinônimas. Portanto, a simples remissão ao artigo 588, inciso III é já suficiente a inserir a medida de antecipação de tutela dentre os atos provisórios cuja execução se faz por conta e risco do requerente, que fica obrigado, no caso de sucumbência, a indenizar amplamente o réu, independente de dolo ou culpa.

Há, outrossim, outro argumento que leva a idêntica conclusão. As medidas de antecipação de tutela acham-se vinculadas à cláusula legal de reversibilidade. Proíbe a lei a concessão de qualquer antecipação de tutela que crie simplesmente o perigo da irreversibilidade (CPC, art. 273, § 2º). E para assegurar a reversibilidade, no caso de insucesso da parte autora no julgamento final da causa, é claro que o sucumbente deverá responder, amplamente, pela reposição das coisas no seu status quo ante. Isto se dará, independentemente de apuração de culpa ou dolo, porque se trata de emanação natural do sistema da lei, que assegura à parte a plena utilidade e completa efetividade dos resultados do processo.

Se, pois, a antecipação se dá sob a garantia legal de reversibilidade, e se a reversão terá de ser feita com a restituição das partes ao estado anterior, forçosamente, a recomposição patrimonial do prejudicado só poderá correr por conta de quem promoveu a execução de medida substancialmente provisória.

Por fim, impende concluir que se a responsabilidade objetiva, nesse quadro, é a solução imposta pela lei para as medidas cautelares e para a execução provisória de sentença, com igual intensidade terá de ser observada também nas antecipações de tutela, dada a substancial identidade de razões que as justificam no plano normativo. Medida cautelar (conservativa) e medida antecipatória (satisfativa) são espécies distintas de um mesmo gênero – a tutela de urgência – porque ambas têm em comum a força de quebrar a seqüência normal do procedimento ordinário, ensejando, sumariamente, provimentos que, em regra, só seriam cabíveis depois do acertamento definitivo do direito da parte. É bom lembrar que no direito comparado nem sequer se faz a separação entre a medida cautelar e a medida antecipatória. Ambas se incluem no poder geral de cautela, onde, como, v.g., no direito italiano, no francês, no alemão etc., apenas se admite que se possa obter, sob o mesmo rótulo jurídico, medidas cautelares conservativas e medidas cautelares antecipatórias. Mesmo a doutrina brasileira tem admitido a fungibilidade dos procedimentos e flexibilidade dos juízos quando, concretamente, presentes os requisitos que autorizam a concessão da medida, a parte tiver se valido do procedimento tecnicamente menos adequado [19].

Conclui-se, pois, que, tratando-se de tutela provisória, todos os atos executivos que a parte promova precariamente, sujeitos a revogação posterior por ato judicial definitivo, conduzirão o autor a responder objetivamente pelos danos acarretados ao réu.

A redação do art. 811 e, também, a do art. 588, do CPC não deixam margem a dúvidas: basta que ocorram as hipóteses descritas em seus incisos para que nasça para a parte a obrigação de responder "pelos prejuízos que lhe (ao requerido) causar a execução da medida", e de restituir "as coisas no estado anterior".

Para fixação da responsabilidade civil do promovente da medida ou da execução provisória, não importa saber se agiu ele com fraude, malícia, dolo ou culpa stricto sensu. Pela sumariedade e excepcionalidade da medida judicial, exige-se que seu exercício se dê a conta e por risco do autor. Não há que se falar em presunção de culpa, pois o que se tem é pura e simplemente a responsabilidade objetiva, à qual o elemento culpa é de todo estranho e dispensável [20].

Em sede de doutrina, já tivemos oportunidade de concluir que a responsabilidade civil em matéria de medidas cautelares ou provisórias rege-se, simplesmente pelo princípio da sucumbência [21]. Mesmo que nenhum ato ilícito pratique o autor da ação cautelar ou da execução provisória, julgada improcedente a ação principal, ou extinta a eficácia da medida concedida, por alguma das causas arroladas no art. 811, injustos tornaram-se os efeitos dos atos executivos provisórios para a parte contrária.

Tudo se passa à semelhança do ato danoso praticado em estado de necessidade. O agente tinha o direito reconhecido de praticá-lo, mas, se a vítima não tinha o dever de suportar o prejuízo, cabe ao agente proceder ao competente ressarcimento, embora tenha agido na licitude (Código Civil, arts. 160, 1.519, 1.520).

O direito subjetivo à tutela de urgência, também, é irrelevante diante da sujeição do autor à obrigação de reparar os prejuízos do réu, quando, afinal, venha reconhecida a inexistência do direito material disputado na ação principal a que serviu a medida preventiva.

Não se observa qualquer vacilo jurisprudencial acerca do tema, desde a entrada em vigor do novo CPC, sendo uníssona e remansosa a jurisprudência sobre a natureza da responsabilidade civil processual na espécie. Neste sentido encontram-se inúmeros arestos, dentre os quais pode-se transcrever os seguintes:

"Interpretação do art. 811, I, do Código de Processo Civil.

- A responsabilidade, no caso do medida cautelar, funda-se no fato da execução da medida, Independe da prova de má-fé do requerente" [22].

"Consoante a melhor doutrina, o Código estabelece, expressamente, que responda pelos prejuízos que causar a parte que, de má-fé, ou não, promove medida cautelar. Basta o prejuízo, se ocorrente qualquer das espécies do art. 811, I a IV, do CPC e, nesse tipo de responsabilidade objetiva processual, o pedido de liquidação é formulado nos próprios autos, com simples invocação de qualquer dos fundamentos do art. 811 do CPC" [23].


4. DOS DANOS INDENIZÁVEIS E SUA EXECUÇÃO

Executada a medida judicial provisória posteriormente revogada, cassada ou extinta por força de decisão contrária definitiva, fará jus o réu a indenização se comprovar que da execução da medida decorreram danos. Tal comprovação, consoante prevê o art. 811, parágrafo único do CPC, far-se-á por meio de liqüidação "nos autos do procedimento cautelar".

Em um antigo acórdão do TJRGS encontra-se uma distinção que, a meu ver, não se justifica e que é a seguinte: a) Na exegese contida no aresto a respeito do art. 811, parágrafo único, do CPC, "se a sentença de improcedência da ação cautelar ou da ação principal resultar ao autor a obrigação de prestar indenização ao réu, a apuração do quantum debeatur será feita em liqüidação de sentença"; b) "Mas, se houver necessidade de apurar a real existência do dano ou da relação de causalidade, necessário será o juízo amplo de cognição, a findar por sentença passível de apelação" [24]. Uma ação condenatória, e não apenas uma liqüidação, seria necessária na última hipótese.

Não me parece, data venia, razoável a distinção. Primeiro, porque o dispositivo legal que impõe a responsabilidade civil em análise não cogita de uma condenação, mas sim de uma obrigação de reparar que se funda diretamente na lei [25]. Logo, basta a configuração de uma das hipóteses arroladas nos itens do art. 811 do CPC, para que se tenha como configurada a responsabilidade do promovente da medida cautelar pela reparação do prejuízo que ela causou ao promovido.

Segundo, porque o dispositivo legal, sem qualquer discriminação, autoriza a liqüidação dos prejuízos a indenizar nos próprios autos do procedimento cautelar frustrado. Logo, pouco importa o tipo de dano que tenha a medida cautelar produzido. Sempre será liqüidado, sem necessidade de ação condenatória. Necessário apenas será comprovar a ocorrência do prejuízo e seu nexo de causalidade com a medida cautelar.

Terceiro, porque a liqüidação, tal como a disciplina o Código de Processo Civil, pode assumir a forma de procedimento ordinário, sempre que, para se chegar ao quantum debeatur, houver necessidade de alegar e provar fatos novos, ou seja, fatos não apurados anteriormente à sentença genérica (CPC, art. 608). Logo, não há motivo para se encaminhar a parte prejudicada para uma ação ordinária de condenação apenas porque a liqüidação esteja a reclamar comprovação de fatos novos. Bastará usar-se o procedimento da "liqüidação por artigos".

Por último, revela-se despido de maior significado o argumento de que haveria necessidade da ação de conhecimento, para propiciar um juízo mais amplo, "a findar por sentença passível de apelação". Ora, todo procedimento liquidatório termina por sentença (CPC, art. 607, parágrafo único e 611) que, naturalmente propicia o recurso de apelação (CPC, art. 520, III). Não há, pois, necessidade de remeter as partes para uma ação condenatória, tão somente para promover juízo amplo e sujeito a recurso de apelação.

Daí que, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "a melhor exegese do art. 811, do código processual, conduz à conclusão de que quaisquer danos, porventura advindos da execução da cautela liminar, direta ou indiretamente, serão, em tese, liquidáveis nos próprios autos da cautelar, pelo procedimento que melhor se amoldar à espécie" [26].

Para ter direito à indenização, basta, pois, à vítima, demonstrar que houve dano e que o dano decorreu da execução da medida, nada mais [27]. E isto, como explicita a lei, poderá ser liquidado nos mesmos autos do provimento cautelar [28], sem necessidade de prévia e expressa condenação, visto que se trata de responsabilização automática [29].

O entendimento de que os danos sofridos pelo requerido, decorrentes da execução de medida cautelar ou antecipatória de tutela, podem ser liquidados e executados no próprio processo em que se deferiu a tutela provisória, corresponde à jurisprudência amplamente dominante nos Tribunais. A liquidação do montante devido a título de indenização, com efeito, se dará "nos próprios autos do procedimento cautelar frustrado" [30]. E a execução da indenização independe de sentença condenatória "uma vez que a obrigação de indenizar deriva da simples extinção da medida cautelar", já que objetiva [31].

Em suma: "A obrigação de indenizar nos casos previstos no artigo 811, do Código de Processo Civil, que resulta da responsabilidade objetiva do autor da medida cautelar pelos prejuízos causados à parte contrária, não depende de condenação judicial, bastando a parte promover a liquidação, observados os meios previstos nos artigos 603 a 611, do Código de Processo Civil" (TAPR, Ap. 124998900, Rel. Juiz Rogério Coelho, ac. 29.09.98) [32].

A indenização há de ser ampla, abrangendo os danos emergentes e os lucros cessantes, todos os prejuízos provenientes da limitação do poder de disposição ou de gestão do objeto submetido à medida cautelar ou antecipatória, e, ainda, todas as influências desfavoráveis que tenha tido a execução sobre a situação patrimonial do promovido. Até mesmo os danos morais, quando evidenciados pela ofensa à honra e ao crédito, derivada da medida frustrada, têm de ser indenizados. Dentre os possíveis danos incluem-se, portanto, deterioração e desvalorização dos bens, privação de frutos civis, custas processuais, honorários advocatícios, toda e qualquer diminuição patrimonial decorrente da gestão do depositário da coisa ou da empresa.

Indenização completa é a que promove a efetiva recomposição do patrimônio do réu ao estado em que se encontrava na data da execução da medida, assegurando-lhe o pagamento dos danos emergentes e dos lucros que certamente auferiria se acaso não tivesse havido a intervenção da outra parte. É bom lembrar, ademais, que não se indagará de culpa, de boa ou má gestão do negócio alheio. Todos os danos advindos da execução da medida provisória, ainda que não labore com culpa o autor, deverão ser recompostos, porque o promovente optou por assumir o risco inerente à execução provisória de sentença, de tutela antecipada ou de medida cautelar.

Em nenhuma circunstância se exigirá - repita-se - prova de culpa ou dolo do promovente da ação cautelar ou da medida de antecipação de tutela. A responsabilidade civil, na espécie, é puramente objetiva, de sorte que seus fundamentos são apenas a lesão do requerido, a frustração da medida cautelar e o nexo causal entre a medida e o dano [33].


5. RISCOS DECORRENTES DA ALTERAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO SOCIAL POR MEIO DE MEDIDA JUDICIAL PROVISÓRIA

Sendo freqüentes os casos de medidas cautelares ou antecipatórias que interferem na administração de sociedades mercantis, seja suspendendo os efeitos de deliberação assemblear, seja assegurando voto contra acordo de acionistas, seja afastando ou substituindo diretores e até provocando intervenção judicial na empresa, vetando negócios ou investimentos, e tantas outras hipóteses similares [34], é interessante definir a responsabilidade daqueles que promovem a medida urgente, bem como dos terceiros que se investem na gestão social por força do ato judicial.

Já se demonstrou à saciedade que a parte que promove execução de medida judicial provisória responde objetivamente pelos danos daí decorrentes à contraparte. Destarte, os acionistas que, recorrendo à tutela jurisdicional de urgência, se investem na administração de companhia por força de medida cautelar responderão, objetivamente, pelos maus resultados da gestão realizada, independentemente, de má-fé, dolo ou culpa, caso a solução do processo principal ou cautelar venha a ser-lhes adversa. É uma conseqüência natural da regra traçada no art. 811, que, em suma, prevê que as medidas cautelares são promovidas e executadas a conta e risco do requerente.

Não poderá o controlador da companhia, investido do poder de gestão por força judicial, invocar a favor de si, as regras normais da Lei das Sociedades Anônimas, relativas ao acionista controlador e ao administrador da S/A, porque, aqui, não se trata de responsabilidade de direito material, mas de direito processual, decorrente da utilização do processo em situação provisória e precária.

Basta, portanto, que os resultados da gestão provisória sejam negativos ou desfavoráveis à empresa para que surja o dever de indenizar. Não haverá perquirição acerca de abuso ou desvio de poder, nem de ofensa ao estatuto ou à lei, tampouco do ânimo doloso ou da má-fé, muito menos das diligências e da capacidade intelectual e gerencial dos controladores e seus administradores. O risco contraído pelos acionistas que assumem forçosamente o controle social por meio de medida judicial provisória vai além da culpa e aloja-se no puro e simples risco do resultado positivo ou negativo da administração empresarial. A obrigação passa a ser de resultado, ao menos de manutenção do resultado anterior e dos lucros legitimamente esperados em decorrência do planejamento anterior. Responderão, pois, os autores da medida judicial precária pelo insucesso da companhia, decorrente da política e dos métodos administrativos adotados, pelas avaliações e opções mercadológicas e de investimentos, ainda que envidem todos os esforços visando o cumprimento do fim social. Trata-se de responsabilidade objetiva, para a qual não tem relevo o elemento subjetivo da culpa, mas apenas a existência do dano e o nexo causal que o ligue à execução da medida judicial de urgência.


6. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GESTORES INVESTIDOS POR FORÇA DE MEDIDA JUDICIAL PROVISÓRIA

Dúvida não há de que os acionistas autores da medida judicial provisória (cautelar ou antecipatória) responderão pelos prejuízos eventualmente provocados pela administração que eles impuseram à companhia, durante a vigência do provimento jurisdicional provisório.

Resta examinar a situação dos gestores, que não promoveram a medida cautelar, mas que os promoventes da medida provisória investiram na administração da sociedade, escudados na decisão judicial de urgência.

Em caráter geral, o administrador da companhia não responde pessoalmente pelas obrigações que contrair em nome da sociedade ou em virtude de regular gestão (art. 158, caput, da Lei 6.404/76). Responde civilmente, no entanto, pelos prejuízos que causar à companhia, quando, mesmo dentro de suas atribuições ou poderes, proceder com culpa ou dolo (art. 158, inc. I, idem).

A culpa, na gestão social, afere-se através de atividade comparativa dos "padrões de conduta geralmente aceitos" em face dos "usos e costumes da administração societária". "Ao negligenciar, ao agir com deslealdade ou imprudência, ao abusar de seu poder ou desviá-lo, o administrador assume a responsabilidade por sua ação ou negligente omissão em face do cumprimento da lei e a defesa dos interesses sociais e institucionais da companhia" [35].

Haverá, portanto, presunção de culpa sempre que a má conduta (objetivamente apreciada e independente do ânimo de lesar) gerar dano jurídico (nexo causal). Parâmetro para a constatação da má conduta são os "padrões de cautela normalmente utilizados para a deliberação, gestão e representação da companhia" [36]. Explica MODESTO CARVALHOSA:

"Trata-se de critério apriorístico da culpa, ou seja, de que ela se caracterizará na medida em que o administrador se conduza fora dos padrões adotados para a administração de companhias assemelhadas. Se evidenciado por comparação que, pelos costumes normais da atividade empresarial, agiu o administrador com desídia, deslealdade, abuso ou desvio de poder, presume-se que agiu com culpa, sendo por isso responsável à frente da companhia" [37].

Dentro dessa ótica, a conduta do administrador sofrerá impacto da natureza provisória e reversível da medida judicial que sustenta a sua investidura. Terá de se conduzir à frente da administração social levando sempre em conta a obrigação legal de preservar a reversibilidade daquilo que praticar. O correto será limitar-se à rotina indispensável ao funcionamento normal da empresa, abstendo-se de inovações profundas nas práticas gerenciais e, principalmente, de operações arrojadas e de risco.

É certo que, nas operações de rotina, o risco é normalmente da empresa e não do administrador. Mas, numa situação precária de administração provisória e necessariamente reversível, qualquer negócio que fuja do corriqueiro, faz com que o gestor assuma responsabilidade pessoal pelo risco de eventuais prejuízos para a sociedade.

O que induz a responsabilidade pessoal do gestor da companhia é a ocorrência de dolo ou culpa na prática do ato de gestão gerador do prejuízo; é a conduta desatenta aos deveres normais do bom administrador. Na hipótese de administração limitada pelo caráter provisório da autorização judicial, o administrador está naturalmente advertido, por força até mesmo da lei processual, de que não pode praticar atos de conseqüências irreversíveis, fora da rotina empresarial. Destarte, qualquer operação arriscada, com previsibilidade do perigo de resultado adverso não lhe será autorizada. Se se dispuser a atuar nessa área de risco estará se omitindo quanto às cautelas que a investidura extraordinária lhe exige. Omitir cautelas necessárias configura justamente o fundamento da culpa, sobre que se assenta a teoria da responsabilidade civil.

Em suma: se a gestão decorre de medida judicial provisória (cautelar ou antecipatória), o prejuízo imposto à sociedade por negócio que ultrapassa a rotina administrativa e se insere no risco desnecessário, haverá de provocar a responsabilidade civil pessoal de que cogita o art. 158, I, da Lei das Sociedades Anônimas. Terá o administrador, mesmo sem dolo ou má-fé, agido imputavelmente a título de culpa stricto sensu. Se não provocou intencionalmente a lesão para a sociedade, assumiu o risco de provocá-la, ao não manter sua gestão nos limites da rotina administrativa, o que, sem dúvida, configura, no campo da responsabilidade civil, a culpa.

Não se dará, em face dos gestores que não foram parte na ação cautelar ou no feito em que ocorreu a antecipação de tutela, a responsabilidade objetiva prevista no art. 811 do CPC, mas poderá configurar-se a responsabilidade subjetiva, nos moldes da lei comercial.

Uma vez que investidos na gestão por força de medida judicial essencialmente reversível, os administradores, cujo mandato tenha como fonte medida cautelar ou antecipatória, se tornarão responsáveis pelos danos que, fora do risco rotineiro dos negócios da empresa, venham a causar ao patrimônio social. A culpa, na hipótese, decorre da adoção de conduta à frente da companhia, que não tenha respeitado o dever de preservar a reversibilidade da situação nova criada em razão de provimento judicial liminar e provisório.


7. CONCLUSÕES

O sistema do Código de Processo Civil pertinente à frustração das medidas cautelares e das antecipações de tutela, prevê uma responsabilidade civil objetiva, que assim pode ser resumido:

a) ocorrida a frustração da medida de urgência, em qualquer das hipóteses do art. 811 do CPC, o dever de indenizar os prejuízos do requerido serão indenizáveis independentemente de qualquer indagação a respeito da má-fé ou culpa do requerente;

b) a responsabilidade civil, na espécie, pressupõe execução da medida cautelar, não bastando seu simples deferimento, pois o que se indeniza são prejuízos concretos advindos de reflexos do provimento judicial sobre o patrimônio do requerido, que só ocorrem quando a decisão judicial é executada, segundo esclarece o caput do art. 811 do CPC;

c) para exigir o ressarcimento dos prejuízos, a parte prejudicada não depende de ação condenatória, pois o dever de indenizar emana diretamente da lei;

d) a liqüidação se fará nos próprios autos da medida cautelar frustrada, segundo um dos ritos previstos para as liqüidações de sentença (CPC, arts. 603 a 611);

e) a responsabilidade indenizatória da parte não ocorrerá, obviamente, quando a medida preventiva tiver sido adotada pelo juiz ex officio [38];

f) o regime processual de responsabilização e exigibilidade da reparação de danos previsto para as medidas cautelares estende-se às antecipações de tutela e às execuções provisórias em geral;

g) se o insucesso da medida cautelar ou antecipatória derivar não do risco processual ordinário, mas de erro técnico ou má-fé do advogado, a parte que for responsabilizada civilmente terá ação de regresso contra seu procurador [39].


Notas

1...ATILIO ANIBAL ALTERINI, Responsabilidad Civil, 3. ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1987, n. 103, p. 94.

2..IDEM, Ibidem.

3..IDEM, n. 119, p. 106

4..GALENO LACERDA. Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, t. I, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, n. 79, p. 311.

5..."Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida: I - se a sentença no processo principal lhe for desfavorável; II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias; III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código; IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810). Parágrafo único. A indenização será liqüidada nos autos do procedimento cautelar".

6...GALENO LACERDA. ob. cit., n. 81, p. 314.

7...Aspectos principais das medidas cautelares e dos procedimentos específicos. Revista Forense, 246/212.

8...Dos prejuízos decorrentes da execução de medida cautelar. Revista Ajuris, v. 35, p. 79.

9...CHIOVENDA, apud GALENO LACERDA, Comentários cit., p. 312-313.

10...GALENO LACERDA, ob. cit., p. 313.

11...Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 11, p. 764.

12..CLITO FORNACIARI JÚNIOR, Dos prejuízos decorrentes da execução de medida cautelar, Ajuris 35/78. Grifado no original.

13..IDEM, p. 313.

14..PONTES DE MIRANDA. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, t. XII, p. 99.

15..IDEM, ibidem.

16..STF, 2ª Turma, 9 de abril de 1948, R.F., 121, 98; 25 de janeiro de 1951, R. dos T., 209, 470.

17..PONTES DE MIRANDA, Comentário ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, t. IX, p. 418.

18..Cf. nosso Processo de execução. 20 ed. São Paulo: Leud, 2000, p. 183. AMILCAR DE CASTRO, Comentários ao código de processo civil. São Paulo: RT, 1974, v. VIII, p. 65.

19..KAZUO WATANABE constata que muitas vezes medidas antecipatórias são pleiteadas em processos cautelares, quando, rigorosamente, deveriam ser formuladas no bojo do processo principal e conclui, porém, que "não admitir, em situações assim, que seja aforada a ação cautelar inominada, ao invés da ação de conhecimento com pedido de tutela antecipatória, será ofender o princípio da proteção judiciária que assegura, como acima anotado, acesso à Justiça para a obtenção de tutela que seja efetiva, adequada e tempestiva" (Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer: arts. 273 e 461 do CPC. Revista de Direito do Consumidor, v. 19, p. 93).

20..Nesse sentido: LOPES DA COSTA. Medidas preventivas. 2ª. ed., n. 61, p. 59. HAMILTON DE MORAES E BARROS. Breves observações sobre o processo cautelar e sua disciplina no código de processo civil de 1973. Revista Forense, 246/109. CELSO AGRÍCOLA BARBI, O processo cautelar no anteprojeto do código de processo civil, Revista dos Tribunais, 442/303.

21..HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Processo cautelar. 19. ed., São Paulo: Leud, 2000, p. 176

22..STF, RE 88.782/PR, Rel. Min. Cordeiro Guerra, ac. 09.06.78, RTJ 87/665.

23...STJ, 3ª. T., REsp. 127498/RJ, ac. 20.05.1997, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 22.09.1997; 3ª. T., REsp. 11090/SP, Rel. Waldemar Zveiter, ac. 22.10.1991, DJU 22.10.1991.

24..TJRS, 1ªCC., Ap. 37.219, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, ac. 23.03.82, RJTJRGS 94/347.

25..."Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida.. ."

26...STJ, 4ª. T., REsp. 30368/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ac. 07.06.1994, DJU de 31.10.1994.

27..STJ, 3ª. T, REsp. 55.870/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, ac. 04.06.1996, RSTJ, 90/170.

28..STJ, 3ªT., REsp. 89.788/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, ac. 20.05.97, RSTJ 104/288.

29..JTA 92/186; THEOTÔNIO NEGRÃO. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. 30. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 764.

30...TACSP, AI 326.734, ac. 15.08.84, Rel. Juiz Wanderley Racy, LEX 92/131.

31..1º.TACiv.SP, AI 419997-5, Rel. Juiz Maurício Vidigal, ac. 21.06.89, JTA 119/261. No mesmo sentido: TJSP, AI 149.717-4, Rel. Des. Guimarães e Souza, ac. 16.05.2000, JUIS-Saraiva n. 23.

32..Acórdãos nesse exato sentido são ainda encontrados na RJTAMG 32/180, RJTAMG 58-59/48; RSTJ 104/288.

33..Cf. nosso Processo cautelar. 19ª. ed., São Paulo: Leud, 2000p. 173-174.

34...KAZUO WATANABE dá como exemplo de possível antecipação de tutela em ação de decisão assemblear de sociedade anônima de aumento de capital, a que permite "o exercício do direito de voto correspondente segundo a situação existente antes do aumento de capital objeto da demanda ou a distribuição de dividendos segundo a participação acionária anterior ao aumento de capital impugnado etc." (Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Revista de Direito do Consumidor, v. 19, p. 89-90). CAMPOS BATALHA lembra o cabimento de antecipação de tutela em ações relativas à nulidade ou anulação de acordo de acionistas que poderiam suspender deliberações assembleares e nomeação de órgãos sociais "como consectários de deliberações vinculadas por acordo nulo" (Cautelares e Liminares. 3. ed., São Paulo: LTr, 1996, p. 67-68).

35...MODESTO CARVALHOSA. Comentários à lei de sociedades anônimas, São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 312-313.

36...IDEM, p. 313.

37...IDEM, p. 314.

38...GALENO LACERDA. ob. cit., n. 81, p. 314.

39..GALENO LACERDA. ob. cit., n. 84, p. 321-322.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2905. Acesso em: 24 abr. 2024.