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Parlamentares federais e foro por prerrogativa de função face à Lei n º 10.628/2002

Parlamentares federais e foro por prerrogativa de função face à Lei n º 10.628/2002

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Se somos representados, será que convém que nossos representantes tenham alguma espécie de prerrogativa ou privilégio? Entenda mais sobre o foro por prerrogativa de função e sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002 (ADI 2797).

RESUMO: No primeiro capítulo trataremos da questão da Competência, subdividida nos seguintes tópicos: a) competência à luz da Constituição Federal de 1988, que será dado ênfase à competência do STF para processar e julgar os parlamentares; b) competência à luz do Código de Processo Penal, enfocando-se, na determinação da competência, apenas o foro por prerrogativa de função; c) o cancelamento da Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal. No capítulo segundo discorreremos apenas sobre a Imunidade Parlamentar e as alterações advindas pela Emenda Constitucional nº 35/2001. No terceiro e último capítulo será tratado da questão do Controle de Constitucionalidade em face da Lei nº 10.628/02 que se subdivide em: a) a nova redação do art. 84 do Código de Processo Penal; b) o controle de constitucionalidade no Brasil; c) do controle difuso ou aberto (exceção ou defesa); d) do controle concentrado ou via de ação direta, que ainda se subdivide em: 1) da inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 do CPP; e 2) da inconstitucionalidade do § 2º do art. 84 do CPP. E por último concluiremos sobre a constitucionalidade ou não da Lei nº 10.628/02, objeto de nosso singelo estudo.

SUMÁRIO: RESUMO..INTRODUÇÃO.I – COMPETÊNCIA.1.1. Competência à luz da Constituição Federal de 1988.1.2. Competência à luz do Código de Processo Penal.1.3. O cancelamento da Súmula 394 do STF.II – DA IMUNIDADE PARLAMENTAR.2.1. Imunidade parlamentar e a Emenda Constitucional nº 35/2001. III – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA LEI Nº 10.628/2002.3.1. A nova redação do art. 84 do Código de Processo Penal.3.2. O controle de constitucionalidade no Brasil.3.3. Do controle difuso ou aberto (exceção ou defesa).3.4. Do controle concentrado ou via de ação direta.3.5. Da inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02.3.5.1. Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 do CPP.3.5.2. Da inconstitucionalidade do § 2º do art. 84 do CPP.CONSIDERAÇÕES FINAIS.BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é o de demonstrar que a organização política do Brasil está inserida no Estado Democrático de Direito, o qual tem seu fundamento na Carta Política de 1988 que em seu art. 1º, parágrafo único, estabelece que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Ora, se somos representados, será que convém que nossos representantes tenham alguma espécie de prerrogativa ou privilégio? Será que é moral e legítimo o representante, após o término do mandato, gozar ainda de foro especial por prerrogativa da função? Será possível ainda invocar o princípio da isonomia em face de tais privilégios? É neste raciocínio que discorreremos a respeito de nosso tema, enfatizando a questão da competência, da imunidade parlamentar e do controle de constitucionalidade.

No primeiro capítulo, trataremos sobre a competência do Supremo Tribunal Federal dada pela Constituição Federal de 1988 para processar e julgar todas aquelas autoridades que gozam do foro especial por prerrogativa de função, tendo como objetivo principal o julgamento de parlamentares. Ainda neste capítulo, falaremos também sobre a competência à luz do Código de Processo Penal, bem como sobre o cancelamento da Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal, sua origem e razões ensejadoras de tal cancelamento.

O segundo capítulo é direcionado à questão da imunidade parlamentar e as inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 35/2001, bem como suas espécies em material e formal, hipóteses de sustação do andamento da ação pela respectiva Casa Parlamentar dentre outras.

No terceiro e último capítulo, discorreremos sobre a matéria propriamente dita que é a de demonstrar juridicamente as diversas teses de inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02, que deu nova redação ao art. 84 do Código de Processo Penal acrescentando-lhe dois parágrafos. Mas para atingirmos nosso objetivo, é preciso entender como funciona, no Brasil, o controle de constitucionalidade das leis. Aqui, há duas espécies de controle, a saber: o preventivo ou político, exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, e o repressivo, exercido pelo Poder Judiciário. Para fins deste trabalho, interessa-nos este último controle já que a referida lei ainda se encontra em vigor.

Por fim, em sede de controle de constitucionalidade, vale dizer que se encontra em trâmite no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2797-2 tendo como objeto a referida lei. No entanto, até o momento, a Corte Maior ainda não se pronunciou a respeito da questão. É esperado, em todos os níveis da sociedade, que o Supremo Tribunal se manifeste pela inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02. Só assim, estaria a Suprema Corte exercendo o seu papel de guardião da Constituição Federal e perseguidor do senso de Justiça norteador de um Estado Democrático de Direito.


I – COMPETÊNCIA

1.1. Competência à luz da Constituição Federal de 1988.

O Dicionário define competência como sendo “uma faculdade que a lei concede ao funcionário, juiz ou tribunal, para apreciar e julgar certos pleitos ou questões”. (FERREIRA, 1993, p. 133).

Na lição do constitucionalista e Professor José Afonso da Silva, “competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões”. (2002, p. 477).

A ilustre Professora Ada Pelegrini Grinover (2000, p. 229) ao definir competência, diz que “... é clássica a conceituação da competência como medida da jurisdição (cada órgão só exerce a jurisdição dentro da medida que lhe fixam as regras sobre competência)”. E, continuando, dispõe que:

No Brasil, a distribuição da competência é feita em diversos níveis jurídico-positivos, assim considerados: a) na Constituição Federal, especialmente a determinação da competência de cada uma das justiças e dos tribunais superiores da União; b) na Lei Federal (Código de Processo Civil, Código de Processo Penal etc.), principalmente as regras sobre o foro competente (comarcas); c) nas Constituições Estaduais, a competência originária dos tribunais locais... (2000, p. 230).

A competência do Supremo Tribunal Federal (STF) é dividida em competência originária e recursal, e estão reguladas nos artigos 102 e 103 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Para este trabalho, interessa-nos apenas o primeiro que, nos dizeres de MORAES (2003, p. 466-467), assim dispõe, in verbis:

A função precípua do Supremo Tribunal Federal é de Corte de Constitucionalidade, com a finalidade de realizar o controle concentrado de constitucionalidade no Direito Brasileiro [...] com o intuito de garantir a prevalência das normas constitucionais no ordenamento jurídico.

Bem observa BANDEIRA DE MELLO, quando qualifica a competência originária do STF como sendo “um conjunto de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional, não comportando a possibilidade de extensão, que extravasem os rígidos limites fixados em numerus clausus[1] pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política”. (Apud MORAES, 2003, p. 467).

O art. 102 da CF/88 prevê os casos de competência originária do STF, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

[...]

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no artigo 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

[...]

Deste modo, este trabalho se delimitará em tratar da competência do STF relativa aos membros do Congresso Nacional em face da Lei nº 10.628/02.

1.2. Competência à luz do Código de Processo Penal.

O Código de Processo Penal (CPP) em seu art. 69 estabelece os critérios de determinação da competência a fim de se fixar qual será o foro competente numa possível causa penal. Vejamos, in verbis, quais são:

Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I – o lugar da infração;

II – o domicílio ou residência do réu;

III – a natureza da infração;

IV – a distribuição;

V – a conexão ou continência;

VI – a prevenção;

VII – a prerrogativa de função.

Como o objeto de nosso estudo é a competência por prerrogativa de função, deve-se levar em conta, portanto:

... a dignidade da função, a altitude do cargo. Se a pessoa deixa de exercê-lo, perde a prerrogativa, que não é sua, mas da função. Para esse ilustre jurista, se cessar a função do agente, cessa também sua prerrogativa, a competência passa a ser do foro comum, pouco importando que a infração penal tenha sido praticada ao tempo em que seu autor gozava do foro privilegiado. (TORNAGHI Apud DEMERCIAN; MALULY, 2001, p. 222).

Conclui TORNAGHI que “na hipótese de o acusado já estar sendo processado pelo órgão graduado, a perda da função não modificará essa competência, em decorrência do princípio da perpetuatio jurisdicionis[2]”. (Apud DEMERCIAN; MALULY, 2001, p. 223)

Para o ilustre Heráclito Antônio Mossin (1998, p. 497), a competência em razão da função exercida pelos agentes “decorre do privilégio do foro que algumas pessoas ostentam considerando os cargos e funções que ocupam no cenário político-jurídico nacional”.

O mesmo entendimento tem TOURINHO FILHO (2002, p. 125) quando se refere, in verbis, que:

Há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado e, em atendimento a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas, portanto, como qualquer do povo, mas pelos órgãos superiores, de instância mais elevada.

Entende o Mestre e Doutor Luiz Flávio Gomes (2002, p.145) que, para se compreender esta matéria, há necessidade de se conhecer alguns princípios norteadores deste instituto, sendo inadmissível, portanto, no Estado Constitucional e Democrático de Direito quaisquer espécies de privilégio pessoal. Vejamos:

  1. princípio da hierarquia: [...] Trata-se de competência originária, porque se pressupõe que o órgão superior hierárquico sejam mais isento em qualquer julgamento (Capez);
  2. da utilidade pública: maior garantia ao julgado, fornecendo-lhe maior isenção (Mirabete);
  3. da independência do agente político: constitui uma garantia de liberdade de atuação profissional daqueles investidos em cargos públicos coletivos, constituindo um benefício que está vinculado ao cargo e não à pessoa;
  4. da igualdade: não há que se falar em ofensa ao princípio da igualdade, já que se trata diferentemente os desiguais, não incorrendo a norma em individualismos de forma a prevalecer certo grupo de pessoas em detrimento de outros [...].

GOMES ainda dispõe que, quanto à cessação do exercício funcional, caberá distinguir três situações:

a) quando o fato é cometido antes do exercício da função; b) quando o fato é cometido durante o exercício da função; c) e quando o fato é cometido após o exercício da função.

No primeiro caso, a partir do momento em que a função do sujeito passa a produzir efeitos jurídicos (posse, diplomação no caso dos parlamentares etc.). desloca-se a competência do juízo pelo qual tramita o feito para o tribunal competente.

Em relação à terceira hipótese [...], não há que se falar (em nenhum momento) em foro especial, pois a matéria é regida pela Súmula 451 do STF [...].

No que concerne à segunda hipótese [...] vigorava até pouco tempo a Súmula 394, que dizia: ‘Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício’. (2002, p. 146). (grifo nosso).

A Súmula 394 do STF editada em 03 de março de 1964 tinha por objetivo resguardar relevantes funções públicas, exigindo uma relação de contemporaneidade (cometido durante o exercício funcional), resguardando desse modo a perpetuatio jurisdicionis (processo iniciado numa Corte deveria nela continuar, apesar da cessação da função), conforme GOMES (2002, p. 147).

1.3. O cancelamento da Súmula 394 do STF.

A Súmula 451 editada pelo STF, que permanece ainda em vigor, estabelece que “a competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional”. Nada mais natural, tendo em vista o fato de que esta competência se legitima apenas quanto àqueles delitos praticados no exercício da função e em razão dela. Face a tal entendimento, não se sustentava a referida súmula 394 segundo a qual “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. (MOREIRA, on line).

Diante desse entendimento, vejamos as razões que motivou o Pleno do STF, por unanimidade, ao cancelamento da referida Súmula, tendo como relator o Ministro Sidney Sanches, conforme MOREIRA (on line):

[...]

Observo que nem a Constituição de 1946, sob cuja égide foi elaborada a Súmula 394, nem a de 1967, com a Emenda Constitucional nº. 1/69, atribuíram competência originária ao Supremo Tribunal Federal, para o processo e julgamento de ex-exercentes de cargos ou mandatos, que durante o exercício, sim, gozavam de prerrogativa de foro, para crimes praticados no período [...] A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado. Essa correção, sinceridade e independência moral com que a lei quer que sejam exercidos os cargos públicos ficaria comprometida, se o titular pudesse recear que, cessada a função, seria julgado, não pelo Tribunal que a lei considerou o mais isento, a ponto de o investir de jurisdição especial para julgá-lo no exercício do cargo, e sim, por outros que, presumidamente, poderiam não ter o mesmo grau de isenção. Cessada a função, pode muitas vezes desaparecer a influência que, antes, o titular do cargo estaria em condições de exercer sobre o Tribunal que o houvesse de julgar; entretanto, em tais condições, ou surge, ou permanece, ou se alarga a possibilidade, para outrem, de tentar exercer influência sobre quem vai julgar o ex-funcionário ou ex-titular de posição política, reduzido então, freqüentemente, à condição de adversário da situação dominante. É, pois, em razão do interesse público do bom exercício do cargo, e não do interesse pessoal do ocupante, que deve subsistir, que não pode deixar de subsistir a jurisdição especial, como prerrogativa da função mesmo depois de cessado o exercício. (RTJ 22, págs. 50 e 51);

[...]

Parece-me que é chegada a hora de uma revisão do tema, ao menos para que se firme a orientação da Corte, daqui para frente, ou seja, sem sacrifício do que já decidiu com base na Súmula 394, seja ao tempo da Constituição de 1946, seja à época da E.C. nº 1/69, seja sob a égide da Constituição atual de 1988.

A tese consubstanciada na Súmula 394 não se refletiu na Constituição de 1988, ao menos às expressas, pois, no art. 102, I, "b", estabeleceu competência originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar "os membros do Congresso Nacional", nos crimes comuns.

Continua a norma constitucional não contemplando, ao menos expressamente, os ex-membros do Congresso Nacional, assim como não contempla o ex-Presidente, o ex-Vice-Presidente, o ex-Procurador-Geral da República, nem os ex-Ministros de Estado (art. 102, I, "b" e "c"). Em outras palavras, a Constituição não é explícita em contemplar, com a prerrogativa de foro perante esta Corte, as autoridades e mandatários, que, por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato.

Dir-se-á que a tese da Súmula 394 permanece válida, pois, com ela, ao menos de forma indireta, também se protege o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito foi praticado e o acusado não mais o exerce. Não se pode negar a relevância dessa argumentação, que, por tantos anos, foi aceita nesta Corte. Mas também não se pode, por outro lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos.

Além disso, quando a Súmula foi aprovada, eram raros os casos de exercício de prerrogativa de foro perante esta Corte.

Mas os tempos são outros. Já não são tão raras as hipóteses de Inquéritos, Queixas ou Denúncias contra ex-Parlamentares, ex-Ministros de Estado e até ex-Presidente da República. E a Corte, como vem acentuando seu Presidente, o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em reiterados pronunciamentos, já está praticamente se inviabilizando com o exercício das competências que realmente tem, expressas na Constituição, enquanto se aguardam as decantadas reformas constitucionais do Poder Judiciário, que, ou encontram fortíssimas resistências dos segmentos interessados, ou não contam com o interesse maior dos responsáveis por elas. E não se pode prever até quando perdurarão essas resistências ou esse desinteresse.

É de se perguntar, então: deve o Supremo Tribunal Federal continuar dando interpretação ampliativa a suas competências, quando nem pela interpretação estrita, tem conseguido exercitá-las a tempo e a hora?

Não se trata, é verdade, de uma cogitação estritamente jurídica, mas de conteúdo político, relevante, porque concernente à própria subsistência da Corte, em seu papel de guarda maior da Constituição Federal e de cúpula do Poder Judiciário Nacional. Objetar-se-á, ainda, que os processos envolvendo ex-titulares de cargos ou mandatos, com prerrogativa de foro perante esta Corte, não são, assim, tão numerosos, de sorte que possam agravar a sobrecarga já existente sem eles.

Mas não se pode negar, por outro lado, que são eles trabalhosíssimos, exigindo dos Relatores que atuem como verdadeiros Juízes de 1º grau, à busca de uma instrução que propicie as garantias que justificaram a súmula. Penso que, a esta altura, se deva chegar a uma solução oposta a ela, ao menos como um primeiro passo da Corte para se aliviar das competências não expressas na Constituição, mas que ela própria se atribuiu, ao interpretá-la ampliativamente e, às vezes, até, generosamente, sem paralelo expressivo no Direito Comparado.

Se não se chegar a esse entendimento, dia virá em que o Tribunal não terá condições de cuidar das competências explícitas, com o mínimo de eficiência, de eficácia e de celeridade, que se deve exigir das decisões de uma Suprema Corte.

Os riscos, para a Nação, disso decorrentes, não podem ser subestimados e, a meu ver, hão de ser levados em grande conta, no presente julgamento.

Aliás, diga-se de passagem, se nem a própria Câmara dos Deputados quis continuar permitindo o exercício do mandato, pelo acusado, tanto que o cassou, ao menos em hipótese como essa parece flagrantemente injustificada a preocupação desta Corte em preservar a prerrogativa de foro.

Nem se deve presumir que o ex-titular de cargo ou mandato, despojado da prerrogativa de foro, fique sempre exposto à falta de isenção dos Juízes e Tribunais a que tiver de se submeter. E, de certa forma, sua defesa até será mais ampla, com as quatro instâncias que a Constituição Federal lhe reserva, seja no processo e julgamento da denúncia, seja em eventual execução de sentença condenatória. E sempre restará a esta Corte o controle difuso de constitucionalidade das decisões de graus inferiores. E ao Superior Tribunal de Justiça o controle de legalidade. Além do que já se faz nas instâncias ordinárias, em ambos os campos.

Por todas essas razões, proponho o cancelamento da Súmula 394.

[...]

Nesse sentido é meu voto, com a ressalva de que continuam válidos todos os atos praticados e decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula 394. (grifos nossos).

Face a esta decisão histórica, ficou consignado que o cancelamento tem efeito ex nunc[3]  permanecendo válidos todos os atos processuais praticados pelos tribunais com base na respectiva Súmula até 25 de agosto de 1999, obedecendo ao princípio tempus regit actum[4].

GOMES (2002, p. 156-157), analisando tal entendimento diz que nem se pode falar em perpetuatio jurisdicionis, ou seja, encerrado o mandato ou o cargo público, o processo será redistribuído à Justiça de Primeira Instância, ressalvado o caso de o agente contar com foro especial por prerrogativa de função de outra função que esteja exercendo.

E, mais adiante, afirma que a competência expressamente constitucional não pode ser ampliada ou estendida, uma vez que o poder constituinte originário assim o pretendia. (2002, p. 156).

Continuando em seu raciocínio hermenêutico de interpretação da Lei Maior, dispõe que:

[...] para uma exata interpretação constitucional, é importante a compreensão da Constituição como norma superior, que deverá ser analisada a partir de um conjunto que vislumbre sua maior harmonização e efetividade, reconhecendo-a como instrumento de amparo à liberdade individual, numa busca de maior compreensão do seu espírito e vontade, tendo como finalidade maior a proteção e a garantia da liberdade e dignidade do homem. Deve, ainda, tal interpretação orientar-se sempre segundo o fim maior da Constituição, porque o Estado precisa estar legitimado democraticamente, fundando-se no direito e não na força.

Em suma: pouco importa se o crime é ou não funcional. Cessando o mandato ou deixando a pessoa de ocupar cargo ou função, cessa a prerrogativa. (2002, p. 158).

Na hipótese de co-autoria, em princípio e por força da continência, todos os co-autores deverão ser julgados pelo mesmo tribunal, conforme entendimento do STF, in verbis:

Supremo Tribunal Federal (Rcl 1.121-PR – rel. Min. Ilmar Galvão – Publicação: DJ 16.06.2000 – p. 00032 – ement. Vol. 01995-01 – p. 00033 – j. 04.05.2000 – Tribunal Pleno).

[...]

Em face dos princípios da conexão e da continência, dado o concurso de agentes na prática do delito, deve haver simultaneus processus[5]. A circunstância de encontrar-se entre os co-réus pessoa que deve ser processada pelo Supremo Tribunal Federal, sua competência se prorroga em relação aos demais acusados, salvo se esta Corte declinar de sua competência, na hipótese de demora na manifestação da Casa Legislativa sobre o pedido de licença para processar o parlamentar.

É de ser tida por afrontoso à competência do STF o ato da autoridade reclamada que desmembrou o inquérito, deslocando o julgamento do parlamentar e prosseguindo quanto aos demais.

Reclamação que se julga procedente. (Apud GOMES, 2002, p. 159).

Há quem entenda que o cancelamento em nada alterou a competência dos Tribunais, conforme entende TOURINHO FILHO que assim dispõe, in verbis:

Se a Constituição, nos arts. 29, X, 96, III, 102, I, b e c, 105, I, e 108, fixou a competência especial por prerrogativa de função para as pessoas ali citadas, evidente que essa competência persistiria mesmo após a cessação do exercício funcional, desde que a infração houvesse sido cometida durante o exercício do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem instaurados após a cessação da função. (2002, p. 139). (grifo nosso).

Salienta ainda TOURINHO FILHO que sempre vigorou o princípio de que o acusado deve ser processado e julgado por autoridade competente ao tempo da infração, apontando para a garantia constitucional que dispõe “ninguém será processado nem sentenciado senão pela a autoridade competente”. E entende-se como autoridade competente:

... não só o Juiz constitucionalmente competente, como, inclusive, aquele com competência fixada ante factum[6]. Com razão observa Julio Maier: el único tribunal competente para el juicio es aquel designado como tal por la ley vigente ao momento en que se comete el hecho punible objeto del procedimiento[7] (Derecho procesal penal argentino; 1b, fundamentos, Buenos Aires, Ed. Hammurabi, 1989, p. 491).

[...]

Assim, data maxima venia[8], não cremos pudesse a Excelsa Corte determinar a remessa dos autos à primeira instância de todos os processos instaurados com fulcro naquela Súmula, mormente aqueles que estavam em curso.

[…]

A crítica maior que se faz ao foro pela prerrogativa de função repousa na circunstância de se omitir o duplo grau, princípio de valor relevantíssimo. Mas o problema pode ser perfeitamente e facilmente contornável; basta que a competência para esses casos fique afeta à Câmara ou Turma, com recurso para o Pleno ou Órgão Especial. (2002, p. 140-142).

Continuando, dispõe ainda que:

... mesmo cessada a função, o foro deve continuar, malgrado tenha o Excelso Pretório cancelado a Súmula 394. E assim pensamos em respeito ao princípio do Juiz natural, dogma de fé. Por isso entendemos, com Frederico Marques (Da competência em matéria penal, Saraiva, 1953, p. 230), que, se a infração for cometida durante o exercício funcional, o foro especial persiste mesmo que cessada a função. (2002, p. 127).

Diferentemente do que foi exposto, NUCCI (2003, p. 208) não está convencido, como quer a maioria da doutrina, de que a existência do foro privilegiado se justifica como maneira de dar especial relevo ao cargo ocupado e jamais pensando em estabelecer desigualdades entre os cidadãos. E, mais adiante, arremata com o seguinte raciocínio:

Se todos são iguais perante a lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o criminoso do seu juiz natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi praticado [...] O fato de se dizer que não teria cabimento um juiz de primeiro grau julgar um Ministro de Estado que cometa um delito, pois seria uma ‘subversão de hierarquia’ não é convincente, visto que os magistrados são todos independentes e, no exercício de suas funções jurisdicionais, não se submetem a ninguém, nem há hierarquia para controlar o mérito de suas decisões [...] O juiz de 2º grau está tão exposto quanto o de 1º grau em julgamentos dominados pela política ou pela mídia [...] Por outro lado, caso deixe-se levar pela pressão e decida erroneamente, existe o recurso para sanar qualquer injustiça. Enfim, a autoridade julgada pelo magistrado de 1º grau sempre pode recorrer, havendo equívoco na decisão, motivo pelo qual é incompreensível que o foro por prerrogativa de função mantenha-se no Brasil [...] Entretanto, a competência por prerrogativa de função está constitucionalmente prevista, razão pela qual deve ser respeitada. No futuro, havendo amadurecimento suficiente, tal situação merecerá ser alterada. (2003, p. 209-210). (grifo nosso).

Por tudo que foi visto até agora, é inconcebível que ex-políticos uma vez encerrado o mandato eletivo continuem a gozar de foro por prerrogativa de função, não havendo mais razão de subsistir tal prerrogativa face ao princípio da isonomia constitucional.


II – DA IMUNIDADE PARLAMENTAR

2.1. Imunidade parlamentar e a Emenda Constitucional nº 35/2001.

A redação original do art. 53 da CF/88 previa tanto a imunidade material quanto a formal, dispondo que os deputados e senadores eram invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, assim como desde a expedição do diploma não poderiam ser presos, salvo em caso de flagrante por crime inafiançável, nem tampouco processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa. Dispunha ainda que, no caso de crime inafiançável, os autos seriam, dentro em vinte e quatro horas, remetidos à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolvesse sobre a prisão e autorizasse, ou não, a formação de culpa. (MORAES, 2003, p. 399).

Após o cancelamento da Súmula 394 do STF, adveio a Emenda Constitucional nº 35 de 20 de dezembro de 2001 (EC nº 35/2001) alterando, drasticamente, o regime das imunidades parlamentares, mantendo-se a imunidade material e restringindo a imunidade formal processual.

Entende-se por imunidades como sendo garantias funcionais divididas em material e formal, admitidas nas Constituições para o livre desempenho dos membros do Poder Legislativo e para evitar possíveis desfalques no quorum[9] necessário para deliberação. (MORAES, 2003, p. 400).

O art. 53, caput[10], da CF/88, dispõe que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, denominando-se na doutrina como sendo imunidade material ou inviolabilidade parlamentar. Em suma, a imunidade material implica irresponsabilidade penal, civil, disciplinar ou política do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos. Trata-se, na verdade, de prerrogativa concedida ao parlamentar para o livre exercício de sua atividade e liberdade de expressão, por meio de palavras, discussão e voto; esta imunidade protege só o congressista quando suas opiniões forem proferidas no exercício de sua atividade funcional. (MORAES, 2003, p. 400 e 402).

Agora, importa-nos mencionar o que seja imunidade formal processual, que reputamos como sendo de maior relevância para o nosso trabalho. Imunidade formal nada mais é que:

O instituto que garante ao parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou, ainda, a possibilidade de sustação do andamento da ação penal por crimes praticados após a diplomação. (MORAES, 2003, p. 404).

O Professor Damásio E. de Jesus analisando o tema em questão, dispõe, in verbis, que:

Sustar significa impedir de continuar, fazer parar, interromper, sobrestar (Aulete e Pedro Orlando). Não criou o legislador uma causa de extinção do processo, mas de sua suspensão (...) (sic)[11] Assim, iniciado o procedimento criminal, poderá a Câmara ou o Senado impedir seu prosseguimento. [...] Entretanto, cessada, por qualquer motivo, a investidura do mandato, como seu término ou eventual cassação, o parlamentar perde a prerrogativa processual, de modo que a ação penal, desde que ainda não alcançada a pretensão punitiva pela prescrição , pode prosseguir. (Apud MORAES, 2003, p. 404). (grifos nossos).

Quanto à imunidade formal em relação à prisão, o parlamentar não poderá, em regra, se sujeitar a qualquer espécie de prisão seja ela de natureza penal, processual, nem mesmo provisória (caso de prisão temporária, em flagrante por crime afiançável, preventiva, por pronúncia, por sentença condenatória recorrível) e nem aquela proveniente de sentença definitiva. Apenas excepcionalmente poderá o congressista ser preso, no caso de flagrante por crime inafiançável. Neste caso, dispõe o art. 53, parágrafo 2º da CF/88 que a manutenção da prisão dependerá de autorização da Casa respectiva para formação de culpa, pelo voto ostensivo e nominal da maioria de seus membros. (MORAES, 2003, p. 406).

Observamos que a EC nº 35/2001 suprimiu a expressão “voto secreto” do texto constitucional anterior que era requisito para deliberação sobre a prisão do parlamentar. Nada mais justo, pois a votação ostensiva e nominal no julgamento de condutas de agentes políticos caracteriza-se como forma compatível e condizente com um Estado Democrático de Direito, bem como da exigência de publicidade de atos que praticam qualquer ente público.

Na hipótese de prisão do parlamentar com trânsito em julgado da sentença condenatória, o STF posiciona-se pela sua admissibilidade por entender que:

A garantia jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal não obsta, observado o due process of law[12], a execução de penas privativa de liberdade definitivamente impostas ao membros do Congresso Nacional. (Apud MORAES, 2003, p. 406).

Quanto à imunidade formal nos crimes praticados após a diplomação, a EC nº 35/2001 inovou no sentido de que não haverá mais a necessidade de autorização da Casa Legislativa respectiva para que possa ser iniciado o processo criminal em face do parlamentar. Haverá, portanto, a possibilidade de a Casa respectiva sustar a qualquer momento antes da decisão final do Poder Judiciário, o andamento da ação penal proposta contra o parlamentar por aqueles crimes praticados após a diplomação. (MORAES, 2003, 407).

O nobre Professor Alexandre de Moraes resume de maneira plausível a persecução penal do parlamentar da seguinte maneira, in verbis:

Crimes praticados antes da diplomação: não haverá incidência de qualquer imunidade formal em relação ao processo, podendo o parlamentar ser normalmente processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto durar o mandato;

Crimes praticados após a diplomação: o parlamentar poderá ser processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto durar o mandato, sem necessidade de qualquer autorização, porém, a pedido de partido político com representação na Casa Legislativa respectiva, esta poderá sustar o andamento da ação penal pelo ostensivo e nominal da maioria absoluta de seus membros. A suspensão da ação penal persistirá enquanto durar o mandato, e acarretará, igualmente, a suspensão da prescrição. (MORAES, 2003, p. 407). (grifo do autor).

A diplomação consiste no início do vinculum iuris[13] que é estabelecido entre os eleitores e os parlamentares, equivalendo ao título de nomeação para o agente público e somente poderá incidir a imunidade formal apenas em relação ao processo nos crimes praticados após sua ocorrência. Assim a imunidade formal processual não impede, sob a égide da EC nº 35/2001, o oferecimento da denúncia e seu recebimento pelo Supremo tribunal Federal. Inicia-se o procedimento para aplicação da imunidade formal com o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo STF, que dará ciência à respectiva Casa Legislativa para a análise de eventual sustação do andamento da ação penal. (MORAES, 2003, p. 408).

Para compreendermos melhor o procedimento da sustação do andamento da ação penal, esta (sustação) dependerá dos seguintes requisitos de acordo com MORAES, in verbis:

Momento da prática do crime: independentemente da natureza da infração penal, somente haverá incidência da imunidade formal em relação ao processo quando tiver sido praticada pelos congressistas após a diplomação;

Termos para sustação do processo criminal: somente poderá ser iniciado o procedimento pela Casa Legislativa respectiva, se houver ação penal em andamento, ou seja, após o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; persistindo essa possibilidade até a decisão final ou até o término do mandato, quando, então, cessarão todas as imunidades;

Provocação de partido político com representação da própria Casa Legislativa: importante ressaltar que não será a ciência do STF à Casa Legislativa respectiva, informando do início da ação penal contra parlamentar por crime praticado após a diplomação, que iniciará o procedimento para análise da sustação do processo criminal. Haverá necessidade de provocação de partido político com representação da Casa respectiva.

Prazo para análise do pedido de sustação: a Casa Legislativa terá 45 (quarenta e cinco) dias do recebimento do pedido de sustação pela Mesa Diretora, para votar o assunto, sendo improrrogável esse prazo;

Quórum qualificado para a sustação do processo: o § 3º, do art. 53, exige ‘voto da maioria de seus membros’, ou seja, para que a Casa Legislativa suspenda o andamento da ação penal contra parlamentar por crime praticado após a diplomação, deverá obter a maioria absoluta dos votos, que deverão ser ostensivos e nominais. (2003, p. 409). (grifos nossos).

Percebe-se do que foi exposto linhas atrás que a imunidade formal possui extensão temporal limitada, protegendo os parlamentares somente durante o exercício atual e efetivo do mandato.

Na hipótese de o parlamentar praticar o crime em concurso de agentes, o processo deverá ser desmembrado, enviando-se os autos à Justiça comum, para que se prossiga no processo e julgamento dos co-agentes não parlamentar, enquanto que a prescrição estará suspensa para o parlamentar nos termos do art. 53, § 5º da CF/88. (MORAES, 2003, p. 410).

Para GOMES, antes da EC nº 35/2001, a imunidade processual dos parlamentares processava-se da seguinte maneira, in verbis:

Nos termos do art. 53, § 1º, in fine[14], da CF, antes da EC 35/01, a imunidade processual consistia na impossibilidade de o parlamentar, desde a expedição do diploma, ser processado criminalmente sem prévia licença da sua Casa. O processo não tinha prosseguimento sem a intervenção (positiva) do Parlamento. Adotava-se a improcessabilidade, sem prévia licença da Casa. (2002, p. 100).

Depois da EC nº 35/2001, a estrutura jurídica da imunidade processual parlamentar passou-se a processar da seguinte forma:

... recebida a denúncia contra senador ou deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (GOMES, 2002, p. 100).

Este renomado mestre processualista entende ainda que não se fala mais na prerrogativa da improcessabilidade do parlamentar, senão agora na possibilidade de sustação do processo criminal já em andamento, devendo-se falar em suspensão parlamentar do processo; não existe, portanto, suspensão parlamentar de investigação criminal, ou melhor, não pode o parlamento suspender nenhum tipo de investigação, pois se trata agora de processo em curso. Observa-se que até mesmo antes da EC nº 35/2001 a imunidade processual já não impedia a investigação nem tampouco o oferecimento da denúncia, levando-se em conta a licença era apenas condição de prosseguibilidade e não de procedibilidade da ação penal. (2002, p. 101-102).

Quanto à possibilidade de sustação do processo, GOMES enfatiza com muita propriedade que qualquer partido político (não o próprio parlamentar) nela representado pode tomar a iniciativa de provocar a deliberação sobre a sustação, não podendo nenhum outro Poder interferir nessa decisão, que é própria do Legislativo. Como regra geral, o correto é não sobrestar a ação penal fazendo preponderar os interesses da Justiça, qual seja, a persecução e punição de quem viola a norma penal. Vale salientar que é apenas a decisão da Casa Legislativa, quando esta for positiva, que suspende efetivamente o processo, gerando deste ato deliberativo dois efeitos: um formal, que é a suspensão do processo, e outro material (penal), que é a suspensão da contagem do prazo prescricional, enquanto durar o mandato parlamentar, o que confirma a natureza funcional do instituto. GOMES ressalta ainda que após a suspensão nenhum ato processual pode mais ser praticado, ressalvadas aquelas provas de caráter urgente, como p.e., no caso do art. 225 do CPP, pois o Judiciário, no exercício da Administração da Justiça, não pode ficar impedido de concretizar atos considerados urgentes. E em razão da natureza institucional e funcional da imunidade processual, o parlamentar nem pode renunciar a ela nem tampouco pode exigi-la, cabendo a cada Casa Legislativa, com exclusividade, deliberar sobre seu deferimento ou não. (2002, p. 103-105).

Por tudo que foi exposto neste capítulo, percebemos que, após o cancelamento da Súmula 394 pelo STF e posteriormente com o advento da EC nº 35/2001, não mais se justifica os parlamentares serem processados e julgados pelo STF após o término do mandato eletivo, pois não poderá gozar, o ex-parlamentar, de foro por prerrogativa de função. Nesta ocasião, deve-se agora aplicar a primeira parte da máxima aristotélica que diz “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”, pois o ex-parlamentar deve agora ser processado e julgado no Juízo natural por princípio de segurança e justiça norteador de um Estado Social e Democrático de Direito.


III – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA LEI Nº 10.628/2002.

3.1. A nova redação do art. 84 do Código de Processo Penal.

Antes de adentrarmos na matéria propriamente dita, convém elencar a nova redação do art. 84 do CPP e seus parágrafos acrescentados pela Lei nº 10.628 de 24 de dezembro de 2002, que reza in verbis:

Art. 1º. O art. 84 do Decreto-Lei nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1º. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§ 2º. A ação de improbidade, de que trata a Lei nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º. (grifo nosso).

De antemão, percebe-se que o legislador, talvez propositadamente, estendeu por meio de uma Lei Ordinária matéria que seria de competência da Constituição Federal, e mais ainda, acrescentando no CPP um instituto de caráter eminentemente civil e não penal.

3.2. O controle de constitucionalidade no Brasil.

No Brasil, o controle de constitucionalidade é exercido por duas formas, a saber: o controle preventivo e o repressivo. O primeiro é exercido pelos poderes Executivo e Legislativo com o fim de não permitir que uma norma inconstitucional passe a viger com eficácia no ordenamento jurídico. O segundo controle, o repressivo, é aquele exercido pelo poder Judiciário retirando do ordenamento jurídico leis ou atos normativos que são contrários à Constituição.

Pelo controle preventivo, o Congresso Nacional, por meio de suas Comissões de Constituição e Justiça, tem a função precípua de analisar a compatibilidade de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional apresentados com o texto da Constituição Federal, conforme dispõe o art. 58 da CF/88. Ainda por este controle, o chefe do executivo poderá vetar projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional por entendê-lo inconstitucional, nos termos do art. 66, parágrafo 1º da CF/88, de acordo com MORAES (2003, p. 584).

O controle repressivo exercido pelo Judiciário divide-se em dois sistemas: a) o reservado ou concentrado (via de ação), e b) o difuso ou aberto (via de exceção ou defesa). Porém, há exceções no texto da CF/88, quando prevê que o próprio Poder Legislativo poderá exercer o controle repressivo de constitucionalidade, retirando normas editadas com plena vigência e eficácia do ordenamento jurídico, pelos quais deixarão de produzir seus efeitos por apresentarem vícios de inconstitucionalidade. São as hipóteses do art. 49, V, da CF/88 pelo o qual o Congresso Nacional poderá sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, e a hipótese do art. 62 da CF/88 que trata das mediadas provisórias, conforme MORAES (2003, p. 585).

O Professor William Douglas ressalta sobre a inconstitucionalidade material de texto de lei ou ato normativo, que se caracteriza quando o seu conteúdo, no todo ou em parte, contraria dispositivo constitucional sobre o mesmo tema, tratando-se de vício insanável, não havendo como convalescer sem o extermínio do texto conflitante com a Lei maior. (2002, p. 49).

Bem acertadamente ensina o ilustre Clèmerson Merlin Clève que dispõe, in verbis que:

Pode ocorrer inconstitucionalidade material quando a norma, embora disciplinando matéria deixada pelo constituinte à ‘liberdade de conformação do legislador’, tenha sido editada ‘não para realizar os concretos fins constitucionais, mas sim para prosseguir outros, diferentes ou mesmo de sinal contrário àqueles’, ou, tendo sido editada para realizar finalidades apontadas na Constituição, ofende a normativa constitucional por fazê-lo de modo inapropriado, desnecessário, desproporcional, ou em síntese de modo não razoável. Trata-se, no primeiro caso, da hipótese tratada como desvio ou excesso de poder legislativo; no segundo, manifesta-se ofensa ao princípio da razoabilidade dos atos do Poder Público, e aqui, do Poder Legislativo. (Apud MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 50). (grifos nossos).

Entende o Promotor de Justiça Danny Sales Silva que, quanto à inconstitucionalidade material, dentro da atividade legiferante de elaboração de leis ordinárias, deve prevalecer in verbis:

uma relação de estrita compatibilidade vertical, entre esta e a Constituição vigente. Isto porque, o desencontro e a contradição da vontade constitucionalmente estabelecida e da inteligência da lei ordinária, eiva de inconstitucionalidade material a nova lei, desde que se apure que o conteúdo de tal norma não se ajusta aos preceitos da constituição. Assim, os instrumentos normativos que forem incompatíveis com a Constituição perdem sua validade, manifestando-se então o princípio de eficácia constitucional que domina toda a estrutura normativa do País. (on line). (grifo nosso).

Existe também a hipótese de inconstitucionalidade formal que se caracteriza pela incompatibilidade entre a forma de tramitação (ou a competência para iniciativa legislativa) de um projeto de lei com o que determina o processo legislativo constitucional. (MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 50).

3.3. Do controle difuso ou aberto (exceção ou defesa).

O Professor Alexandre de Moraes (2003, p. 587) dispõe que esta espécie de controle é caracterizada “pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal”. (grifo nosso). Continuando, dispõe ainda que:

Na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato, produzidos em desacordo com a Lei maior. Entretanto, este ato ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros. (2003, p. 587). (grifos nossos).

Para o inesquecível mestre Rui Barbosa, este controle existe desde a Constituição de 1891, e caracteriza-se principalmente pelo fato de ser exercitável perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário, devendo este, quando posto um litígio em juízo, solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade de lei ou ato normativo, sendo a declaração de inconstitucionalidade necessária para solução do caso concreto, não sendo, portanto, objeto principal da ação. (Apud MORAES, 2003, p. 589).

O art. 97 da CF/88 reza sobre a cláusula de reserva de plenário dispondo que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”, sob pena de absoluta nulidade da decisão. Nos dizeres do Professor e jurista William Douglas, esta exigência visa garantir uma maior segurança no ordenamento jurídico pátrio, realçando o princípio da presunção de legitimidade das leis. (2002, p. 189).

MORAES assevera que a Primeira Turma do STF entende, excepcionalmente, dispensável a regra do art. 97 da CF/88, desde que presentes dois requisitos:

  1. existência anterior de pronunciamento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal;
  2. existência, no âmbito do tribunal a quo[15], e em relação àquele mesmo ato do Poder Público, de uma decisão plenária que haja apreciado a controvérsia constitucional, ainda que desse pronunciamento não tenha resultado o formal reconhecimento da inconstitucionalidade da regra estatal questionada. (Apud MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 187).

É exatamente neste sentido que a jurisprudência do STF entende dispensável tal exigência, in verbis:

Uma vez já declarada a inconstitucionalidade de determinada norma legal pelo Órgão Especial ou pelo Plenário do Tribunal, ficam as Turmas ou Câmaras da Corte autorizadas a aplicar o precedente aos casos futuros sem que haja a necessidade de nova remessa àqueles órgãos, porquanto já preenchida a exigência contida no art. 97 da CF (RE 227018/RS). (Apud MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 190).

Assim, aqueles órgãos fracionários dos tribunais, tais como as Turmas e Câmaras, estão impedidos de declarar a inconstitucionalidade das leis, ressalvada a hipótese de já haver precedente daquele Tribunal ou do próprio STF no que se refere à matéria submetida a exame. Ressalta-se que a cláusula de reserva de plenário atinge apenas os órgãos colegiados do Poder Judiciário. Dessa forma, o juiz monocrático, ainda que independentemente de provocação das partes envolvidas, tem competência para conhecer e declarar a inconstitucionalidade incidental da norma jurídica objeto da pretensão do autor ou do réu. (MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 188).

O papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade é, nos termos do art. 52, X, da CF/88, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, na hipótese de julgamento do caso concreto, após a comunicação do Presidente do Tribunal àquela respectiva Casa Legislativa, ou representação do Procurador-Geral da República, nos termos do Regimento Interno do Senado Federal. Resumindo tal matéria, MORAES dispõe que “a declaração de inconstitucionalidade é do Supremo, mas a suspensão é função do Senado”. Considerando ainda que sem esta declaração, o Senado não poderá deliberar, pois não lhe cabe suspender execução de lei ou decreto não declarado ainda como inconstitucional. Porém, após a edição da resolução pelo Senado Federal suspendendo no todo ou em parte lei declarada incidentalmente inconstitucional pelo STF, a sua competência constitucional terá se exaurido, não cabendo retratação. (2003, p. 592).

Existem dois efeitos jurídicos resultantes da declaração de inconstitucionalidade, a saber in verbis:

  1. Entre as partes do processo (ex tunc): declarada incidentemente a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas [...], porém, tais efeitos ex tunc (retroativos) somente tem aplicação para as partes e no processo em que houve a citada declaração.
  2. Para os demais (ex nunc): a Constituição Federal previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal federal (CF, art. 52, X). Assim, ocorrendo essa declaração, conforme já visto, o Senado Federal poderá editar uma resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, que terá efeitos erga omnes[16], porém, ex nunc, ou seja, a partir da publicação da citada resolução senatorial. (MORAES, 2003, p. 593). (grifos nossos).

Desta feita, percebe-se que é perfeitamente cabível o controle difuso de constitucionalidade quando do envolvimento de ex-parlamentares em crimes face à malfadada Lei nº 10.628/02, porquanto estes não mais são detentores do foro especial por prerrogativa de função. Autorizado está o juiz monocrático declarar ex officio17 a inconstitucionalidade como fundamento de sua decisão.

3.4. Do controle concentrado ou via de ação direta.

Na lição de Hans Kelsen, precursor do controle de constitucionalidade, justificou-se a escolha de um único órgão para exercer o controle de constitucionalidade, concluindo-se que:

Se o controle de constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito. (Apud MORAES, 2003, p. 605). (grifo nosso).

No Brasil, esta espécie de controle surgiu por intermédio da Emenda Constitucional nº 16/1965, a qual atribuía ao STF competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. O objeto principal da ação é a obtenção de declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, objetivando por fim a segurança das relações jurídicas, visto que não se pode basear em normas tipicamente inconstitucionais. (MORAES, 2003, p. 606).

Atualmente, com a CF/88, são competentes para propor a ação direta de inconstitucionalidade os seguintes legitimados, in verbis:

Art. 103. Podem propor ação de inconstitucionalidade:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa de Assembléia Legislativa;

V – o Governador de Estado;

VI – o Procurador-Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

O STF, como guardião da Constituição, é o destinatário da ação direta de inconstitucionalidade competindo-lhe processar e julgar, originariamente, tal espécie de ação na hipótese de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital, editados posteriormente à CF/88 e que ainda estejam em plena vigência. Conforme salienta MORAES, o objeto principal desta ação é a declaração de inconstitucionalidade, e diferencia do controle difuso. (2003, p. 607).

Todas as espécies de leis previstas no art. 59 da CF/88 estão sujeitas ao controle concentrado de constitucionalidade, sendo, portanto, perfeitamente possível a análise da constitucionalidade de uma emenda constitucional, de forma a verificar se o legislador, exercendo a sua função de constituinte derivado ou reformador, respeitou todos os limites fixados no art. 60 da CF/88 para alteração constitucional. Vale ressaltar aqui que o sistema constitucional brasileiro não adotou a teoria alemã, que consagra a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais positivadas por serem incompatíveis com os princípios constitucionais não escritos e os postulados da justiça. Assim, não há no Brasil a possibilidade de declaração de normas constitucionais originárias como sendo inconstitucionais. (MORAES, 2003, p. 610).

Outra questão que merece ser ventilada é a de que não é possível o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo editado anteriormente à CF/88. Tal matéria será resolvida pelo fenômeno da recepção onde a norma anterior se for compatível com a nova constituição será por ela recepcionada, ou do contrário será revogada, de acordo com MORAES. (2003, p. 612).

O Ministro Paulo Brossard resume a matéria dispondo in verbis que:

É por esta singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível, e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham. (Apud MORAES, 2003, p. 612). (grifo nosso).

Os tratados internacionais, após ratificados pelo Congresso Nacional e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, são tratados como norma infraconstitucional para efeitos de controle de constitucionalidade. Bem acentua CANOTILHO que, ao analisar a questão, dispõe que “as normas de direito internacional público vigoram na ordem interna com a mesma relevância das normas de direito interno, desde logo quanto à subordinação à Constituição – sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da constituição ou os seus princípios”. (Apud MORAES, p. 613). (grifo do autor).

A jurisprudência do STF tem admitido a ação direta de inconstitucionalidade quando o objeto da ação tratar-se de decreto autônomo, dispondo que “não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a constituição exige”. (Apud MORAES, 2003, p. 614).

Outra questão de extrema relevância diz respeito à pertinência temática para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Exige o STF tal pressuposto como requisito objetivo da relação de pertinência entre a defesa do interesse específico do legitimado e o objeto da própria ação. Para o Juiz Federal William Douglas, os legitimados ativos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade previstos no art. 103 da CF/88 dividem-se em duas espécies, a saber: a) os legitimados universais, que se caracterizam por possuir interesse em preservar a supremacia da Constituição em razão de sua própria natureza jurídica, são eles: o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil; b) e os legitimados especiais, que devem demonstrar a relação de interesse entre o objeto da ação direta proposta e a classe profissional, social, econômica ou política que representam. São eles: o Governador de Estado, a Mesa de Assembléia Legislativa e Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. (MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 85-86).

A jurisprudência do STF tem entendido pela inépcia da inicial quando esta ataca um dispositivo específico, porém não determinam expressamente qual ou quais os artigos da Constituição foram violados. (MOTTA; DOUGLAS, p. 87).

Assevera MORAES que a finalidade principal da ação direta de inconstitucionalidade reside apenas em retirar do ordenamento jurídico leis ou atos normativos incompatíveis com a Constituição. Nesta hipótese, funciona o STF como legislador negativo e nunca de legislador positivo. Desta forma, a ação não poderá ir além de seus fins de exclusão de atos incompatíveis com o texto constitucional. Recorde-se que em face do princípio da indisponibilidade o autor da ação não poderá desistir do pedido interposto. (2003, p. 618).

O papel do Advogado-Geral da União, na ação direta de inconstitucionalidade, é a defesa da norma legal ou ato normativo impugnado, pois atua como curador especial da presunção da constitucionalidade das leis e atos normativos, tendo como função eminentemente defensiva. Apenas excepcionalmente, o STF admite a possibilidade de o Advogado-Geral deixar de exercer tal função constitucional quando houver precedente da Corte pela inconstitucionalidade da matéria impugnada, de acordo com MORAES (2003, p. 620).

Da leitura da Lei nº 9.868/99, que trata do procedimento da ação direta de inconstitucionalidade genérica, pode-se inferir as seguintes conclusões e inovações, conforme o entendimento de MORAES:

  1. a admissão da figura do amicus curiae18, instituto oriundo do Direito norte-americano, em que o relator em face da relevância da matéria, admite a manifestação de outros órgãos ou entidades, cuja função é juntar aos autos parecer ou informações com o intuito de trazer importantes considerações a respeito da matéria de direito a ser discutida pelo Tribunal, não sendo, portanto, admissível quando já iniciado ou em curso o julgamento;
  2. o STF não ficará condicionado ao pedido do autor senão à causa de pedir, isto é, analisará a constitucionalidade dos dispositivos apontados, porém poderá declará-los inconstitucionais por fundamentação jurídica diversa daquela expedida na inicial; havendo pedido de medida cautelar, e entendendo o relator existir relevância da matéria e especial significado para a ordem social e segurança jurídica, poderá, no prazo de 5 dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que optará entre somente julgar o pedido de medida cautelar ou julgar definitivamente a ação; concedida a medida cautelar, torna-se aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário;
  3. para o julgamento da ação, é exigido a manifestação de no mínimo 6 Ministros (maioria absoluta), em obediência ao art. 97 da CF/88, e bem assim ao art. 23 da referida lei. (2003, p. 622-624).

Ainda em sede de procedimento da Lei nº 9.868/99, convém falarmos sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado. Há, na doutrina e jurisprudência, divergências de opiniões a respeito do tema em análise. O Ministro Moreira Alves entende in verbis que:

entre nós, como se adota o sistema misto de controle judiciário de inconstitucionalidade, se esta for declarada, no caso concreto, pelo Supremo Tribunal Federal, sua eficácia se limita às partes da lide, podendo o Senado Federal apenas suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art. 52, X da Constituição). Já, em se tratando de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por meio de ação direta de inconstitucionalidade, a eficácia dessa decisão é erga omnes e ocorre, refletindo-se sobre o passado, com o trânsito em julgado do aresto desta Corte. (Apud MORAES, 2003, p. 625). (grifos nossos).

Inobstante  este entendimento, o art. 27 da Lei nº 9.868/99 inovou no sentido de se permitir ao STF a limitação de tais efeitos em sede de ação direta, dispondo in verbis que:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (grifos nossos).

O jurista William Douglas dispõe que não é tradição constitucional restringir-se os efeitos da decisão de mérito do STF em sede de controle de constitucionalidade, que sempre consagrou a idéia de que lei inconstitucional é eivada de nulidade absoluta ipso jure19. (MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 98).

Alguns autores entendem de maneira diversa, dispondo que as decisões de mérito que reconhecem a inconstitucionalidade de normas devem reconhecer que tais atos produziram alguma eficácia, merecendo, portanto, uma anulabilidade retroativa ou ultrativa, conforme o caso. Este é o entendimento de Carlos Roberto Siqueira Castro, que dispõe ainda in verbis, que:

A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure prudencialmente até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundando nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo. [...] A partir daí deve o Tribunal ‘razoavelmente’ estabelecer os efeitos da decisão, sempre ponderando interesses jurídicos e sociais. (Apud MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 98).

Assim, da leitura do parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/99, pode-se inferir, conforme MORAES, que, uma vez proferida a decisão pelo STF, haverá uma vinculação obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, que deverão balizar-se na interpretação constitucional dada pela Suprema Corte, inclusive afastando-se a possibilidade de controle difuso por parte dos demais órgãos do Judiciário. E ainda acrescenta este renomado autor que “os efeitos vinculantes aplicam-se inclusive ao legislador, que não poderá editar nova norma com preceitos idênticos aos declarados inconstitucionais”. (2003, p. 627).

Vale salientar que o próprio STF já se pronunciou pela constitucionalidade do art. 28 da referida lei, que prevê os efeitos vinculantes das ações diretas de inconstitucionalidade, ao julgar a Reclamação nº 1.880/SP em 06 de novembro de 2003, tendo como relator o Ministro Maurício Corrêa, acabando-se, desta forma, a celeuma que havia em torno deste artigo. (Apud MORAES, 2003, p. 628).

Por fim, dispõe o art. 102, I, alínea l, da CF/88 que compete ao STF processar e julgar, originariamente, “a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Era cediço na jurisprudência do STF a admissibilidade deste instituto jurídico, desde que ajuizada por um dos co-legitimados para a propositura da própria ação direta de inconstitucionalidade, e desde que tivesse o mesmo objeto. (MORAES, 2003, p. 628). É o que se percebe da análise do seguinte julgamento, in verbis:

O eventual descumprimento, por juízes ou tribunais, de decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, especialmente quando proferidas com efeito vinculante (CF, art. 102, § 2º), ainda que em sede de medida cautelar, torna legítima a utilização do instrumento constitucional da reclamação, cuja específica função processual – além de impedir a usurpação da competência da Corte Suprema – também consiste em fazer prevalecer e em resguardar a integridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios. (STF – Pleno – ARR nº 1.723-1/CE – Rel. Min. Celso Mello – Diário da Justiça, SeçãoI, 6 abr. 2001, p. 71). (Apud MORAES, 2003, p. 628). (grifo nosso).

Com a superveniência da Lei nº 9.868/99, houve ampliação da legitimidade para ajuizamento de reclamações, em havendo desrespeito por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário pela não observância das decisões proferidas pelo STF. Este posicionamento já foi consagrado pela Suprema Corte ao decidir in verbis que:

todos aqueles que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pelo STF no julgamento de mérito proferido em ação direta de inconstitucionalidade sejam considerados parte legítima para a propositura de reclamação. (Apud MORAES, 2003, p. 629).

Ao analisarmos toda essa estrutura do controle de constitucionalidade, resta-nos agora falar sobre a malfadada Lei nº 10.628/02 que causou, e vem causando, uma grande celeuma jurídica entre os operadores do direito em todo o país. A seguir, demonstraremos as diversas teses de inconstitucionalidade defendidas por diversos juristas de renome.

3.5. Da inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02.

A referida lei foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro em 24 de dezembro de 2002 quando a atenção do povo estava voltada para as festividades de fim de ano, havendo flagrante violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade, causando, portanto, um impacto negativo por parte dos parlamentares que detém o poder-dever de editar e observar os princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito. Assim, vejamos a polêmica que esta lei, há um ano em vigor, vem causando na prática forense.

3.5.1. Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 do CPP.

Dispõe o § 1º do art. 84 do CPP, in verbis que:

Art. 84.

[...]

§ 1º. A competência por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública;

[...]

Na tradicional classificação do mestre Hely Lopes Meirelles, os agentes públicos podem ser: políticos, administrativos, honoríficos delegados e credenciados. Para fins deste estudo, interessa-nos apenas o primeiro. Agentes políticos são, portanto,

titulares de cargo localizados na cúpula governamental, investidos por eleição, nomeação ou designação, para o exercício de funções descritas na Constituição. São políticos eleitos pelo voto popular, ministros de Estado, juízes e promotores de justiça, membros dos Tribunais de Contas e representantes diplomáticos. (Apud ROSA, 2002, p. 47).

É de se observar que os parlamentares, como agentes políticos que são, também praticam atos administrativos, mesmo sendo em menor escala.

O Professor Damásio E. de Jesus entende que com relação ao caput do novo art. 84 do CPP nada houve de errado, pois o que se teve foi apenas uma atualização, porquanto o texto se encontrava desatualizado. A expressão “Tribunais de Apelação” foi substituída por “Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal”, e acrescentou-se também a expressão “Superior Tribunal de Justiça” como sendo também competente para o processo e julgamento nos casos de foro por prerrogativa de função. (on line).

Este autor limitou-se a dizer simplesmente que à luz da CF/88 os §§ 1º e 2º da referida lei “afigura-se inconstitucional a outorga de foro especial a ex-ocupantes de cargo ou função pública. Violam-se o regime democrático e o princípio da igualdade, pois com a cessação do exercício funcional o agente se equipara ao cidadão comum”, e ainda consignou que a competência constitucional dos tribunais superiores merece interpretação restritiva, não se permitindo ser ampliada por via de lei ordinária, de acordo com o entendimento do STF. (on line).

O Promotor de Justiça e Mestre Renato Flávio Marcão relembra que o instituto do foro especial após a cessação do exercício da função pública já havia sido pacificado pelo STF quando cancelou a Súmula 394, ficando soberanamente resolvida a questão. (on line).

Bem observa Dalmo de Abreu Dallari quando se referiu ao Projeto de Lei nº 6.295/02 que resultou na edição da Lei nº 10.628/02 advertindo que “embora seja escandalosamente inconstitucional, esse projeto foi estranhamente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, onde se supõe que haja conhecedores da Constituição”. (Apud MARCÃO, on line).

Para MARCÃO, a inconstitucionalidade decorre da violação do art. 5º, caput, da CF/88 que dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ...”, e a ampliação decorrente do disposto no § 1º do art. 84 do CPP cria aos ex-exercentes de funções públicas tratamento diferenciado em relação aos demais cidadãos, cumprindo-se ressaltar que as razões justificadoras que legitimam o foro especial por prerrogativa de função são para aqueles que estão no exercício de determinadas funções públicas. (on line).

No mesmo sentido é a lição do Professor Luiz Flávio Gomes dispondo in verbis que:

esse foro especial só tem sentido, portanto, enquanto o autor do crime está no exercício da função pública. Cessado tal exercício (não importa o motivo: fim do mandato, perda do cargo, exoneração, renúncia etc.), perde todo o sentido o foro funcional, que se transformaria (em caso contrário) em odioso privilégio pessoal, que não condiz com a vida republicana ou com o Estado Democrático de Direito. (Apud MARCÃO, on line).

Corroborando com o que já fora dito, e sendo a competência dos Tribunais Superiores delimitada no próprio texto constitucional, não poderá uma norma infraconstitucional ampliar tal rol, em razão inclusive dos princípios da hierarquia e da verticalidade das normas. Frise-se que o texto, sendo taxativo, não menciona qualquer possibilidade de processar e julgar ex-políticos. (MARCÃO, on line).

Quanto à possibilidade do controle difuso de constitucionalidade, MARCÃO não concorda com o que vem sendo sustentado por alguns autores de que

não cabe ao juízo monocrático a decisão de reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos legais precitados, nos processos instaurados antes da edição da Lei e ainda em andamento na Primeira Instância, tendo em vista que o novo regramento estabelece normas atinentes à competência originária. (on line).

Continuando em seu raciocínio, dispõe que a regra do art. 97 da CF/88 não obsta o exercício do controle difuso de constitucionalidade, exercitável diante do caso concreto e com efeitos inter parts20, uma vez que é dirigida aos “Tribunais” fixando em seu texto o que se convencionou na doutrina como cláusula de reserva de plenário, sem afetar em qualquer hipótese a competência do juízo monocrático, mesmo em se tratando de matéria referente à competência originária. E encerra dizendo que “caberá ao juízo monocrático, entretanto, pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade aventada, no momento oportuno e na forma adequada, primando pelo controle difuso, sem supressão de instância”. (on line).

Bem observou o Advogado Fernando Montalvão quando disse que “a intenção do legislador ordinário com a Lei nº 10.628 foi apenas obstaculizar a punição dos corruptos dada a precariedade da suposta independência do Judiciário, limitada financeiramente pelo Executivo”. Para o mesmo autor, há no respectivo parágrafo uma grande preocupação no que se refere à impossibilidade de os tribunais, em face de sua estrutura, apreciar tantos feitos que tramitam contra gestores públicos, e agora ainda, contra também os ex-gestores. (on line).

Ainda para este Douto Advogado, a Lei nº 10.628/02 pecou nos seguintes aspectos, in verbis:

  1. quem fixa a competência dos Tribunais em razão da prerrogativa de função, é a norma constitucional, pelo que somente por Emenda Constitucional haver modificações, vedada qualquer alteração por lei ordinária;
  2. a ação de improbidade administrativa é de natureza cível, não podendo ser tratada em lei de natureza processual-penal;
  3. a constituição somente fala em Presidente, Vice, Governador, Prefeitos e etc..., não tratando em nenhum momento em ex-Presidente, Governador e etc..., e nem poderia por não haver no direito pátrio o cargo de ex-Presidente, ex-Governador, ex-Prefeito e etc... Há persistir um mínimo de dignidade, haveria de se declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º da Lei nº. 10.628, datada de 24.12.2002. Esta lei é perniciosa ao interesse público, limita o exercício da cidadania e amplia os privilégios da elite política. (on line). (grifos nossos).

É por essa e outras razões que a CONAMP[21] interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade, sob o nº 2797-2, para retirar do ordenamento jurídico tal norma. Vejamos alguns trechos da inicial, in verbis:

Com esses dispositivos, o legislador ordinário arvorou-se em Poder Constituinte e acrescentou mais uma competência originária ao rol exaustivo de competências de cada tribunal, além de se arvorar, desastradamente, em intérprete maior da Constituição. Com efeito, é cediço que constitui tradição vetusta do ordenamento jurídico pátrio que a repartição da competência jurisdicional, máxime da competência originária para processo e julgamento de crimes comuns e de responsabilidade, é fixada na Constituição da República, de forma expressa e exaustiva, vedada qualquer interpretação extensiva. [...] Ora, definir é pôr limites e, se os limites da competência dos tribunais estão no texto constitucional, quer federal, quer estadual, não pode o legislador ordinário ultrapassá-los, acrescentando nova competência ao rol exaustivo posto na Constituição, como se poder constituinte fosse. [...] Não pode, pois, a lei ordinária, como o Código de Processo Penal, regular matéria que só pode ter sede constitucional. O que já se expôs é bastante para demonstrar a inconstitucionalidade de ambos os parágrafos, aqui questionados. Especificamente quanto ao § 1º, ora impugnado, o legislador ordinário se arvora em intérprete do texto constitucional, no que diz respeito à própria competência dos tribunais, inclusive dessa Suprema Corte, dando-lhe interpretação divergente daquela já firmada por esse Tribunal Maior, consubstanciada no cancelamento da Súmula 394 (...). Ora, se o intérprete maior da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, já decidiu, há quase um lustro, que o texto constitucional não contempla a hipótese de prorrogação do foro por prerrogativa de função, quando cessado o exercício desta, não pode o legislador ordinário editar norma de natureza constitucional, como se esta tivesse o condão de compelir a Suprema Corte a voltar à interpretação, já abandonada, de uma norma da Constituição. (ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA - OAB/DF 12.500). (Apud MOREIRA, on line). (grifos nossos).

Neste mesmo diapasão, o Ministério Público Federal emitiu parecer concluindo também pela inconstitucionalidade da respectiva lei, como se pode observar in verbis:

Contudo vislumbra-se sério obstáculo que redunda na inconstitucionalidade formal a macular a norma inserta no § 1.º do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 10.628/02, pois somente o próprio Supremo Tribunal Federal é que teria que adotar tal exegese da norma constitucional sobre sua própria competência originária e não o legislador ordinário. Há, assim, a nosso ver, violação do disposto no art. 2.º, da Constituição da República. [...] Assim, é que deve ser declarado inconstitucional o § 1.º do art. 84 do CPP, introduzido pela Lei n.º 10.628/02, bem como a expressão ‘observado o disposto no § 1.º’, constante do § 2.º, in fine, por violar o art. 2.º e o caput, do art. 102, da Constituição da República, na medida em que constituem afronta à exegese da norma constitucional (art. 102, I, b e c) adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao cancelar a Súmula 394 e expressamente estabelecer que a tese nela substanciada não se refletiu na Constituição de 1988. (Apud MOREIRA, on line). (grifos nossos).

Assegura a Promotora Rita Tourinho que sempre foi tradição do nosso ordenamento jurídico que “a repartição de competência originária para processo e julgamento de crimes comuns e de responsabilidade é expressa pela Constituição Federal, de forma exaustiva, vedada qualquer interpretação extensiva”. (on line).

Dispõe o Promotor de Justiça Danny Sales Silva que a Lei nº 10.628/02, desrespeitando a supremacia da CF/88 dentro do ordenamento jurídico, está eivada de uma flagrante inconstitucionalidade material, considerando que contraria a imposição implícita da Magna Carta, a qual prevê foro privilegiado apenas para os crimes de responsabilidade e delitos penais. (on line).

O bacharel Adelson Antônio Pinheiro dispõe com muita propriedade que o legislador, ao confeccionar uma lei, deve observar o princípio da igualdade, sem se desviar para diferenciações abusivas, podendo a lei ser passível de inconstitucionalidade, e para tanto requer a observância do princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Este autor estabelece que existem diferenças entre igualdade na lei e perante a lei. A igualdade na lei é aquela que é dirigida ao legislador que, no processo legislativo de elaboração de leis, não poderá incluir fatores discriminatórios que atentem contra a isonomia dos destinatários da norma. (on line).

É de grande valia a lição do Professor Alexandre de Moraes quando dispõe que:

a desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. (Apud PINHEIRO, on line). (grifos nossos).

Ainda dispõe PINHEIRO que o objetivo do § 1º do art. 84 do CPP foi o de beneficiar a pessoa do ex-agente do cargo e não o cargo propriamente dito. E se visa o benefício à pessoa, estar-se-á diante de privilégio, o que é diferente da prerrogativa que deve beneficiar o cargo, e quem deixa de exercer função pública passa a ser um cidadão comum, não podendo, portanto, ter tratamento diferenciado em relação aos demais cidadãos. Encerrando seu raciocínio, dispõe que a Lei nº 10.628/02 é materialmente e formalmente inconstitucional, nos seguintes termos:

  1. Ao estabelecer a ampliação do foro por prerrogativa de função, o legislador criou um privilégio, já que beneficia a pessoa e não o exercício da função pública, que deixa de existir;
  2. Houve violação ao princípio da igualdade, pois não há razoabilidade para a distinção entre os ex-ocupantes de função pública e os demais cidadãos;
  1. A competência dos Tribunais Superiores não poderia ser ampliada apenas por mera ampliação da previsão do art. 84, do Código de Processo Penal. (on line). (grifos nossos).

Ora, estando a CF/88 inserida no Estado Democrático de Direito em que o poder emana do povo, percebe-se, portanto, que a democracia e a justiça estão intrinsecamente ligados ao princípio da legalidade, onde, na lição do ilustre Professor José Afonso da Silva, dispõe in verbis que:

O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. [...] A lei é efetivamente o ato oficial de maior realce na vida política. (Apud GOMES, on line).

Assim, o respectivo parágrafo infringiu o princípio da razoabilidade e da isonomia, cuja aplicação trará malefícios à sociedade e jamais benefício, ferindo, sobretudo, o princípio de justiça social que norteia um país que se diz democrático.

3.5.2. Da inconstitucionalidade do § 2º do art. 84 do CPP.

Dispõe o § 2º do art. 84 do CPP, in verbis que:

Art. 84.

[...]

§ 2. A ação de improbidade, de que trata a Lei nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

Dispõe o art. 37, § 4º da CF/88 que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. (grifo nosso). É perfeitamente perceptível que as sanções decorrentes de atos de improbidade não se confundem com as de natureza penal, visto que o texto constitucional é de tamanha clareza.

Na doutrina e jurisprudência, não restam dúvidas de que a natureza jurídica do instituto da improbidade administrativa é de natureza civil, sendo regida pela Lei nº 8.429/92. Ainda que proposta contra pessoas que gozem de foro especial para efeitos penais, “deve ser processada e julgada em primeira instância, por não caber o deslocamento de foro para o Supremo Tribunal Federal sem expressa previsão constitucional”. (MARCÃO, on line).

Vejamos a posição do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar o Agravo de Instrumento de nº 313.238-511 pela 9ª Câmara, que, por unanimidade, entendeu pela inconstitucionalidade do respectivo parágrafo, tendo como relator o Desembargador Antônio Rulli, in verbis:

... a Lei Federal n. 10.628/2002 não encontra fundamento na Constituição Federal de 1988. O art. 37, § 4º, da Magna Carta trata da suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário, para os atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. A ação proposta tem natureza eminentemente civil, não obstando possa ser ajuizada a competente ação penal. Aliás, cumpre transcrever o comentário do mestre constitucionalista Alexandre de Morais ao art. 29, inciso X, da CF/88, na obra intitulada ‘Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional’: ‘... salientamos que a Constituição Federal prevê a competência originária do Tribunal de Justiça, salvo as exceções anteriormente analisadas, somente para o processo e julgamento das infrações penais comuns ajuizadas contra o Prefeito Municipal, não se admitindo ampliação interpretativa no sentido de considerar-se a existência de foro privilegiado para as ações populares, ações civis públicas e demais ações de natureza cível. Da mesma forma, inexiste foro privilegiado para o ajuizamento de ações por prática de atos de improbidade administrativa em face de prefeitos municipais, por ausência de previsão constitucional específica, devendo, portanto, ser ajuizadas perante a 1ª instância’. (Apud MARCÃO, on line). (grifos nossos).

MARCÃO externa sua indignação afirmando que o referido parágrafo “se trata, a bem da verdade, de um duro golpe contra os princípios republicanos de igualdade; fomento à criminalidade política, à corrupção, e é sabido que muitos têm se valido de prerrogativas asseguradas pelas funções para delinqüir impunemente”. (on line). A grande verdade é que esta medíocre lei permanece ainda em vigor, a quase um ano após sua edição. É como escreveu Jean-Jacques Rousseau, in verbis:

Enfim, quando o Estado, próximo de sua ruína, subsiste apenas por uma fórmula ilusória e vã, quando o liame social está rompido em todos os corações, quando o mais vil interesse se apossa afrontosamente do nome sagrado do bem público, então a vontade geral torna-se muda, todos, guiados por motivos secretos, não mais opinam como cidadãos, como se o Estado jamais tivesse existido, e são aprovados, falsamente sob o nome de leis, decretos iníquos que apenas visam o interesse particular. (Apud  MARCÃO, on line). (grifo nosso).

Ora, se a Constituição Federal faz distinção claramente da incidência da improbidade administrativa e do delito penal, se infere daí que não poderá o juiz, o intérprete nem tampouco o legislador confundi-los, e para a lei que não observou tais limites, a única saída será no reconhecimento de sua inconstitucionalidade. (MARCÃO, on line).

O Promotor de Justiça Rômulo de Andrade Moreira atenta para a impropriedade de o instituto da improbidade encontrar-se em um código de processo penal, pois, sendo de natureza civil, deveria ter sido posto em outro diploma e jamais no Código de Processo Penal. (on line).

Bem acentua a Professora Maria Sylvia di Pietro referindo-se à natureza jurídica da improbidade administrativa, dispondo in verbis que:

a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüência na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário. (Apud MOREIRA, on line). (grifos nossos).

Nesta mesma linha de raciocínio é a lição do Professor Luiz Flávio Gomes, ao se referir que “a competência por prerrogativa de função versa exclusivamente sobre atividades criminais, não se estendendo à investigação de natureza civil”. (Apud MOREIRA, on line).

Dessa forma, MOREIRA encerra sua tese dizendo que as ações penais, bem como as de improbidade administrativa, deverão ser aforadas na 1ª Instância ou nelas prosseguir, sempre que o agente não mais gozar de foro especial que lhe permitia ser processado e julgado pelo órgão superior. Caberá, portanto, ao juiz negar aplicação ao novo diploma legal, pois no sistema de controle de constitucionalidade das leis “a justiça transmuda-se em guarda da constituição, pois é um juiz quem verifica a correspondência do ato diante do texto básico da nação, criando-se assim um novo modelo de controle da constitucionalidade das leis por um órgão jurisdicional”. (on line).

Para SILVA, a CF/88 em seu art. 102, inciso I, alíneas b e c não se referiu em nenhum momento às ações de natureza civil, pois assim foi a intenção do constituinte originário. Não se estabeleceu, portanto, hipóteses de julgamento por atos de improbidade administrativa perante o STF. (on line). Neste mesmo sentido, é a lição de Jonas Sidnei Santiago quando se refere ao silêncio eloqüente do constituinte que

se quisessem tê-lo feito, quando da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, os Deputados e Senadores poderiam, mas não o quiseram, deixando as prerrogativas de função no Supremo Tribunal Federal apenas para os casos de crimes comuns e os crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/50). Nada mencionaram quanto aos ‘atos de improbidade administrativa’, que nasciam com contexto próprio, no artigo 37, § 4º, da mesma Constituição, e que, posteriormente, foram tratados, especificamente, na Lei nº 8.429/92. (Apud SILVA, on line). (grifos nossos).

Assim, dispõe SILVA que o legislador “incidiu em um vício de inconstitucionalidade formal objetiva, dada a invasão da lei ordinária sobre atribuição constitucional reservada exclusivamente às emendas constitucionais”. (on line). Encerra o autor com uma brilhante tese, reconhecendo in verbis que:

Seja, pela inconstitucionalidade formal e material da Lei 10.628/02, seja por todas as outras circunstâncias de caráter moral, não compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça ou outro Tribunal qualquer processar e julgar originariamente o ato de improbidade administrativa de qualquer que seja o agente público, o que não afasta o reexame da matéria pelos Tribunais competentes, dentro da atividade de apreciação da matéria recursal. (on line). (grifos nossos).

Por todos os cantos do país, e por tudo que foi posto neste trabalho, percebemos a indignidade daqueles que aplicam diuturnamente a justiça, valendo aqui transcrever a irresignação da Promotora de Justiça Rita Tourinho, nos seguintes termos:

Qualquer modificação legal que dificulte a apuração ou punição de atos de improbidade representa um retrocesso injustificável em um Estado Democrático de Direito, ou melhor, justificável apenas para uma elite cujo discurso em defesa da supremacia do interesse público não passa de palavras vazias que escondem objetivos egoísticos. (on line).

Ademais, por tudo que foi exposto e defendido neste trabalho e pelas correntes aqui apontadas, não há como reconhecer diferentemente pela não inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos no decorrer de nosso estudo que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os membros do Congresso Nacional nos crimes comuns. O rol do art. 102 da Constituição Federal é exaustivo e não comporta interpretação extensiva para alcançar ex-parlamentares. É perfeitamente legítimo que aquele enquanto detentor de cargo ou função pública deve gozar de foro especial por prerrogativa de função, pois o que se pretende tutelar é o cargo. Ora, se de fato admitirmos a possibilidade de se processar e julgar um ex-detentor do poder no órgão superior, estaremos diante de privilégio que visa beneficiar à pessoa e não o cargo.

Também vimos que o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, cancelou a Súmula nº 394 em 1999 por entender que na atual Carta Política não mais se justificaria a extensão do foro especial para aqueles crimes praticados após o término do mandato. Após o cancelamento da referida súmula, adveio a Emenda Constitucional nº 35/2001 que alterou o regime das imunidades parlamentares, principalmente quanto à imunidade formal processual o que garante ao parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso e a possibilidade de sustação do andamento da ação para os delitos praticados após a diplomação. Observe-se aqui que o processo já se encontra em curso, cabendo à respectiva Casa apenas opinar por sua suspensão.

Mas, enquanto tudo caminhava muito bem, o legislador ordinário, ao elaborar a Lei nº 10.628/02, inobservou diversos princípios que norteiam um Estado Democrático de Direito quais sejam: o princípio da razoabilidade e proporcionalidade e, principalmente, o da isonomia, tendo em vista que após o término do mandato o ex-parlamentar não mais goza de foro especial, sendo considerado, portanto, como qualquer do povo. Assim, deverá ser julgado no Foro Comum em observância à primeira parte da máxima aristotélica que diz “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”.

Além do mais, como a matéria do foro especial por prerrogativa de função é tratada em nível constitucional, apenas por meio de Emenda Constitucional é que seria possível alterar a questão do foro especial e jamais por intermédio de legislação infraconstitucional. No que diz respeito à ação de improbidade administrativa de que trata a respectiva lei, basta uma simples leitura do texto constitucional em seu parágrafo 4º do art. 37 para se inferir que o instituto é de natureza eminentemente cível. E é essa interpretação que entende boa parte da doutrina.

Quanto ao controle de constitucionalidade em face da Lei nº 10.628/02, a maioria da doutrina, para não falar a unanimidade, tende pela inconstitucionalidade tanto no aspecto formal quanto no material. É formalmente inconstitucional pois no trâmite do projeto de lei as Comissões de Constituição e Justiça não refutou a referida lei com os ditames da Constituição Federal. E é materialmente inconstitucional porque feriu gravemente princípios fundamentais como o da isonomia e o da razoabilidade.

Ainda em sede de controle de constitucionalidade, é possível exercer, no caso concreto, o controle difuso, também chamado de exceção ou defesa, que se caracteriza pela possibilidade de todo e qualquer juiz ou tribunal realizar a análise sobre a compatibilidade de uma lei em face da Constituição Federal. Quanto aos efeitos jurídicos nesta espécie de controle e após a manifestação do Supremo Tribunal em fase de recurso, terão eficácia entre as partes envolvidas e opera com efeito ex tunc. Já no controle concentrado ou via de ação direta, apenas a Suprema Corte é competente para processar e julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo sua decisão eficácia erga omnes e como regra geral o efeito ex tunc, já que a Lei nº 9.868/99, que trata do processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, possibilita ao Supremo conceder efeito ex nunc tendo como pressupostos razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

Por último, espera-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), ainda em tramitação no Supremo Tribunal Federal, seja julgada procedente para que o princípio da supremacia do interesse público seja preservado e não uma mera classe de privilegiados.


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Notas

[1] Número restrito, taxativo.

[2] Perpetuação da jurisdição.

[3] A partir de agora.

[4] O tempo rege o ato.

[5] Processo simultâneo.

[6] Antes do fato.

[7] O único tribunal competente para o juízo é aquele designado como tal pela lei vigente ao momento em que se comete o fato punível objeto do procedimento. (tradução nossa).

[8] Com a devida permissão.

[9] Número legal ou estatutário.

[10] Cabeça.

[11] Assim. Conforme está escrito.

[12] Devido processo legal.

[13] Vínculo de direito.

[14] No fim.

[15] Juiz ou Tribunal de onde se encaminha o processo.

[16] Contra todos.

[17] De ofício.

[1]8 Amigo do Juiz.

[19] De pleno direito.

[20] Entre as partes.

[21] Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.



Informações sobre o texto

MONOGRAFIA APRESENTADA AO NÚCLEO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DA FACULDADE DE DIREITO DE ANÁPOLIS COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM DIREITO, SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA ALINE SEABRA TOSCHI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Levi José da Silva. Parlamentares federais e foro por prerrogativa de função face à Lei n º 10.628/2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4104, 26 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29633. Acesso em: 5 maio 2024.