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Alienação fiduciária de duplicata e o risco para a empresa

Alienação fiduciária de duplicata e o risco para a empresa

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Um dos problemas que as empresas tem lidado é com a alienação de recebíveis, mais especificamente com a alienação fiduciária de duplicatas, que pode por em risco toda a operação da empresa e trazer consequências trágicas para toda a sociedade brasileira.

Um dos problemas que as empresas tem lidado é com a alienação de recebíveis, mais especificamente com a alienação fiduciária de duplicatas, que pode por em risco toda a operação da empresa e trazer consequências trágicas para toda a sociedade brasileira.

Isso porque, ante a necessidade de crédito e manter o capital de giro a empresa contrai empréstimos junto a instituições financeiras, dispondo de títulos de crédito como garantia para a operação creditícia. Ocorre que com a atual lógica produtiva e principalmente com a ação muitas vezes predatória de algumas instituições financeiras, o risco da operação de financiamento prejudicar o desenvolvimento da empresa, inclusive ocasionando sua quebra, é muito grande, prejudicando a economia e a sociedade como um todo.

Nesse sentido, o presente estudo busca tecer breves considerações acerca dessa problemática, apresentando o tema da alienação fiduciária de duplicata e demonstrando como a prática diária do sistema de alienação de recebíveis pode provocar danos sistêmicos a economia nacional.

Cumpre destacar, primeiramente, que a alienação fiduciária é um instituto jurídico cuja natureza é a garantia de uma operação de compra e venda constituída por meio da propriedade resolúvel de um bem.

Segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 

o negócio fiduciário em geral corresponde àquele segundo o qual uma das partes (fiduciário), havendo recebido de outra (fiduciante) a propriedade de um bem, assume a obrigação de dar-lhe determinada destinação, e, comumente, restituí-lo ao segundo depois de ter sido realizado o objeto proposto naquela convenção (g.n.). [1]

Já segundo Francisco Cláudio de Almeida Santos 

a alienação (dita fiduciária) em garantia, no direito brasileiro, é pois negócio jurídico típico, pelo qual o devedor, fiduciante, com escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, fiduciário, da propriedade resolúvel do bem móvel ou imóvel, tudo na conformidade das definições extraídas da legislação pertinente. [2]

Dessa maneira, é inerente ao instituto jurídico da alienação fiduciária de bem imóvel a transferência da propriedade, de modo que o fiduciante deixa de ser proprietário do bem alienado, exercendo tão somente sua posse direta.

Pode-se dizer que são características do negócio fiduciário: a) é um negócio jurídico típico; b) constitui direito de garantia real; c) sua essência está na transferência da propriedade resolúvel; d) pode ser concretizada em bem móvel ou imóvel; e e) apesar de previsão no Código Civil de 2002, seu regramento está espalhado na legislação extravagante.

Quanto ao seu registro legal, a alienação está prevista nos artigos 1.361 a 1.368-A do Código Civil, que traça normas gerais sobre o instituto, no Decreto-Lei nº 911/69, que trata acerca da alienação fiduciária de bem móvel, na Lei Federal nº 9.514/97, que trata da alienação fiduciária de bem imóvel, e em outras disposições esparsas.

Tendo em vista ser a duplicata um título de crédito, sua própria natureza é a de mobilidade, ou seja, é possível ser transportada para quaisquer locais sem perda substancial de seu conteúdo, forma ou valor. Portanto, considerando o escopo do presente estudo, passa-se tão somente a avaliar as características da alienação fiduciária de bens móveis.

Importante frisar que o bem precisa ser infungível, pois, de outro modo, a relação cairia na vala comum dos contratos sub-rogados por terceiro [3].

O contrato que constitui a alienação fiduciária deve ser registrado, nos termos do artigo 1.361, §1º, do Código Civil, no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor/fiduciante.

Já o artigo 1.362 trata dos requisitos de validade do contrato de alienação fiduciária de modo genérico. O contrato deve conter: 1) o total da dívida, ou sua estimativa; 2) o prazo, ou a época do pagamento; 3) a taxa de juros se houver; e 4) a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação. Esse é o mesmo teor do artigo 66 da 4.728/65, alterado pelo Decreto-Lei nº 911/69.

Se o fiduciante quitar todas as prestações, então a propriedade é resolvida, passando-a definitivamente para ele. No caso de inadimplência, a mora opera-se ex re, ou seja, não é necessária a interpelação judicial ou extrajudicial para a constituição em mora do fiduciante.

Nesse momento que a alienação de recebíveis ganha proporção. Especificamente sobre o tema, a empresa contrata algum financiamento bancário, geralmente constituído por meio de uma Cédula de Crédito Bancário, no qual é formada uma carteira de duplicatas alienadas fiduciariamente, no intuito de garantir a dívida. Desse modo, as duplicatas que constituem recebíveis da empresa saldam primeiro a dívida junto à instituição financeira e depois entram no caixa.

Fazendo uso dos recebíveis para garantir um contrato de financiamento aumenta-se o risco de desequilibrar a saúde financeira da empresa, pois parte da renda que normalmente entraria no caixa para então saldar os haveres é automaticamente direcionada para amortizar o empréstimo.

Utilizemos um exemplo: a empresa “A” realiza firma um empréstimo com o banco “B” no valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), parcelando em 24 parcelas mensais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), garantido pela alienação fiduciária de um ou mais duplicatas no valor total de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Se no mês de janeiro a empresa for receber R$ 10.000,00 (dez mil reais), metade desse valor já é direcionado para saldar o financiamento. Agora, se no mês de fevereiro os recebíveis forem de R$ 3.000,00 (três mil reais), o caixa da empresa começa altamente prejudicado, pois ao invés de deixar de quitar a parcela, mesmo incidindo em mora, e manter algum capital disponível, nada terá para o mês, devendo novamente contratar financiamento bancário.

Assim, no caso de inadimplência da empresa, o credor fiduciário torna-se proprietário dos títulos de crédito, ou seja, das duplicatas, o que pode levar a bancarrota do devedor fiduciante. Veja-se que o credor, no caso o banco, não detém os títulos, as tem o dever de vender o bem por meio de leilão judicial ou extrajudicial, nos termos do artigo 1.364, Código Civil. A função aqui do leilão é saldar todos os débitos, inclusive aqueles de cobrança da dívida. [4]

O que a prática tem demonstrado é que esses leilões não conseguem saldar o débito, que persiste e acaba sendo cobrado da empresa pela via judicial. Agrava-se essa questão quando se considera a possibilidade de arrematação desses títulos de crédito por valor muito inferior ao expresso na cártula.

Ocorre que a falência da empresa não traz consequências somente para os sócios. A instituição financeira e os demais credores da empresa sofrem o elevado risco de integral insolvência dos seus créditos, aumentando o custo para obtenção de financiamento. Os empregados, por sua vez, perdem sua principal fonte de renda, reduzindo seu consumo. Trata-se de um efeito sistêmico na economia, ou seja, um efeito dominó: quando cai a primeira peça todas as demais são derrubadas.

Portanto, tem-se um tema bastante controverso e complexo sobre a alienação de recebíveis. A alienação fiduciária e sua modalidade para títulos de crédito é de importância fundamental para as relações contemporâneas, ao ponto de não se imaginar as relações comerciais sem esse direito de garantia. Todavia, o mau uso dessa garantia ou a errônea avaliação dos riscos de alienação de recebíveis pode provocar um problema econômico de larga escala.

Referências:

[1] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa. Direito Comercial. V. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 62.

[2] SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida Santos. A regulamentação da alienação fiduciária de imóveis em garantia. DTR\1999\22, p. 6.

[3] TATURCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1090.

[4] TATURCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1091.


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