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Competência ratione loci e local da prisão em flagrante delito.

Validade jurídica à regra ou à exceção?

Competência ratione loci e local da prisão em flagrante delito. Validade jurídica à regra ou à exceção?

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Vislumbra-se a competência ratione loci como regra em relação a investigação criminal com subsequente ação penal e processo, ressaltando uma das exceções: o local da prisão em flagrante delito realizado em municípios ou comarcas diversas.

RESUMO: Este trabalho apresenta, em matéria processual penal, o problema que envolve a formalização do inquérito policial via portaria ou auto de prisão em flagrante delito, com as seguintes indagações: Será feito em que local? Contra quem? Por quem? Como? Nesse contexto, destaca como questionamento – a competência ratione loci e o local da prisão em flagrante delito: validade jurídica à regra ou à exceção? Para tanto, vislumbra a competência ratione loci, como regra em relação a investigação criminal com subsequente ação penal e processo, e, ainda ressalta uma das exceções, o local da prisão em flagrante delito realizado em municípios ou comarcas diversas, dentro dos critérios legais e seguindo orientação doutrinária e jurisprudencial.

Palavras chaves: Procedimento investigatório. Autoridade Policial. Lugar da infração penal. Local da prisão em flagrante delito. 

Sumário: 1.Introdução. 2. Procedimento Investigatório. 2.1. Inquérito Policial. 2.2. Auto de Prisão em Flagrante Delito. 2.3. Competência da Autoridade Policial. 3. Competência ratione loci. 4. Local da Prisão em Flagrante Delito. 


1 INTRODUÇÃO 

Este singelo artigo não tem o condão de se aprofundar sobre procedimento investigatório, competência e prisão em flagrante delito e suas hipóteses legais, mas servir de alerta nos trabalhos desenvolvidos em torno do tema, quanto a aplicação da legislação pertinente.

Uma vez que haja infringência da norma penal incriminadora com a ocorrência da conduta proibida por parte do(s) infrator(es), compete aos órgãos estatais constituídos, em cada ato jurisdicional, proceder a persecução penal, tendo em vista a reprimenda social e a aplicação da lei penal.

Nesse sentido, sem discutir as teorias em torno da infração penal, quer seja crime ou contravenção penal, a doutrina dominante vislumbra ser o delito uma conduta típica, ilícita e culpável.

Como ultima ratio, o Direito Penal ao ter como foco de estudo a infração penal e sua respectiva autoria, sob os argumentos da trilogia criminal se depreende que o delito, nada mais é que, uma ação ou omissão humana adequada ao modelo legal como norma proibitiva, contrária ao direito e com juízo de reprovabilidade social incidente sobre o fato e o autor (NUCCI, 2009, p. 161).

Ocorrendo o delito, indaga-se: onde deve ser apurado? Por quem? Contra quem? E como?

Por envolverem questões de relevância social e jurídica, serão tratadas no decorrer do tema proposto.

Convém salientar que o Direito Penal nesse mister se socorre do Direito Processual Penal que compreende, em linhas gerais, o estudo do procedimento e do processo penal.

Assim, uma vez tentada ou consumada a conduta delitiva, o Estado, geralmente é chamado, para coibir tal conduta, com o objetivo de manter a ordem e a paz social. É o direito de punir do Estado – jus puniendi – que faz valer o seu direito através do processo, dirigindo-se ao Estado-juiz e a reclamar deste a sanctio juris (sanção penal).

Com o surgimento do delito torna imperativa sua persecução penal por parte dos órgãos estatais - a persecutio criminis – visando a tornar efetiva o jus puniendi resultante do crime para impor ao infrator a sanção penal adequada e de forma individualizada nos termos da lei.

O primeiro momento da persecução penal da ênfase ao procedimento investigatório – o inquérito policial via portaria ou auto de prisão em flagrante – a ser realizado pela autoridade policial no lugar da infração ou local da prisão efetivada na pessoa (s) do (s) infrator(es).

Nesse contexto, surge o questionamento sobre a validade jurídica de dois preceitos encontrados no mesmo diploma legal, a regra do artigo 70 – lugar da infração penal, ou a exceção prevista no artigo 290 – local da prisão em flagrante. Qual desse dispositivos prevalece. Assunto que adiante será bem abordado.

O segundo momento diz respeito a ação penal proposta pelo Parquet ou pela (s) pessoa (s) ofendida (s).

O terceiro momento, por sua vez, compreende o processo penal propriamente dito.

Quanto ao segundo e terceiro momentos serão vistos de passagem, pois, o tema aqui proposto dar especial enfoque ao momento inicial. Isto porque o objetivo deste trabalho visa mostrar e discutir problema que envolve a formalização do procedimento investigatório: será feito em que local? contra quem? por quem? E como? A resposta vem consolidada no ordenamento jurídico vigente do país.

Justifica-se o conteúdo pelas razões abaixo expostas, vez que, via de regra, prevalece a disposição do artigo 70 do Código de Processo Penal – lugar da infração – para apuração do fato criminoso e sua autoria através do inquérito policial presidido pela autoridade policial para subsidiar possível ação penal e subsequente, processo penal.

Por outro lado, maior razão assiste a exceção à regra, prevista no artigo 290 do mesmo diploma legal, utilizando critérios legais que justificam sua inteira aplicação, sem que isso venha conflitar as citadas disposições legais.

Seguem esse raciocínio, a doutrina e a jurisprudência dominante, bem como, o resultado da pesquisa em torno do tema proposto, onde dois critérios legais dão validade jurídica à regra do artigo 70 – lugar da infração – e à exceção prevista no artigo 290 – local da prisão em flagrante delito – ambos da lei adjetiva penal.


2 PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO  

Antes de tudo, convém lembrar que o Direito Penal e o Direito Processual Penal, embora sejam ciências autônomas na dogmática jurídica, observa-se que, àquela se socorre desta na aplicação do Direito Penal objetivo (CAPEZ, 1999, p. 01). Ou seja, ao incidir a norma penal sobre o delito, cabem aos órgãos persecutórios a reprimenda social com vista a adequada aplicação da sanção penal.

Destarte, o Direito Processual Penal vem sendo definido como: “o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares.” (MARQUES, 1997, p. 32).

Quanto a persecução penal, sua atividade é desenvolvida pelo Estado através de seus órgãos: a Polícia Judiciária, o Ministério Público e o Poder Judiciário.

É função precípua da Polícia Judiciária apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, cabendo as Polícias Civil e Federal, como consagra a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB):

Art. 144 [...]

§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão  uniforme, segundo se dispuser em lei;

[...]

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União;

[...]

§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto  as militares. (BRASIL. CRFB/88.Vade Mecum, 2013, p. 52)

Nesse sentido, o Código de Processo Penal (CPP) dispõe:

Art.4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas  respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida mesma função. (BRASIL. CPP. Vade Mecum,2013, p. 607)

Há outras autoridades que exercem funções extrapoliciais, a exemplo de inquéritos policiais militares (IPM) pelas autoridades militares; investigações efetuadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI); inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público, consoante o artigo 129, inciso III da Carta Política de 1988.

A persecutio criminis ocorre em dois momentos distintos: o da investigação e da ação penal. Esta compreende o pedido de julgamento da pretensão punitiva, ao passo que a investigação criminal se realizada por meio do inquérito policial que constitui atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo [1].

Proposta a ação penal pelo Ministério Público ou pelo ofendido, como direito de pleitear ao Poder Judiciário a aplicação da lei penal ao caso concreto, poderá ser instaurado o processo penal que dará ensejo a instrução criminal com subsequente julgamento pelo Magistrado.

Como bem acentua Manoel Barbosa (2008, p. 29), “a polícia investiga para o Ministério Público instaurar o processo penal; o juiz instrui a causa para construir sua decisão”.

Antes dessa fase processual, em regra, ocorre a investigação da notícia da infração penal pela Polícia Judiciária que elucidará os fatos por meio do inquérito policial.

Nesse diapasão, ressalta Wallkyria Carvalho a atuação policial na repressão e apuração do delito:

Em tempos de crescente e vertiginosa violência nas capitais brasileiras, a sociedade questiona o papel da polícia na repressão do crime. Trata-se de um trabalho em construção, que se inicia na investigação policial, transita pela elaboração da respectiva peça informativa – por vezes, o inquérito – e culmina com o relatório da autoridade policial [...] O momento mais importante na persecução criminal acontece no calor dos acontecimentos, exatamente quando, nos crimes que deixam vestígios, a autoridade isola o local do crime e toma providências para que nada seja alterado até a chegada da perícia [...] (Revista Prática Jurídica. Brasília-DF, ano VIII, nº 84, 30.mar/2009, p. 10).

2.1 Inquérito Policial [2] 

 Segundo a doutrina majoritária em matéria penal, configura-se o delito como sendo uma conduta humana típica, antijurídica e culpável. Outros penalistas como Basileu Garcia e Hungria acrescentam como característica a punibilidade, então rebatida por Julio Fabbrini Mirabete, que a considera como apenas uma consequência jurídica do delito (Apud MIRABETE, 1989, p. 98 e 100). [3]

  Esse conceito tripartida e analítico de delito é bem explicado por Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 161):

Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme  o direito.

Com a incidência da norma penal sobre a pratica do fato típico, antijurídico e culpável perpetrado pelo (s) infrator(es), cabe a instauração do procedimento investigatório pela autoridade pública.

De acordo com a Lei 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais, a infração penal de menor potencial ofensivo comporta o procedimento denominado Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Salvo exceções previstas na legislação vigente, se for de maior ou médio potencial ofensivo, lavra-se inquérito policial por portaria ou auto de prisão em flagrante.

Uma vez noticiado o crime, e sendo este de ação penal pública, a autoridade competente deve baixar portaria como peça vestibular do inquérito policial para apurar o fato delituoso e sua respectiva autoria [4].

E, afinal, o que vem a ser o inquérito policial? Qual a sua natureza jurídica e a que fim se destina?

Sem delonga, Fernando Capez (1999, p. 64) traz no conceito de inquérito policial, sua natureza jurídica, finalidade e destinatários:

É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º).  Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade  policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.

 Na realidade, a polícia judiciária exerce atividade complexa desempenhada pela autoridade policial e seus agentes na investigação dos fatos, providenciando uma série de diligências, dentre elas, as previstas no artigo 6º do Código de Processo Penal, com o fim de colher indícios de provas que constituam a materialidade delitiva e a elucidação de possível autoria.

A quem entenda que o inquérito policial possui o caráter de pré-processo, como é caso do Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Britto:

Nós sabemos que o inquérito policial nem é processo administrativo nem processo judicial, é pré-processo, um tertium genus. É uma terceira figura, uma terceira via de direito. Daí  chamarmos muito até – eu nem gosto dessa expressão – de fase inquisitorial da investigação  criminal. Não obstante, faz-se necessário salientar que a doutrina e jurisprudência majoritária defendem a natureza administrativa do inquérito policial. [5]

Em linhas gerais, o inquérito policial é o procedimento administrativo e pré-processual realizado pela autoridade policial para apurar a ocorrência de delito consumado ou na forma tentada e sua respectiva autoria, para subsidiar, subsequente ação penal, a ser promovida pelo Ministério Público ou pelo ofendido, que dará início ao processo penal presidido pela autoridade judicial.

O certo é que, tal procedimento, nos crimes de ação pública incondicionada, se inicia por portaria, nos moldes da lei adjetiva penal:

Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I - de ofício;

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo

[...]

§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta,verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.

§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 607 - 608)

  A doutrina e a jurisprudência entendem como condições de procedibilidade para instauração do inquérito policial, nos crimes de ação pública – a requisição do Ministro da Justiça e a representação do ofendido - de conformidade com o inciso II do supracitado artigo.

 Nos crimes de ação penal privada, o procedimento é pautado no que preceitua o artigo 5º, § 5º do citado diploma legal. Até mesmo para a formalização do procedimento investigatório e prisão do infrator, há necessidade de manifestação da parte ofendida.

Sendo assim, o inquérito policial será instaurado para apurar o fato delituoso no lugar em que este se consumou ou no caso de tentativa, onde se cometeu o último ato de execução.

O sujeito dessa investigação criminal é o autor do delito e/ou quem com ele concorrer para a prática delitiva, podendo ser indiciado solto, ou seja, responderá em liberdade, pelo fato criminoso que é apontado, ou preso, por ordem judicial ou sem mandado de prisão. Nesta última situação, denomina-se prisão em flagrante delito, nos moldes legais.

Consoante Paulo Rangel (2007, p. 589) a prisão em flagrante delito exige para sua configuração, dois elementos imprescindíveis: atualidade e visibilidade. E desse modo, enfatiza:

A atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que está acontecendo  naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa ao ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto,  somadas a atualidade e a visibilidade tem-se o flagrante delito.

2.1 Auto de Prisão em Flagrante Delito 

O termo flagrante deriva do latim flagrans, flagrantes, do verbo flagrare que significa queimar, está em chamas, cuja expressão evidencia atualidade e visibilidade do fato delituoso [6].

Convém trazer à baila, mais uma vez, os ensinamentos de Paulo Rangel (2007, p. 589):

A regra é a liberdade, a prisão é a exceção. Assim, esta somente se justifica com o objetivo de se restabelecer a ordem jurídica que foi violada com o comportamento nocivo do autor do fato. Trata-se de um mal necessário, que tem como escopo atender  ao interesse público de manutenção da paz e da ordem. Sacrifica-se um bem menor  (a liberdade de locomoção) em detrimento de bem maior (a paz social). A prisão em flagrante tem como fundamentos: evitar a fuga do autor do fato; resguardar a sociedade, dando-lhe confiança na lei; servir de exemplo para aqueles que desafiam a ordem jurídica e acautelar as provas que, eventualmente, serão colhidas no curso do inquérito policial ou na instrução criminal, quer quanto à materialidade, quer quanto à  autoria.

Como exceção ao jus libertatis, a prisão consiste na privação da liberdade da pessoa humana, no cerceamento de seu direito de ir e vir, uma vez que é levada ao cárcere, em razão da prisão-pena ou da prisão sem pena, também chamada por Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 31) como prisão cautelar, o qual faz a seguinte distinção:

[...] A prisão-pena advém da imposição de sentença condenatória, com trânsito em julgado. A prisão cautelar é fruto da necessidade de se obter uma investigação ou instrução criminal produtiva, eficiente e livre de interferências. Embora ambas provoquem a segregação do  indiciado ou acusado, a primeira constitui efetiva sanção penal; a segunda não passa de uma medida de cautela, com o fim assegurar algo. Não é um fim e sim um meio. Constituem espécies de prisão cautelar, quanto ao momento da decretação: a) prisão temporária; b) prisão em flagrante; c) prisão preventiva; d) prisão em decorrência de pronúncia; e) prisão em  decorrência de sentença condenatória recorrível; f0 condução coercitiva do réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia [...].

Desse modo, a prisão em flagrante delito se apresenta ora como “espécie de autodefesa do próprio ordenamento jurídico” (TOURINHO FILHO, 1986, p. 37) ora como uma das “modalidades de prisão sem pena, de interesse processual [...]” (CUNHA; PINTO, 2008, p. 191).

Ocorrendo a prática delitiva ou iniciado os atos executórios, há possibilidade de prisão, conforme as disposições legais abaixo descritas:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o  dia, por determinação judicial;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (BRASIL. CRFB/88.Vade Mecum, 2013, p. 8 - 10)

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória  transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 629)

Por autorização constitucional comporta prisão com ou sem mandado judicial, como modalidades de privação da liberdade de natureza cautelar e processual.  A primeira prevê ordem escrita e fundamentada pela autoridade judicial competente e a segunda, denominada prisão em flagrante delito, pode ser efetivada por qualquer pessoa ou deverá ser efetuada pela autoridade pública, sem haver necessidade de mandado judicial, dentro dos critérios legais, e asseguradas constitucionalmente as garantias e os direitos a ela inerentes [7].

Quanto a prisão em flagrante delito, aduz Fernando Capez (1999, p. 217):

É, portanto, medida restritiva da liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independente de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido, um crime ou uma contravenção [...].

A prisão em comento, nada mais é que a privação do direito de locomoção decorrente da situação flagrancial, a qual impede o exercício do direito de ir e vir previsto na Constituição pátria. E uma vez autorizada como prisão atual e visível nos termos da lei, comporta a confecção do denominado auto de prisão em flagrante.

O auto de prisão em flagrante é um documento elaborado pelo Delegado de Polícia em que constam todas as circunstâncias do delito e da prisão do (s) infrator (es), como define a lei processual penal, a saber:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do  acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 631)

Na realidade, o artigo 301 em tela, legitima os responsáveis pela prisão do(s) autor(es) da infração penal.  Daí se falar em flagrante facultativo, em que o cidadão agirá, caso assim o faça, no exercício regular do direito.

Já o artigo 302 do estatuto processual penal, traz as hipóteses legais de prisão em flagrante delito. Dessa forma, há de se falar em flagrante necessário, a ser realizado pelas autoridades policiais e seus agentes, no estrito cumprimento do dever legal.

O artigo 303 do mesmo estatuto trata de infrações permanentes que configuram estado de flagrância enquanto não cessar a permanência delitiva, a exemplos de sequestro e cárcere privado, e a de redução à condição análoga à de escravo, respectivamente, previstos nos artigos 148 e 149, ambos do Código Penal [8].

Por sua vez, o artigo 304 da lei adjetiva penal menciona a formalização do auto de prisão em flagrante delito.

Norberto Avena (2009, p. 780) faz uma síntese das modalidades flagranciais:

Flagrante próprio (art. 302, II): a expressão ‘acaba de cometê-la’ tem sentido de absoluta  imediatividade, inocorrendo qualquer espaço de tempo entre o início dos atos de execução ou consumação da infração penal e o momento em que o agente é surpreendido por terceiros.  Flagrante impróprio (art. 302, III): a expressão ‘logo após’ tem sentido de relativa imediatividade entre a consumação da infração e o início dos atos de perseguição. Compreende-se, enfim, o tempo necessário para que sejam adotadas as primeiras medidas visando à descoberta do crime, à identificação de seu autor e às providências iniciais de perseguição. Flagrante presumido (art. 302, IV): a expressão ‘logo depois’ permite o decurso de hiato temporal superior ao do flagrante impróprio entre a prática do delito e o momento em que localizado o agente.

Com relação ao flagrante propriamente dito não há sombra de dúvida, vez que a prisão deve ocorrer imediatamente após a consumação do crime, sem intervalo temporal, em razão do delito está acontecendo ou acaba de cometê-lo. O problema se manifesta nas expressões “logo após” e “logo depois” das demais hipóteses de flagrante delito.

Qual a diferença entre as expressões “logo após” e “logo depois” acentuadas nas hipóteses legais de flagrantes?

Para a doutrina, a primeira corresponde ao flagrante impróprio ou quase flagrante, ao passo que a segunda, diz respeito ao flagrante presumido [9].

O flagrante impróprio ou quase flagrante previsto no inciso III do artigo 302 do Código de Processo Penal, ocorre, desde que haja perseguição imediata e contínua ao apontado autor da infração penal por parte de policiais, ofendidos ou por qualquer pessoa, em situação que o faça presumir ser o autor do delito. Daí a expressão ‘logo após’ compreender, segundo as lições de Fernando Capez (1999, p. 217-218), “todo o espaço de tempo necessário para a polícia chegar ao local, colher as provas elucidadoras da ocorrência do delito e dar início à perseguição do autor [...]”.

Com relação ao flagrante presumido ou ficto inserto no inciso IV do artigo em questão, evidencia-se quando o suposto autor é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor do delito. Não há de se falar em perseguição, posto que, eventualmente, o suposto autor foi encontrado, depois da prática delitiva, com os objetos diretamente relacionados ao evento criminoso.

Para Capez (1999, p. 218): “Embora ambas as expressões tenham o mesmo significado, a doutrina tem entendido que o ‘logo depois’, do flagrante presumido, comporta um lapso temporal maior que o ‘logo após’, do flagrante impróprio [...]”.

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a expressão ‘logo depois’, constante no inciso IV do artigo 302 do Código de Processo Penal, deve ser lida como tempo razoável, não havendo cogitar, pois, em intervalo temporal fixo a configurar o estado de flagrância” (BRASIL. STJ - HC 49898 SE 2005/0189024-1, rel.: Min. Hamilton Carvalhido, 2008).

Outro posicionamento jurisprudencial assim pondera:

[...] o legislador ainda que não tenha fixado um lapso temporal nas expressões “logo após” e  “logo depois”, só se legitimam se o autor do ilícito da ação tiver sido perseguido, logo após, ou  encontrado, logo depois, quase que incontinenti a realização típica, com os instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser o autor do ilícito penal (BRASIL. TJ-RJ – EI: 2 RJ 1996.054.00002, Rel: Des. Álvaro Mayrink da Costa, 1996).

Outras modalidades flagranciais são denominadas pela doutrina como flagrante retardado, preparado, forjado e esperado.

O flagrante retardado (diferido ou protelado) como o próprio nome assim o define, consiste em retardar a prisão em flagrante para obter melhor os meios de prova e procedimentos investigatórios sobre ilícitos decorrentes de ações cometidas por quadrilha ou bando, ou organizações ou associações. Tais ações criminosas estão previstas no artigo 2º da Lei nº 9.034/95 e no artigo 53, § 2º da Lei 11.343/06.

Em sede de HC 1748-GO, o Superior Tribunal de Justiça faz a distinção entre flagrante preparado, forjado e esperado, assim se pronuncia:

HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE AUTORIA. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO  CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. FLAGRANTE PROVOCADO, FORJADO E PREPARADO. ENUNCIADO Nº 145 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE ÀS HIPÓTESES DE FLAGRANTE PREPARADO. MATERIALIDADE. RESPONSABILIDADE PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. [...]. 2. Não há confundir flagrante preparado, forjado e esperado. No primeiro, "o agente é induzido à prática de um crime pela 'pseudo vítima', por terceiro ou pela polícia, no caso chamado de agente provocador"; no segundo, "os policiais ou particulares 'criam' provas de um crime inexistente"; já no terceiro, "a atividade policial é apenas de alerta, sem  instigar o mecanismo causal da infração, e que procura colher a pessoa ao executar a infração  (...), quer porque recebeu informações a respeito do provável cometimento do crime, quer porque exercia vigilância sobre o delinquente." (in Processo Penal, Julio Fabbrini Mirabete, Editora Atlas, 5ª edição, 1996, páginas 371/373). 3. [...] 6. Ordem concedida para desconstituir o auto de prisão em flagrante. (BRASIL. STJ - HC: 17483 GO 2001/0086758-7, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, 2002 p. 568)

Os flagrantes retardado e esperado são perfeitamente legais, ao passo que os flagrantes preparado e forjado não são admissíveis no ordenamento jurídico brasileiro. A preparação torna atípica a conduta embora tenha ocorrido o fato criminoso, No forjado, como o próprio nome assim se revela, o suposto autor não cometeu qualquer conduta criminosa.

Nestas duas modalidades flagranciais, Fernando Capez (1999, p. 219-220)   explicita e exemplifica:

[...] Assim, podemos dizer que existe flagrante preparado ou provocado quando o agente, policial ou terceiro, conhecido como provocador, induz o autor à prática do crime, viciando a sua vontade, e, logo em seguida, o prende em flagrante. Neste caso, em face da ausência de vontade livre e espontânea do infrator e da ocorrência de crime impossível, a conduta é considerada atípica. Essa é a posição pacífica do STF, consubstanciada na Súmula 145: “Não há crime quando a  preparação do flagrante pela polícia torna impossível a consumação” [...] Flagrante forjado (também chamado de fabricado, maquinado ou urdido): nesta espécie, os policiais ou particulares criam provas de um crime inexistente, colocando, por exemplo, no interior de um veículo substância entorpecente. Neste caso, além de, obviamente, não existir crime, responderá o policial ou terceiro por crime de abuso de autoridade.

Segue o mesmo entendimento Norberto Avena (2009, p. 788 e 789) com referência a essas modalidades flagranciais.

Em razão de disposições constitucionais e infraconstitucionais haverá restrições na prisão em flagrante de alguns agentes políticos e profissionais.

Nesse contexto, não estão sujeitos à prisão:

a) o Presidente da República, nos crimes comuns, enquanto não sobrevier sentença condenatória (CRFB/88, art. 86, § 3º);

b) aqueles que gozam de imunidade diplomática (art. 29 do Decreto nº 56.435/65, que promulgou a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas);

c) autor de delito de transito na forma culposa, desde que tenha prestado socorro à vítima (art. 301, do Código de Trânsito Brasileiro);

d) infrator que se apresenta espontaneamente perante a autoridade;

e) infrator de menor potencial ofensivo, salvo se recusar a assumir o compromisso de ir a juízo (Lei 9.099/95, art. 69, parágrafo único).

Outros só poderão ser presos em delitos inafiançáveis como é o caso dos senadores, deputados federais, estaduais e distritais (CRFB, art. 53, §2º; art. 27, §1º; art. 32, §3º), magistrados (Lei Complementar nº 35/79, art. 33, inc. II), promotores (Lei nº 8.625/93, art. 40, inc. III) e advogados (Lei nº 8.906/94, art. 7º, § 3º) e no caso de agentes consulares, estes, de acordo com o Decreto nº 61.078/67, só possuem imunidade em relação aos crimes funcionais [10].

Essas prerrogativas e imunidades desses agentes políticos sustentam procedimento especial em matéria processual penal, inclusive, o artigo 295 do CPP permite em muito dessas situações - prisão especial. Esta tem sido assunto polêmico no meio social e jurídico, com probabilidade de ser banida ou restringir-se a situações específicas. Em vista disso, foi criada uma comissão de juristas encarregados de preparar anteprojeto de reforma do CPP. [11]

Com o advento da Lei 12.403/11, que alterou o Código de Processo Penal, no artigo 310 (e seus incisos além do seu parágrafo único), veio estabelecer que o juiz, recebendo o auto de prisão em flagrante delito, fundamente sua decisão, adotando uma dessas medidas: relaxamento da prisão ilegal, conversão da prisão em flagrante em preventiva, ou concessão com ou sem fiança de liberdade provisória. O decisum se consubstancia nos termos do art. 93, inciso I da Lei Maior.

Interpretam dessa maneira, a doutrina amplamente comentada e a reiterada jurisprudência, a exemplo do julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 17/04/2012, tendo como relator, o Ministro Gilson Dipp [12].

De qualquer forma, o procedimento investigatório iniciado por auto de prisão em flagrante ou por portaria para apurar o delito perpetrado pelo autor e/ou por quem concorra para tal fim, deve ser presidido pela autoridade pública. E quem é essa autoridade competente?

Salvo as exceções previstas no ordenamento jurídico do país, compete a autoridade policial proceder ao inquérito policial, seja por portaria seja por auto de prisão em flagrante delito.

2.1Competência da Autoridade Policial 

Nos termos do artigo 144, § 4º da Carta Magna, incumbe a autoridade policial a função de Polícia Judiciária e de presidir o inquérito policial a ser instaurado mediante portaria ou auto de prisão em flagrante para elucidar a notitia criminis.

Quanto ao procedimento investigatório instaurado pelo Delegado de Polícia, convém salientar:

Destina-se o inquérito policial, ao minudente registro legal e formal de toda investigação por um profissional de sólido conhecimento jurídico, comprovado em concurso público, submetendo as diligências empreendidas pela polícia judiciária aos mecanismos de controle constitucionais processuais penais, como garantia dos direitos dos cidadãos investigados. (BARBOSA, 2008, p. 30) (grifo nosso)

A bem da verdade, é que, sem mandado judicial, compete a autoridade policial proceder ao auto de prisão em flagrante, uma vez se convencendo de que haja indícios de infração penal com a respectiva autoria definida. E a respeito desse agente público – a autoridade policial -  convém salientar, sucintamente, o seu mister dentro do ordenamento jurídico em vigor em nosso país.

Na escala hierárquica das leis, há previsão:

a)  Na Constituição brasileira de 1988 – artigo 5º, incisos XI, LXI, LXII, LXIII, LXVI; artigo 37, incisos I, II, XI, XV e XVI; artigo 144, inciso IV e § 4º.

b) Nas leis infraconstitucionais, tais como:

1)  Código de Processo Penal – artigos 4º e seguintes;

2)  Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) – artigos 106 a 111;

3)  Lei 9.034/95 (Combate ao Crime Organizado);

4)  Lei 9.099/95; artigo 69;

5)  Lei 11. 340/06 (Lei Maria da Penha) – artigos 10 a 12;

6)  Lei 11.343/06 (Lei Antidrogas), artigos 48, 50 a 53;

7)  Lei 12.403/11, alterou o artigo 322 do Código de Processo Penal;

8) Lei 12.830/12 (Investigação Criminal), dentre outras.

Em linhas gerais, todas estabelecem a competência, as atribuições e os encargos da autoridade policial, a mais recente, a Lei 12.830/12 estatui:

Art.1º. Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstancias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

(...)

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstancias.

Art. 3º. O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser  dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.(...) (BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre investigação criminal presidida pelo delegado de polícia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jun.2013).

Esses provimentos legislativos dão ênfase à atividade jurisdicional do Delegado de Polícia.

Com clareza, Fabrício de Santis (2013) comenta o citado diploma legal:

Assim, deve o Excelentíssimo Sr. Dr. Delegado de Polícia, em verdade, fato agora reforçado pelo advento da Lei 12.830/2013, lançar nos autos de persecução criminal sua decisão de indiciamento fundamentada, conforme art. 2º, §6º, do mesmo diploma, em Inquérito Policial,  mediante instauração de Portaria nesse sentido, lavratura de Termo Circunstanciado ou de Auto de Prisão em Flagrante. Afinal, s.m.j, aqueles profissionais do Direito que ‘opinam’ em processos são os dignos integrantes do Ministério Público (por meio de cotas, manifestações, etc), já que  nada presidem legalmente em aspecto criminal, cabendo aos delegados de polícia “decidir”, ao  final da investigação criminal que presidem, se indiciam ou não os suspeitos pela prática de crime, assim como aos juízes cabem “decidir”, ao final dos processos que presidem, se condenam ou não réu devidamente denunciado pelo ‘parquet’. E tudo isso deverá ser fundamentado, conforme se observa das diretrizes Constitucionais e legais, furto da nova tendência garantista que converge ao inquérito policial atualmente.

Celso de Bastos considera que “todos os delegados são bacharéis em direito, como os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, das Procuradorias e Defensorias” (BASTOS; MARTINS. Apud HUDSON, 2013), enquadrando-os como carreiras jurídicas, e ainda, citando José Afonso da Silva, faz o seguinte comentário:

Todas elas são carreiras jurídicas – preleciona José Afonso da Silva - primeiro porque exigem formação jurídica como requisito essencial para que nelas alguém possa ingressar; segundo porque todas têm o mesmo objeto, qual seja: a aplicação da norma jurídica; terceiro porque, por  isso mesmo, sua atividade é essencialmente idêntica, qual seja, a do exame de situações fáticas específicas, emergentes, que requeiram a solução concreta em face da norma jurídica, na busca de seu enquadramento nesta, o que significa a subsunção das situações de fato na descrição normativa, operação que envolve interpretação e aplicação jurídica, campo essencial comum que  dá o conceito dessas carreiras.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza jurídica da atividade exercida pelo Delegado de Polícia, no julgamento da ADIN n° 3.460, em que foi Relator o Ministro Carlos Ayres de Britto, que assim se manifestou:

Há exceções, reconheço, nesse plano do preparo técnico para a solução de controvérsias. E elas estão, assim penso, justamente nas atividades policiais e nas de natureza cartorária. É que  a Constituição mesma já distingue as coisas. Quero dizer: se a atividade policial diz respeito ao   cargo de Delegado, ela se define como de caráter jurídico. (...) Isto porque: a) desde o primitivo §4º do artigo 144, da Constituição, que o cargo de Delegado de Polícia é tido como equiparável  àqueles integrantes das chamadas carreiras jurídicas (...). (BRASIL. STF – ADIN 3.460, rel. Min.  Carlos Britto, 2006)

Por força de mandamento constitucional, Bruno Zanotti e Cleopas Santos comungam da ideia de que os procedimentos investigatórios presididos pela autoridade policial devem ser fundamentados:

O Delegado de Polícia atua diretamente na restrição de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e, seja na lavratura do auto de prisão em flagrante, seja para instrução do inquérito  policial, a fundamentação das decisões que toma deve ocorrer em todos os atos [...] No âmbito constitucional, esta obrigatoriedade decorre, primeiramente, da regra da liberdade (art. 5º, caput, e incs. XV e LXI, da CF) bem como da exigência de fundamentação dos atos jurisdicionais (art. 93, incs. IX e X da CF). Desse modo, as decisões que restrinjam, ou possam restringir, direitos  fundamentais do imputado, devem ser fundamentadas [...] Essa fundamentação deve ser  compreendida como o substrato inaugural para o futuro regular exercício do contraditório e da ampla defesa. (ZANOTTI; SANTOS, 2013, p. 87/242 e 244, grifo do autor)

Desse modo, cabe ao Delegado de Polícia além de outras atribuições previstas no ordenamento jurídico, instaurar o inquérito policial ou presidir o auto de prisão em flagrante em desfavor do(s) infrator (es).

Assim, esse operador do direito deve fundamentar sua decisão, primeiro, em obediência implícita ao mandamento constitucional previsto no artigo 93, inciso I, e segundo, de conformidade com o artigo 2º, § 6º da Lei nº 12.830/12.

E nessa linha de raciocínio, é que surge, a questão da competência na elaboração do inquérito policial ou da lavratura do auto de prisão em flagrante, presidido pelo Delegado de Polícia e delimitada a sua circunscrição territorial.


3     COMPETÊNCIA RATIONE LOCI   

É sabido que a competência territorial, também conhecida nos meios acadêmicos como “ratione loci”, vem delimitar o lugar da infração praticado no território brasileiro, nestes termos:

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (BRASIL. CP. Vade Mecum, 2013, p. 523)

Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração;

(...)

:Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de  execução.

§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o  juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado. (BRASIL. CPP, Vade Mecum, 2013, p. 612)

Quanto a competência pelo lugar da infração penal, a doutrina apresenta três teorias: a da atividade, a do resultado e da ubiquidade.

Enquanto as duas primeiras estabelecem de forma distinta, que o lugar se dá com a ação ou omissão (teoria da atividade) ou se dá com a apuração do resultado (teoria do resultado), a última, teoria da ubiquidade, aponta como lugar do crime tanto o da conduta quanto o do resultado.

Ao invés da teoria da ubiquidade, eleita pelo Código Penal para definir o “lugar do crime” [13], o Código de Processo Penal acolheu a teoria do resultado para a determinação da competência, como regra, referindo-se ao lugar da consumação. No caso de tentativa, a competência firma-se “pelo lugar em que for praticado o último ato de execução” (artigo 70 do Código de Processo Penal).

Em outras situações, a competência se firma de acordo com a legislação processual penal.

A política criminal justifica que a competência se prende ao fato de que no local da ocorrência da infração penal, seja contravenção ou crime, são colhidas as provas que instruíram o procedimento investigatório ou processo penal.

Esse entendimento é unânime na doutrina e na jurisprudência.

Em matéria de competência, Walter P. Acosta (1989, p. 30 e 62) assevera:

A competência para o inquérito é territorial, isto é, resulta do local onde ocorreu a  infração, [...] A competência é determinada, em princípio, pelo lugar onde a infração se consumou, e, no caso de tentativa, pelo lugar onde se praticou o último ato de   execução [...]. 

Nesse sentido, Roberto Demo tece algumas considerações:

O art. 70, CPP estabelece a competência de foro pelo lugar da infração (locus delicti comissi), estadeando o princípio da consunção: ‘A competência, será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumir a infração, ou no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução (caput). A regra é, portanto, o agente ser processado, julgado e (eventualmente) sancionado no lugar onde  perturbou a ordem jurídica e se fizeram sentir os efeitos de sua conduta criminosa, com vistas a tranquilizar, pelo equacionamento da causa penal, o meio social alarmado [...]. Outro fundamento para a competência ratione loci está na maior facilidade de se coligir as provas do delito. (Revista Jurídica Consulex. Brasília- DF, ano XI, nº 247, 30.abr/2007, p.61)

Quanto ao inquérito, a jurisprudência segue essa posição:

PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO. 1. A competência será, de regra, determinada  pelo local em que se consumar a conduta delituosa (art. 70 do CPP). In casu, as informações     contidas nos autos levam à conclusão de que o ato falsificador do documento (Autorização Especial de Trânsito - AET) teria sido praticado em Mato Grosso, onde reside e atua o despachante apontado como responsável pela contrafação. 2. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo suscitado, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso.  (BRASIL. TRF-1 - CC: 306796120134010000 DF 0030679-61.2013.4.01.0000, rel.: Des. Fed. Olindo Menezes, 2013).

EMENTACONFLITO DE COMPETÊNCIA - INQUÉRITO POLICIAL - ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - MUNICÍPIO COM MAIS DE UMA ZONA ELEITORAL - LUGAR DA INFRAÇÃO - CONFLITO CONHECIDO E DECIDIDO. Nos  termos do artigo 2º da Resolução TRE/MT nº 486/2002 (que trata da competência e distribuição de feitos gerais nos municípios dotados de mais de uma Zona Eleitoral), nos feitos criminais determinar-se-á a competência pelo lugar da infração. Competência declarada do Juízo  suscitado. (BRASIL. TRE-MT - Inq: 27784 MT, rel.: Pedro Francisco da Silva, 2012, p. 2-8).

Não há sombra de dúvida a esse respeito. De regra, compete a autoridade do lugar da infração consumada ou tentada. Como toda regra tem exceção ou exceções, não poderia deixar de existir nessa matéria.


4     LOCAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO 

Efetuada a prisão do autor da infração penal e/ou de quem concorreu na conduta criminosa, deve o executor (policial ou particular) apresentá-lo (s) imediatamente a autoridade policial local, para as providências cabíveis e legais.

A própria lei adjetiva penal assim estabelece:

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o   executor poderá efetuar -lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a  remoção do preso.

§ 1º - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:

a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

§ 2º Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 630)

Como reza o artigo 290 do Código de Processo Penal, o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado no município em que se deu a prisão, ainda que a infração penal tenha ocorrido em outro local.

E quem é a autoridade competente para formalizar o respectivo auto?

Para a jurisprudência, não enseja a nulidade se o auto for lavrado pela autoridade policial do lugar do cometimento da infração. Entretanto, a doutrina salienta ser a autoridade policial do local da prisão, como se vê adiante.

Norberto Avena (2009, p. 790) assim pontua:

Como regra, incumbirá a lavratura do auto de prisão em flagrante à autoridade policial do local onde for realizada a prisão, a qual não será, necessariamente, a do  lugar em que foi perpetrada a infração penal. Esta é exegese do art. 304 do CPP.  Tome-se assim, como exemplo, a hipótese em que o indivíduo tenha cometido um latrocínio em Florianópolis. Perseguido, vem a ser preso na circunscrição de  Palhoça. À autoridade policial desta localidade é que deverá ser apresentado o flagrado para fins de lavratura do auto de prisão em flagrante. Inobstante, nos prazos  legais, deverá o delegado de polícia de Palhoça comunicar ao juízo de Florianópolis a prisão em flagrante, a este remetendo o auto de prisão para fins de verificação de sua legalidade e, se for o caso, homologação. Uma cópia do auto de prisão deverá,ainda, ser enviada à delegacia de polícia com circunscrição no local do crime em Florianópolis com vistas à instauração de inquérito policial (lembre-se que o auto de prisão em flagrante é uma das formas de início do inquérito) e prosseguimento das investigações. (grifo nosso)

Sobre o assunto leciona Tourinho Filho (1986, p.38 e 43):

Efetuada a prisão em flagrante, o preso, ou, segundo a terminologia do nosso Código, o conduzido, deve ser apresentado à autoridade competente, que, de regra, é a  autoridade policial do lugar onde se efetivou a prisão. Aquele que apresenta o conduzido à autoridade é chamado de condutor, que tanto pode ser a própria pessoa que efetuou a prisão, como a encarregada de apresenta-la à autoridade. Devem também estar presentes as pessoas que presenciaram a prática da infração. Caso não haja testemunhas presenciais, exigem-se, no mínimo, duas testemunhas que tenham presenciado a apresentação do conduzido a autoridade. [...] Quem pode presidir à lavratura do auto de prisão em flagrante? De regra, a autoridade policial do lugar em que se verificou a captura, consoante as regras dos artigos 308 e 290 do  CPP [...].(grifo nosso)

Nesse sentido, sustenta Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 52): 

Além do cumprimento do mandado de prisão, há possibilidade de se prender o  suspeito em flagrante delito. Nessa hipótese, autoriza-se a perseguição do autor do crime, até que seja efetivamente detido. Não há que se falar em barreiras, impostas  por diferentes territórios de atuação do juiz ou da autoridade policial. O executor segue o agente, passando por diversos locais, até alcança-lo; assim ocorrendo, deve apresenta-lo, de imediato, à autoridade policial do lugar da prisão, para que seja  formalizado o auto do flagrante. (grifo nosso).

Comentam Távora e Alencar (2011, p. 520):

Havendo perseguição, nada impede que ela se estenda a outro Município ou Estado, realizando-se a prisão em comarca diversa da originária. Consagrada a prisão, o preso será apresentado à autoridade local, seja para a lavratura do auto de flagrante, seja para que se efetue a transferência ao lugar de origem da expedição do mandado. Em sendo caso de flagrante, a autoridade do lugar da prisão procederá à lavratura do auto, remetendo-o ao juiz local, para aferição da legalidade do ato. Só após, os autos e o preso serão remetidos à comarca originária.

Estando em perseguição, o autor do delito que passar para o território de outro município ou comarca, for alcançado pelo executor da prisão, este o apresentará a autoridade do local da prisão, para que, se convencendo do indício de delito e sua autoria, promova a lavratura do auto de prisão em flagrante, remetendo os autos a comarca pertinente e a delegacia do lugar da infração para continuidade das investigações. É a inteligência do art. 290 do Código de Processo Penal, como exceção à regra do art. 70 do mesmo diploma legal.

Persiste o entendimento doutrinário de que a autoridade competente para a lavratura do respectivo auto é aquela onde ocorreu a prisão e não a do local da infração. Assim, duas são as autoridades policiais simultaneamente competentes, uma, com competência para a lavratura do respectivo auto no local da prisão em flagrante, a outra tem competência para prosseguir no inquérito policial a que se reserva ao do local do crime (BARBOSA, 2008, p. 88; JESUS, 1991, p. 195).

Na mesma linha de raciocínio, segue a jurisprudência:

PROCESSUAL PENAL. FLAGRANTE. AUTORIDADE POLICIAL DE OUTRA LOCALIDADE. LEGALIDADE. RECEPTAÇÃO DOLOSA. PROVA QUE SE REMETE PARA A INSTRUÇÃO. - HABEAS-CORPUS. INCENSURABILIDADE DE SUA DENEGAÇÃO, DESDE QUE EMBASADA EM PRECEDENTES DESTE SUPERIOR TRIBUNAL SOBRE A LEGITIMIDADE DA  LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE POR AUTORIDADE POLICIAL DE LUGAR DIVERSO DA OCORRENCIA. (BRASIL. STJ - HC: 6100 SP 1997/0054858-9, rel. Min. José Dantas, 1997, p. 563)

HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - PRISÃO EM FLAGRANTE - NULIDADE POR TER SIDO LAVRADA EM LOCAL DIVERSO DA PRISÃO - NÃO- OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA. (BRASIL. TJ-MS - HC: 9939 MS 2002.009939-2, rel. Des.              João Carlos Brandes Garcia, 2002)

Trocando em miúdos, se o delito ocorrer na mesma comarca ou na circunscrição do mesmo município, prevalece a regra prevista no art. 70 do CPP – o lugar da infração – pelas razões já invocadas. Entretanto, se houver perseguição com a passagem do infrator para comarca diversa ou circunscrição de outro município, sendo capturado por policiais ou quem o tenha detido, será apresentado a autoridade policial do local da efetiva prisão nos termos do artigo 290 do mesmo diploma legal.

Cita-se como exemplo, a ocorrência de sucessivos roubos perpetrados por um bando em lugares diferentes, sendo que, o primeiro roubo se consumou às 17 horas no Município de Paço do Lumiar, e os demais, em seguida, no Município de São Luís, vindo os componentes desse bando a serem perseguidos pelos policiais, e, em determinado momento, deixaram de ser visto, até que foram presos no centro desta cidade, tendo o executor da prisão, sabiamente, apresentado os meliantes no plantão central da beira-mar – local da prisão – com fundamento no dispositivo legal (art. 290 do CPP), vez que os delitos foram praticados em comarcas ou municípios diferentes, embora numa mesma região considerada metropolitana.

A lei processual penal não faz diferença em áreas contínuas ou descontínuas, sendo diferentes os municípios ou comarcas, aplica-se o dispositivo legal em estudo -  artigo 290 do CPP - ainda que o lugar da infração tenha ocorrido em município ou comarca diversa.

O legislador ordinário assim consolidou o texto deste dispositivo por questão de política criminal e para facilitar a lavratura do auto em prisão em flagrante no local em que houve a detenção, uma vez que os infratores, embora tenham praticado delito numa comarca ou município, foram capturados em outra comarca ou município diverso do lugar da infração, devendo, como acentua o supracitado mandamento legal, os mesmos serem apresentados a autoridade policial local (ou seja, do local da prisão), para que esta, tome as providências necessárias, inclusive, se houver dúvida quanto a legitimidade da prisão feita pelo executor ou do mandado judicial ora expedido, ficará sob custodia o detido, até que seja sanada a dúvida suscitada.

Repita-se: o auto de prisão em flagrante deve ser realizado no local da prisão. Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo. Já o inquérito policial deve ser instaurado no lugar da infração. No caso, o auto de prisão em flagrante ser elaborado fora do lugar do cometimento da infração, deve ser enviado para a respectiva autoridade do local do crime para instauração do inquérito.


CONCLUSÃO 

Como já foi visto, ocorrendo o delito, comporta por parte da autoridade competente a elucidação da verdade dos fatos, com todas as suas circunstâncias, o modus operandi e quem cometeu o delito ou concorreu para sua consumação ou tentativa.

Instaurado o inquérito policial por portaria ou auto de prisão em flagrante pelo Delegado de Polícia que preside as investigações, faz-se necessária à coleta de provas no lugar da infração, como determina a regra inserta no artigo 70 do Código de Processo Penal.

Entretanto, critérios legais previstos no artigo 290 do mesmo estatuto processual trazem à luz do ordenamento jurídico brasileiro, exceção à regra geral, determinando que, em caso de perseguição que se prolongue a municípios ou comarcas diversas, seja procedido ao auto de prisão em flagrante delito pela autoridade policial no local da prisão, sendo indiferente o lugar da infração penal.

Predomina esse entendimento na doutrina e na jurisprudência, corroborada com a legislação pertinente.

Ressalta-se aqui a importância do procedimento investigatório e da autoridade policial que desempenha sua atividade jurisdicional como Polícia Judiciaria, que servirá como sugestão de um futuro trabalho.

Por fim, em respeito ao ordenamento jurídico vigente no país, salutar a recomendação no sentido de que haja adequada e eficaz aplicação dos aludidos dispositivos aos casos concretos pelos operadores do direito. 


Referências: 

ACOSTA, Walter P. O processo penal. Rio de Janeiro: Editora do autor, 1989.

AVENA, Norberto Claudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,2009.

BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2008.

BRASIL. STF - ADIN nº 3.460-0/DF. Tribunal Pleno, publicado em 31/082006, rel. Min. Carlos Britto. Disponível em:  

< http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/adi3460.pdf > Acesso em 14.jul.2014;

________ STJ - HC -226937-MG2011-0289682-6, rel.: Min. Gilson Dipp, Data de Julgamento: 17/04/2012,T5 –QUINTATURMA. Disponível em:

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________ STJ - HC: 6100 SP 1997/0054858-9, rel.: Min. José Dantas, Data de Julgamento: 07/10/1997, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 03.11.1997 p. 56339 RJDTACSP vol. 37 p. 563. Disponível em:      

< http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/523212/habeas-corpus-hc-6100-sp-1997-0054858-9 > Acesso em 17.jul.2014;

________ STJ - HC-17483-GO-2001-0086758-7, rel.: Min. Hamilton Carvalhido, Data de Julgamento: 11/09/2001, T6 -  SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 04/02/2002 p. 568). Disponível em:

< http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7838171/habeas-corpus-hc-17483-go-2001-0086758-7-stj > Acesso em  04.08.2014.

_________ STJ - HC: 49898 SE 2005/0189024-1, rel.: Min. Hamilton Carvalhido, Data de Julgamento: 06/06/2006, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22.09.2008. Disponível em:

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Notas: 

 [1] Salienta Zanotti: “A persecução penal no Brasil se dá em duas fases. A primeira fase, chamada de investigação preliminar criminal, é concretizada por meio do inquérito policial, do termo circunstanciado (presente no juizado especial...) e pelas peças de informações (feitas por outras autoridades que não compõem a estrutura da Polícia Civil ou da Polícia Federal). Em razão desta última, a fase pré-processual é chamada de ‘investigação preliminar criminal’ e não ‘investigação policial’. A segunda fase é feita processualmente, por meio da respectiva ação penal” (ZANOTTI; SANTOS. 2013, p.103)

 [2] Quanto as suas peculiaridades estão especificadas no estatuto processual penal vigente e em outras leis esparsas, no que diz respeito a princípios informativos, conclusão, prazo legal e outras providências preliminares e cautelares.

 [3] O delito além de apresentar conceituações entre os juristas que adotam as teorias penalistas, outras ciências se preocupam com o mesmo objeto sob óticas diversas. “Para o penalista, não é senão o modelo típico descrito na norma penal: uma hipótese, produto do pensamento abstrato. Para o patologista social, uma doença, uma epidemia. Para o moralista, um castigo do céu. Para o experto em estatística, um número, uma cifra. Para o sociólogo, uma conduta irregular ou desviada”. Já a Criminologia conceitua o delito como “problema social e comunitário’, que exige do investigador uma determinada atitude (empatia) para se aproximar dele [...]”. [GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antônio, Trad. de Luiz Flávio Gomes (2000, p. 66)].

[4] Acentua Frederico Marques (1997, v. I, p. 132-128): “A persecução penal tem início com a notitia criminis [...] A notícia do crime dá lugar a informatio delicti, ou à atividade investigatória da persecução penal.” Para Capez (1999, p. 72) “Dá-se o nome de notitia criminis (notícia do crime) ao conhecimento espontâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, de um fato aparentemente criminoso.”  Segundo Zanotti (ZANOTTI; SANTOS. 2013, p. 2013), [...]como regra, não se admite a denúncia anônima (também conhecida como noticia criminis inqualificada ou denúncia apócrifa [...] (grifo do autor). Nos moldes do artigo 5º, § 3º do CPP, ocorre a delatio criminis e do § 5º do citado artigo, se realiza a notitia criminis postulatória (ZANOTTI; SANTOS. 2013, p. 117 e 119).

[5] Voto do Ministro Carlos Ayres Britto na Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal.

[6] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico (1989, p. 307). Ver TOURINHO FILHO, 1986, p. 35 e RANGEL, 2007, p. 589.

[7] Consoante Cleopas Santos a prisão em flagrante “mostra-se como uma prisão administrativa, pré-cautelar, precária e preparatória da prisão preventiva ou outras medidas alternativas à prisão, destinada a fazer cessar a prática de uma conduta criminosa, na hipótese do Inc. I do art. 302, do CPP, e assegurar a demonstração da prova da materialidade e dos indícios de autoria, nas hipóteses dos incisos II, III e IV do art. 302, do CPP” (ZANOTTI; SANTOS. 2013, p. 198). Além do que prescrevem direitos e garantias constitucionais insertas no artigo 5º, incisos LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, dentre outros.

[8] Há possibilidade de flagrante em crimes habituais e crimes continuados. Estes últimos estão previstos no artigo 71 do Código Penal. Cleopas Santos traz como exemplo, a “de um funcionário de uma loja que trabalha no caixa e todos os dias subtrai uma certa quantia em dinheiro, mas que é pego, em flagrante, em uma dessas oportunidades” e segundo Figueiredo Dias, “crimes habituais são aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual” (DIAS. 2007, apud ZANOTTI; SANTOS. 2013, p. 221-222). O Código Penal prevê nestes casos, o artigo 230 – rufianismo e o artigo 284 – curandeirismo, além de outros.

[9] BRASIL. STJ, rel. Min. Gilson Dipp, 2012, Data de Julgamento: 17/04/2012, T5 - QUINTA TURMA.

[10] A inviolabilidade a que alude o art. 71 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, e a consequente imunidade de jurisdição, só abrange os atos oficiais realizados no exercício de funções consulares, não se aplicando a cônsul honorário que pratique crime não vinculado a estas (STF, HC 55.014, j. 4.377; hc81.158/RJ, j. 14/5/2002, Apud DELMANTO, 2010, p. 97).

[11] Citem-se Rogerio Sanches e Ronaldo Pinto (2008, p.193); Paulo Rangel, (2007, p. 595-597); Bruno Zanotti e Cleopas Santos (2013, p. 204-206), Guilherme Nucci (2013, p.72-74), Fernando Capez (1999, p. 217-218), Norberto Avena (2009, p. 779 e 780), Frederico Marques (1997, v. IV, p. 78 e 79) e outros

[12] BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre investigação criminal presidida pelo delegado de polícia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jun.2013.

[13] Art. 6º do CP – lugar da infração – princípio da ubiquidade (DELMANTO, 2010, p. 98)



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