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Os partidos políticos no Brasil e o princípio da verticalização das coligações

Os partidos políticos no Brasil e o princípio da verticalização das coligações

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1. Partidos Políticos: natureza e características

Os Partidos Políticos somente se organizaram e ganharam força com a universalização do sufrágio. Antes, como anota Maurice Duverger, em clássica obra (Les Partis Politiques, 1951, pp. 02 e ss.), originaram-se da criação de grupos de parlamentares; depois da aparição dos comitês eleitorais e em seguida da conjugação desses dois fatos.

Não se quer afirmar, contudo, que esse seja o momento histórico do surgimento dos partidos políticos, porquanto, antes mesmo das situações narradas, poderíamos encontrar grupos, facções, em favor de uma determinada idéia, situação ou força política, como bem registra José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p. 398). Seriam partidos em sentido amplo, para utilizar a terminologia da Vamireh Chacon (História dos Partidos Políticos do Brasil, 1981, p. 11).

É de reconhecer, no entanto, que, em tese, a história sempre registrou a existência de organizações que representam o sentir de parte do todo social (Partidos Políticos no Brasil, José Carlos Graças Wagner, 1985, p. 22). Daí a nomenclatura utilizada: partido; no sentido de parcela, parte, fatia de uma totalidade. O pensamento humano, por conseguinte, jamais apontou para uma única e determinada direção. A compreensão do mundo não foi, nem será unívoca. São várias as visões do universo e as concepções do homem. Como conseqüência imediata, também no plano político percebe-se a disparidade do pensar, refletindo ideologias diversas visando a compreensão do poder do Estado.

Abstraindo dessa visão teórico-filosófica, é de se reconhecer que no plano formal nem sempre existiram partidos políticos. Talvez tenha sido no séc. XIX que se observa o estabelecimento de partidos regulares (Inglaterra). Antes, como anota Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Constitucional, 2002, p. 277), atuavam como associações inorgânicas formadas com base no interesse de grupos, inclusive no Brasil.

Muitas definições foram elaboradas para buscar o significado de partidos políticos. Todavia, todas, de uma forma ou de outra, apresentam pontos de identificação.

Benjamin Constant define o partido político como sendo uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política.

Hans Kelsen, jurista contemporâneo, escreve que os partidos políticos são organizações que congregam homens de semelhante opinião para afiançar-lhes verdadeira influência na realização dos negócios públicos.

Sem embargo do peso doutrinário dos conceitos que nos socorremos, preferimos uma definição mais real, que reflete a sociedade em que vivemos. Valemo-nos do magistério de Paulo Bonavides (Ciência Política, 1986, p. 429) para, com ele, afirmar que o partido político é uma organização de pessoas inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos fins propugnados.

Caracterizariam-se, assim, na linha do pensamento do Mestre cearense, como:

a)Um grupo social;

b)Um princípio de organização;

c)Um acervo de idéias e princípios, que inspiram a ação do partido;

d)Um interesse básico em vista: a tomada do poder; e

e)Um sentimento de conservação desde mesmo poder ou de domínio do aparelho governativo quando este lhes chega às mãos.

O objetivo do partido político, independente da ideologia que vise professar, será sempre o mesmo: a busca do poder.

O partido político enquanto realidade jurídica é fato contemporâneo. A Constituição Americana e as Constituições francesas do séc. XIX não tratavam, em nenhum dos seus dispositivos, de partidos políticos.

Nesse período os partidos eram vistos tão somente como um fenômeno sociológico.

O avanço dos partidos políticos iremos observar com o surgimento do chamado Estado Social, da "democracia das massas" (Paulo Bonavides, ob. cit., p. 439). Nesse momento atingem importância e reconhecimento jurídico.

No Brasil, não se verificam, nas duas primeiras Constituições, referências a Partidos Políticos. Com o advento da década de trinta já se observa uma preocupação com a matéria partidária, inclusive pelo fato de que, em 1932, foi instituída a Justiça Eleitoral. Entretanto, foi com a Constituição de 1946 que o sistema jurídico deu início a institucionalização jurídica dos partidos políticos.

Hoje, como se sabe, os partidos políticos possuem um importante disciplinamento na Constituição Federal, integrando o Título dos Direitos Fundamentais. A Lei Maior assegura ampla liberdade de criação de partidos políticos, como corolário do princípio fundamental "pluralismo político", veiculado no seu art. 1º, V. O princípio da liberdade de criação é limitado pelo respeito à soberania nacional, ao regime democrático e aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sem embargo de indispensáveis ao regime representativo brasileiro, visto que todas e quaisquer candidaturas aos cargos públicos eletivos terão que estar vinculadas, necessariamente, aos partidos políticos (art. 14, V – CF), deverão ser constituídos como pessoas jurídicas de direito privado (art. 17, § 2º - CF).

Oportuno, ainda, asseverar que na atual ordem constitucional, os partidos políticos possuem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX – CF) e propor ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, VIII – CF). O único requisito imposto pela Lei Mãe é que tenham representação no Congresso Nacional.

A base principiológica constitucional foi desenvolvida pela legislação infraconstitucional, notadamente pela da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos). Nesse diploma legal, o art. 1º preceitua que o partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

A Lei Orgânica dos Partidos assegura à agremiação política autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento (art. 3º).

No nosso país, lamentavelmente, desde as suas origens, não se vislumbra uma identidade própria dos partidos políticos. Revelaram-se frágeis, incapazes de, a longo prazo, sedimentar uma ideologia individualizada. Como, de forma extremamente lúcida, registrou José Anderson Nascimento em artigo publicado no Jornal da Cidade (Aracaju-SE), edição de 30 de junho a 1º de julho de 2002, "a cada golpe dos vários que vitimaram nossa democracia, os partidos políticos também eram levados de roldão. Formaram-se partidos no Brasil sempre de cima para baixo". Transformaram-se ora em partidos meramente estaduais, representando oligarquias regionais, ora em agremiações partidárias gravitando em torno de seus principais líderes (partidos de uma só pessoa, personalistas). Esse o quadro.

Não se quer afirmar, de forma amplamente generalizada que, no Brasil, inexistem partidos definidos ideologicamente. Não é isso. Entretanto, a prática vem demonstrando que a história se repete e os partidos passaram a ser utilizados como meras legendas asseguradoras de candidaturas. Todas as vezes que alguém não tem espaço, momentaneamente, num determinado partido, rompe-se e cria-se outro. Foi assim e vem sendo assim: um mero veículo de concretização de aspirações pessoais ou, quando muito, de um grupo dominante. Vigorou e ainda vigora a máxima de que se o partido não é digno de mim, saio e vou criar outro partido.

Hoje convivemos com 30 (trinta) partidos, com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral. Doze deles com registro provisório da década de 90. Partidos desconhecidos do nosso povo, inclusive o mais esclarecido, tomando por exemplo a comunidade universitária. Alguém já ouviu falar do PCO - Partido da Causa Operária ? Ou do PHS – Partido Humanista da Solidariedade ? Ou, ainda, do PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro ? Muito poucos.

A Democracia autêntica exige partidos igualmente autênticos.

Como bem diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Curso de Direito Constitucional, 1996, p. 108), os partidos brasileiros "não passam de conglomerados decorrentes de exigências eleitorais, sem programa definido e, o que é muito pior, sem vida própria". Diz mais: "a autenticidade dos partidos é outra das condições da democracia pelos partidos. No Brasil, essa autenticidade parece ser em face da experiência do passado e do presente um sonho remoto, utópico. Traço inegável do caráter nacional brasileiro é a falta de inclinação para a vida cívica e associativa".

Somente para demonstrar a falta de autenticidade dos nossos partidos, vejamos alguns exemplos:

1º) O atual PTC (Partido Trabalhista Cristão), inicialmente chamava-se PJ (Partido da Juventude) e depois PRN (Partido da Reconstrução Nacional);

2º) O atual PPB (Partido Progressista Brasileiro) assim nasceu: O PDS (Partido Democrata Social) fundiu-se ao PDC (Partido Democrata Cristão) dando origem ao PPR (Partido Progressista Reformador). O PST (Partido Social Trabalhista incorporou-se ao PTR (Partido Trabalhista Reformador), nascendo o PP (Partido Progressista). Após tudo isso o PPR aglutina-se ao PP, surgindo o PPB. Posteriormente, o PST foi criado mais uma vez.

No que pertine à fidelidade partidária, as deformações também se apresentam de forma incontestável. Na edição do dia 29 de julho de 2002 do Jornal da Globo (Rede Globo de Televisão), foi noticiado que é prática comum no legislativo federal brasileiro as constantes mudanças de partido. Há registros, conforme veiculado pelo telejornal, que pelo menos dois parlamentares (deputados federais) trocaram de partido, somente na atual legislatura, cinco a seis vezes. Constatou-se, ainda, que, no mesmo período, houve duzentas e sessenta e cinco mudanças de filiação partidária entre os parlamentares. É dizer: os parlamentares elegem-se por determinado partido e, num curto espaço de tempo, atendendo interesses puramente pessoais, abandonam-no e buscam outro partido, permanecendo no mandato, mas em partido diverso daquele pelo qual foi eleito. Importante asseverar que a mesma fonte informou que dos quinhentos e treze deputados federais, apenas vinte e oito elegeram-se com os próprios votos. Quatrocentos e oitenta e cinco, em face do quociente eleitoral, necessitaram da legenda. Usam a legenda exclusivamente para pleitear uma candidatura e sagrar-se vitorioso na eleição. Não há nenhum identidade programática com o partido. Filiam-se ao partido por conveniência e não por afinidade ideológica. Transformam os partidos em meras siglas de aluguel.

A Constituição da República Federativa do Brasil determina que é um dever do partido político estabelecer normas de fidelidade partidária. A prática demonstra que o mandamento constitucional transformou-se em letra morta.

Talvez a solução fosse a declaração da perda do mandado, como sanção, quando da troca de partido. A hipótese vem sendo discutida, com mais intensidade, nos últimos anos.

Um outro aspecto a ser considerado diz respeito à representatividade dos partidos políticos brasileiros. Pelas mazelas antes declinadas, observa-se uma grande pulverização partidária, sem uma linha ideológica definida. O pluralismo político e pluripartidarismo são princípios constitucionais. É verdade. Entretanto, critérios devem ser definidos, objetivando a concretização da vontade constitucional, porquanto os partidos devem prestar um serviço à democracia e funcionar, efetivamente, como veículos a serviço do Estado Democrático de Direito e da cidadania.

Averbe-se, consoante dados armazenados no site do Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.gov.br/partidos/partido/historico/html, página atualizada em 26 de abril de 2002, acesso em 29 de julho de 2002), que desses trinta partidos, apenas nove (PMDB, PTB, PDT, PT, PFL, PSB, PSDB, PPS e PPB) têm bancada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e somente oito ( PL, PC do B, PSC, PV, PST, PHS, PTN e PSL) têm representação exclusivamente na Câmara dos Deputados. Treze não têm nenhuma representação no Congresso Nacional (PTC, PSD, PMN, PRONA, PRP, PT do B, PSTU, PCB, PRTB, PSDC, PCO, PAN e PGT).


2. A verticalização das coligações

Desde há muito que o processo eleitoral convive com o sistema de coligações entre os partidos. É uma prática de aglutinação de forças políticas, objetivando a hegemonia no poder. Outros afirmam, com propriedade, que as coligações servem como instrumentos legítimos de sobrevivência das minorias (ver artigo As coligações partidárias e a Lei nº 9.504/97 – Apontamentos, de Osman Rodrigues Sales in JUS NAVIGANDI, jus.com.br/revista/doutrina, acesso em 25 de julho de 2002, citando o pensamento do Dep. João Almeida).

Há que considerar também, invocando o magistério de Odyr Porto e Roberto Porto (Apontamentos à Lei Eleitoral, 1998, citado por Osman Rodrigues Sales, Ob. Cit.), que as coligações teriam por fim ampliar o tempo de propaganda gratuita no rádio e televisão nas eleições majoritárias sem a participação dos partidos políticos menos expressivos, uma vez que, via de regra, os candidatos aos cargos majoritários são escolhidos pelos chamados "partidos grandes".

Assim, a depender do enfoque, poderão favorecer ou prejudicar os partidos pequenos.

A possibilidade da existência de coligações encontra amparo e autorização no art. 6º da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (estabelece normas para as eleições):

"Art. 6º. É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação par a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário" (destacamos).

Consoante prevê o indigitado diploma legal, a coligação terá denominação própria, funcionando como uma espécie de partido temporário (expressão utilizada por Torquato Jardim), sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários (§ 1º do art. 6º).

Considerando a previsão legal e a autonomia partidária, dispõe o partido de toda a liberdade de buscar coligações, respeitando os limites legais, inclusive prazos (art. 8º).

No dia 26 de fevereiro de 2002, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 20.993 (Instrução nº 55 – Classe 12ª - Distrito Federal/ Brasília – Rel. Min. Fernando Neves). Tal Resolução, consoante registro da respectiva ementa, tinha como objetivo dispor sobre a escolha e registro dos candidatos nas eleições de 2002.

Em face do objeto do presente estudo, é de se destacar o conteúdo do § 1º do seu art. 4º:

"Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou distrital com partido que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial (Lei nº 9.504/97, art. 6º; Consulta nº 715, de 26.2.02)".

A destacada norma instituiu no direito eleitoral brasileiro a figura da verticalização das coligações. Caso um partido político, em convenção nacional, optasse por uma coligação para eleição de presidente da república, eventual coligação a ser feita no plano estadual ou distrital estaria obrigatoriamente vinculada àquela formalizada no plano federal.

O TSE fundamentou a expedição da polêmica disposição nas autorizações legislativas constantes do art. 105 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 e no art. 23, IX, do Código Eleitoral. Os dispositivos invocados concedem atribuição ao órgão de cúpula da Justiça Eleitoral para a expedição de instruções, visando a execução das mencionadas leis.

Justificou ainda o TSE a exigência da verticalização, na interpretação dada ao termo circunscrição constante do art. 6º da Lei nº 9.504/97, considerando, ainda, o caráter nacional dos partidos políticos por exigência do art. 17, I, da Lei das leis.

Quer nos parecer que laborou em equívoco o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, pelas razões adiante aduzidas:

1º) O poder regulamentar conferido ao TSE é semelhante àquele previsto no art. 84, IV da Carta Magna para o Presidente da República. Aqui, autoriza-se o Chefe do Executivo Federal a expedir regulamentos para a fiel execução das leis, não dispondo de competência para inovar na ordem jurídica de forma abstrata, criando situações não previstas em lei ou mesmo de forma diversa da preceituada no texto legal. Isso, especificamente, pelo fato de que a matéria eleitoral necessariamente deverá ser veiculada em lei formal, conforme determina o art. 16 da Carta Constitucional vigente, observando-se, ainda, a anualidade ("A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência).

2º) Não dispondo de poder normativo geral, o Tribunal Superior Eleitoral somente agirá sub lege quando da expedição de instruções para a execução das respectivas leis eleitorais.

3º) O termo circunscrição encontra-se devidamente explicitado no Código Eleitoral (art. 86), em interpretação autêntica. A circunscrição variará de acordo com a modalidade de eleição. Diz o texto: "Nas eleições presidenciais a circunscrição será o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e, nas municipais, o respectivo município". No próximo dia 06 de outubro de 2002 realizar-se-ão cinco eleições: para Presidente da República, para Senador, para Governador, para Deputado Federal e para Deputado Estadual. Três, segundo o sistema eleitoral majoritário (Presidente, Senador e Governador) e duas, obedecendo ao sistema eleitoral proporcional (Deputado Federal e Deputado Estadual), com inclusive, quocientes eleitorais e partidários diferenciados. Concreta e juridicamente são eleições diferenciadas em circunscrições diversas.

4º) Quanto a justificativa da necessidade de que os partidos políticos tenham caráter nacional, em face do princípio constitucional veiculado no art. 17, I, não foi essa, data maxima venia, a vontade do legislador constituinte, nem muito menos constituído (legislador ordinário) na forma interpretada. Como assevera José Afonso da Silva (Ob. Cit., p. 408), pretendeu o legislador evitar a criação de partidos de vocação estadual ou local, como já registrou a nossa história (Primeira República).

A linha jurídica hoje consagrada já vem sendo praticada há mais de cinqüenta anos. Desde 1945, com a Lei Nº 7.586, de 28 de maio, que os partidos somente poderão ser criados de âmbito nacional, como anota Paulo Bonavides (Ob. Cit., p. 493). Arremata o autor que, desta forma, o direito brasileiro "pusera termo assim às agremiações de cunho meramente local, que embaraçavam a unidade de ação política das representações parlamentares, presas a um regionalismo estéril e deplorável".

O caráter nacional, como conclui Luiz Viana Queirós (Verticalização de coligações: TSE viola a constituição e as lei in JUS NAVIGANDI – jus.com.br/revista/doutrina, acesso em 25 de julho de 2002), citando Torquato Jardim, deve ser interpretado no seguinte sentido: "adquirida a personalidade jurídica, tem o partido que buscar o apoiamento mínimo de eleitores, para assim obter caráter nacional: meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos brancos e os nulos, distribuídos por um por um terço, ou mais, de estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles". A afirmação encontra lastro no disposição consubstanciada no § 1º, do art. 7º, combinado com o art. 8º, § 3º, ambas as normas integrantes da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.

O fato de a ação do partido ter caráter nacional, nos termos do art. 5º, da Lei nº 9.096/95, não autoriza, no nosso modo de pensar, a se chegar à conclusão levada a efeito pela Justiça Eleitoral, até porque, no passado, a mesma Justiça Eleitoral, interpretando as mencionadas regras legais, não encontrou idêntica exegese.

Indaga-se: se a lei é a mesma, mudaram os fatos ou a situação política ?

Após a interpretação conferida ao tema pelo Tribunal Superior Eleitoral, o Partido Comunista do Brasil – PC do B, juntamente com o Partido Liberal – PL, com o Partido dos Trabalhadores – PT, com o Partido Socialista Brasileiro – PSB e com o Partido da Frente Liberal - PFL ajuizaram duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI-2626 e ADI 2628) contra o § 1º do art. 4º da Resolução nº 20.993/2002 no Supremo Tribunal Federal. Entendeu a Suprema Corte (decisão em 18 de abril de 2002 – Informativo STF 264) que se tratava de ato normativo secundário e, conforme a sedimentada jurisprudência do STF, o exercício do poder regulamentar do TSE, cristalizado no dispositivo impugnado, não se revelava em inconstitucionalidade e sim em eventual ilegalidade frente à lei ordinária regulamentada. Como conclusão, considerando a hipótese de ofensa reflexa ou indireta à Constituição, a análise seria incabível em de sede de controle abstrato. A decisão foi tomada por maioria. Os Ministros vencidos votaram pelo conhecimento das ações e pela violação do princípio da anualidade e por invasão da competência legislativa do Congresso Nacional.

Curiosamente o Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, coligados para o pleito eleitoral de 06 de outubro de 2002 (candidatura de José Serra para Presidente da República) não subscreveram as ADIn’s.

Procurando encontrar uma outra solução que pudesse tornar sem efeito a deliberação do TSE, pretendeu o Congresso Nacional fazer uso da sua competência exclusiva prevista no art. 49, V da Lex Mater para sustar o ato normativo da Justiça Eleitoral. Mesmo que fosse levado a termo, a espécie normativa manejada estaria eivada de inconstitucionalidade, visto que a atribuição conferida constitucionalmente diz respeito aos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Não foi o caso. Uma simples interpretação literal conduzirá o exegeta à singela conclusão de a hipótese não se adequar à situação posta.

Assim, permaneceu e será efetivamente praticada a verticalização das coligações, apesar de, pelos argumentos trazidos à colação, entendermos que fere o sistema jurídico pátrio.


3. Conclusões

Aproximam-se as eleições gerais de 06 de outubro. Os 115.271.778 (cento e quinze milhões, duzentos e setenta e um mil e setecentos e setenta e oito) eleitores (dados constantes do site do TSE) escolherão os seus representantes para o Executivo Federal, para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal (dois de três), além dos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Deputados Estaduais e Distritais. Serão 06 (seis) candidatos à Presidência da República, 207 (duzentos e sete) candidatos ao Governo dos Estados; 330 (trezentos e trinta) ao Senado Federal; 4.676 (quatro mil e seiscentos e setenta e seis) candidatos à Deputado Federal; 12.295 (doze mil e duzentos e noventa e cinco) à Deputado Estadual e 640 (seiscentos e quarenta e nove) candidatos à Deputado Distrital.

Não se desconhece a importância dos partidos políticos para a Democracia. É fato incontestável. Contudo, um dado merece reflexão, já detectado na década de 80 por Henry Maksoud em estudo publicado na Revista Visão, edição de 02 de abril de 1984, sob o título Um Legislativo Sem Partidarismo (citado por José Carlos Graças Wagner, Ob. Cit., pp. 01 e 02): "em todos os países de sistema político representativo, nos quais se admite, portanto, o pluralismo na manifestação do pensamento sob a forma de organização da sociedade, o maior partido é o partido dos ‘sem-partido’". O Brasil não é exceção a essa regra. Não se pretende, com tal argumento, propagar a idéia de abolição dos partidos. Não é isso. Busca-se, tão somente, uma reflexão no sentido de questionar, como fez o autor citado, "o monopólio, pelos partidos, da representação popular, seja para fins de controle do poder executivo, seja para fins de elaboração legislativa". Alguns países já admitem candidaturas desvinculadas dos partidos políticos. Evidentemente que, a se adotar um novo modelo, necessariamente teríamos que repensar o sistema eleitoral praticado. É comum ouvirmos comentários no sentido de que muitos não votam em partidos e sim em pessoas. A idéia merece ser desenvolvida e amadurecida.

No atual momento, a eleição de Presidente da República atrai a atenção do país. Pesquisas são veiculadas quase que diariamente. Estima-se que o Brasil terá a eleição com um custo de 3 (três) bilhões de reais. Somente a eleição do candidato José Serra atingirá a cifra de 70 (setenta) milhões de reais (dados da Revista Época, edição de 17 de junho de 2002).

Na eleição de 1998, conforme dados publicados na revista semanal já referida, os 10 (dez) maiores contribuintes (pessoas jurídicas) amealharam para as campanhas eleitorais quase 33 (trinta e três) milhões de reais (bancos, empreiteiras e outros). Será que por espírito cívico ou por compromisso ideológico ?

O Brasil é um país pobre. Dispõe de uma legião de miseráveis, milhões que sobrevivem com menos de 1 (um) dólar por dia. São quase 20 (vinte) milhões de brasileiros.

O nosso país ocupa o "honroso" 4º (quarto) lugar no ranking de concentração de renda. Perde apenas para Serra Leoa, Rep. Centro-Africana e Suazilândia. Na América Latina, em situação mais confortável que o Brasil em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) no dia 23 de julho de 2002, estão a Argentina (34º), Chile (38º), Uruguai (40º), México (54º), Cuba (55º), Colômbia (68º) e Venezuela (69º). O nossa pátria amada ocupa o septuagésimo terceiro lugar (73º) [ Dados extraídos da Revista Isto É nº 1713, edição de 31 de julho de 2002, p. 38].

Que os nossos políticos, em especial os candidatos à Presidência da República, se sensibilizem com esses dados e transformem a ganância do poder pela ganância da concretização do maior dos princípios constitucionais: assegurar a todos dignidade. Precisamos virar a página dessa história. O Brasil é um país grande e grandes devem ser os nossos ideais.

Os ocupantes dos cargos públicos eletivos devem estar a serviço do povo e da construção de uma Humanidade Nova. É chegada a hora de os governantes usarem a autoridade como serviço, pois servidores públicos. O fim é sempre o bem da coletividade.

Concluindo, uma curiosidade e um conselho a quem interessar possa:

Lembra-nos Roberto Pompeu de Toledo (Revista Veja, edição de 19 de junho de 2002 – Guia de boa conduta dos candidatos, p. 134) que Presidente e presídio são palavras de origem comum. Presidente vem do latim praesidere, formado por prae (antes) e sidere (sentar-se, estabelecer-se). Praesidere por sua vez originou praesidiu, a força encarregada de proteger uma fortaleza. Mais adiante praesidiu passou a designar a própria fortaleza e, por extensão, cárcere. Que um candidato, ao almejar a primeira das palavras de raiz comum, não venha a acabar merecedor da segunda.

Que os órgãos de controle da Administração Pública permaneçam atentos. A democracia exige e o povo brasileiro merece administradores públicos comprometidos com a probidade.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Os partidos políticos no Brasil e o princípio da verticalização das coligações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3231. Acesso em: 29 mar. 2024.