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O direito a informação no inquérito policial e a garantia do jus puniendi

O direito a informação no inquérito policial e a garantia do jus puniendi

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É necessário sigilo para a elaboração do inquérito policial. O investigado tem direito à informação e à intimidade. Com isso, surge a confrontação entre o direito de punir do Estado e os direitos fundamentais do investigado.

RESUMO: Para que as autoridades policiais construam o inquérito policial, por regra, faz-se necessário o sigilo quanto à existência dessa investigação. Por sua vez, o cidadão que está sendo objeto dessa investigação tem o direito à informação, garantido constitucionalmente, além do direito de não poder ter sua intimidade explorada pelo Estado. Com isso, surge a confrontação entre o direito de punir do Estado e os direitos fundamentais do investigado.

Palavras-chave: Inquérito policial. Informação. Jus Puniendi. Sigilo.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda o inquérito policial caracterizado pelo sigilo, sendo de natureza inquisitorial, e por outro lado, o direito do investigado em saber que está sendo objeto de investigação do Estado, para que a investigação não fira seu direito a intimidade e a informação, uma vez que se trata de direitos fundamentais, consagrados no rol do artigo 5º da Constituição Federal.

Em contrapartida, o artigo expõe ainda, os argumentos acerca da garantia do poder de punir do Estado, pois o investigado tem direito de saber que está sendo vigiado pelo poder policial, por sua vez, esta investigação não pode ser prejudicada por este, a fim de desviar uma possível futura sanção penal.

Os referenciais metodológicos utilizados como auxílio para a elaboração do presente artigo foram livros, doutrinas, outros artigos científicos e sites da internet. O mesmo é composto por três itens, o primeiro disserta sobre o inquérito policial e suas características, enfatizando o que mais nos interessa para o tema debatido, qual seja, seu caráter inquisitorial, seu sigilo, a ausência de defesa técnica, etc. O segundo tópico expõe acerca do direito de informação do investigado em face do inquérito policial, para que as autoridades policiais não adentrem a esfera mais íntima do suposto réu sem que ao menos ele tenha conhecimento de tal procedimento. Por sua vez, o terceiro item aborda o poder de punir do Estado perante a ciência do indivíduo de que está sendo investigado, uma vez que há o conflito entre o jus puniendi e o direito à informação do acusado. Por fim, a conclusão.

A problemática a ser discutida no artigo em tela é: a que ponto o direito à informação do investigado atrapalharia para a elaboração do inquérito policial? Qual o limite de interferência na vida pessoal e íntima do suspeito para satisfazer o poder de punir do Estado? A colheita de provas seria prejudicada se o investigado soubesse que está sendo alvo da persecução penal? Enfim, qual a solução para que nem o investigado, que é a parte hipossuficiente no âmbito penal, nem o Poder Judiciário e o Ministério Público saiam lesados da investigação criminal? – são estas questões que procuraremos compreender com o presente trabalho.

2 A INQUISITORIALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL

Primeiramente, definiremos o conceito de persecução penal. Trata-se de uma atividade persecutória, que se divide em duas fases, a fase investigatória, que é puramente inquisitorial e sigilosa, na qual a autoridade policial colhe provas para que o Ministério Público dê prosseguimento à persecução, e inicie, se for o caso, a segunda fase, a judicial, que ocorre quando o Ministério Público propõe a ação penal, e tem como característica principal o contraditório.

Posto isso, vemos que o inquérito policial é elaborado na primeira fase da persecução penal. Trata-se de um procedimento administrativo precedido exclusivamente pelo delegado de polícia, visando elucidar delitos com o agrupamento de informações que evidenciem a autoria e materialidade do crime, para que se necessário, o Ministério Público proponha a ação penal, iniciando a segunda fase da persecução.

Trouxemos à baila o conceito de Inquérito Policial segundo Fernando Da Costa Tourinho Filho (2011, p.240), “Inquérito policial é, pois, o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.[2]

Um pouco mais afundo, explica PAULO RANGEL:

Inquérito policial, assim, é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal. [...]

A exposição de motivos do CPP deixa claro que o inquérito policial foi mantido como processo preliminar ou preparatório da ação penal. Assim, este conjunto de atos administrativos, visando à elucidação de um fato considerado, em tese, infração penal, precede a instauração da competente ação penal.

O inquérito policial, em verdade, tem uma função garantidora. A investigação tem o nítido caráter de evitar a instauração de uma persecução penal infundada por parte do Ministério Público diante do fundamento do processo penal, que é a instrumentalidade e o garantismo penal.[3]

Portanto, vemos que o inquérito policial nada mais é do que um procedimento administrativo, não caracterizando um processo, uma vez que não há a relação jurídica processual, que é um elemento indispensável para se falar em processo. Nesta fase o investigado ainda é mero suspeito, e contra ele ainda não há alguma acusação formal, essa só se dará eventualmente, no momento da denúncia pelo MP.

O inquérito policial é caracterizado pela inquisitorialidade, dispensabilidade, indisponibilidade, deve ser escrito, informativo, possui força probatória relativa, discricionariedade investigativa e é controlável judicialmente.

Abordaremos a característica mais relevante para o presente caso, a inquisitorialidade, e sobre ela disserta FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:

Se o inquérito policial é eminentemente não contraditório, se o inquérito policial, por sua própria natureza, é sigiloso, podemos, então, afirmar ser ele uma investigação inquisitiva por excelência. Durante o inquérito, o indiciado, na verdade, não passa de simples objeto de investigação. Certo que a Constituição lhe assegura uma série de direitos, inclusive o de silenciar. Mas, quanto a ter o direito de exigir esta ou aquela prova, não. Sob esse aspecto ele não passa de objeto de investigação. Só sob esse aspecto. No inquérito não se admite o contraditório. A autoridade o dirige secretamente. Uma vez instaurado o inquérito, a Autoridade Policial o conduz à sua causa finalis (que é o esclarecimento do fato e da respectiva autoria), sem que deva obedecer a uma sequencia previamente traçada em lei. Ora, o que empresta a uma investigação o matriz da inquisitorialidade é, exatamente, o não permitir o contraditório, a imposição da sigilação, a ausência de concatenação dos atos e a não intromissão de pessoas estranhas durante a feitura dos atos persecutórios. Nela não há Acusação nem Defesa. A Autoridade Policial, sozinha, é que procede à pesquisa dos dados necessários à propositura da ação penal. Por tudo isso, o inquérito é peça inquisitiva. [4]

Portanto, o inquérito é puramente inquisitorial porque dá independência investigatória ao delegado de polícia, de modo que ele possa produzir provas unilateralmente, travando o contraditório do indiciado, pois como já observado, o inquérito não possui relação jurídica processual, portanto, não é processo, logo não é passível ao direito do contraditório.

Porém, ainda que o inquérito seja inquisitorial, o delegado não pode fazer dele o que bem entender, pois nele não pode conter ilegalidades. Deste modo, o inquérito é inquisitorial, mas pautado na legalidade, para respeitar ao máximo os direitos fundamentais do investigado.

2.1 O sigilo e a ampla defesa no inquérito policial

Como desdobramento do caráter inquisitorial do inquérito policial, há a questão do sigilo e da ampla defesa.

Conforme citado anteriormente, o inquérito é sigiloso, e de acordo com PAULO RANGEL:

O sigilo que deve ser adotado no inquérito policial é aquele necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Muitas vezes, a divulgação, via imprensa, das diligências que serão realizadas no curso de uma investigação, frustra seu objetivo primordial, que é a descoberta da autoria e comprovação da materialidade.[5]

Deste modo, o autor alega ser indispensável o sigilo para manter a qualidade da investigação para elaboração do inquérito, no entanto, o nível de deste sigilo irá varias de acordo com o caso concreto.

No que tange a ampla defesa, esta se subdivide em duas espécies: a autodefesa e a defesa técnica, sendo a primeira o direito individual de resistência ao Estado, de não se autoincriminar, direito de não produzir prova contra si mesmo, permanecer em silêncio etc. Por sua vez a defesa técnica implica na defesa feita por um advogado, pois pressupõe conhecimento jurídico.

Portanto, sendo o inquérito sigiloso, nos deparamos com a seguinte questão: já ciente de que há uma investigação sobre ele, se o investigado contratasse um advogado, os autos deste inquérito policial também seriam sigilosos para o advogado do investigado? Se sim, não seria uma espécie de impedimento ao direito da ampla defesa?

Neste sentido, PAULO RANGEL tem o seguinte posicionamento:

O sigilo imposto no curso de uma investigação policial alcança, inclusive, o advogado, pois entendemos que a Lei nº 8.906/1994, em seu art. 7º, III e XIV, não permite sua intromissão durante a fase investigatória que está sendo feita sob sigilo, já que, do contrário, a inquisitoriedade do inquérito ficaria prejudicada, bem como a própria investigação.

O advogado tem o direito previsto no Estatuto da Ordem, porém somente quando a investigação será sendo conduzida sem o aludido sigilo.

O caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito. A consulta aos autos (cf. art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/1994) é para melhor se preparar para eventual acusação feita na ação penal ou, se for o caso, para adoção de qualquer providência judicial visando resguardar direito de liberdade. Jamais para se intrometer no curso das investigações que estão sendo realizadas em face de um fato que é indigitado a seu cliente e não imputado.

Vimos que, durante o inquérito, o indiciado não passa de mero objeto de investigação, mas possuidor de direitos e garantias fundamentais, não se admitindo o contraditório, pois não há acusação e, como consequência, não pode haver defesa.[6]

Então, para o autor supracitado, o sigilo do inquérito se estende inclusive ao advogado do investigado, pois o procedimento não contém acusação, e por isso, não é passível de defesa, não podendo o advogado se intrometer no inquérito durante seu curso, sendo somente admitida a consulta aos autos para adoção de providencia judicial visando resguardar direito de liberdade, se necessário. E posteriormente, se proposta a ação penal pelo MP, a defesa técnica passa a ser obrigatória, pois o indiciado passa a ser réu de uma ação penal, se perfazendo a relação jurídica processual, constituindo-se em processo.

Logo, no inquérito policial, somente se admite a autodefesa, ficando impedida a defesa técnica, já que não há alguma acusação formal, e sim a colheita de provas.

3 O DIREITO A INFORMAÇÃO DO INVESTIGADO

 

 

Tendo conhecimento acerca do inquérito policial, no que diz respeito a sua inquisitoriedade, seu sigilo, a ausência da possibilidade de defesa técnica a favor do indiciado, e suas demais características, partimos para a ótica do investigado, e indagamos a seguinte questão: poderia um individuo ser investigado pelo Estado sem ao menos ter ciência de tal fato? Essa situação não afrontaria seu direito a informação e até mesmo seu direito a intimidade, que são direitos fundamentais, pois está tendo sua vida explorada pelas autoridades policias sem que ao menos saiba da existência da investigação?

A Lei de Acesso a Informação (Lei nº 12.527/2011), regulamenta o acesso às informações produzidas pelos órgãos públicos, afetando também o inquérito policial. Em seu artigo 23 VIII, a lei dispõe que:

Art. 23.  São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:

VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.[7]

Ou seja, os inquéritos policiais seriam classificados de acordo com seu sigilo, e, por conseguinte, o acesso à informação desses autos dependeria dessa classificação, variando conforme o caso concreto, mas vale lembrar que o sigilo sempre estará presente no inquérito.

Portanto, conforme entendimento do Delegado Geral de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, JEFERSON BOTELHO PEREIRA:

Conclui-se, pois, que a Lei 12.527/2011 garante ao cidadão o exercício constitucional de acesso às informações. Contudo, não impede o Estado, enquanto Polícia Investigativa e ou Poder Judiciário de preservar, por um período estritamente necessário, informações constantes em um Inquérito Policial, que possam colocar em risco a ordem e a segurança da sociedade, direitos fundamentais sociais, também garantidos constitucionalmente.[8]

No mesmo sentido, dispõe FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:

Se o inquérito policial visa à investigação, à elucidação, à descoberta das infrações penais e das respectivas autorias, pouco ou quase nada valeria a ação da Polícia Civil se não pudesse ser guardado o necessário sigilo durante a sua realização. O princípio da publicidade, que domina o processo, não se harmoniza, não se afina com o inquérito policial. Sem o necessário sigilo, diz Tornaghi, o inquérito seria uma burla, um atentado. Se até mesmo “na fase judicial a lei permite ou impõe o sigilo”, quanto mais em se tratando de simples investigação, de simples colheita de provas.[9]

Portanto, verificamos a determinação de sigilo, seja ele baixo ou elevado, a depender do caso concreto, pois todo inquérito é sigiloso, sendo alterado somente o nível de sigilo.

Se o crime é muito grave, envolve organizações criminosas, tem participações no exterior, por exemplo, teria um alto nível de sigilo, para que as autoridades policiais pudessem elaborar o inquérito de forma tranquila, sem que os indiciados atrapalhassem as investigações, sendo suprimido neste caso, o direito à informação dos acusados, uma vez que há o conflito entre o direito do investigado e a paz e segurança pública, prevalecendo este último objeto jurídico penalmente tutelado.

É certo que todo crime merece repressão, no entanto, se o crime for de preceito secundário mais brando, entende-se que o nível de sigilo também é mais baixo, e, portanto, que o investigado possui mais direito à informação do que com relação ao caso anterior, pois do mesmo modo, há o conflito de direitos, e desta vez, ainda não prevalece o direito à informação do indiciado, já que este nunca pode prevalecer perante o direito material violado, mas constata-se um nível de sigilo menor, e consequentemente, o direito à informação do acusado um pouco mais amplo.

Portanto, vê-se que atualmente, o posicionamento mais adotado acerca do direito à informação do investigado é de que, o direito a publicidade sofre restrições, e o sigilo do inquérito policial é uma delas, considerando o indiciado como objeto de investigação, e não sujeito de direitos.

 

 

4 JUS PUNIENDI EM FACE DA CIÊNCIA DO INVESTIGADO SOBRE O INQUÉRITO

 

 

Jus puniendi consiste no poder de punir do Estado, pois os bens tutelados pelas normas penais são eminentemente públicos, e a sociedade é o principal sujeito passivo do crime, por isso, o direito de impor sanção constitui monopólio do Estado.

Partindo do pressuposto que o Estado tem direito de punir o suposto réu, e justamente por essa finalidade é feito um inquérito policial, para que o Ministério Público, que tem o direito dever de propor a ação penal, analise as provas colhidas e, reconhecendo a autoria e materialidade do crime, inicie a fase judicial da persecução, como ficaria a elaboração deste inquérito perante a ciência do investigado de tal procedimento? Se o indiciado soubesse da investigação, esta poderia ser feita com qualidade e segurança? Ou diante dessa situação, ela não atenderia mais a sua finalidade?

É certo que se o agente objeto da investigação souber da existência do inquérito e das diligências a serem realizadas para sua elaboração, seu direito a informação e a intimidade estariam sendo plenamente respeitados, mas, em contrapartida, é notório o fato de que ele tentaria ao máximo desviar os vestígios do crime, de modo a não chegar ao conhecimento das autoridades policiais, com a finalidade de afastar uma futura ação penal e consequentemente, uma eventual sanção.

Neste sentido, explica FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:

Já que o Estado é o titular do jus puniendi. Pois bem: quando se verifica uma infração, o titular do direito de punir, quer dizer, o Estado, desenvolve, inicialmente, uma agitada atividade por meio de órgãos próprios, atividade essa que visa a colher informações sobre o fato tido como infracional e a respectiva autoria. Essa investigação, ou, se quiserem, essa primeira atividade persecutória do Estado, que grosso modo, é realizada pela Polícia Judiciária, é informada de uma série de diligências, tais como: buscas e apreensões, exames de corpo de delito, exames grafoscópicos, interrogatórios, depoimentos, declarações, acareações, reconhecimentos que, reduzidos a escrito ou datilografados, constituem os autos do inquérito policial.[10]

[...] Não se concebe investigação sem sigilação. Sem o sigilo, muitas e muitas vezes o indiciado procuraria criar obstáculos às investigações, escondendo produtos ou instrumentos do crime, afugentando testemunhas e, até, fugindo à ação policial. Embora não se trate de regra absoluta, como se entrevê da leitura do art. 20 deve a Autoridade Policial empreender as investigações sem alarde, em absoluto sigilo, para evitar que a divulgação do fato criminoso possa levar desassossego à comunidade. E assim deve proceder para que a investigação não seja prejudicada. Outras vezes o sigilo é mantido visando amparar e resguardar a sociedade, vale dizer, a paz social.[11]

Deste modo, vê-se que o jus puniendi é condicionado de forma indireta ao sigilo do inquérito policial, que é elemento indispensável para a boa e válida elaboração do procedimento, sendo variável o nível deste pressuposto de acordo com cada caso em concreto, levando-se em consideração o objeto jurídico tutelado pela norma penal e a correspondente pena cominada.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no dia 18/11/2008 julgou o pedido de habeas corpus com o seguinte entendimento:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ACESSO DOS ACUSADOS A PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS. ART. 7, XIV, DA LEI 8.906/94. ORDEM CONCEDIDA. I - O acesso aos autos de ações penais ou inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de seus defensores, configura direito dos investigados. II - A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que lhe assegura a assistência técnica do advogado. III - Ademais, o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB estabelece que o advogado tem, dentre outros, o direito de "examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos". IV - Caracterizada, no caso, a flagrante ilegalidade, que autoriza a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. V - Ordem concedida.[12]

Vale ressaltar ainda, que o tribunal superior editou a súmula vinculante nº 14 sobre o assunto:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Portanto, extrai-se a ideia de que há um sigilo para o trâmite do inquérito policial, pois caso contrário, seria inviável notificar o indiciado das diligências a serem realizadas, já que ele burlaria a elaboração da investigação, tornando-a ineficaz.

Frisa-se a expressão “já documentados”, o que nos mostra a concepção dos ministros ao editar essa súmula, que permite o acesso amplo ao inquérito policial, das diligencias já feitas, que sua vez se refere às provas já documentadas.

Logo, antes dos atos investigatórios serem realizados eles ficam sob sigilo, e após a prática desses atos, quando eles são documentados e passam a integrar literalmente aos autos do inquérito, o indiciado começa a ter seu direito à informação mais palpável, na medida em que, de acordo com o STF, o investigado tem direito de acesso aos autos do inquérito, como forma de efetivar seu direito de defesa.

 

 

5 CONCLUSÃO

No presente trabalho abordamos de forma sucinta a funcionalidade do inquérito policial, mais especificadamente seu caráter inquisitorial, deduzindo que no inquérito, não há a presença da ampla defesa, uma vez que esta abarca a defesa técnica, o que não é permitida no inquérito, por se tratar de um procedimento administrativo, o qual não instaura uma relação jurídica processual e não há acusação.

Ao adentrar no aspecto sigiloso do inquérito, vimos que este se faz requisito necessário, uma vez que sem ele, o inquérito não conseguiria atingir um alto nível de qualidade, de modo que não seria totalmente apto a comprovar a autoria e materialidade do crime, já que o indiciado certamente tomaria atitudes a fim de despistar a investigação. Contudo, tal sigilo deve ser analisado conforme as peculiaridades do caso concreto, sendo volúvel o nível do sigilo a ser determinado.

Logo após, tratamos acerca do direito à informação do investigado, a qual concluímos que todos desfrutamos do direito constitucional de acesso a informação, porém, no que tange ao inquérito policial, o Estado goza da autonomia de resguardar algumas informações por um tempo determinado, a fim de preservar principalmente, a tranquilidade, segurança e paz da sociedade, e secundariamente, a garantia, o direito e o dever do Estado de punir o indiciado, caso a autoria e materialidade do crime seja comprovada.

Por fim, adentramos a problemática do jus puniendi em face da ciência do inquérito pelo investigado, e mais uma vez, avistamos a impossibilidade de dar tal informação ao suposto réu, uma vez que o direito a informação do indiciado, neste caso, é meramente simbólico, sendo concretizada apenas posteriormente, quando o inquérito já tiver sido elaborado, e eventualmente já instaurada a ação penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Sobre o acesso à informação. Brasília, 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 13 de setembro de 2014.

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[2] Processo Penal, 2011, p. 240.

[3] Direito Processual Penal, 2013, p. 71

[4] Processo Penal, 2011, p. 259/260.

[5] Direito Processual Penal, 2013, p. 92.

[6] Direito Processual Penal, 2013, p. 92

[7] Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm>. Acesso em 31 ago. 2014.

[8] PEREIRA, Jeferson Botelho. Lei de acesso à informação e o inquérito policialJus Navigandi, Teresina, ano 17n. 3243[18] maio [2012]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21801>. Acesso em: 31 ago. 2014.

[9] Processo Penal, 2011, p. 253

[10] Processo Penal, 2011, p. 239-240

[11] TOURINHO FILHO (18ª ed., p. 188) apud MONTALVãO, A. Fernando D.. Inquérito policial sigilo irrestrito. Impossibilidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 25, jan 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=757>. Acesso em set 2014.

[12] BRASIL. Superior Tribunal Federal. Processual Penal. Habeas-corpus nº 94.387-0 Rio Grande do Sul, Brasília, DF, 18 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000001819&base=baseAcordaos> acesso em 10 de setembro de 2014.


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