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Moeda falsa e outros crimes

Moeda falsa e outros crimes

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Para a imitação da moeda, não se faz necessário que ela seja perfeita. A conduta se perfaz quando o agente consiga dar-lhe, através de um artifício material, a aparência de uma moeda de curso legal.

I – A MOEDA FALSA E OS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

Nos estudos sobre a matéria tem-se que Gaetano Fliangieri (Scienza della legislazione, Milão, 1817, IV, 109), atribuiu por fé pública, a fé que é depositada em certas pessoas, as quais, por força do cargo que ocupam ou a função que desempenham, são merecedoras da confiança geral.

Por sua vez, para Pietro Mirto (La falsità in atti, Milão, 1955, pág. 72), a falsidade é limitada à confiança que é imposta através da eficácia jurídica atribuída pela lei a certas coisas, sinais ou formas exteriores. Sendo assim, é conhecida a opinião de Carrara, incluindo entre os crimes contra a fé pública, o peculato, a bancarrota, a falsidade monetária, a falsidade em documento público e a falsidade em selos. Excluía todas outras falsidades pessoais e em ato, que atentavam apenas contra o que chamava de fé privada. Assim pensaram Pessina, Civoli e Tolomei, entre outros.

Arturo Rocco, autor do Projeto do Código Penal Italiano, sustentava, em sua monografia L¨oggeto del reato e della tutela giuridica penale, Roma, 1932, volume I, pág. 595) ser a fé pública “ a confiança que a sociedade deposita nos objetos, sinais e formas exteriores (moedas, emblemas, documentos), aos quais o Estado, mediante o direito, privado ou público, atribui um valor probatório qualquer, bem como a boa-fé e o crédito dos cidadãos nas relações da vida comercial e industrial”.

Realmente a fé pública, como bem nos ensinou VIncenzo Manzini (Trattato di diritto penale italiano, Torino, 1951, volume VI, pág. 437) é a confiança enquanto fenômeno permanente, enquanto costume social e não como fato meramente contingente e individual (estelionato, apropriação indébita, etc).

Em verdade, não se pode duvidar que a fé pública configura um bem-interesse que merece a tutela do direito. A fé pública é um interesse público que é similar à segurança pública e a limpeza pública.

Francesco Antolisei (Manuale di diritto penale, parte speciale, Milão, 1977, volume II, pág. 536), nos faz atentar que a atividade do falsário busca atingir “ aquele interesse específico que é garantido pela genuinidade e pela veracidade dos meios de prova”, daquele interesse que, se a falsidade não houvesse ocorrido, os meios probatórios não teriam sido lesados. Incriminando a moeda falsa a lei não tutela apenas a fé pública, mas também o interesse estatal na regularidade da circulação monetária.

Porém, como nota Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao Código Penal, volume III, 1989, São Paulo, Saraiva, pág. 332) a necessidade da prova só se faz sentir num momento posterior àquele em que o respeito à verdade deveria fazer-se, quer no sentido da genuinidade, quer no de veracidade. A moeda deve ser genuína no instante em que é cunhada, como o documento deve ser verdadeiro no momento da redação do ato. Após a moeda entrar em curso, ou o documento ter sido redigido, como bem ensinou Paulo José da Costa, poderá ser contestada a sua genuinidade ou a sua veracidade, surgindo a necessidade do que chamamos de prova.

A doutrina traz requisitos para a caracterização geral do crime de falso: a imitação ou alteração da verdade; a possibilidade de dano; o dolo.

Como lecionou Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, volume II, Rio de Janeiro, Forense, 5ª edição, 1986, pág. 291), o primeiro requisito atende-se quando se apresenta ou se altera a realidade, de forma a proporcionar uma falsa representação da mesma. É a imitação ou a mutação da verdade. No primeiro caso, o agente  forma ou fabrica a moeda ou o documento falso; no segundo, altera o documento ou a moeda genuínos, assim como atende-se a esse requisito quando alguém formula uma declaração falsa (artigo 299, 300, 301, etc), caso em que (como se tem do exemplo da falsidade ideológica) o falso está não na falta de autenticidade, mas na falta de veracidade. De tal forma que o importante é que se apresente como verdadeiro ou autêntico o que é falso, o que proporciona uma falsa representação da realidade. Essa a primeira característica do crimen falsi.

A segunda característica é a relevância jurídica da falsidade, que se expressa na possibilidade de dano. Isso porque não se pune o falso inócuo que não envolve qualquer dano ou perigo de dano.

Por fim, o agente deverá ter consciência de causar o dano a que se refere a ação delituosa.

É certo que o Código Imperial seguiu o sistema do código penal francês, sem classificação sistemática dos crimes desta espécie. Por sua vez, o Código Penal de 1890, no título VI, Parte Especial, previa os crimes contra a fé pública, incluindo, porém, observem, o falso testemunho e a denunciação caluniosa, que, em verdade, são crimes contra a Administração da Justiça.

Bem disse ainda Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 292),  que nem todos os crimes de falso estão entre os crimes contra a fé pública, estando entre os crimes patrimoniais alguns delitos que têm características de crimes de falso, como a emissão de cheques sem fundo sem suficiente provisão de fundos (artigo 171, § 2º, nº VI), a duplicata simulada (artigo 172), a emissão irregular de conhecimento de depósito ou warrant (artigo 178). O registro de nascimento inexistente é crime contra a família (artigo 241). Isso porque a legislação atribuiu uma maior importância a ouros aspectos do fato incriminado.

Seja como for, o Código Penal, no titulo X, divide a matéria com relação ao crime de falso em quatro capítulos:

  1. Moeda falsa;
  2. Da falsidade de títulos e outros papeis públicos;
  3. Da falsidade documental;
  4. De outras falsidades.

 O presente artigo tem o modesto propósito de estudar o crime de moeda falsa, que contempla: moeda falsa (artigo 289); crimes assimilados à moeda falsa (artigo 290); petrechos para a falsificação de moeda (artigo 291) e emissão de títulos ao portador sem permissão legal (artigo 292) e ainda estudar outros crimes descritos em legislação extravagante.


Ii – CRIME DE MOEDA FALSA

Observemos a redação do artigo 289, seu caput, parágrafos.

Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro:

Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa.

Nas Ordenações Filipinas, no Livro V, tít. 12, se dispunha: “ Moeda falsa he toda aquella, que não he feita per mandado do Rei, em qualquer maneira que se faça, ainda que seja feita daquella materia e forma, de que se faz a verdadeira moeda, que o Rei manda fazer: porque conforme a Direito ao Rei somente pertence faze-la, e a outro algum não, de qualquer dignidade que seja. E por moeda falsa ser cousa muito prejudicial na Republica, e merecem ser gravemente castigados os que nisso forem culpados, mandamos que todo aquelle, que moeda falsa fizer, ou a isso der favor, ajuda ou conselho, ou for dello sabedor, e o não descobrir, morra morte natural de fogo, e todos os seus bens sejam confiscados para a Coroa do Reino”.

A matéria foi contemplada no Código Imperial, no artigo 173, configurando uma forma agravada “ se a moeda não for fabricada da matéria ou com o peso legal”. A pena era de prisão, com trabalho, por um a quatro anos, além de multa. Por lei de 3 de outubro de 1833, a pena passou a ser de galés para a Ilha de Fernando de Noronha, pelo duplo da pena de prisão cominada pelo Código criminal (artigo 8º). Na reincidência a pena passou a ser de galés perpétuas.

O Código de 1890, já na República, previa este crime no artigo 239, introduzindo outras modalidades do fato delituoso, com as alterações feitas pelos Decretos 2.110, de 30 de setembro de 1909, e 4.780, de 27 de dezembro de 1923.

Observe-se pela gravidade das penas aplicadas, hoje abominadas no direito penal moderno, a resposta estatal a tal crime, que foi objeto da Convenção de Genebra, de 20 de abril de 1929, Convenção ratificada pelo Brasil pelo Decreto 3.074, de 14 de setembro de 1938.

A objetividade jurídica do crime é a veracidade probatória.

 O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, daí ser um crime comum. Porém se se tratar de funcionário público, diretor, gerente ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação, a conduta recai no artigo 289, § 3º, que comina pena agravada no limite Maximo de quinze anos, e não doze.

Sujeito passivo  é a coletividade.

Estudemos a conduta.

A conduta se perfaz com o fabricar, alterar a moeda de curso legal no país, ou no estrangeiro.

Fabricar é a contrafação da moeda metálica ou do papel-moeda. Contrafazer é criar uma coisa totalmente similar à outra, de maneira a levar ao engano sobre a sua essência.

Mas, para a imitação da moeda, não se faz necessário que ela seja perfeita. A conduta se perfaz quando o agente consiga dar-lhe, através de um artifício material, a aparência de uma moeda de curso legal, como já ensinou Manzini (obra citada, pág. 445).

Alterar a moeda é modificá-la para que venha a apresentar um maior valor, seja pela limadura, raspagem ou serradura.

É indiferente o processo de fabricação, seja litografia ou off-set; cunhagem; alteração.

É indiferente à lei, a quantidade, a qualidade da moeda falsificada, seja real, dólar, euro. Mas é indispensável que se trate de moeda de curso forçado ou legal, que se traduz na obrigatoriedade de aceitação da moeda nas relações econômicas.

 Aquele que fabricar moeda rara, fora de circulação, poderá incorrer em crime de estelionato. Mas, Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 299) nos ensina que a modificação do dinheiro recolhido, para reintroduzi-lo em circulação, configura a fabricação. Outra questão a estudar  diz respeito a dúvida se  a conduta, consubstanciada    na aposição de números e de letras de cédulas verdadeiras, no recorte e na colagem de fragmentos de papel-moeda, compondo outra, de maior valor,  se representaria no crime previsto no artigo 289 (alteração da moeda) ou ainda do artigo 290 (formar cédula).

Para Magalhães Noronha (Direito Penal, volume IV, São Paulo, Saraiva, 1986, pág. 106), na linha de Nelson Hungria (Comentários do Código Penal, volume IX, pág. 211), trata-se de alteração, uma vez que a cédula já existia e é modificada pela substituição de números e letras. Isso difere da formação, artigo 290, criação de cédula com fragmentação de outras, já sem valor (RTJ 33/506).

O crime é de perigo, com a fabricação da moeda, independentemente de ser ela posta ou não em circulação. Se o agente desistir de forma voluntária da falsificação deverá responder pelo crime do artigo 291 (petrechos para falsificação), que tem natureza residual e subsidiária. Mas admite-se a tentativa, pois ele pode ser verificado de forma fragmentária.

E se a falsidade for grosseira? O crime será impossível, por absoluta impropriedade do objeto (artigo 17), afirma Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 336). Mas pode o crime ser visto como estelionato (artigo 171), se conseguir iludir alguém, mesmo sendo grosseira a contrafação, como afirmam, de forma correta, Alberto Silva Franco e outros (Código penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo, 1980, volume IV, titulo I, pág. 812, n.8). Ocorre o estelionato quando a moeda é grosseiramente falsificada, sendo insuscetível de iludir uma pessoa de diligência ordinária (RTJ 85/430; RF 148/365).

Exige-se o dolo genérico, vontade livre e consciente de fabricar moeda, imitando ou alterando a verdadeira, sabendo o agente que procede ilegitimamente, criando uma situação de perigo, não se exigindo uma finalidade de se obter um proveito econômico, ou de introduzir a moeda em circulação (dolo especifico).


III – CIRCULAÇÃO DE MOEDA FALSA

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa.

Trata-se de crime de ação múltipla, tipo misto alternativo, que deve, na enumeração apresentada, ser interpretado de forma taxativa. Seja como for há a prática de um único crime, no fato de se adquirir a moeda falsa e introduzi-la em circulação.

Importar é introduzir no País. Exportar é retirar do país para o estrangeiro. Vender é alienar a moeda falsa. Trocar é permutar. Ceder é transferir a terceiro a moeda, a qualquer título. Emprestar é ceder provisoriamente, sob condição de ser restituída a própria coisa. Guardar significa ter o agente a moeda  consigo, em depósito ou sua disposição. Introduzir na circulação significa passar a moeda a terceiro de boa-fé, utilizando-se dela para adquirir alguma coisa.

O objeto material é a moeda falsa, nacional ou estrangeira.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o uso de moeda falsa não comporta aplicação do principio da insignificância, como se lê de decisão da Segunda Turma, por unanimidade de votos, no HC 112.708, Relator Ministro Ricardo Lewandowski,  impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de irmãos condenados, no Maranhão, por colocar em circulação duas notas falsas de R$50,00 (cinqüenta reais). A esse propósito, ainda decidiu o Supremo Tribunal Federal, na matéria, na mesma linha, no HC 105.638/GO, Relator Ministra Rosa Weber; no HC 111.266/SP e ainda no HC 97.220/MG, Relator Ministro Ayres Brito.

O tipo penal, como se vê, não tem como pressuposto a ocorrência de um prejuízo econômico objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem intangível, que corresponde à confiança que a população deposita em sua moeda, colocando em risco a credibilidade do sistema financeiro, o que impede o reconhecimento da atipicidade da conduta, mesmo que não tenha resultado em prejuízo de monta.

Totalmente irrelevante que a moeda falsa seja passada a terceiro de boa-fé  em pagamento de um negócio que pode ser moral ou imoral, lícito ou ilícito, não importando que o terceiro que recebe a moeda esteja a praticar uma conduta ilícita, como quando o tóxico é adquirido com moeda falsa. Até mesmo é indiferente se a moeda é dada como esmola.

A moeda falsa, repita-se, deve ser apta a enganar, pois a falsificação rude pode ser configurada como estelionato.

Se o passador da moeda houver participado da falsificação, auxiliando o agente principal, responde pelo crime previsto no artigo 289 , em coautoria, a teor do artigo 29 do CP.

É admissível a forma tentada.

Na modalidade de guardar é crime permanente, podendo comportar a forma omissiva, não deixando de ter consigo, ou em depósito a moeda, falsa, após ter realizado uma conduta comissiva, passando a ter a coisa em depósito.

O elemento subjetivo é o dolo genérico, que consiste na vontade consciente de praticar qualquer das modalidades referenciadas.


IV – CIRCULAÇÃO DE MOEDA FALSA RECEBIDA DE BOA-FÉ

§ 2º - Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

O tipo penal privilegiado era previsto no Decreto 4.780, 27 de dezembro de 1923, que passou a integrar a Consolidação das Leis Penais, artigo 242.

O sujeito ativo é qualquer um que não seja o falsificador, ou pessoa que houver recebido a moeda que sabe falsa. Sujeito passivo é a pessoa que recebe a moeda falsificada.

O objeto material é o mesmo das hipóteses anteriores. O agente recebe, de boa-fé, como verdadeira moeda falsa ou alterada, mas a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade.

É crime doloso que admite a tentativa.


V – FABRICAÇÃO OU EMISSÃO IRREGULAR DE MOEDA

- É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão:

I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei;

II - de papel-moeda em quantidade superior à autorizada.

Salvaguarda-se a moeda metálica, na primeira modalidade. A segunda modalidade envolve a chamada “ peste circulante”, de nefastas consequências. Em ambas as hipóteses é crime formal, que se consuma com a prática da ação, independentemente do resultado, exigindo a forma dolosa (dolo genérico).

Trata-se de crime formal que se consuma com a fabricação ou, conforme o agente, com a simples autorização, sendo possível a tentativa. No entanto, exigindo para a consumação a fabricação ou emissão, tem-se a lição de Nelson Hungria (obra citada, pág. 226) e ainda de Magalhães Noronha (obra citada, volume IV, pág. 175).

Interessante a lição de Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 314) quando diz que poderá haver concurso material se o agente praticar, a seguir, qualquer outro crime com a moeda produzida irregularmente, seja peculato, estelionato, como exemplo. Porém leve-se em conta que o crime de moeda falsa contém os elementos do estelionato, tendo classificação especial em virtude do interesse público em reprimir a fraude e absorvendo os delitos patrimoniais (RF 129/550, 183/315).


VI – DESVIO E CIRCULAÇÃO INDEVIDA

§4º - Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada.

 O elemento material do crime é desviar e fazer circular. Um tipo misto que exige ambas as modalidades para seu aperfeiçoamento. O agente desvia, retirando o dinheiro de onde se encontrava, e o faz circular antes da data autorizada.

Como acentua Nelson Hungria (obra citada, pág. 226) “ o desvio a que se refere o texto legal deve preceder o antecipado lançamento da moeda na circulação”.

O desvio sem ocorra a circulação se caracteriza em tentativa.

O crime é comum.

O elemento subjetivo é o dolo.  


VII – COMPETÊNCIA

Os crimes previstos no artigo 289, violando a fé pública da União, seu patrimônio e interesses, devem ser apreciados pela Justiça Comum Federal (RF 133/239). Ainda é da Justiça Federal (artigo 109, V, da CF) a competência para instruir e julgar crimes de falsificação de moeda estrangeira, como ainda se vê da leitura do artigo 3º da Convenção promulgada pelo Decreto nº 3.074, de 14 de setembro de 1938. Por sua vez, a competência da Justiça Comum Estadual existirá se o papel não tiver curso legal e a falsificação for apenas para fins numismáticos ou mero elemento de fraude comercial ou estelionato (RT 444/414).


VIII  – CRIMES ASSIMILADOS A MOEDA FALSA

Art. 290 - Formar cédula, nota ou bilhete representativo de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros; suprimir, em nota, cédula ou bilhete recolhidos, para o fim de restituí-los à circulação, sinal indicativo de sua inutilização; restituir à circulação cédula, nota ou bilhete em tais condições, ou já recolhidos para o fim de inutilização:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Parágrafo único - O máximo da reclusão é elevado a doze anos e multa, se o crime é cometido por funcionário que trabalha na repartição onde o dinheiro se achava recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo.

Qualquer pessoa pode cometê-lo.

São varias as condutas previstas:

  1. Formar cédula, nota ou bilhete representativo da moeda com fragmentos de verdadeiros, imprestáveis ou não, quando o agente usa, justapõe fragmentos de cédulas, formando uma moeda falsa com aparência de autêntica; com pedaços forma uma. Já se entendeu que a simples aposição de números ou dizeres de uma cédula verdadeira em outra, configura o crime previsto no artigo 290 do CP (RT 175/515, dentre outros);
  2. Suprimir sinal indicativo da inutilização da cédula, quando o agente apaga, elimina o sinal, por lavagem, raspagem, utilização de substâncias químicas, preenchimento de perfuração, por exemplo;
  3. Restituição à circulação do papel nas condições já mencionadas (formado por fragmentos ou com o sinal indicativo de inutilização  suprimido).

Praticando o agente duas condutas só responde por um crime.

Por sua vez, não prevendo a lei outras condutas, aplica-se o artigo 180 (receptação) para aquele que recebe, a qualquer título (importação, aquisição, compra, empréstimo, cessão, troca, guarda em nome próprio ou em nome alheio).

O tipo penal é doloso. Para Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, São Paulo, Atlas, 22ª edição, pág. 189), na primeira conduta o tipo está consumado com a simples formação do papel-moeda, independente de qualquer lesão, exigindo-se, porém, a imitatio veri. Na segunda modalidade, a consumação ocorre com a supressão do sinal indicativo de inutilização e na terceira, com a entrada da moeda em circulação.

O crime é plurissubsistente, podendo haver tentativa. 

O parágrafo único, do artigo 290, prevê um crime com violação dos deveres do cargo, um crime especial que apenas pode ser cometido por funcionário público (artigo 327 do CP). Ainda cita-se Mirabete (obra citada, pág. 190), que considera indispensável para a existência desse crime funcional que a conduta seja praticada na repartição onde o agente trabalha, normalmente o local onde o dinheiro é recolhido, ou que, não o sendo, possa ingressar facilmente no local em decorrência das suas atividades no cargo em que ocupa. Porém, a referência à pena de multa de quarenta mil cruzeiros está prejudicada, a teor do artigo 2º da Lei 7.209/84.


IX – PETRECHOS PARA FALSIFICAÇÃO

Art. 291 - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

A objetividade jurídica envolve o exame da fé pública com relação à autenticidade da moeda. Aqui os fatos que são incriminados envolvem o perigo de falsificação, onde se criminalizam atos preparatórios dos crimes de falsificação da moeda.

Sujeito ativo é qualquer pessoa e o sujeito passivo é a coletividade, o Estado pelo risco que oferece à fé pública e a possibilidade de falsificação da moeda pelo sujeito que vem a fabricar,  guardar os petrechos.

São condutas típicas:

  1. Fabricar: produzir, manufaturar, construir, criar, montar;
  2. Adquirir: obter de qualquer forma, seja de proveniência licita ou não;
  3. Fornecer: entregar, proporcionar, abastecer, doar, vender;
  4. Possuir: ter um bem ou a posse material da coisa;
  5. Guardar: ter consigo, a sua disposição, conservar, proteger coisa de outrem.

O objeto material é o petrecho para a fabricação da moeda, envolvendo: maquinismo (conjunto de peças ou mesmo uma maquina), aparelho (conjunto de mecanismos, engenho, utensílio para uso), instrumento (objeto mais simples que o aparelho e que serve de agente mecânico para execução de qualquer trabalho). Num item estão: placas, moldes, cunhos, clichês, lâminas, modelos, fotografias e mecanismos, matérias-primas, reativos, todos destinados à fabricação da moeda, desde que seja inequívoco o destino do maquinismo, aparelho ou instrumento que seja destinado à esse serviço, não deixando de existir o crime “se os objetos adquiridos ou detidos são autênticos ou tenham sido subtraídos de repartição pública incumbida do fabrico da moeda”, como ensinou Nelson Hungria (obra citada, pág. 231).

Exige-se o dolo genérico como elemento subjetivo do tipo.

Nos casos de posse ou guarda o crime é permanente. É possível a tentativa em qualquer das condutas.

Se o agente praticar duas condutas (fabricar e fornecer) o crime é único, uma vez se tratando do mesmo objeto material, pois haverá concurso se se tratar de coisas diversas. Mas se falsificar o agente a  a moeda falsa responde pelo crime do artigo 289 do CP, ficando o outro crime absorvido pelo mais grave.

A competência para instruir e julgar o crime, tendo em vista o interesse da União Federal, é da Justiça Federal.


X – EMISSÃO DE TITULO AO PORTADOR SEM PERMISSÃO LEGAL

Art. 292 - Emitir, sem permissão legal, nota, bilhete, ficha, vale ou título que contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou a que falte indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, permitindo a concessão do benefício da transação penal, previsto no artigo 76 da Lei 9.099/95.

A incriminação surgiu com o Decreto 117 – A, de 15 de setembro de 1893, que foi reproduzida pelo artigo 404 da chamada Consolidação das Leis Penais.

A objetividade jurídica é a fé pública.

Sujeito ativo é aquele que emite o título ao portador, sem permissão legal, sabendo-se que a emissão compreende dois atos: subscritar e depois emitir. Em regra o que subscrita, ao preencher os dizeres do titulo, é aquele que o emite. Mas poderá haver hipótese de duas pessoas diversas, uma a subscritar e outra a emitir propriamente, respondendo ambas pelo crime, se cientes de que a  conduta se fazia sem permissão legal. Mas se um deles tivesse, todavia, intenção de conservar o titulo, guardando-o sem introduzi-lo na circulação, somente o outro responderá pelo crime, com concluiu Paulo José da Costa (obra citada, pág. 354).

A conduta em discussão no tipo envolve emitir título ao portador.

Ensina-nos Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume III, 1975, Rio de Janeiro, Forense, pág. 487) que título ao portador é aquele que traduz a obrigação de prestar, e é dirigido a um credor anônimo. Trata-se de um setor ponderável da vida econômica, razão pela qual a matéria foi tratada pelo Código Penal. O legislador italiano, Código Civil de 1942, elaborou uma dogmática unitária, em decorrência natural da unificação do direito obrigacional. Sabido é que o traço fundamental do titulo ao portador é a exigibilidade da prestação por qualquer pessoa que o detenha, salvo o caso de desapossamento injusto, em que o devedor será judicialmente intimado a que não pague o capital ou o interesse. Não é mero instrumento probatório, porém documento constitutivo da obrigação, como não é o simples reconhecimento de uma dívida, mas um título obrigatório em si mesmo. Ainda da lição de Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 489), tem-se  como corolários desse princípio: que ela se transmite por simples tradição manual, sem declaração do favorecido originário, e sem qualquer comum comunicação ou notificação ao subscritor ou emissor; que o emitente libera-se pagando a qualquer detentor, ainda que não autorizado a dele dispor, e mesmo que tenha sido o título posto em circulação contra a vontade do devedor; que o emissor não pode opor a quem lhe reclama a solutio qualquer defesa senão a que se baseia na ineficácia do próprio título, ou em direito pessoal oponível ao portador, dispensando este de justificar o seu direito, salvo se estiver de má-fé, mas, como se não presume esta, deverá ser provada, como no caso de apropriação indébita ou furto do titulo; o devedor não é obrigado a pagar senão contra a entrega do próprio título; extraviado ou destruído este, deverá ser promovida a sua nulidade pela via regular, processualmente, à luz do Código de Processo Civil.

A posição doutrinária é de que títulos como letras de câmbio, cheques, notas promissórias, poderão ser livremente emitidos sem atentarem contra o dispositivo exposto. Ainda não se configura o tipo penal se há emissão de vales íntimos, começo de prova por escrito, e ainda os chamados vales de caixa, usados para comprovar uma retirada de dinheiro, adiantamento ou mesmo empréstimo rápido, que não se destinam a circulação indiscriminada.

O titulo ao portador se transmite por simples tradição manual, sem autorização especial de quem primeiro  o tenha aceito, sem endosso, por isso mesmo o subscritor é obrigado não em relação a um credor determinado, mas em relação ao portador, seja quem for, como ensinou Clóvis Beviláqua (Direito das obrigações, 1945, pág. 194).

Sendo assim o objeto material do crime é a nota, bilhete, ficha, vale ou titulo contendo promessa de pagamento em dinheiro ao portador. Trata-se de norma penal em branco.

Consuma-se o crime quando o titulo ao portador é introduzido na circulação, ou seja, quando o agente o entrega ou o envia ao tomador.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico.


XI -         AQUISIÇÃO OU USO DE TITULO NÃO PERMITIDO

Parágrafo único - Quem recebe ou utiliza como dinheiro qualquer dos documentos referidos neste artigo incorre na pena de detenção, de quinze dias a três meses, ou multa.

O parágrafo único do artigo 292 do CP incrimina a conduta do tomador do titulo, daquele que o recebe, ou quem utiliza o mesmo como dinheiro.

O tipo penal requer o dolo, sempre que o agente tem ciência de que não há permissão legal para a circulação do titulo. Quando o tomador estiver de boa-fé, não há dolo na aquisição do título irregular. Para Mirabete (obra citada, pág. 195), será responsabilizado, porém, se, após tomar conhecimento da ilegalidade, utilizar o titulo, ao transferir ou caucionar.


XII – CRIMES ESPECIAIS

A legislação extravagante, Lei nº 7.492/86, em seus artigos 2º, 7º e 16º apresenta tipos penais envolvendo crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, aplicando-se o princípio da especialidade,  senão vejamos:

Art. 2º Imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em circulação, sem autorização escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de título ou valor mobiliário:

        Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários:

        I - falsos ou falsificados;

        II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados;

        III - sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da legislação;

        IV - sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida:

        Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

        Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Voltemo-nos para o crime do artigo 2º da Lei nº  7.492/86.

O tipo penal  em discussão incrimina a impressão, a reprodução ou a fabricação de qualquer documento representativo de titulo ou valor mobiliário. Da mesma forma, pune-se igualmente aquele que colocar ou puser em circulação o documento ilegítimo, produzido por outrem.

Sujeito ativo é o proprietário da gráfica que imprimir bem como aquele que puser em circulação os títulos referidos no artigo. O sujeito passivo são os investidores, prejudicados com o titulo ilegítimo, bem como o Estado, lesado com essa conduta ilícita.

O fabrico far-se-á com a impressão, reprodução ou por qualquer outro modo similar de que venha o agente a servir-se.

Poderão ser utilizados além da reprodução, processos reprográficos, fotográficos ou outros similares.

O delito é material e instantâneo, podendo haver hipótese de tentativa.

O artigo 7º da Lei 7.492/86 apresenta um crime material que tem iter criminis fracionável, possibilitando a tentativa.

Assim se apresenta o tipo penal em discussão.

Já com a edição da Lei nº  4.728/1965, com a redação dada ao artigo 74,  tinha-se que ¨quem colocar no mercado ações de sociedade anônima ou cautelas que a representem, falsas ou falsificadas, responderá por delito de ação penal pública e será punido com penas de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão.”

Por sua vez, em seu parágrafo único, do mesmo artigo 74, tem-se que ¨incorrerá nas penas previstas naquele artigo quem falsificar ou concorrer para a falsificação ou uso indevido de assinatura autenticada mediante chancela mecânica.”

Da leitura do  artigo 72, da chamada lei que disciplinou o mercado de capitais, se tem que ¨ninguém poderá gravar ou produzir clichês, compor tipograficamente, imprimir, fazer, reproduzir ou fabricar de qualquer forma, papéis representativos, de ações ou cautelas, que os representem ou títulos negociáveis de sociedades sem autorização escrita e assinada pelos respectivos representantes legais, na quantidade autorizada”.

O artigo 73 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, determina que ¨ninguém poderá fazer, imprimir ou fabricar ações de sociedades anônimas, ou cautelas que as representem, sem autorização escrita e assinada pela respectiva representação legal da sociedade, com firmas reconhecidas.¨

Por sinal, a teor do artigo 3º, incisos V e VIII da Lei nº  4.728/1965, compete ao Banco Central “ registrar títulos e valores mobiliários para efeito de sua negociação nas Bolsas de Valores¨e fiscalizar a observância das normas legais e regulamentares relativas à emissão, ao lançamento, à subscrição e à distribuição de títulos ou valores mobiliários colocados no mercado de capitais.”

As ações (menor fração do capital social de uma empresa), como lecionou J. C. Sampaio de Lacerda (Manual das sociedades por ações, Suplemento, Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, pág. 9), no regime da Lei 6.404/19976, podiam ser: com valor nominal ou sem valor nominal. Disse ele que ¨as chamadas ações sem valor nominal, a que se refere o projeto de lei sobre a sociedades por ações, não constituem novidade, uma vez que existem há muito na Bélgica nos Estados Unidos, no Canadá e no Liechtenstein”. O valor nominal de sua ação retrata uma parcela do capital social, parcela esta que constitui a contribuição do acionista na formação daquele capital. O valor nominal não se confunde com o valor da emissão. Já as ações sem valor nominal são ações sem menção de valor, porque tais ações têm, verdadeiramente, certo valor, apenas não sendo nelas mencionadas o valor  expresso em dinheiro, como acontece com as ações com valor nominal, como disse o Professor Sampaio Lacerda (artigo no Jornal do Comércio, 6 de outubro de 1976).

O crime previsto no artigo 7º da Lei dos crimes do  Colarinho Branco  é comum, uma vez que o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa que não tem legitimidade para emitir, oferecer ou negociar o valor mobiliário, nas condições que a lei determina. Poderá ainda ser diretor, gerente, da instituição financeira, corretor ou preposto. Trata-se de um tipo aberto.

Trata-se de crime de ação múltipla: emitir, oferecer ou negociar titulo falso, sem registro, sem lastro ou sem autorização.

Título falso é o inteiramente fabricado, imitando o verdadeiro.  Título ou valor falsificado é documento verdadeiro que sofre alteração em sua essência ou forma. Por sua vez, a falsificação grosseira, perceptível por qualquer um, não faria incidir a hipótese de tal  crime, como revelam Paulo José da Costa Jr., M. Elisabeth Queijo, Charles M. Machado (Crimes do colarinho branco, São Paulo, Saraiva, 2000, pág. 91). De sorte que  faz-se mister prova pericial para identificação da falsidade.

Documento, como conceitua Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, Atlas, pág. 212) é toda peça escrita que condense graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. O escrito deve ser feito a mão ou por meio mecânico ou químico de reprodução de caracteres. Mas, inexiste a falsificação de documento se trata-se de simples reproduções fotográficas (xerocópias) não autenticadas que não se conceituam como documentos (RTJ 108/156). Mas, é essencial que o documento possa apresentar relevância no plano jurídico, gerando consequências no plano jurídico (RTJ 616/295). Nelson Hungria conceitua o documento como “ todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante”.

O documento, via de regra, é um papel escrito. Mas nem todo papel escrito é um documento, pois nem  todo papel tem força probante.

De toda sorte, a veracidade probatória é a objetividade jurídica desses crimes em estudo.

São requisitos do documento:

  1. Forma escrita, redigidos em língua nacional, seja a mão ou a máquina;
  2. Determinação da autoria;
  3. Conteúdo (uma manifestação de vontade, uma exposição dos fatos);
  4. Relevância jurídica

Há a falsidade material e a falsidade ideológica. Na falsidade material, o documento é falsificado  em sua essência (material). Na falsidade ideológica (intelectual), o documento é falsificado em sua substância, ou seja, em seu conteúdo ideal. 

Falsificar significa criar materialmente, fabricar, formar, contrafazer. O agente elabora, forja o escrito integralmente ou acrescenta algo a um escrito, inserindo dizeres em espaço em branco. Por sua vez, ao alterar o documento verdadeiro o sujeito ativo exclui termos, acrescenta dizeres, substitui palavras. Nos exemplos de alteração, o papel,   sobre o qual o agente trabalha, no seu mister criminoso, preexiste à sua ação e constitui documento verdadeiro, sendo objeto do agente emprestar-lhe aspecto ou sentido diferente daquele com que nasceu e, quando se trata de falsificação, o documento nasce como fruto do trabalho do agente cujo desiderato reside em dar existência a um documento fictício, como disse Sylvio do Amaral (Falsidade documental, 2ª edição, São Paulo, 1978, pág. 49 e 50). 

Manzini (obra citada, pág. 763) situava a distinção nas duas acepções que a palavra, expressão, falsidade assume: não genuína e não verdadeira. Verifica-se a falsidade material quando o documento não é genuíno. Apresenta-se a falsidade ideológica quando o documento, apesar de ser genuíno, não é verdadeiro. Na falsidade ideológica, tem-se, por exemplo, quando  alguém se declara presente ao ato, quando, na verdade, estava ausente. 

Quando um documento é genuíno? Quando o autor aparente seja o autor efetivo e quando o documento não tenha sofrido alterações.

Ora, alterações são as modificações de qualquer espécie (rasuras, acréscimos) que se imprimem ao documento autêntico, após achar-se ele definitivamente formado.

A falsidade material, que elimina a genuinidade do documento, poderá apresenta-se  como contrafação,  quando o documento, redigido por seu verdadeiro autor, padecer as modificações já referenciadas. 

Assim se o documento não for contrafeito nem alterado é genuíno. Se, embora genuíno, contiver declaração não correspondente á verdade, a falsidade será tida como ideológica.

A falsa genuinidade (autenticidade) está para a falsidade material, assim como a falsa veracidade está para a falsidade ideológica. Isso porque a falsidade material diz respeito à autoria, à data e ao local da formação do documento. A falsidade ideológica recai sobre aquilo que vem atestado no documento. A falsidade material agride a genuinidade do documento, que não é do autor real, mas aparente. Já a falsidade ideológica recai sobre a veracidade do documento, isto é, sobre o fato de este conter afirmações inverídicas.

Fala-se que as ações de sociedade comercial, dentre outros documentos, são equiparados a documentos públicos (artigo 297, § 2º do Código Penal ), dada a sua relevância nas relações entre as pessoas ou entre estas e o Estado, razão pela qual têm essa proteção.

Trata-se de um tipo doloso,  aberto, que consiste em   emitir, oferecer ou negociar  títulos ou valores mobiliários sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente. Assim o agente deve ter consciência da falsidade, da falta de registro e da ausência de lastro ou garantia, da falta de autorização. 

Emitir é formar o documento.

Oferecer é apresentar para venda, dação ou cessão o título ou valor mobiliário.

Negociar é fazer transação comercial do título ou valor mobiliário.

Não restam dúvidas de que títulos ou valores mobiliários são objetos materiais do crime previsto no artigo 7º da Lei do Colarinho Branco.

A Lei nº  6.385, de 7 de dezembro de 1976, declarou quais os títulos que podem ser considerados como valores mobiliários e iniciou a relação, justamente, pelas ações de companhias (artigo 2º).

Estudando a matéria, Fábio Konder Comparato (Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, Forense, pág. 17 e seguintes) faz distinção entre titulo de crédito e ainda os chamados valores mobiliários.

Disse o eminente jurista:

¨Sob o aspecto estrutural, o titulo de crédito é, sempre, um documento e esse seu indefectível substrato material determina um regime jurídico muito especial, notadamente em matéria de posse ou de literalidade das obrigações nele mencionadas (o chamado “direito cartular”). Já quanto aos valores mobiliários, o substrato documental não é indispensável: neles, nem sempre o titulo se exprime sub a forma de um documento ou papel circulante. Assim, os certificados de ações são emitidos só são emitidos depois de cumpridas as formalidades necessárias ao funcionamento legal da companhia, e as ações cujas entradas não consistirem em dinheiro somente terão emitidos os certificados respectivos depois de cumpridas as formalidades necessárias à transmissão de bens ou de realizados os créditos (Lei 6.404, art. 23). Por outro lado, as ações nominativas integralizadas conferem ao seu titular todos os direitos societários, ainda que não emitido o certificado correspondente,  pois a legitimação para o exercício desses direitos decorre, exclusivamente, da inscrição do titulo no livro de registro competente.”

Prossegue o eminente jurista  informando que  uma distinção estrutural entre os valores mobiliários e os títulos de crédito  decorre do fato de que os primeiros são sempre emitidos em série ou em massa, enquanto que os segundos comportam uma individualidade marcante.

Os valores mobiliários apresentam-se mais como res do que como créditos. São mercadorias. Os títulos de credito são instrumentos de pagamento ou de prestação, no sentido obrigacional, enquanto os segundos se apresentam como títulos de investimento ou de exercício de poder de controle empresarial. Em sendo assim, o regime protetor da circulação dos valores mobiliários será fundado na posse e na organização de um mercado público para esses títulos.

Os valores mobiliários, ademais, estão sujeitos a uma fungibilidade, que é ausente nos títulos de crédito. Uma fungibilidade que será jurídica, que se assenta na falta de individualização da coisa, que se distancia da fungibilidade econômica que se apresenta na equivalência do valor e das funções.

A interpretação que se tem do artigo 2º da Lei nº  6.385/76 nos leva a crer  que são considerados valores mobiliários os seguintes papéis: ações, bônus de subscrição, bônus do Banco Central, Certificado de Depósito a Médio ou Longo Prazo, Certificado de Depósito Bancário, Certificado de Privatização, Cédula Pignoratícia de Debêntures, Debêntures, Depósito interfinanceiro, Letra de Câmbio, Letra do Banco Central; Letra do Tesouro, Letras Financeiras dos Tesouros do Estados e Municípios, Letras do Tesouro Nacional, Letra hipotecária, Nota do Banco Central, Nota Promissória, Nota do Tesouro Nacional, obrigações da Eletrobrás, Obrigação do Fundo Nacional de Desenvolvimento, Partes Beneficiárias, Quota do Fundo Nacional de Desenvolvimento, Recibo de Depósito Bancário, Titulo da Dívida Agrária e Titulo de Desenvolvimento Econômico.

Há ainda o entendimento de que ações e debêntures (títulos de crédito representativos de empréstimo que uma companhia faz junto a terceiros e que asseguram a seus detentores direito contra a emissora nas condições constantes da escritura de emissão) são títulos representativos de capital.

Em bem lançado argumento, Nelson Hungria (razões contidas na petição inicial do HC 41.888) bem dizia que, tratando-se de um crime praticado por algum dos representantes de uma pessoa jurídica em beneficio desta, a responsabilidade não se estende automaticamente aos demais diretores.

Sobre isso Heleno Cláudio Fragoso, tratando da matéria, em Congresso realizado no Rio de Janeiro, em 1963, sob os auspícios da ¨Associação Henri Capitant¨, disse que os administradores das sociedades comerciais devem responder civil e criminalmente pelas infrações que nessa qualidade tenham cometido, mas que tal responsabilidade deve basear-se nos princípios de Direito Comum, não se podendo admitir a existência de vestígios de responsabilidade objetiva que não se coadunam com o direito moderno.

Por fim, discute-se  o artigo 16 da Lei de Crimes do Colarinho Branco, cuja conduta  já era prevista no artigo 44 da Lei nº 4.595/64.

 O certo é que compete privativamente ao Banco Central conceder autorização às instituições financeiras a fim de que possam funcionar no País, instalar ou transferir suas sedes ou dependências, inclusive no exterior, ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas e ter prorrogados os prazos para funcionamento (artigo 10, X, da Lei n 4.595/64).

A conduta descrita é fazer operar instituição financeira, sem autorização ou com declaração falsa.

Ora, fazer operar tem o sentido de fazer funcionar, agir.

O que é instituição financeira? A resposta está no artigo 17 da Lei nº 4.595/64, quando se diz que é toda pessoa jurídica ou pessoa física que tenha como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Assim a instituição financeira explora dinheiro como mercadoria, por meio de especulação no mercado financeiro.

A instituição financeira tem como atividade a coleta, a intermediação ou aplicação de recursos financeiros em moeda, próprios ou de terceiros, com ou a custódia de valor pertencente a terceiros. Para tanto, deve ser autorizada pelo Banco Central.

O crime é habitual, pois as atividades de intermediação ou aplicação de dinheiro exigem uma reiteração.

O crime é doloso, exigindo-se, como afirmam Paulo José da Costa Jr., M. Elisabeth Queijo, Charles M. Machado (Crimes do colarinho branco, São Paulo, Saraiva, 2000, pág. 114) o dolo específico, consistente no fim especial do agente de obter lucro, sabendo que a instituição não foi autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Moeda falsa e outros crimes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4310, 20 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32719. Acesso em: 25 abr. 2024.