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Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

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1. Os serviços públicos e a Constituição de 1988

O perfeito não está ao alcance do ser humano. Mas nem por isso deixamos de tentar melhorar a cada dia, com a certeza de que estamos nos aproximando, cada vez mais, daquele conceito, que é reservado a Deus. E, nessa evolução, o Direito acompanha a contingência a que estão sujeitos os rumos das relações sociais, adaptando-se às novas realidades.

Quer no âmbito do que se convencionou chamar de direito público, quer no âmbito do direito privado, em geral tais modificações se operam na medida em que se alternam os modelos estatais adotados. Ipso facto, sem medo de errar, podemos afirmar que o Estado é o grande termômetro dessas alterações no âmbito do direito positivo. Na medida em que, verbis gratia, o Estado ganha contornos intervencionistas, o direito civil se enrijece com um maior número de regras de ordem pública, perdendo cada vez mais espaço o princípio da autonomia da vontade.

No Brasil, essas alterações sempre se fizeram sentir como um eco das vozes internacionais. Tomemos como exemplo a Constituição de 1824, uma espécie de "cala boca" dirigido aos liberais influenciados pelas vitórias nos Estados Unidos (1776) e na França (1789). Obviamente que a insatisfação geral motivou a manutenção das pressões pela queda da Monarquia e pela instauração do modelo republicano, que viria a ser implantado em 1889, culminando com a promulgação da Constituição liberal de 1891.

Mais recentemente, ao livrar-nos das correntes da ditadura militar, a liberdade surgiu como palavra de ordem, e vem sendo utilizada até pelos mais francos opressores, que hoje posam de democratas. Em decorrência, no âmbito da relação Direito-Economia, volta com mais força o princípio da livre iniciativa, que a Constituição de 1988 vem chamar de fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1.º, IV), regendo, ao lado de outros, a ordem econômica do País (art. 170, caput).

Do ponto de vista pragmático, vemos o Estado perder a qualidade de empresário, pois sua incompetência se revelou devastadora, e reservar para si, em essência, a condição de agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174 da CRFB/88).

Entretanto, o liberalismo clássico, que, com os seus conhecidos tropeços, caiu, na primeira metade do século XX, e deu lugar ao crescimento da doutrina socialista, não foi prestigiado. A novel Constituição democrática, atenta aos ensinamentos do grande Konrad Hesse [1], adotou o que se poderia chamar de "antítese principiológica", combinando princípios aparentemente antagônicos, com vistas a dar maior estabilidade à Lex Fundamentalis e aproximar o sistema constitucional mais e mais da virtude, conceito que traz em seu núcleo, desde Aristóteles, a idéia de moderação.

Assim, a Constituição de 1988 prestigiou o princípio da livre iniciativa, mas reservou para o Estado a titularidade de algumas atividades econômicas consideradas de interesse público. Essas atividades, que têm sido classificadas pela doutrina administrativista como serviço de utilidade pública, não são próprias do Estado, podendo, por isso, ser delegadas aos particulares. Só permanecem, necessariamente, com o Estado as atividades próprias, como segurança pública, diplomacia, etc.

São exemplos de atividades econômicas, cuja titularidade a Constituição reservou ao Estado: serviços de telecomunicações, serviços de radio fusão sonora e de sons e imagens, serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, etc. (art. 21, XI e XII da CRFB/88).

Repare que é reservada ao Estado a titularidade de tais serviços, podendo ser transferido aos particulares o exercício, nos termos do art. 21, XI e XII da CRFB/88. E os instrumentos a serem utilizados para se fazer operar essa transferência são as seguintes e conhecidas figuras: concessão, permissão e autorização. Estas serão analisadas ao seu tempo.

Importante, aqui, é fixar que o princípio da livre iniciativa não se aplica a essas atividades de titularidade do Estado, uma vez que o exercício pelos particulares dependerá de aquiescência do Poder Público.

Assim, o cenário que temos hoje no Brasil reflete uma tendência internacional. O Estado mínimo, mas, ao mesmo tempo, gestor do bem-estar social, traz consigo a vantagem de não se esquivar de suas responsabilidades básicas e de não se deixar afundar em dívidas que podem ser convertidas em renda com a utilização de um programa sério de desestatização.


2. Programa Nacional de Desestatização

Diferentemente da simples descentralização, que consiste na transferência da execução de determinado serviço público, ou de utilidade pública, a uma entidade da Administração Indireta (autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista), a desestatização afasta o Estado, quer pessoalmente quer por intermédio de suas pessoas administrativas, da execução daqueles serviços, que são postos nas mãos dos particulares, sob sua vigilância. "É a retirada da presença do Estado de atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade)" [2].

A Lei n.º 8.031/90 trouxe para mais próximo da realidade aquele anseio, que era também social, e inaugurou a nova fase do Estado brasileiro, estruturando o Programa Nacional de Desestatização e elencando, em seu art. 1.º, os objetivos fundamentais que justificaram a nova postura do Estado frente à ordem econômica. São eles: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV - contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o programa.

Os instrumentos a serem utilizados para o alcance desses objetivos também foram discriminados pelo citado diploma legal, em seu art. 4.º, a saber: I - alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações junto ao público, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores; II - abertura de capital; III - aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição; IV - transformação, incorporação, fusão ou cisão; V - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; VI - dissolução de empresas ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a conseqüente alienação de seus ativos.

Repare que, até então, não se havia falado em concessão de serviços públicos a empresas privadas pré-existentes. O máximo que se tinha planejado era a saída do Estado do quadro societário de empresas em que ele se fazia presente. Isto porque a primeira providência, em termos de prioridade, era essa, qual seja, a desvinculação do Estado.

O art. 7.º da Lei n.º 8.031/90 estipulou que a privatização de empresas que prestam serviços públicos pressupõe a delegação, pelo Poder Público, da concessão ou permissão do serviço objeto da exploração. Até aí, nada de diferente. A única preocupação era com a continuidade do serviço público.

Somente a partir da edição da Lei n.º 8.987/95 ficou aberta concretamente a disposição de incluir empresas originariamente privadas no programa de execução de serviços públicos (ou de utilidade pública), atendendo-se, então, ao disposto no art. 170 da CRFB/88, in verbis: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...). Parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em Lei".

Obviamente que não se pode concluir, a partir disso, que a figura das concessões (em sentido lato) somente surgiu a partir da edição da referida lei. O que se deve entender é que, a partir desse marco, iniciou-se uma nova fase no âmbito do Direito Administrativo, no tocante ao tema concessão de serviços públicos, implantando-se uma nova filosofia de regulamentação das atividades econômicas que têm um quid de interesse público. Agora, a transferência do exercício de tais atividades não se faz mais aos entes integrantes da administração indireta (delegação legal), mas aos particulares, mais preocupados com a eficiência do que com a política partidária [3].


3. As concessões, permissões e autorizações de serviço público

Como dissemos anteriormente, a entrega do exercício de certas atividades, que trazem consigo um interesse mais do que simplesmente econômico, classificadas pelo ordenamento jurídico como de interesse público, aos particulares deve ser feita através de concessão, permissão ou autorização do Poder Público. Mas o que são exatamente esses institutos e no que se diferem?

Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho, "concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários" [4].

Classicamente, a concessão se difere da permissão pelo fato de esta última não conferir ao particular a mesma estabilidade, já que é instituída por ato administrativo unilateral (e não contrato), sendo precária, portanto. Em outras palavras, a permissão de serviço público sempre se caracterizou por ser "ato administrativo unilateral, discricionário e precário, revogável a qualquer tempo, sem que assista ao permissionário direito a qualquer indenização" [5]. Em função dessa menor estabilidade, sempre foi utilizada em serviços que não demandam investimentos muito vultosos.

A par da permissão tradicional, parte da doutrina administrativista admitia também a existência das chamadas permissões condicionadas, que estipulavam prazos fixos em favor do permissionário, de sorte que sua revogação, se perpetrada antes de findo aquele, implicava o dever de indenizar. Neste sentido o magnífico Hely Lopes Meirelles [6].

Com a edição da Lei n.º 8.987/95, profundo anacronismo tomou conta do tema em apreço, já que os termos consagrados pela doutrina passaram a ser utilizados indiscriminadamente, ocasionando contradições inconciliáveis pela via da interpretação gramatical. A título ilustrativo, confira-se a redação do art. 40 do citado diploma legal: "A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente".

Ora, ou se entende contratual a figura da permissão e se adotam, coerentemente, as conseqüências decorrentes dessa qualificação; ou se inclui (ou mantém) a precariedade no conceito de tal instituto jurídico. O que não se pode admitir é um contrato precário, posto que isto é uma contradição em termos.

Em razão desse paradoxo literal, que não é admitido às leis num sistema de direito positivo como é o nosso, parte da doutrina resolveu a questão da seguinte forma: "A lei n.º 8.987/95 cometeu grave erronia, prevendo que as permissões seriam formalizadas através de contrato de adesão (art. 40). Apesar da meção, entendemos que as permissões continuam a ser atos administrativos" [7]. O que se fez, na verdade, além de manter o conteúdo consagrado pela doutrina, foi prestigiar o conceito utilizado pela mesma lei em seu art. 2.º, IV, ipsis litteris: "Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se (IV) permissão de serviço público a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco".

Por fim, temos ainda as chamadas autorizações, que são atos administrativos pelos quais a Administração Pública consente com o exercício de determinada atividade pelo particular ou com a utilização de certo bem público, desde que não advenha qualquer prejuízo para a coletividade. Distingue-se das permissões pelo fato de o interesse público não motivar diretamente o ato administrativo de autorização, mas sim o interesse do particular. O interesse público aqui é residual. No mais, identificam-se os dois institutos, pois as autorizações também são concedidas a título precário, discricionariamente, por ato administrativo unilateral, não rendendo a revogação direito a qualquer indenização.

Antes de encerrar esse item, cabe lembrar que a permissão e a concessão serão sempre precedidas de licitação, salvo as exceções expressamente previstas, com vistas a preservar os princípios da igualdade de oportunidades (destinado aos particulares) e da melhor proposta (destinado ao Poder Público), além dos demais previstos no art. 14 da Lei n.º 8.987/95.

Feitas essas observações, vejamos como foi tratada a delegação de serviços de energia elétrica no meio deste novo cenário jurídico.


4. A energia elétrica no panorama geral das delegações negociais

A inclusão dos serviços de energia elétrica neste novo cenário da economia nacional se deu com a edição da Lei n.º 9.074/95, que estabeleceu em seu art. 4.º: "As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei n.º 8.987/95, e das demais".

A utilização indistinta dos termos concessão, permissão e autorização pelo citado dispositivo legal dá alguma insegurança ao intérprete, que fica sem saber, exatamente, que tipo de delegação negocial deverá ser utilizado para cada caso.

Os §§ 2.º e 3.º do citado dispositivo legal tratam da concessão tanto para a geração de energia elétrica como para a sua transmissão e distribuição, considerando-se estas as três fases desse procedimento complexo de prestação de serviço público de energia elétrica [8].

Mais à frente, os arts. 5.º e 7.º tentam distinguir as hipóteses em que serão utilizadas, por um lado, a concessão e, por outro, a autorização do serviço público.

Neste passo, estariam sujeitos à concessão: I) o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 KW e implantação de usinas termelétricas de potência superior a 5.000 KW, destinados à execução de serviço público; II) o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 KW, destinados à produção independente de energia elétrica; III) de uso de bem público, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 10.000 KW, destinado ao uso exclusivo do autoprodutor, resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.

Seriam, por outro lado, objeto de autorização: I) a implantação de potenciais hidráulicos, de potência superior a 5.000 KW, destinada ao uso exclusivo do autoprodutor; II) o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 10.000 KW, destinados ao uso exclusivo do autoprodutor.

Quando se começa, então, a encontrar alguma coerência lógica no corpo da legislação em análise, depara-se o intérprete com mais uma aberração jurídica. Observe-se, a propósito, a redação do seu art. 6.º, ipsis litteris: "As usinas termelétricas destinadas à produção independente poderão ser objeto de concessão mediante licitação ou autorização".

Ora, o texto legal dá a entender que a autorização seria uma espécie de concessão que dispensa a prévia licitação. Entretanto, como já vimos, toda concessão será precedida da necessária licitação, por exigência do art. 175 da CRFB/88. E, por outro lado, as autorizações são, ao lado das concessões, espécie de delegação negocial e não de concessão.

Diante de tanta falta de técnica legislativa, fica comprometida a análise puramente literal do texto legal analisado, sendo inafastável a vinculação da interpretação aos conceitos doutrinários, única forma de dar unidade e inteligibilidade ao conjunto normativo que rege a matéria em análise.

Por outro lado, o intérprete não pode se desvincular totalmente da lei, já que é este o objeto do labor interpretativo. Desse modo, para desenvolver um trabalho com valor doutrinário e também pragmático, buscaremos conciliar os termos usados pelo legislador com o rigor doutrinário, para que se possa alcançar um resultado válido e oponível a qualquer pessoa, inclusive as de direito público responsáveis pela concessão do serviço de energia elétrica [9].

Como se pode perceber, o problema maior se encontra na interpretação do art. 6.º da Lei n.º 9.074/95, que trata dos produtores independentes de energia elétrica. E esta é a figura central do presente estudo.

Passemos, doravante, então, à análise restrita, no que for possível, dos produtores independentes de energia elétrica.


5. Os produtores independentes de energia elétrica

A teor do disposto no art. 11 da Lei n.º 9.074/95, considera-se "produtor independente de energia elétrica a pessoa jurídica ou empresas reunidas em Consórcio que recebem concessão ou autorização do poder concedente, para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco".

A partir desse conceito, vários temas serão desenvolvidos. Entretanto, por uma questão de organização, iniciemos do seguinte ponto: afinal, quando deverá ser utilizada a concessão ou a autorização em relação ao produtor independente?

O Decreto n.º 2.003/96, que regulamenta a produção de energia elétrica por produtor independente e por autoprodutor, também tratou do assunto (art. 3.º, I e art. 4.º, I), repetindo as situações já previstas na lei regulamentada, mas com um adicional. Seria, então, em relação ao produtor independente, objeto de: 1) concessão: o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW; 2) autorização: a implantação de usina termelétrica de potência superior a 5.000 KW.

O adicional a que nos referimos é a segunda hipótese, que amplia a situação da autorização prevista pelo art. 7.º da Lei n.º 9.074/95. O fato é que, nesse dispositivo legal, só se contempla com a autorização o autorpodutor, não podendo ser incluído, via decreto regulamentar, na mesma situação o produtor independente

Portanto, seria ilegal o disposto no art. 4.º, I do Decreto n.º 2.003/96. Entretanto, cabe, ainda, analisar a situação sob a ótica do art. 6.º da Lei n.º 9.074/95, com vistas a solucionar tal conflito de normas hierarquicamente desiguais.

Neste ponto, a pergunta que se deve fazer é a seguinte: o que quis dizer o legislador com "concessão mediante licitação ou autorização?".

Para se declarar a inconstitucionalidade de um ato do poder público é necessário ao intérprete buscar, antes, no ordenamento jurídico, respostas diferentes para a questão. Isto porque os atos do Poder Público gozam de presunção de legalidade e as leis de presunção de constitucionalidade. Além disso, vigora no âmbito do direito constitucional o princípio da interpretação conforme a Constituição. Tudo isso funciona como obstáculo material à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

No presente caso, parece-me que deveremos utilizar artifícios de interpretação jurídica e entender que no art. 6.º da Lei n.º 9.074/95 o comando é o seguinte: "As usinas termelétricas destinadas à produção independente poderão ser objeto de delegação mediante concessão ou autorização".

Assim, livra-se da inconstitucionalidade tal dispositivo, ganha unidade o corpo legislativo que disciplina a matéria e preserva-se a validade do art. 4.º, I do Decreto n.º 2.003/96, que passa a ter base legal no art. 6.º da Lei n.º 9.074/95 e não no art. 7.º, que trata das autorizações para o autoprodutor.

Em suma, simplificando a situação que acabamos de analisar, temos o seguinte quadro de delegação de serviço de energia elétrica aos produtores independentes:

a) Por concessão, o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW, com base no art. 5.º, II da Lei n.º 9.074/95 e art. 3.º, I do Decreto n.º 2.003/96 [10]. O inconveniente dessa modalidade de delegação negocial reside na exigência inafastável da prévia licitação. Por outro lado, a vantagem está na estabilidade que o contrato confere ao concessionário.

b) Por autorização, a implantação de usina termelétrica de potência superior a 5.000 KW, com base no art. 6.º da Lei n.º 9.074/95 e art. 4.º, I do Decreto n.º 2.003/96. Aqui, pelo contrário, não se exige licitação; mas o fato de a delegação se fazer por ato administrativo discricionário e a precariedade da relação entre Poder Público e autorizatário causam grande instabilidade ao negócio, que poderá ser impedido a qualquer tempo, por simples despacho da autoridade competente.

Não poderia deixar de ser dito aqui que a legislação prevê duas únicas hipóteses de dispensa de qualquer dessas modalidades de delegação, seja a mais complexa (concessão), seja a mais simples (autorização). A situação seria a de aproveitamento de potenciais hidráulicos, iguais ou inferiores a 1.000 KW, e a implantação de usinas termelétricas de potência igual ou inferior a 5.000 KW, devendo apenas ser comunicado à autoridade competente, para fins de registro (art. 8.º da Lei n.º 9.074/95 e art. 5.º do Decreto n.º 2.003/96).

Os demais temas a que nos referimos ao conceituar os produtores independente serão analisados nos itens 8, 9 e 10. Por hora, analisemos as funções da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, principalmente no que toca ao aspecto de agente responsável pela gestão das delegações de serviço público de energia elétrica.


6. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

Ao lado de outras agências reguladoras, que surgem modificadas neste novo cenário das concessões de serviços públicos, com maior autonomia e guiadas por princípios modernos de gestão das atividades a elas submetidas, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia federal sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, tem por finalidade, nos termos do art. 2.º da Lei n.º 9.427/96, "regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal".

A competência da agência reguladora ora analisada vem especificada no art. 3.º da Lei n.º 9.427/96 e compreende, dentre outros itens: I) a promoção de licitações destinadas à contratação de concessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos; II) a celebração e gestão dos contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, a expedição das autorizações, bem como fiscalização, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, das concessões e da prestação dos serviços de energia elétrica.

Portanto, todo investidor que pretender iniciar-se na atividade de prestação de serviços de energia elétrica deve ter como ponto de partida um contato com essa autarquia federal, que é portadora de todas as informações acerca dos cronogramas relativos às licitações e das autorizações a que nos referimos no parágrafo anterior [11].

Observe-se, aqui, que a outorga de concessão de energia elétrica pela Agência será a título oneroso. Vale dizer, deverá o concessionário pagar um preço semiprivado [12] pela ANEEL estipulado.

No que se refere à autonomia financeira desta agência reguladora, cabe destacar que terá como receita, além dos recursos ordinários do Tesouro Nacional, dos rendimentos de operações financeiras que realizar e outros que não tocam aos concessionários diretamente, uma taxa de fiscalização sobre serviços de energia elétrica. Entretanto, dada a sua natureza tributária deixaremos para analisá-la no item próprio.

Em relação à função fiscalizadora da ANEEL, dispõe o art. 17 do Decreto n.º 2.335/97 que a agência terá à sua disposição as seguintes penalidades para o caso de descumprimento das normas regulamentares: I) advertência escrita; II) multas em valores atualizados; III) suspensão temporária de participação em licitações para abstenção de novas concessões, permissões ou autorizações, bem como impedimento de contratar com a autarquia; IV) intervenção administrativa; V) revogação da autorização; VI) caducidade da concessão ou permissão.

Obviamente que tais penalidades deverão obedecer ao princípio da legalidade e, principalmente, da proporcionalidade, que impõe ao administrador o dever de dosar a sanção de acordo com a gravidade da infração. E se essa proporção não for observada, "incorrerá a autoridade administrativa em abuso de poder e ensejará a invalidação da medida na via judicial, inclusive através de mandado de segurança" [13].

Observe-se, ainda, que, além da via judicial, poderá o concessionário se valer da esfera administrativa para contraditar as medidas punitivas estipuladas pela ANEEL, já que o princípio do contraditório e da ampla defesa se aplicam nos dois âmbitos (art. 5.º, LV da CRFB/88). E não é só, pois também deve ser previsto nesse procedimento administrativo ao menos uma instância recursal, por exigência do mesmo dispositivo constitucional mencionado.

Em atenção a esses comandos supremos, previu o Decreto n.º 2.335/97 que "os procedimentos administrativos relativos à aplicação de penalidades, de cobrança e pagamento das multas legais e contratuais" observarão o princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 17, § 1.º). E no caso de instauração do processo por órgão estadual conveniado, caberá recurso à Diretoria da ANEEL (§ 2.º).

Outra importante função da ANEEL que merece ser destacada aqui é a de dirimir conflitos, no âmbito administrativo, entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes, autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores (art. 3.º, V da Lei n.º 9.427/96).

O art. 18 do Decreto n.º 2.335/97, que regulamenta essa disposição legal, prevê a possibilidade de audiência das partes envolvidas. Além disso, a decisão final terá força determinativa, devendo os casos mediados serem utilizados como fonte de regulamentação futura.

Esta é uma admirável inovação no direito público brasileiro, que busca implementar a figura da Administração Consensual, que, "ao invés de decidir unilateralmente, utilizando-se desde logo do ato administrativo, procura ou atrai os indivíduos para o debate de questões de interesse comum, as quais deverão ser solvidas mediante acordo" [14].

Por fim, é de se verificar a possibilidade de a ANEEL promover convênios com os Estados para a execução de atividades complementares de regulação, controle e fiscalização dos serviços e instalações de energia elétrica (arts. 20 e segs. da Lei n.º 9.427/96). Tal regra encontra justificativa no fato de ser vantajosa a presença próxima dos agentes fiscalizadores, tornando mais ágil, inclusive, as suas atuações (art. 19 do Decreto n.º 2.335/97).


7. Relações jurídicas no âmbito da prestação de serviços de energia elétrica

Os delegatários de serviços de utilidade pública se encontram entre o Estado, titular daquela atividade cujo exercício foi transferido, e os usuários dos serviços, que são as pessoas cujas necessidades deverão ser satisfeitas, da melhor maneira possível.

Para se ter uma noção organizada dos principais pontos que devem ser abordados nesse ponto, faremos, aqui, uma subdivisão em dois tópicos, de modo que possamos examinar separadamente as relações entre o poder concedente e o delegatário e as entre este e o usuário do serviço.

7.1. Das relações entre delegatário e poder concedente

A disciplina básica dessa relação jurídica de direito público se encontra na Lei n.º 8.987/95, que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.

Como tivemos a oportunidade de analisar anteriormente, a Administração Pública estabelece com o particular uma relação obrigacional, cuja fonte é um contrato. Entretanto, não é um contrato como os que obrigam os particulares entre si. Trata-se de um contrato administrativo, cuja característica principal está na prevalência do interesse do poder concedente, em obediência ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

José dos Santos Carvalho Filho conceitua contrato administrativo como sendo "o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público" [15].

Neste contexto, ante a existência de interesse público, não prevalece a igualdade entre as partes, que é característica essencial dos contratos no âmbito do direito privado. Ao contrário, a Administração Pública aparece como portadora de um interesse maior, que engloba o do próprio concessionário, nisto se justificando as prerrogativas de que goza na relação.

Como decorrência dessa posição de supremacia da Administração Pública aparecem as chamadas cláusulas exorbitantes, que conferem-na as seguintes prerrogativas: 1) Alteração unilateral do contrato; 2) Rescisão unilateral; 3) Fiscalização da execução do contrato; 4) Aplicação de sanções; 5) Ocupação provisória.

Como observa Leon Frejda Szklarowsky [16], são duas as hipóteses em que se pode verificar a alteração unilateral do contrato: a) quando houver modificação do projeto ou da especificação para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando for necessária a modificação do valor contratual, em razão do acréscimo ou diminuição quantitativa do seu objeto.

No primeiro caso, a alteração é qualitativa, e poderá se basear em fatos imprevistos ou inevitáveis, como novidades tecnológicas ou imposições do Estado. Entretanto, ver-se-á a Administração limitada pelos limites do razoável, que informa toda a sua atividade.

Já no segundo caso, a alteração é quantitativa e o contratado fica obrigado a aceitar esses acréscimos ou supressões, respeitada a proporção econômica de que trataremos com mais detalhes adiante.

Em ambas as situações, deverá a Administração nortear sua atuação imperativa com vistas a compelir o delegatário do serviço público a observar o dever de prestar serviço adequado, conceito que abraça a idéia de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6.º, § 1.º da Lei n.º 8.987/95).

No que tange à possibilidade de rescisão unilateral do contrato pela Administração, deve-se distinguir duas hipóteses, quais sejam: 1) serviço autorizado, hipótese em que se fará por simples ato administrativo discricionário, sem que gere dever de indenizar por parte do Poder Público; 2) serviço concedido, nos casos previstos pelo art. 35 da Lei n.º 8.987/95, rendendo, via de regra, direito a indenização em favor do concessionário.

No primeiro caso, em verdade, não existe contrato. Como tivemos oportunidade de ver, a Administração Pública, quando autoriza uma determinada atividade pelo particular o faz através de mero ato administrativo. Já, no segundo caso, este sim, temos um caso de rescisão de um contrato, aí sim se podendo falar em rescisão unilateral do contrato. Os casos, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello [17], seriam os seguintes: a) encampação; b) caducidade; c) anulação.

Para não se dar uma visão parcial sobre os casos de extinção da concessão, vejamos quais são deles os vislumbrados pela Lei n.º 8.987/95 e, no seu bojo, os três precitados casos de rescisão unilateral do vínculo obrigacional:

a) Advento do termo contratual: Embora a Lei n.º 8.987/95 seja silente quanto ao máximo de duração dos contratos de concessão, não deixa ela úvidas quanto à necessidade de se ter um prazo predeterminado (art. 18, I). E diferente não haveria de ser, posto eu, ao se conceder determinado serviço público mediante concessão eterna, estar-se-ia muito próximo da transferência da própria titularidade desse serviço, o que, como vimos, não é possível.

Portanto, a salvo possibilidade de se prorrogar o prazo determinado pelo contrato de concessão, alcançado o termo final do ajuste, extingue-se de pleno direito o vínculo entre o poder concedente e a empresa concessionária.

Na verdade, esse não é um dos casos de rescisão unilateral, até porque previsto em contrato. Entretanto, vale a menção já que essa é uma das modalidades de extinção da concessão. Nestes caso, opera-se de pleno direito a extinção, sem necessidade de qualquer interpelação prévia.

b) Encampação: O art. 37 da Lei n.º 8.987/95 conceitua esse instituto como "a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior" [18]. A menção à indenização se faz levando-se em consideração o fato de o concessionário não ter contribuído de qualquer forma para a extinção [19].

Impende verificar, aqui, que o conceito jurídico de interesse público é indeterminado e só pode ser sopesado por quem tenha competência política para a apreciação das necessidades públicas concretas, que é o Poder Executivo. Neste passo, difícil seria anular uma encampação pelo fato de não se configurar, na espécie, interesse público que a justifique. No entanto, não seria impossível, pois deverá ser motivado o ato administrativo (baseado em lei autorizativa, como se viu) e essa motivação poderá demonstrar, inequivocamente, a ausência desse requisito, caso em que se poderá ter certeza quanto à sua ilegalidade.

Registre-se, aqui, que a teoria dos motivos determinantes terá total aplicabilidade. Vale dizer, baseando-se o ato em determinado motivo, da veracidade dessa motivação dependerá a manutenção da extinção, considerando-se nula a encampação se comprovado que o motivo é inexistente ou falso.

c) Caducidade: Entende-se por caducidade a modalidade de extinção da concessão baseada na inexecução total ou parcial do contrato por parte do concessionário. Aqui, tem-se presente a culpa do prestador do serviço, pelo que não emerge dever de indenizar por parte do poder concedente, salvo em relação aos bens que ficarem retidos em favor da continuidade do serviço público (art. 38, caput e § 5.º da Lei n.º 8.987/95) [20].

Repare que, aqui, o requisito essencial à decretação da medida é objetivo, qual seja, a inexecução do contrato, o que se pode medir pelo contraste entre as cláusulas avençadas e a realidade da prestação do serviço público.

A declaração de caducidade, que se fará mediante decreto do poder concedente, será precedida, necessariamente, de comunicação detalhada acerca do descumprimento dos deveres contratuais ao concessionário, dando-lhe prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas (art. 38, § 2.º da Lei n.º 8.987/95).

Não bastasse o disposto no já citado art. 5.º, LV da CRFB/88, refere-se expressamente o § 1.º do art. 38 à necessidade de se assegurar a ampla defesa ao concessionário, sob pena de nulidade da caducidade, passível de controle jurisdicional através de mandado de segurança.

d) Rescisão: Diferentemente do que ocorre com a caducidade, aqui o descumprimento de deveres contratuais é perpetrado pelo poder concedente. Para extinguir a concessão por esta modalidade, deverá o concessionário ajuizar ação comprovando os fatos alegados.

À semelhança do que ocorre na caducidade, a comprovação do fundamento da extinção é objetivo, bastando demonstrar quais eram os deveres do poder concedente e que eles não foram cumpridos. No entanto, o ônus da prova é do concessionário, autor da ação.

O descumprimento dos deveres contratuais, legais ou regulamentares, aqui, dará ensejo não só à pretensão de extinção da concessão, mas também à da reparação de eventuais danos causados, que deverão ser comprovados no processo judicial (art. 333, I do CPC).

Diga-se, ainda, que o concessionário, em razão do princípio da continuidade do serviço público, não poderá se valer da exeptio non adimplendi contractus, razão pela qual não lhe resta a opção do inadimplemento. Vale dizer, não poderá o concessionário descumprir cláusulas do contrato com fundamento no descumprimento anterior pelo poder concedente. Deste modo, só após o trânsito em julgado da decisão que julgar procedente o pedido de extinção poderá o concessionário paralisar suas atividades (art. 39 da Lei n.º 8.987/95).

Entretanto, parte da doutrina tem entendido que, na hipótese de a continuidade da prestação do serviço causar prejuízo insuportável ao concessionário, poderá este se valer de medida cautelar que o libere de suas obrigações, mediante a comprovação do fumus boni juris e do periulum in mora [21].

e) Anulação: Esta modalidade de extinção, prevista no art. 35, V da Lei n.º 8.987/95, está fundamentada no poder de autotutela da Administração Pública, se a iniciativa for por ela tomada. De outro modo, se a iniciativa for de qualquer outra pessoa, através de ação popular (Lei n.º 4.717/65) ou de Ação Civil Pública, por exemplo, o fundamento será o princípio da legalidade. Donde se conclui que a anulação será baseada sempre em algum vício de ilegalidade que inquine de nulidade a relação contratual.

No caso de o concessionário estar envolvido no fato que gerou o vício, sendo, pois, conivente com ilegalidade, não terá ele nenhum direito a indenização, podendo até ser responsabilizado por eventuais danos causado ao erário público.

De outro lado, se o vício escapar aos poderes de intervenção do concessionário, ficando comprovada a incomunicabilidade entre a sua conduta e a ilegalidade constatada, fará jus a indenização das despesas já efetuadas com a execução do contrato.

Além dos casos analisados, o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [22] cita como casos de extinção do contrato de concessão a falência do concessionário ou a sua morte, no caso de ser comerciante individual [23].

Voltando à análise das cláusulas exorbitantes, tratemos diretamente da ocupação provisória [24], que poderá ter como objeto bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao contrato, quando o ajuste visar à prestação de serviços essenciais. Mais uma vez o que se preserva é a prestação contínua do serviço adequado.

No âmbito, ainda, dessa relação entre poder concedente e concessionário, vale destacar a possibilidade de o primeiro intervir na prestação do serviço pelo segundo na hipótese de se verificar, no curso da atividade fiscalizatória, que o serviço não está ou não continuará sendo prestado de forma adequada. Neste caso, o art. 32 da Lei n.º 8.987/95 permite a ingerência direta do poder concedente na prestação do serviço, de modo que se garanta o cumprimento das normas impostas pelo contrato, pela lei e pelos regulamentos.

Por fim, citem-se as cláusulas essenciais que deverão constar obrigatoriamente do contrato de concessão, tal qual previsto pelo art. 23 da Lei n.º 8.987/95, relativas: I - ao objeto, à área e ao prazo da concessão [25]; II - ao modo, forma e condições de prestação do serviço; III - aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV - ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V - aos direitos, garantias e obrigações das partes contratantes, inclusive sobre as previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações; VI - aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e realização do serviço; VII - à forma de fiscalização, bem como a indicação dos órgão competentes para exercê-la; VIII - às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e a sua forma de aplicação; IX - aos casos de extinção; X - aos bens reversíveis [26]; XI - aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; XII - às condições para a prorrogação do contrato; XIII - à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas pela concessionária ao poder concedente; XIV - à exigência de publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.

Como fica claro a partir da leitura desses itens obrigatórios, a Lei n.º 8.987/95 preza muito a qualidade do serviço prestado, até mesmo em atenção ao princípio da eficiência, hoje incorporado ao art. 37 da CRFB/88 pela Emenda Constitucional n.º 19/98, pelo que vale a menção do que se considera serviço adequado: é aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade [27], eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6.º, § 1.º).

7.2. Relações entre delegatário e usuários

A doutrina civilista tem salientado que o Código do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) é uma sobrestrutura jurídica multidisciplinar [28], aplicando-se, por isto, em qualquer ramo do direito, sempre que estiverem presentes os elementos caracterizadores da relação de consumo, quais sejam: 1) subjetivos: a) consumidor; b) fornecedor; 2) objetivos: fornecimento a título oneroso de bens ou serviços; 3) vínculo jurídico, que estabeleça um liame entre os elementos subjetivos e objetivos (arts. 2.º e 3.º).

Dessa forma, tem-se afirmado a aplicabilidade dessa disciplina especial inclusive nas relações entre o Estado e os indivíduos, quando este estiver prestando serviço de utilidade pública, remunerado pelo sistema de tarifas.

É certo que no caso de concessão do serviço público não está incluído o Estado diretamente. Mas a referência se fez no sentido de evidenciar que, se em relação aos serviços de utilidade pública, prestados diretamente pelo Estado, aplica-se o Código do Consumidor, com maior razão este incidirá quando o serviço for prestado por concessionário, que é pessoa jurídica de direito privado [29]. E foi seguindo esse raciocínio que o art. 7.º da Lei n.º 8.987/95 fez referência expressa à Lei n.º 8.078/90.

Assim, todas as regras de prevenção, proteção e defesa do consumidor, tais como a inversão judicial do ônus da prova, a responsabilidade objetiva do fornecedor e outras, terão aplicabilidade nas relações entre usuário e prestador de serviço público de energia elétrica.

Entretanto, é de se destacar que a hipossuficiência e a vulnerabilidade têm sido consideradas características fundamentais para a caracterização da figura do consumidor, para efeito de aplicação das medidas protetivas especiais, pelo que o Código não deverá incidir quando o usuário não for hipossuficiente ou vulnerável, gozando de força igual à do concessionário na hora da negociação contratual [30].

Essa consideração me parece de suma relevância especialmente quando se trata de fornecimento de energia elétrica por produtores independentes, isto em função das pessoas que poderão figurar como usuárias de seus serviços.

Oportunamente, dispõe o art. 12 da Lei n.º 9.074/95 que a venda de energia elétrica por produtor independente poderá ser feita para: I - concessionário de serviço público de energia elétrica; II - consumidor de energia elétrica, nas condições estabelecidas nos arts. 15 e 16 [31]; III - consumidores de energia elétrica, integrantes de complexo industrial ou comercial, aos quais o produtor independente também forneça vapor oriundo de processo de co-geração; IV - conjunto de consumidores de energia elétrica, independentemente de tensão e carga, nas condições previamente ajustadas com o concessionário local de distribuição; V - qualquer consumidor que demonstre ao poder concedente não ter o concessionário local lhe assegurado o fornecimento no prazo de até cento e oitenta dias contado da respectiva solicitação.

Note-se que nos itens I e III acima as figuras chamadas de consumidores não são hipossuficientes ou vulneráveis em relação ao prestador de serviço, possuindo poder de negociação perante este último, de modo que não merecerá a proteção especial do Código do Consumidor.

A par dessa disciplina especial, enumera o art. 7.º da Lei n.º 8.987/95 outros direitos e obrigações dos usuários de serviço delegado: I - receber serviço adequado; II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviço, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente; IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI - contribuir para a permanência para das boas condições dos bens públicos através dos quais lhe são prestados os serviços; VII - ter à sua disposição várias datas para o vencimento de sua prestação periódica, escolhendo o usuário a que melhor lhe parecer.


8. Regime econômico dos contratos de concessão

Neste item, incluir-se-ão dois pontos muito importantes acerca das concessões de serviço público de energia elétrica, porém não tão complicados. São eles referentes à política tarifária, que disciplina a remuneração dos prestadores dos serviços pelos respectivos usuários, e aos encargos financeiros da exploração dos serviços de energia elétrica.

Primeiramente, sobre a política de tarifas trataremos. E iniciamos observando que ela tem disciplina básica no art. 175, parágrafo único, inciso III da CRFB/88, que diz caber à Lei tal disciplina. Atente-se, ainda, para o fato de a própria Constituição estabelecer que é dever do concessionário manter serviço adequado (inciso IV).

Neste passo, como bem observa Carvalho Filho, "se do concessionário é exigida a obrigação de manter serviço adequado (art. 175, parágrafo único, VI, C.F.), não pode ser relegada a contrapartida da obrigação, ou seja, o direito de receber montante tarifário compatível com essa obrigação" [32], comutativo que é o contrato de concessão.

Apoiando-se nessa lógica de interpretação, estipulou a disciplina genérica da Lei n.º 8.987/95 que "os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de se manter o equilíbrio econômico-financeiro" (art. 9.º, § 2.º).

A regra básica, pois, no âmbito da fixação de novos parâmetros para a cobrança tarifária pelas concessionárias do serviço público, é a manutenção da proporção existente entre as prestações de cada uma das partes que integram a relação contratual, tendo sempre como paradigma de comparação o preço inicial fixado no contrato.

Especificamente em relação aos prestadores de serviço de energia elétrica, o art. 35 da Lei n.º 9.074/95 dispõe que "a estipulação de novos benefícios tarifários pelo poder concedente, fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, de forma a preservar o equilíbrio econômico financeiro do contrato".

Tal regra se aplicará sempre que houver aumento nos custos da prestação do serviço, inclusive por força de aumento ou diminuição da tributação, ressalvados os impostos incidentes sobre a renda, aumentando-se ou diminuindo-se o valor da tarifa, conforme o caso (art. 9.º, § 3.º da Lei n.º 8.987/95).

Além desse aspecto, ainda no âmbito da política tarifária, é de se observar que a Lei n.º 8.987/95 elege como princípio a modicidade das tarifas (art. 6.º, § 1.º), valendo, ainda, como um dos critérios para o julgamento da licitação (art. 15, I).

O outro ponto que é envolvido pelo tema analisado neste item é o que se refere aos encargos financeiros da exploração de energia elétrica. Neste particular, estabelece o art. 16 do Decreto n.º 2.003/96 que "a partir da entrada em operação da central geradora de energia elétrica, o produtor independente e o auto produtor sujeitar-se-ão aos seguintes encargos, conforme definido na legislação específica e no respectivo contrato: I - compensação financeira aos Estados, aos Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, pelo aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica; II - taxa de fiscalização dos serviços de energia elétrica a ser recolhida nos prazos e valores estabelecidos no edital de licitação e nos respectivos contratos; III - quotas mensais de Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), subconta Sul/Sudeste/ Centro-Oeste ou subconta Norte/Nordeste: a) incidente sobre a parcela de energia consumida por autoprodutor que opere na modalidade integrada no sistema em que estiver conectado; b) incidente sobre as parcelas de energia consumida ou comercializada com consumidor final, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 23 deste Decreto [33], por produtor independente que opere na modalidade integrada no sistema em que estiver conectado; IV - quotas mensais de Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), subcontas sistemas isolados, incidentes sobre as parcelas de energia comercializada com consumidor final por produtor independente, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 23".


9. Regime dos bens no âmbito da prestação do serviço público de energia elétrica

Aqui, antes de iniciar quaisquer considerações, cabe distinguir os bens próprios das concessionárias, utilizados na prestação dos serviços de energia elétrica, dos que integram o patrimônio da União, já revertidos ou entregues à sua administração. Estes últimos ficarão sob a responsabilidade da concessionária, que, nos termos do art. 34 da Lei n.º 9.074/95, deverá mantê-los e conservá-los, repondo-os ao final do contrato.

No que se refere aos bens particulares utilizados na geração da energia elétrica, estes serão revertidos em favor da União, de acordo com o art. 20 e §§ do Decreto n.º 2.003/96, com base no art. 36 da Lei n.º 8.987/95.

Para melhor compreender esse mecanismo, que visa a favorecer o princípio da continuidade do serviço público, vejamos como se conceitua o instituto da reversão.

Inicialmente, vale observar que o termo não reflete literalmente o significado jurídico que ele alcança no âmbito da legislação em comento, já que dá a falsa impressão de estarem os bens retornando ao patrimônio público [34]. Entretanto, os bens ditos revertidos só passam a integrar o patrimônio público a partir do término do contrato.

Reversão é, pois, a transferência do bem particular ao domínio estatal, por ocasião do término do prazo de concessão e em proveito da continuidade do serviço público.

Entretanto, ao contrário do que se possa imaginar, o concessionário não fica no prejuízo. Será ele integralmente indenizado. E essa indenização poderá ser feita por duas formas: 1.ª - Indenização ao final do contrato; 2.ª - Incorporação do valor dos bens reversíveis (discriminados no contrato, a teor do art. 23, X da Lei n.º 8.987/95) ao preço das tarifas, de modo que a indenização se faça ao longo da prestação do serviço. E se, por algum motivo, restar saldo a indenizar, este será pago ao final, como determina o art. 36 da Lei n.º 8.987/95.

No que se refere ao produtor independente, estipula o § 1.º do art. 20 do Decreto n.º 2.003/96 que "para a determinação do montante da indenização a ser paga serão considerados os valores dos investimentos posteriores, aprovados e realizados, não previstos no projeto original, e a depreciação apurada por auditoria do poder concedente". E "no caso de usinas termelétricas, não será devida indenização dos investimentos realizados, assegurando-se, porém, ao produtor independente e ao autoprodutor remover as instalações"(§ 2.º).

Portanto, não é recomendável a cessão de direito de uso, ainda que onerosamente, de bens a serem utilizados por prestadoras de serviços públicos, posto que estes serão convertidos em patrimônio do poder concedente ao final do contrato.


10. Regime fiscal

O presente tópico comporta análise sob duplo aspecto, quais sejam: 1) o da regularidade fiscal como requisito para habilitação do licitante (art. 27, IV da Lei n.º 8.666/93); 2) o da tributação na geração de energia elétrica.

No que se refere ao primeiro aspecto, iniciamos por uma advertência muito oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello no sentido de que "a licitação não é, nem pode ser via oblíqua para constranger o contribuinte a satisfazer pretensões fiscais" [35]. E isto se afirma em consonância com o princípio da separação dos Poderes (CRFB/88, art. 2.º) que está a impedir que a Administração se valha de procedimentos ilegítimos para cobrar tributos, devendo se valer, antes, única e exclusivamente, da via judicial, através da execução fiscal (Lei n.º 6.830/80).

A este respeito já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, que editou, inclusive, a Súmula n.º 547, in verbis: "Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais". E, interpretando tal enunciado jurisprudencial, Roberto Rosas anota que "o Tribunal Pleno decidiu que a Fazenda deve cobrar seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte" [36].

A partir dessas considerações, é de se concluir pela inconstitucionalidade do art. 27 da Lei n.º 8.666/93, que enumera como requisito de habilitação no procedimento licitatório a regularidade fiscal do concorrente, até porque em nada influi na sua capacidade de prestar serviço adequado.

Além disso, é de se verificar que, se assim não fosse, poderia, ainda, valer-se o contribuinte em débito de uma das modalidades de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151) e obter certidão positiva com efeitos de negativa (CTN, art. 206); ou, num caso de emergência, do disposto no art. 207 do CTN, habilitando-se com simples declaração de regularidade, dispensada a apresentação de certidões, o que se deverá fazer logo que possível.

No que se refere ao segundo aspecto desse item, analisaremos os tributos incidentes sobre a atividade do produtor independente de energia elétrica.

O Código Tributário Nacional, em seus arts. 74 e segs., disciplinava o imposto sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País, que era de competência da União. Ocorre que tal imposto não mais encontra acomodação na ordem constitucional vigente.

Como bem reconhece Ricardo Lobo Torres, "a CF extinguiu os impostos únicos sobre a energia elétrica, os combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do País e incluiu tais fatos geradores no campo de incidência do ICMS" [37].

No âmbito do ICMS, é de se reconhecer, em primeiro lugar, a imunidade que concede o art. 155, § 2.º, X, b da CRFB/88 às operações interestaduais de energia elétrica. Trata-se de regra que impede o legislador infraconstitucional de pretender tributar tal operação.

Entretanto, desprezando tal limitação ao poder de tributar, a Lei Complementar n.º 87/96 (art. 2.º, § 1.º, III) dispôs no sentido da incidência do tributo em análise "sobre a entrada, no território do Estado destinatário (...) de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais,. cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente".

Tal dispositivo legal merece críticas tanto no que se refere ao fato de estar pretendendo tributar operação imune, o que o caracteriza como inconstitucional, como no que tange ao fato de contemplar somente as operações não destinadas à comercialização.

No que toca à imunidade, reconhece a inconstitucionalidade da imposição tributária em comento, dentre outros, o prof. José Eduardo Soares de Melo, nos seguintes termos: "O permissivo constitucional é categórico e não deveria ensejar nenhum tipo de questionamento, ou seja, sempre deveria defluir o cristalino entendimento de que, em todos os negócio jurídicos (venda, troca, doação, etc.), compreendendo referidos bens, haveria plena e integral desoneração do ICMS" [38].

Entretanto, a questão não está pacificada na jurisprudência, não tendo o Superior Tribunal de Justiça em um acórdão [39] reconhecido a imunidade na operação interestadual, quando se trata de consumidor final. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, confirmou-se aquele entendimento.

No que tange ao fato de estar a Lei complementar n.º 87/96 contemplando somente as operações não destinadas à comercialização ou industrialização, é de se reconhecer que, neste caso, não poderá ser considerada mercadoria a energia elétrica, como bem professa o prof. Soares de Melo [40], não podendo incidir, pois, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

Para os produtores independentes de energia elétrica essa inconstitucionalidade tem muita importância, pois, como afirma o prof. Marcos Juruena Vilela Souto, "o produtor independente tem na geração de energia a sua mercadoria de comércio (com todos os riscos inerentes à atividade comercial)... " [41].

No que toca aos demais tributos incidentes sobre operações com energia elétrica, sobre os quais, em tese, poder-se-ia questionar, é de se mencionar que o art. 155, § 3.º da Constituição instituiu imunidade sobre tais operações, salvaguardando somente o ICMS e os Impostos de Importação e Exportação, colocando fora, v. g., o IPI.

Isso não significa que não incidirão quaisquer outros tributos, mas aqueles que têm como fato gerador a operação relativa a energia elétrica.

Colocam-se, assim, no âmbito da tributação do Imposto de Renda, da COFINS [42], do PIS [43], da CSLL as atividades de empresas concessionárias de serviço de energia elétrica.

Por fim, vale a análise da Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica, instituída pelo art. 12 da Lei n.º 9.427/96, aplicando-se em relação à geração dessa energia o § 1.º do citado dispositivo legal.

A TFSEE será anual (e deverá ser recolhida diretamente à ANEEL, em doze quotas mensais), diferenciada em função da modalidade e proporcional ao porte do serviço concedido, permitido ou autorizado, equivalendo a 0,5% do valor do benefício econômico anual auferido pelo delegatário e sendo determinada a partir da seguinte fórmula:

Tfg = P x Gu, onde:

Tfg = taxa de fiscalização da concessão de geração (fato gerador);

P = potência instalada para o serviço de geração (base de cálculo);

Gu = 0,5% do valor unitário do benefício anual decorrente da exploração (alíquota).

Em relação aos produtores independentes de energia elétrica, será considerada, para a determinação do valor do benefício econômico, a tarifa fixada no contrato de venda de energia (art. 12, § 2.º).

Em que pese a opinião em contrário do respeitável prof. Marcos Juruena Villela Souto, parece-nos fora de dúvida a natureza tributária da referida taxa, já que se enquadra perfeitamente no modelo desenhado pelo art. 3.º do Código Tributário Nacional.

Trata-se, pois, de taxa em razão do exercício do poder de polícia, tal qual autorizam o art. 145, II da CRFB/88 e o art. 77 do Código Tributário Nacional.

A única crítica que pode ser desenvolvida contra essa espécie tributária reside no fato de prever a lei instituidora a diferenciação da base de cálculo em função da modalidade e proporcionalmente ao porte do serviço concedido, permitido ou autorizado. E isto se diz em função do disposto no art. 145, § 2.º da Constituição, que não admite às taxas ter base de cálculo própria de impostos.

A razão de ser do citado dispositivo constitucional não é de difícil compreensão, visto que o conceito de base de cálculo se resume à noção de expressão econômica do fato gerador.

Ora, sendo o fato gerador da taxa uma atividade do Estado, a variação da base de cálculo só poderia ocorrer em função de uma diferenciação da atividade fiscalizatória estatal, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade, o que parece ter ocorrido. Entretanto, a validade dessa assertiva fica prejudicada se for verificado que a variação da base de cálculo obedece a uma diferença no custo do desempenho da atividade fiscalizatória, por questão de complexidade diferenciada.

Estas são as considerações que se nos afiguram indispensáveis a quem pretende conhecer mais tecnicamente essa atividade de prestação de serviço de energia elétrica, a partir do que é possível a enumeração de alguns enunciados:

a) Necessita o produtor independente de energia elétrica de concessão ou autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica, sendo, no primeiro caso, indispensável a prévia licitação;

b) As relações jurídicas estabelecidas entre o concessionário ou autorizado e o poder concedente são caracterizadas pela supremacia do interesse público, de modo que o Estado não se põe em pé de igualdade em relação ao particular, sendo disciplinada pelo Direito Administrativo;

c) As relações jurídicas estabelecidas entre os concessionários ou autorizados e os adquirentes da energia fornecida são regidas pelo Código do Consumidor, exceto quando estes não forem hipossuficientes e vulneráveis e/ou quando não adquirirem o produto para satisfação de necessidade própria;

d) Os contratos administrativos de concessão de energia elétrica, mesmo com a característica da supremacia do interesse público, deverão preservar sempre o equilíbrio as prestações, tendo como parâmetro de comparação o termo a quo do ajuste;

e) Os bens utilizados na prestação do serviço público, individualizados como reversíveis no contrato de concessão, não poderão ser levantados ao final, mas deverão ser indenizados pelo poder concedente ou pela inclusão de seus valores na tarifa cobrada dos consumidores;

f) O produtor independente de energia elétrica está sujeito ao ICMS (exceto nas operações interestaduais), e não ao IPI ou ISS, incidindo, também, a COFINS e o PIS, além dos demais tributos sobre os quais não há quaisquer questionamentos.


Notas

1. Konrad Hesse, A força Normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991, pg. 15.

2. Marcos Juruena Villela Souto, Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações, 2.ª edição, Editora Lumen Juris, 1999, p. 12.

3. Sobre o tema, vide Diogo de Figueredo Moreira Neto, Mutações no Direito Administrativo, Editora Renovar, 2000, pg. 152.

4. José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, Editora Lumen Juris, 3.ª edição, 1999, pg. 239.

5. Márcio Cammarosano, Contratos da Administração Pública e Natureza Jurídica da Permissão de Serviço Público, in Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba, pg. 496.

6. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 18.ª edição, Editora Malheiros, 1993, pg. 351.

7. José dos Santos Carvalho Filho, ob. cit. pg. 243, nota 11.

8. Neste sentido é a lição de Walter Tolentino Álvares, Curso de Direito da Energia, Editora Forense, 1978, pg. 240.

9. Sobre isso falaremos mais adiante.

10. Art. 13 da Lei n.º 9.074/95: "O aproveitamento de potencial hidráulico, para fins de produção independente, dar-se-á mediante contrato de concessão de uso de bem público, na forma desta Lei".

11. É de se observar que os autores têm feito referência à transferência total ou parcial da concessão. Nesta hipótese, um concessionário transferiria a um outro particular a execução de suas tarefas. Mas a lei exige, expressamente a anuência do poder concedente (arts. 26 e 27 da Lei n.º 8.987/95). E, como ensina A. C. Cintra do Amaral (Licitação para Concessões de Serviço Público, Editora Malheiros, 1995, pg. 12/13), dependerá essa operação, ainda, de prévia licitação, sob pena de se ver burlada a regra prevista no art. 175 da CRFB/88. Poderá entretanto a licitação ser realizada tanto pelo poder concedente como pela concessionária.

12. Neste sentido é a lição de Antônio Carlos Cintra do Amaral (ob. cit., pg. 11), que conceitua os preços semiprivados como a "remuneração paga pela concessionária ao poder concedente pela outorga da concessão.

13. José dos Santos Carvalho Filho, ob. cit., pg. 56.

14. Almiro de Couto e Silva, Os indivíduos e o Estado na Realização de Tarefas Públicas, in Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba, pg. 103.

15. J. S. Carvalho Filho, Ob. cit. pg. 125.

16. Leon Frejda Szklarowsky, Alteração dos Contratos Administrativos, Revisão Contratual - Teoria da Imprevisão, in Revista de Direito Administrativo, Vol. 215, 1999, pg. 45/51.

17. Celso Antônio Bandeira da Mello, Curso e Direito Administrativo, 12.ª edição, Editora Malheiros, 2000, p. 639.

18. Especificamente em relação aos produtores independentes de energia elétrica, prevê o Decreto n.º 2.003/96, no seu art. 21, a possibilidade de o poder concedente promover a encampação.

19. RDA 170/114.

20. Especificamente em relação aos produtores independentes de energia elétrica, prevê o Decreto n.º 2.003/96, no seu art. 22, a possibilidade de o poder concedente declarar a sua caducidade.

21. Neste sentido, Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 1993, pg. 201.; e Carvalho Filho, ob. cit., pg. 266.

22. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso... , p. 642.

23. Iria mais longe, a admitir a morte do único sócio de sociedade unipessoal, por quotas de responsabilidade limitada, como tem admitido a doutrina especializada e, também, a jurisprudência.

24. A aplicação de sanções e a fiscalização da execução do contrato já foram objeto de análise no item reservado à ANEEL.

25. No caso de prestação de serviço de energia elétrica, estipula o art. 4.º, § 2.º da Lei n.º 9.074/95 o prazo máximo de 35 anos, que poderá ser prorrogado por igual período a critério do poder concedente.

26. Sobre o tema, vide item 10 deste trabalho.

27. Importante destacar que não será caracterizado como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações ou por inadimplemento pelo usuário, considerado o interesse da coletividade (art. 6.º, § 3.º da Lei n.º 8.987/95).

28. Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 2.ª edição, Editora Malheiros, 1999, pg. 359.

29. Neste sentido, professa Alvaro Lazzarini, Serviços Públicos nas Relações de Consumo, in Revista de Direito Administrativo, Vol. 215, 1999, pg. 143/150.

30. Neste sentido é a lição de José Geraldo Brito Filomeno, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 6.ª edição, Editora Forense Universitária, 1999, pg. 32.

31. Art. 15 - Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 KW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 KV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica. § 1.º - Decorridos três anos da publicação desta Lei, os consumidores referidos neste artigo poderão estender sua opção de compra a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do sistema interligado (O § 1.º do art. 14 do Decreto n.º 2.003/96 considera operação integrada ao sistema aquela em que as regras operativas buscam assegurar a otimização dos recursos eletroenergéticos existentes e futuros). § 2.º - Decorridos cinco anos da publicação desta Lei, os consumidores com carga igual ou superior a 3.000 KW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 KV, poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do mesmo sistema interligado. § 3.º - Após oito anos da publicação desta Lei, o poder concedente poderá diminuir os limites de carga e de tensão estabelecidos neste e no artigo 16. § 4.º - Os consumidores que não tiverem cláusula de tempo determinado em seus contratos de fornecimento só poderão optar por outro fornecedor após o prazo de 36 meses, contado a partir da data de manifestação formal ao concessionário. § 5.º - O exercício da opção pelo consumidor não poderá resultar em aumento tarifário para os consumidores remanescentes da concessionária de serviços públicos de energia elétrica que haja perdido mercado. § 6.º - É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente. § 7.º - Os concessionários poderão negociar com os consumidores referidos neste artigo novas condições de fornecimento de energia elétrica, observados os critérios a serem estabelecidos pela ANEEL.

Art. 16 - É de livre escolha dos novos consumidores, cuja carga seja igual ou maior que 3.000 KW, atendidos em qualquer tensão, o fornecedor com quem contratará a sua compra de energia elétrica.

32. J. S. Carvalho Filho, ob. cit. pg. 250.

33. Os referidos dispositivos regulamentares reproduzem o conteúdo dos incisos II, IV e V do art. 12 da Lei n.º 9.074/95, respectivamente, já citados anteriormente (vide item 8.2).

34. Neste sentido é a lição do prof. Sérgio de Andréa Ferreira, Direito Administrativo Didático, 1985, pg. 244.

35. Celso Antônio Bandeira de Mello, Regularidade Fiscal nas Licitações, in Revista Trimestral de Direito Público, Vol. 21, pg. 6.

36. Roberto Rosas, Direito Sumular - Comentários às Súmulas do STF, Editora Revista dos Tribunais, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello no trabalho a que se refere a nota anterior.

37. Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5.ª edição, Editora Renovar, 1998, pg. 343.

38. José Eduardo Soares de Melo, ICMS - Teoria e Prática, 3.ª edição, Editora Dialética, 1998, pg. 252.

39. STJ, RMS n.º 6.174/MG - 1.ª Turma, Relator Ministro José de Jesus Filho, julgado em 16.10.95 e publicado em 27.11.95 do DJU, pg. 40.848/9.

40. J. E. Soares de Melo, ob. cit., pg. 17: "Os bens negociados os transmitidos por particulares, prestadores de serviços, financeiras, etc., sem implicarem em mercancia, ou não sendo transacionados com habitualidade, também representam natureza diversa de mercadoria".

41. Marcos Juruena Villela Souto, A ANEEL e a Desestatização dos Serviços de Energia Elétrica, in Revista Trimestral de Direito Público, Vol. 19, pg. 171.

42. Sobre a incidência da COFINS e do PIS, alguma discussão se levantou, pois as empresas estavam pretendendo equiparar o faturamento, que é base de cálculo desses tributos, às chamadas operações, posto que estas é que comporiam, ao final do período, aquele. Algumas decisões, inclusive, abraçaram tal tese nos Tribunais Regionais Federais do País, estendendo a imunidade do art. 155, § 3.º da CRFB/88 às contribuições em comento. Entretanto, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu em sentido contrário, até porque não são impostos, mas, ao lado destes, espécies tributárias. A questão ainda não foi decidida pelo Plenário do STF, mas tudo indica que essa decisão do órgão fracionário vai ser mantida.

43. Vide nota anterior.


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MADEIRA, José Maria Pinheiro. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3341. Acesso em: 16 abr. 2024.