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A interpretação extensiva do art. 34, parágrafo único da Lei n.º 10.471/2003 após a recente jurisprudência do Eg. STF

A interpretação extensiva do art. 34, parágrafo único da Lei n.º 10.471/2003 após a recente jurisprudência do Eg. STF

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As recentes decisões proferidas pelo STF no RE nº 580.963/PR e na Reclamação nº 4.374/PE trouxeram a lume o dever de proceder a uma interpretação extensiva do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.471/2003.

As recentes decisões proferidas pelo STF no RE nº 580.963/PR e na Reclamação nº 4.374/PE – declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/2003 trouxeram à lume o dever de proceder a uma interpretação extensiva do art.34, parágrafo único, da Lei n.º 10.471/2003.

A matéria posta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal ultrapassou a análise do disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso, na medida em que acabou por traçar dois paralelos para fins de análise da renda do grupo familiar do beneficio assistencial de prestação continuada sendo o primeiro quando o grupo familiar é composto de  idoso OU portador de deficiência e o segundo quando o grupo familiar é composto por pessoas enquadradas na situação de amparo assistencial previsto na Lei n.º 8.742/93: a) idoso E  idoso, b) idoso E portador de deficiência e c) portador de deficiência E portador de deficiência, sendo estas três últimas situações consideradas idênticas, sem justificativa de distinção, sob pena de  tratamento anti-isonômico.

Cabe salientar que, em que pese o RE 567.985/MT tenha objeto DISTINTO do RE 580.963, inconteste que ambos os Recursos foram julgados EM CONJUNTO e diversos debates acerca da presente matéria (interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003) foram travados no bojo do referido Recurso Extraordinário (RE 567.985/MT).

Assim, vale transcrever trecho do voto do e. Ministro Marco Aurélio – Relator do RE 567.985/MT –  que esclarece a linha de pensamento da matéria posta em análise:

“Ao fixar-se apenas no critério “renda”, o legislador olvidou outros elementos do mundo dos fatos que são relevantes para o exame do parâmetro “miserabilidade”. Por exemplo: uma família com duas ou três pessoas deficientes, além de diversos idosos com situação de saúde debilitada, possui maiores necessidades que uma família composta por apenas um idoso. Observem que, de todo modo, a legislação proíbe a percepção simultânea de mais de um benefício de assistência social – artigo 20, § 4º, da Lei nº 8.742, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 12.435/2011.

Mostra-se patente que o artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, embora não seja, só por si, inconstitucional, gerou situação concreta de inconstitucionalidade. A incidência da regra traduz falha no dever, criado pela Carta, de plena e efetiva proteção dos direitos fundamentais, resultante da eficácia positiva de tais direitos, cuja concretização é condição essencial à construção de uma sociedade mais justa e, portanto, civilizada. Como se sabe, os direitos fundamentais tanto possuem uma faceta negativa, que consiste na proteção do indivíduo contra as arbitrariedades provenientes dos poderes públicos, quanto cria deveres de agir. Refiro-me à denominada dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que tem como um dos efeitos a imposição de deveres permanentes de efetividade, sob pena de censura judicial. Sobre esse ponto, anota Ingo Wolfgang Sarlet:

(…)

Em suma, está-se diante de situação em que a concretização do princípio da dignidade humana e do dever específico de proteção dos hipossuficientesidosos e deficientes encontra-se aquém do texto constitucional. Embora ainda pouco utilizado pelo Supremo, emerge como parâmetro de aferição de constitucionalidade da intermediação legislativa de direitos fundamentais o chamado princípio da proibição da concretização deficitária, cujo fundamento último radica-se no dever, imputável ao Estado, de promover a edição de leis e ações administrativas efetivas para proteger os direitos fundamentais (ver Gilmar Ferreira Mendes, Inocência Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, em Curso de direito constitucional, 2007, p. 323). (trechos contidos nas paginas 17 e 18 do inteiro teor do acórdão no site http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jspdocTP=TP&docID=461444) (destaquei)

Em relação ao acórdão proferido no RE 580.963/PR, que tratou especificamente do caso da interpretação extensiva do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso vale transcrever o que segue:

“Presidente, eu prossigo para mostrar que há um problema, então, neste contexto, por isso, divergindo quanto ao resultado, eu encaminharia o meu voto no sentido de declarar a inconstitucionalidade, mas sem pronúncia da nulidade, fixando um prazo que eu fixaria, mas essa é apenas uma proposta para exercício institucional, mantendo a vigência do modelo até 31 de dezembro de 2014. Se formos verificar, há muitas incongruências hoje no sistema, a partir deste caso que não está sendo objeto agora de discussão, que é a discussão do Estatuto dos Idosos, que provoca essa incongruência no sistema: exclui o benefício para efeito da renda per capita quando se tratar de concessão de benefício de LOAS para um dos cônjuges, mas não admite em relação aos demais. Como justificar isso, do ponto de vista da racionalidade jurídica, não de racionalidade econômica? Como explicar que alguém que tenha se aposentado regularmente pela Previdência com o valor de um salário mínimo também não pretenda essa exclusão para efeito do cálculo? Ou a questão que já está posta e que está chegando aqui: os deficientes, que também recebem. Por que eles não foram contemplados? É claro que a gente vai explicar isso do ponto de vista variado: houve uma pane legislativa ou qualquer coisa do tipo. Mas é fundamental que a gente examine essa questão à luz de uma coerência normativa, sob pena de provocarmos realmente... Mas era só isso.” (fls. 12/13)

(...)

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Exatamente. Medicamentos que essas pessoas precisam. Em suma, situações muito especiais, que agravam a situação determinada. Agora, o problema que se coloca neste outro caso que nós estaríamos a julgar é o critério adotado pelo Estatuto do Idoso, que aumentou então a insegurança jurídica, porque, ao excluir, no caso dos idosos, apenas em relação ao recebimento e percepção de benefício da LOAS, por uma das partes do casal, ele acabou por agravar uma discussão sobre isonomia, porque, como eu disse: e se alguém, na mesma conformação, recebe um benefício da Previdência Social, por contribuição, no valor de um salário mínimo, e o outro pretende LOAS? Vai haver ou não a possibilidade de exclusão. Ele vai argumentar que é inconstitucional. E, aí ,a discussão é a seguinte: esse modelo ..

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – É difícil delimitar, de forma matemática, a insuficiência.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Esse é difícil. O caso do deficiente, são os casos que já estão surgindo também. É a mesma hipótese. Por que também não fazer a exclusão nesses casos? Então, nós temos que contemplar essas situações, porque, do contrário, nós vamos ficar realmente sem parâmetro, mas, como nós estamos a encerrar, apenas para efeito de esclarecimento.(trechos contidos nas paginas 12/15 do inteiro teor do acórdão no site http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jspdocTP=TP&docID=4864062)  (destaquei)

 E seguindo a mesma linha de pensamento, prossegue o e. Relator do RE 580.963/PR Ministro Gilmar Mendes, aduzindo que:

“Inicialmente, não se vislumbra qualquer justificativa plausível para a discriminação das pessoas com deficiência em relação aos idosos, razão pela qual a opção legislativa afronta o princípio da isonomia.

Imagine-se a situação hipotética de dois casais vizinhos, ambos pobres, sendo o primeiro composto por dois idosos e o segundo por um portador de deficiência e um idoso. Nessa situação, os dois idosos casados teriam direito ao benefício assistencial de prestação continuada, entretanto o idoso casado com o deficiente não poderia ser beneficiário do direito, nos termos da lei, se o seu parceiro portador de deficiência já recebesse o benefício.

Isso revela uma absurda falta de coerência do sistema, tendo em vista que a própria Constituição elegeu as pessoas com deficiência e os idosos, em igualdade de condições, como beneficiários desse direito assistencial. Registre-se, ainda, que o benefício previdenciário de aposentadoria, ainda que no valor de um salário mínimo, recebido por um idoso também obstaculiza a percepção de benefício assistencial pelo idoso consorte, pois o valor da renda familiar per capita superaria ¼ do salário mínimo definido pela Lei 8.742/1993 como critério para aferir a hipossuficiência econômica, já que benefícios previdenciários recebidos por idosos não são excluídos do cálculo da renda familiar.”(destaquei)

(trechos contidos na pagina 19 do inteiro teor do acórdão no site http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jspdocTP=TP&docID=4864062

O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, também na qualidade de Relator, na Reclamação n.º 4.374/PE, afirmou: “Em todo caso, o legislador deve tratar a matéria de forma sistemática. Isso significa dizer que todos os benefícios da seguridade social (assistenciais e previdenciários) devem compor um sistema consistente e coerente. Com isso, podem-se evitar incongruências na concessão de benefícios, cuja consequência mais óbvia é o tratamento anti-isonomico entre os diversos beneficiários das politicas governamentais de assistência social.(destaquei)  (pagina 48 do inteiro teor do acordão proferido na RCL 4374/PE), sendo que logo após tal afirmação, citou como exemplo a situação disciplinada pelo parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.

  Assim, é possível concluir que os diversos princípios norteadores das decisões acima transcritas (principio da isonomia, principio da proibição da concretização deficitária, principio da dignidade humana e princípio do dever específico de proteção dos hipossuficientes) foram invocados como ratio decidendi, a fim de realizar uma interpretação sistemática da legislação para os benefícios assistenciais, com o fito de impedir incongruências na política assistencial governamental.

Posto isto, conclui-se que tanto o idoso quanto o portador de deficiência foram erigidos ao mesmo patamar de fragilidade social pela legislação e, com os recentes julgamentos do Egrégio Supremo Tribunal Federal, é possível afirmar que o grupo familiar composto por pelo menos duas pessoas na situação de fragilidade social (idoso e portador de deficiência) foi considerado em situação mais indigna, necessitando maior amparo assistencial.


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