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A saúde como direito social fundamental

A saúde como direito social fundamental

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A saúde é um direito com eficácia potencializada na Constituição Federal de 1988, sendo um dever estatal.

1. Noções gerais

Antes de iniciar o tema é preciso estabelecer o conceito de Saúde. Em uma primeira aproximação, muitos pensam que direito à saúde é apenas o benefício de receber remédio do governo ou de ser atendido em hospital público.

Saúde é muito mais que isso.

O conceito engloba tanto a qualidade de vida em sociedade quanto a noção de ausência de doenças. A Organização Mundial de Saúde (OMS) demonstra, no preâmbulo da sua Constituição, a amplitude deste conceito: “Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.

Observa-se que a saúde está diretamente ligada ao estado físico, mental e social. Logo, não são apenas questões individuais, mas também questões sociais; por conseguinte, o conceito envolve o tratamento de moléstias, o fornecimento de medicamentos, medidas de prevenção, entre outras políticas públicas.

A Constituição Federal inovou no tema introduzindo a saúde no rol de direitos sociais do art. 6.º caput.[1]  Além disso, reservou uma normatização mais detalhada nos arts. 196 a 200, CF/1988.

A inserção de princípios e diretrizes, notadamente pela amplitude, advém do Movimento de Reforma Sanitária e, em especial, dos debates e proposições da VIII Conferência Nacional de Saúde.[2] Destaca-se, assim, a pró-atividade dos profissionais de saúde que participaram ativamente dos debates da Assembleia Constituinte, algo fundamental em uma democracia.[3]

Importante normatização constitucional foi a exigência de realização de políticas sociais e econômicas para redução dos riscos de doenças e agravos (art. 196, CF).

O Supremo Tribunal Federal, neste tema, já se posicionou pela proteção do direito à saúde (conjuntamente com o ambiente sadio) em detrimento do desenvolvimento econômico sustentável. Isso ocorreu no julgamento da ADPF 101, quando foi proibida a importação de pneus usados, uma vez que a reciclagem geraria graves danos ambientais e à saúde da população.

  1. Direitos sociais

Segundo José Afonso da Silva, direitos sociais “disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto”, mas como exigem implementação, “os direitos econômicos constituirão pressupostos da existência dos direitos sociais, pois sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e dos mais numerosos”.[4]

Os direitos sociais pertencem aos denominados direitos de segunda geração/dimensão, ligados diretamente à igualdade material. Não apresentam a mesma eficácia que os demais direitos fundamentais de primeira geração, pois são direitos prestacionais, exigindo prestações concretas do Estado.

Diante da necessidade de prestação material, os direitos sociais envolvem custos mais altos que os direitos de primeira geração (de defesa). A implementação desses ocorre por intermédio das políticas públicas, encargo típico do Poder Executivo e Legislativo. A judicialização, no entanto, pode ocorrer e, no caso de omissão, é possível sua concretização pelo Poder Judiciário.

Ressalta-se que, falar em direitos sociais não é o mesmo que falar em direitos coletivos ou difusos, mesmo que, muitas vezes, a proteção de um direito social respalda em pretensões de caráter coletivo ou difuso. A característica dos direitos sociais não está ligada à titularidade ou indivisibilidade do direito/interesse (direitos coletivos ou difusos), mas ao atributo “social”, caracterizando uma dupla titularidade – individual ou coletiva.

Por tais razões, deve ser rejeitado o argumento no sentido de que as ações coletivas seriam a única forma de acesso ao judiciário para a defesa dos direitos fundamentais sociais, o que inviabilizaria o acesso individual, por meio de ação própria, da pessoa cujo direito, individualmente considerado, encontre-se sob ameaça ou lesão.”[5]

 

2. Direito social – Saúde

Como visto acima, a Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo momento do direito à saúde, já que, além de incluí-lo no rol de direitos sociais (caput, art. 6.º), também estabeleceu princípios e diretrizes no título da ordem social.

A simples inclusão no art. 6.º demonstrou a elevada importância deste direito por redundar na aplicação do § 1.º do art. 5.º da CF/1988, o que atribui aplicabilidade imediata, podendo ser exigida sua implementação concreta pelo jurisdicionado.

“(...) é possível a extensão do regime de proteção constitucional reforçada para outros direitos além daqueles arrolados pelo próprio artigo 5.º, mesmo se não previstos de maneira expressa pelo texto constitucional, desde que ‘decorrente do regime e dos princípios’ adotados pela Constituição, bem como dos ‘tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’ – argumento que, com o devido respeito a posições diversas, parece colocar termo à discussão.”[6]

Entretanto, diferentemente dos demais direitos sociais, o direito à saúde tem mais contornos pormenorizados na Constituição (arts. 196 a 200), atribuindo a densidade[7] jurídica necessária para a sua implementação judicial.

Realmente, com a previsão de princípios e diretrizes, fica ínsito em seu conceito características que resguardam a exigência de ações estatais.

 “A simples afirmação da saúde como um dos direitos sociais constantes do art. 6.º da Carta de 1988 poderia, entretanto, guardar o caráter de norma de eficácia contida, experiência tradicional do direito constitucional brasileiro, como parece continua tendo a afirmação do direito ao lazer, contida no mesmo art. 6.º. O forte envolvimento popular e, particularmente, a proposta técnica de um sistema de saúde elaborada pelos sanitaristas, pode explicar porque, contrariando a tradição, desde a promulgação da Constituição, o direito à saúde vem sendo eficaz. Com efeito, diferentemente dos demais direitos sociais ali afirmados, apenas o direito à saúde tem sua garantia claramente vinculada às políticas sociais e econômicas, as diretrizes do sistema expressamente formuladas, envolvendo a participação da comunidade, e suas atribuições enumeradas no próprio texto constitucional (CF, arts. 196, 198 e 200).”[8]

 

O direito à saúde também possui características de direito subjetivo público, pois além de ser um dever do Estado implementar ações que diminuam os riscos de doença e, também, propiciar o acesso universal, a Constituição enumera-o como um direito de todos.

Sendo um direito subjetivo, passa a ser oponível por via judicial, possibilitando a exigência de medicamentos, cirurgias etc. Também é possível adotar medidas visando à abstenção de ações estatais que prejudiquem a saúde individual ou coletiva.[9]

Portanto, conclui-se que o direito à saúde é um direito de segunda geração potencializado, pois a Constituição o incluiu no caput do art. 6.º juntamente com os demais direitos sociais e delimitou com maior precisão o seu conteúdo.


[1]      Art. 6.º, caput, CF: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

[2]      FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à saúde. 2. ed. Salvador: Juspodivm.

[3]      DALLARI, Sueli Gandolfi. A construção do direito à saúde no Brasil.

[4]      DA SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição, 5. ed., p. 183.

[5]      FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à saúde. 2. ed. Salvador: Juspodivm.

[6]      Idem, ibidem.

[7]      WATANABE, Kazuo. O controle judicial de políticas públicas; critérios e limites. 9.º Curso de Especialização em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 2012.

[8] DALLARI, Sueli Gandolfi. A construção do direito à saúde no Brasil.

[9] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de direito sanitário com enfoque na vigilância em saúde. Brasília, 2006.


Autor

  • Jorge Arbex Bueno

    Advogado, especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito e pós-graduado em Direito Coletivo pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Autor do livro Teoria da ação de improbidade administrativa, pela Editora Lumen Juris.

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