Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/34444
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O equilíbrio econômico do contrato.

Como o incremento dos ônus suportado por uma das partes pode acarretar o desfazimento de um contrato

O equilíbrio econômico do contrato. Como o incremento dos ônus suportado por uma das partes pode acarretar o desfazimento de um contrato

Publicado em . Elaborado em .

Análise sobre o princípio do equilíbrio econômico do contrato sob o ponto de vista civilista, analisando as características, conceito e surgimento do princípio no Direito Brasileiro.

O princípio do equilíbrio econômico do contrato sempre anda junto da noção do que seja lesão e excessiva onerosidade, e decorre do princípio constitucional da igualdade substancial, previsto no artigo 3°, III da Constituição da República, na medida em que um contrato não pode servir de instrumento para um contratante almejar lucro exagerado em detrimento da outra parte.

  Tal princípio contrasta com o modelo clássico de contrato, em que a vontade inicial manifestada na formação do contrato é a que prevalece. Hoje, o equilíbro contratual é pautado na observação do conteúdo e resultado do contrato, comparando-se as vantagens e encargos assumidos pelos contratantes no início e no decorrer da execução contratual. Na verdade, é um princípio recente que se preocupa com a proteção do contratante vulnerável.

  A lesão prevista no Código Civil de 2002 é uma demonstração da mudança de mentalidade do legislador. Nos dizeres de Miguel Maria Serpa Lopes:

  “A ideia de lesão é um dos movimentos tendentes a restaurar a equidade nas obrigações, posta de lado, como se encontrou, pelos princípios do liberalismo econômico preponderante ao tempo da feitura do nosso Código Civil. Visa impedir a injustiça usuária, sendo certo que o credor abusa do se direito se, no exercício do seu crédito, consegue obter um enriquecimento injusto.“

 Desta forma, em que pese um contrato ter sido livremente pactuado pelas partes, pode ele ser rescindido ou modificado judicialmente, se se demonstrar injusto.

Denota-se daí uma mudança substancial no conceito do que seja justiça contratual.

  O conceito clássico de justiça é de igualar a todos, na medida em que se desigualam, na visão célebre de Rui Barbosa. A tradição filosófica considera a justiça um conceito de distribuição paritária e proporcional. No direito contratual houve a modificação da liberdade de contratar pela valorização da paridade entre as partes, por incidência do princípio do equilíbrio.

 É sob esse ponto de vista que se assenta o princípio do equilíbrio contratual, na medida em que busca estabelecer prestações recíprocas e com certo nível de paridade entre as partes do contrato. Por isso estão intrinsecamente ligadas a noção de justo e de equilíbrio do contrato, haja vista que é justo aquilo que está equilibrado, e que não onera demasiadamente uma pessoa, guardando um nível de razoabilidade entre as prestações dos contratantes.

  Portanto, o justo no contrato deve ser entendido pela definição de Aristóteles que diz que é justo o que é proporcional.

  A valorização do princípio do equilíbrio nos contratos pode ser perfeitamente percebida com o ressurgimento no direito positivo do instituto denominado “lesão”.

  A lesão é um instituto que se aplica aos contratos desequilibrados desde a formação do instrumento jurídico. Daí verifica-se que o equilíbrio é um conceito que foge à vontade dos contratantes. No entanto, difere a lesão da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, haja vista que esses institutos têm como base a imprevisibilidade de mudanças ocorridas após a celebração do contrato, causando desequilíbrio naquilo que foi originalmente estipulado pelas partes.

  A noção do que hoje se entende por lesão iniciou-se ainda nas civilizações antigas, mais precisamente no Direito Romano, e teve origem numa resposta a uma consulta concreta feita aos jurisconcultos romanos, e depois foi incorporado ao Corpus Iuris Civilis  como regra geral. Também esteve presente na Idade Média e somente no final dessa fase entrou em declínio, pois foi uma época em que houve a exacerbação da liberdade e do espírito individualista. Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado voltou a interferir na cena econômica, atuando como defensor natural dos fracos, ressurgindo, aí, o instituto da lesão, juntamente com o movimento que pregava a constitucionalização de normas tidas antes como exclusivamente de direito privado.

  Assim, o ressurgimento da lesão é interpretado como uma mudança do pensamento jurídico que valoriza a vontade individual e passou a buscar a justiça nos contratos, pautada em razões de direitos humanos.

  No Brasil, o Código Civil de 1916 ignorou a lesão, eis que tomado de uma áurea totalmente individualista. No entanto, algumas legislações esparsas previam o propósito de promover a justiça social através do equilíbrio das prestações  contratuais, sendo um exemplo disso o artigo 4°, alínea ‘b’ do Decreto-Lei n° 869/38, que definiu os crimes contra a economia popular. Contudo, o instituto só obteve mais força com a Constituição Federal de 1988, que não só veda a usura como também consagra o princípio do equilíbrio entre as prestações contratuais, sem, contudo, denominá-lo de lesão (ver artigo 51, inciso IV), para somente em 2002 o Código Civil prever o instituto como defeito do negócio jurídico no artigo 157.

  Diante do exposto, conclui-se que o princípio que inspira a lesão é o do equilíbrio econômico e seu mais importante corolário é a defesa do contratante em posição de inferioridade. Por situação de inferioridade entende-se ser qualquer circunstância apta a reduzir consideravelmente a efetividade da autonomia negocial. Ademais, a situação de necessidade da pessoa lesionada também caracteriza a lesão, o que não significa ser uma necessidade econômica, mas sim a necessidade em se firmar um contrato naquele momento e para específica finalidade extremamente importante para a pessoa lesionada.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.