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O preço do abandono afetivo

O preço do abandono afetivo

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Amar é faculdade, cuidar é dever - O preço do abandono afetivo sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro.

O abandono afetivo não é uma novidade no meio jurídico. No entanto, o assunto está longe de ser passível.
A sua existência sempre foi analisada nas hipóteses de destituição do poder familiar (artigo 24, do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 1.638 do Código Civil), sendo, até então, a pena civil mais grave a ser imputada aos pais.
Apesar da falta de regulamentação legal específica em torno da matéria, há vários precedentes jurisprudenciais sobre o abandono afetivo, entre eles, uma decisão da Terceira Turma do STJ, publicada no dia 10 de maio de 2012, reconhecendo o direito de uma filha em receber uma indenização de seu pai por abandono afetivo.
A relatora do caso, a Ministra Nancy Andrighi, revelou que não se discute o fato de amar, mas a imposição legal de cuidar, sendo dever daqueles que geraram ou adotaram um filho (STJ. Resp n. 1.159.242/SP).
A palavra abandono, segundo o dicionário é “ato ou efeito de abandonar; desamparo; desprezo” (FERREIRA, 1964, p. 2).
Já quanto ao afeto, o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura aos menores o seu desenvolvimento sadio e harmonioso, pondo-o a salvo de toda forma de negligência. Para a efetivação desse desenvolvimento, necessário haver entre os envolvidos a presença do afeto, elemento de elevada importância, sendo que a sua ausência desmedida pode gerar danos permanentes no decorrer da vida do filho. É a omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia (DIAS, 2007, p. 407).
O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. (HIRONAKA, 2009).
Importante salientar, que há casos, em que o genitor guardião acaba afastando a criança do outro genitor por razões egoístas, o que contribui para a ausência afetiva - É a chamada Alienação Parental, contida na Lei n. 12.318/2012.
Cumpre destacar, existem pais biológicos que residem no mesmo lar e nunca conseguiram abraçar os seus filhos, nunca participaram dos seus aniversários ou formaturas, nem tampouco lembraram de questionar acerca do dia-a-dia do filho ou suas necessidades, inexistindo, portanto, qualquer laço afetivo. (LOMEU, 2008, p. 87).
Ainda, existem mães que abandonam seus filhos. Existem mães que não contam para os genitores dos seus filhos que estão grávidas e, portanto, se quiserem, podem desempenhar o dever de serem pais. Existem mães que não contam para seus filhos quem são seus pais. Mas, existem muito mais mães abandonadas e filhos esquecidos! E é desses filhos e de seus possíveis transtornos psicológicos – que resultam, ainda, em outras numerosas consequências do abandono afetivo. Não somente do filho que foi criado sem a figura paterna, mas que efetivamente sofreu e sofre graves sequelas em função do abandono. (SOUZA, 2012).
Assim, é primordial avaliar como a pessoa elaborou a indiferença paterna. Só quando ficar constatado em perícia judicial que o projeto de vida daquele filho foi trocado pelo abandono, configurando o dano psicológico, é que cabe indenização. (LOPEZ, 2004, p. 14).
As sequelas são provadas por laudos periciais elaborados por especialistas, entre eles: Psicólogos, Assistentes Sociais, dentre outros; Prova documental, como boletins escolares e fotografias; Depoimentos de testemunhas, além de interrogatório minucioso do Juiz competente. (SOUZA, 2012).
Na doutrina brasileira, a tese do abandono paterno-filial divide os pareceres dos estudiosos do Direito Privado. São favoráveis à indenização Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Paulo Lôbo. No entanto, são contrárias ao pagamento de uma indenização por abandono afetivo Regina Beatriz Tavares da Silva e Judith Martins Costa. (TARTUCE, 2009, p. 107).
Entre prós e contras, é necessária a exata comprovação do abalo moral sofrido e ponderação no arbitramento da indenização por abandono afetivo, sob pena de levar à desvalorização da ciência jurídica ao mero predomínio de interesses.
Com base no exposto e como bem asseverou a Ministra Nancy Andrigui, no julgamento do Recurso Especial n. 1.159.242/SP “Amar é faculdade, cuidar é dever!”
Nos pedidos indenizatórios de abandono afetivo, as sequelas da dor devem ser provadas por laudos periciais elaborados por especialistas da área da psicologia e assistência social, por provas documentais, entre elas Boletins Escolares, fotografias, entre outros, por prova testemunhal, e ainda, por interrogatório a ser realizado por juiz.
Como todos sabemos, o amor é resultado de algo alheio ao nosso entendimento, portanto, o pedido de abandono afetivo só merece tutela em nosso ordenamento quando comprovado efetivamente, com o arbitramento ponderável de indenização, sob pena de desvalorizar a ciência jurídica ao mero predomínio de interesses.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CASTRO, Leonardo. Precedente Perigoso – O preço do abandono afetivo, 2007. Disponível em: > HYPERLINK "http://jus.com.br/revista/texto/10696/precedente-perigoso" \l "ixzz1wZ9RDJHL" http://jus.com.br/revista/texto/10696/precedente-perigoso#ixzz1wZ9RDJHL<. Acesso em: 29 maio 2012.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. São Paulo: Civilização Brasileira, 1964.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em >http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=288<. Acesso em: 29 maio 2012.

LOMEU, Leandro Soares. Direito Civil: Atualidades na perspectiva civil-constitucional. Pará de Minas: Virtual Books, 2008.

LOPEZ, Teresa Ancona. Jornal do Advogado. São Paulo: OAB, n° 289, 2004.

SILVA, Claudia Maria da. Indenização ao filho. In: Revista Brasileira de Direito de Família. vol. 25, Porto Alegre, ago./set. 2004.

SOUZA, Ionete de Magalhães.  HYPERLINK "http://www.iunib.com/revista_juridica/2012/03/19/responsabilidade-civil-e-paternidade-responsavel-analise-do-abandono-afetivo-de-filho-no-brasil-e-na-argentina/" \o "Permanent Link to RESPONSABILIDADE CIVIL E PATERNIDADE RESPONSÁVEL: ANÁLISE DO ABANDONO AFETIVO DE FILHO NO BRASIL E NA ARGENTINA" Responsabilidade Civil e Paternidade Responsável: Disponível em: > HYPERLINK "http://www.iunib.com/revistajuridica<" http://www.iunib.com/revistajuridica<. Acesso em: 29 maio 2012.

TARTUCE, Flávio. Danos Morais por Abandono Moral. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. vol. 7, Porto Alegre : Magister. dez./jan. 2009.


Autor

  • Caroline Bourdot Back

    Caroline Bourdot Back

    Advogada militante em Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2007). Professora da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família. Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/SC (Gestão 2019/2021). Detém especialização em Direito e Processo do Trabalho (2008); Direito de Família e Sucessões (2012) e em Direito Previdenciário (2016).

    Atuou como Conselheira Titular da OAB Subseção de Palhoça/SC (Gestão 2016/2018), como Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Subseção de Palhoça/SC (Gestão 2016/2018) e como Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher de Palhoça/SC (2016).

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