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Improbidade administrativa

Improbidade administrativa

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1. INTRODUÇÃO


A palavra improbidade vem do latim, improbitas, atis, significando, em sentido próprio, má qualidade (de uma coisa). Também em sentido próprio, improbus, i, que deu origem ao vernáculo ímprobo, significa mau, de má qualidade. Da mesma forma, probus, i, em português, probo, quer dizer bom, de boa qualidade. O sentido próprio dessas palavras, pois, não se reporta, necessariamente, ao caráter desonesto do procedimento incriminado, quando se faz referência a "administrador ímprobo".

Administração ímproba quer significar, portanto, administração de má qualidade. Isso é importante para se alcançar o verdadeiro significado legal e jurídico da expressão, levando, por conseguinte, primeiramente, a uma distinção entre "probidade na administração" e "moralidade administrativa".




2. PROBIDADE E MORALIDADE


Há quem confunda probidade com moralidade ou, correspondentemente, improbidade com imoralidade.

Luiz Alberto Ferracini, por exemplo, no livro IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (Julex Edições, 1997, pág. 16) preleciona:

Entende-se por ato de improbidade má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente, lega-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter.

De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, pág. 431, trilhando o mesmo caminho, diz que:

improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral.

Autores existem, por outro lado, que, distinguindo nitidamente as duas noções, entendem ser a moralidade o gênero do qual a probidade seria uma espécie.

Tal é o entendimento de Marcelo Figueiredo, em seu livro PROBIDADE ADMINISTRATIVA (Malheiros Editores, São Paulo, 1995, pág. 21), quando ensina:

Entendemos que a probidade é espécie do gênero "moralidade administrativa" a que alude, "v.g.", o art. 37, caput e seu § 4° da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário, a probidade é peculiar e específico aspecto da moralidade administrativa.

De nossa parte, divergindo dos que assim pensam, entendemos: a) moralidade e probidade administrativas são noções bem claramente distintas, que se não podem confundir ante os textos legais que, a partir da Constituição Federal, a elas se referem; b) por esses mesmos textos, é forçoso reconhecer, como demonstraremos a seguir, que a probidade é que é o gênero, do qual a moralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.

De fato, examinando-se o que a Constituição de 5 de outubro de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm a respeito dos princípios aqui aludidos, verifica-se que probidade e moralidade administrativas são conceitos que se não podem confundir e que a segunda dessas noções está contida na primeira.

Repassemos os dispositivos que mencionam, expressamente, os dois conceitos.

Ao tratar da administração pública, apontando-lhe os princípios fundamentais (art. 37, caput), a CF indica, entre estes, a moralidade, sem referência à probidade:

A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
..............................................................


Já no § 4° do mesmo artigo 37, a Carta Magna alude à improbidade administrativa, sem aludir à moralidade, ao determinar que:

os atos de improbidade administrativa importarão a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Em outro dispositivo da CF (art. 5º, LXXIII) está dito que:

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Definindo os crimes de responsabilidade do Presidente da República, a Lei Maior (art. 85, V) considera como um deles o ato daquela autoridade que atentar contra

a probidade na administração.

A Lei 8.429/92, por sua vez, complementando as disposições constitucionais, classifica os atos de improbidade administrativa em três tipos:

I) atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito;
II) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário;
III) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.


Os dispositivos constitucionais e legais acima apontados, a par de evidenciar a distinção que deve existir entre probidade e moralidade, servem para fundamentar o nosso entendimento, acima manifestado, de que a probidade administrativa contém a noção de moralidade administrativa, ou seja, é conceito amplo, de modo a abarcar em si o conceito de moralidade administrativa.

Senão, vejamos:

No artigo 37, § 4°, da CF, está dito que os atos de improbidade administrativa importarão a perda da função pública. Perguntamos, então: será que os atos contra a moralidade administrativa não ensejam, também, a perda da função pública? Evidentemente, sim. Se a violação a tal princípio não está ali referido como determinante dessa sanção é porque, sem dúvida, ela está compreendida entre os atos de improbidade a que se reporta a disposição em referência.

O mesmo podemos indagar em relação ao artigo 85, V, da CF, que prevê como crime de responsabilidade o ato de atentar o Presidente da República contra a probidade na administração. Será que os atos contra a moralidade administrativa, na medida em que revelam a desonestidade, a corrupção, a má-fé, não configurarão crime de responsabilidade daquela autoridade? Evidentemente, sim. Do mesmo modo que na situação anterior, se a violação à moralidade administrativa não está indicada, expressamente, como tipificadora do crime de responsabilidade, é porque tal conduta, com toda certeza, está embutida na compreensão do que seja improbidade administrativa.

A evidência maior, porém, de que a probidade administrativa abarca o princípio da moralidade está, sem dúvida, na maneira como a Lei 8.429/92 define os atos de improbidade administrativa. De acordo com o mencionado diploma legal, a improbidade na administração se verifica quando se praticam atos que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração, definidos no artigo 37, § 4°, da CF, entre os quais está incluída a moralidade, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, além de outros que, mesmo não apontados, explicitadamente, no citado dispositivo, mas distribuídos por todo o texto constitucional, também se aplicam à condução dos negócios públicos.

Caberia, aqui, deixar clara a distinção entre uma e outra.

O ato de imoralidade - segundo a lição dos doutos - afronta a honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealdade, a dignidade humana e outros postulados éticos e morais.

A improbidade, por sua vez, significa a má qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a pública administração.

Em suma, podemos dizer que todo ato contrário à moralidade administrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de improbidade administrativa representa violação à moralidade administrativa.




3. AGENTES DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


A lei 8429/92 define quais as pessoas consideradas como passíveis de sanção pela prática de atos de improbidade. Tais são:

a) qualquer agente público, servidor ou não, em relação a atos de improbidade praticados contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, reputando-se agente público, para os efeitos da lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades acima mencionadas;

b) qualquer pessoa que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie por qualquer forma direta ou indireta.

Vale observar que estão também sujeitos às sanções da lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Como se vê é amplíssimo o universo de pessoas cujo procedimento pode ser apontado como ímprobo, desde, servidores ou terceiros, incidam nas situações apontadas pela lei. Exemplificativamente, estariam sujeitas às cominações legais, membros de colegiados que não são remunerados, dirigentes de entidades privadas, fornecedores, enfim todos os que concorram para a prática dos atos previstos na lei.

Bastante largo é, também, o número de entidades cujo patrimônio se acha protegido pelas disposições legais em referência. Para se ter uma idéia da amplitude do alcance da lei, basta observar que empresas que gozam de incentivos fiscais, a exemplo das empresas favorecidas através da SUDENE, SUDAM e outros organismos nacionais ou estaduais, como o FAIN, encontram-se protegidas pela legislação ora comentada, em relação à conduta irregular de seus administradores, dolosa ou culposa, em que pese sua condição de empresas privadas.

Finalmente, é de atentar-se para a circunstância relevante de que a obrigação de ressarcir o dano, integralmente, dar-se-á sempre, seja este causado por ação ou omissão, dolosa ou culposa, pouco importa.




4. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Como foi dito antes, a Lei 8429/92 conhece três tipos de atos ímprobos na administração, a saber:

I) atos que importam em enriquecimento ilícito.
II) atos que causam prejuízo ao erário.
III) atos que atentam contra os princípios da administração pública.

A primeira classe de atos de improbidade administrativa compreende os seguintes:

a) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função ou emprego, ou atividades nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
b) receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
c) perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado;
d) utilizar, em obra ou serviço particular, veículo, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
e) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer atividade ilícita, ou aceitar promessas de tal vantagem;
f) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
g) adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
h) aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade.
i) perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza.
j) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado.
l) incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1 desta Lei.
m) usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.


A segunda classe de atos de improbidade, na conformidade da disposição legal, é a dos que causam prejuízo ao erário, compreendendo as seguintes práticas:

a) facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
b) permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
c) doar a pessoa física ou jurídica, bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie.
d) permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bens integrantes do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviços por parte delas, por preço inferior ao de mercado.
e) permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado.
f) realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantias insuficientes ou inidôneas.
g) conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.
h) frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.
i) ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento.
j) agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público.
l) liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
m) permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente.
n) permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.


Finalmente, a terceira classe dos atos de improbidade administrativa contempla os atos que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente os seguintes:

a) praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.
b) retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.
c) revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deve permanecer em segredo.
d) negar publicidade aos atos oficiais.
e) frustrar a licitude de concurso público.
f) deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo.
g) revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço.





5. DAS SANÇÕES APLICÁVEIS AO AGENTE DA IMPROBIDADE


A lei nº. 8.429/92 não se preocupa em definir crimes. Os atos tipificados nos arts. 9°, 10 e 11 não constituem crimes no âmbito da referida lei. Muitas das condutas ali descritas são de natureza criminal, assim definidas, porém, em outras leis, a exemplo do Código Penal, do Decreto-Lei 201, da Lei n° 8.666/93 etc.

Não sendo crimes, têm, contudo, uma sanção, de natureza política ou civil, cominada na lei sob comentário, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.

Assim, os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito estão sujeitos às seguintes cominações:

a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;
b) ressarcimento integral do dano, quando houver;
c) perda da função pública;
d) suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos;
e) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial;
f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Na hipótese da prática de atos de improbidade que causem prejuízo ao erário, as sanções aplicáveis são:

a) ressarcimento integral do dano, se houver;
b) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância;
c) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos;
d) pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano;
e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditício, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos


Finalmente, a prática de atos de improbidade, que atentam contra a moralidade e demais princípios da administração, acarreta como sanção:

a) ressarcimento integral do dano;
b) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos;
c) pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente;
d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.





6. DA DECLARAÇÃO DE BENS


Para possibilitar uma fiscalização efetiva e um acompanhamento eficaz da evolução patrimonial dos agentes públicos, a Lei 8.429/92 prevê a obrigação para todo agente público de apresentar declaração de bens e valores que compõem seu patrimônio particular, quando de sua posse em qualquer cargo público. Tal declaração deverá ser atualizada anualmente, bem como no momento em que o agente deixar o exercício de mandato, cargo, emprego ou função.

Legislação específica, Lei 8.730/93, estipula que as declarações em referência sejam entregues também aos Tribunais de Contas, aos quais caberá averiguar a respeito das situações e mutações patrimoniais ocorrentes, em relação ao patrimônio dos agentes públicos.




7. DA PRESCRIÇÃO


Cumpre-nos referir ao prazo para ajuizamento das ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas na lei 8.429/92. Segundo esta, as mencionadas ações podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em comissão ou função de confiança.

Nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego, devem as ações ser propostas dentro do prazo prescricional previsto na lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público.




8. DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DO PROCESSO JUDICIAL


Questão da maior relevância é a que diz respeito ao procedimento administrativo e ao processo judicial que devem ser seguidos visando à apuração de atos de improbidade e à aplicação das sanções de que são merecedores os respectivos agentes.

A lei prevê um procedimento administrativo, que servirá de base para o processo judicial visando à aplicação das sanções, notadamente a perda do cargo e suspensão dos direitos políticos, de competência privativa do Poder Judiciário.

Confere a Lei 8.429/92 a qualquer pessoa a capacidade para representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. A comissão que for designada para apurar a prática de improbidade dará conhecimento de sua instauração ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, os quais poderão designar representantes para acompanharem o procedimento administrativo em referência.

Nessa fase, poderá ser solicitada pela comissão, ao Ministério Público ou à Procuradoria do órgão que seja requerida ao juízo competente o seqüestro dos bens do agente ou de terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao erário.

E aqui cabe-nos tocar em ponto da maior importância relativamente às atribuições dos Tribunais de Contas.

Como ficou assinalado, a lei prevê um procedimento administrativo, conferindo poder a qualquer pessoa para representar à autoridade administrativa competente, para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. Entendemos que os processos de prestação de contas dos diferentes agentes públicos, cujo julgamento cabe ao Tribunal de Contas, valem como os procedimentos administrativos a que se reporta a lei 8.429/92. Em tais processos, dada a amplitude de suas atribuições, e graças ao trabalho de suas equipes técnicas, os Tribunais de Contas verificam a legalidade das despesas; constatam a ocorrência de prejuízos aos erários sob sua proteção; atestam a prática de violação à moralidade administrativa, exercitada por diferentes meios; certificam o desvio de recursos, em favor dos agentes ou de terceiros; demonstram a realização de aquisições ou alienações viciosas de bens; comprovam o favorecimento de terceiros em detrimento do patrimônio público; evidenciam a omissão ou negligência do agente público; testemunham infrações aos princípios da legalidade, da legitimidade, da economicidade; enfim, procedem a toda uma investigação que, ao final, se revela capaz de autenticar a probidade ou improbidade do agente público, inclusive mediante análise da evolução de seu patrimônio conforme atribuição dada aos mencionados Tribunais pela Lei nº 8.730/93. Além disso as investigações feitas no âmbito dos Tribunais de Contas têm o acompanhamento diuturno do Ministério Público que, por imperativo constitucional (arts. 73, § 2°, I e 130) atua junto àquelas Cortes, exigência também feita pela lei 8.429/92. E mais: os agentes públicos, cujos procedimentos são fiscalizados e cujas contas são julgadas pelos Tribunais, têm assegurado em seu favor o contraditório e o exercício da mais ampla defesa, podendo defender-se pessoalmente ou através de procurador ou advogado, legalmente habilitado, e, em um outro caso, requerer diligências, vistorias, inspeções, tudo de modo a tornar efetiva a garantia constitucional prevista no artigo 5°, LV, da Constituição Federal:

aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Ora, diante de investigação tão completa, quer do ponto de vista formal quer do ponto de vista material, parece-nos que outro procedimento administrativo para apuração de improbidade administrativa não teria cabimento ou sentido nenhum, representando, tão somente, uma duplicidade de esforços e de gastos financeiros.

Se isso ocorre em relação aos agentes públicos comuns, com muito mais razão é de se compreender com referência aos chefes de Poderes, quer estaduais, quer municipais.

O artigo 14 da Lei 8.429/92 faculta a qualquer pessoa representar à autoridade administrativa competente, para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de improbidade. Ora, tomemos o exemplo do Prefeito - chefe do executivo municipal. Se a representação a que se reporta o mencionado dispositivo legal há de ser feita à autoridade administrativa competente para que seja instaurada a investigação, perguntamos: a que autoridade municipal seria encaminhado o pedido, já que o Prefeito é, sem dúvida, a maior autoridade local, no âmbito executivo?

Aqui, socorre-nos a lição de Manuel Gonçalves Ferreira Filho, para quem:

"A probidade é uma obrigação elementar, a que todos, especialmente os que recebem, administram a aplicam dinheiro público, estão jungidos. O Presidente da República, evidentemente, não escapa a essa obrigação. Desse modo tem de zelar para que toda a administração pública se atenda estritamente às normas de probidade, sobretudo financeira.
A prestação de contas - enfatiza o renomado mestre - é um dos aspectos principais por que se manifesta a probidade administrativa" (Comentários, Saraiva, vol 2).

A prestação de contas - já tive ocasião de dizer - é instrumento de transparência da administração e é através dela que, na lição do renomado mestre, se revela a sua probidade ou a sua improbidade. Os Tribunais de Contas, no exame de contas tomadas por sua iniciativa ou prestadas pelos administradores municipais, pondo em movimentação todo o procedimento técnico-administrativo a que acima aludimos, têm condições de, à luz dos elementos contidos na Prestação de Contas ou por eles colhidos " in-loco", atestar o modo como se comportou o Prefeito, ou qualquer outra autoridade à frente dos negócios públicos. As suas investigações são, portanto, capazes de fazê-lo firmar juízo de valor sobre a conduta proba ou ímproba do agente público, competência reforçada com a disposição constitucional que confere às suas decisões, no caso de imputação de débito ou aplicação de multa, a eficácia de título executivo.




9. CONCLUSÃO


Em conclusão, do que vimos a respeito da Lei 8.429/92, força é convir que esse diploma legal representa valioso instrumento para assegurar-se a probidade administrativa por parte de todos a quantos se acha entregue a condução dos negócios públicos, nos entes a que se refere a mencionada lei, garantindo-se, assim, a incolumidade do patrimônio público e o respeito aos princípios da sã administração, mediante o ressarcimento do erário, a punição dos culpados e sua retirada temporária dos quadros político-administrativos.

Autor


Informações sobre o texto

Palestra proferida em 24 de julho de 1997, na abertura do I Ciclo de Palestras, realizado para assinalar a inauguração do Auditório "Conselheiro José Braz do Rego", no Tribunal de Contas do Estado da Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Flávio Sátiro. Improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/359. Acesso em: 25 abr. 2024.