Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/36211
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda

As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda

Publicado em . Elaborado em .

Analisam-se as dificuldades causadas pela falta de definição léxica dos termos publicidade e propaganda por parte da legislação brasileira.

1. JUSTIFICATIVA

A Publicidade e a Propaganda são áreas da comunicação nas quais o Brasil é reconhecido mundialmente como competente produtor de seus serviços relacionados.

Como consequência de sua vasta atividade, a legislação brasileira estabelece regras básicas para a realização destes serviços, dispostas no formato de Leis e Códigos. Porém, o desconhecimento e a falta de discussão acerca do conceito epistemológico de tais ciências por parte de comunicadores e profissionais do direito, pode gerar ambiguidades que são prejudiciais a uma prática democrática, tanto da atuação das mencionadas áreas como da aplicação da justiça.

Este artigo será desenvolvido a fim de analisar a existência de tais enfermidades de processo.


2. OBJETIVOS

2.1      Geral

- Distinguir e conceituar Publicidade e Propaganda através das óticas científicas da Comunicação e do Direito;

- Analisar a aplicação de tais conceitos na Legislação brasileira;

2.2      Específicos

- Apresentar as enfermidades acerca da precária distinção de Publicidade e Propaganda;

- Analisar a aplicação de tais conceitos por parte dos magistrados e profissionais de direito brasileiros.


3      METODOLOGIA

Serão analisadas obras que possuam a distinção acerca de tais conceitos, referenciando autores das áreas mencionadas

  Em seguida, será realizada uma análise da aplicação de tais conceitos em Leis e Códigos brasileiros, como o Código de Defesa do Consumidor e Lei Eleitoral, observando a visão da ótica judiciária referente a tal.


4      PUBLICIDADE X PROPAGANDA

  Ao contrário do que se crê por senso comum, ou até mesmo de como entendem alguns estudiosos, os termos “Publicidade” e “Propaganda” estão longe de poderem ser conceituados como os “gêmeos da comunicação”.

  Ao realizar tal pesquisa, me deparei com conceituações diversas, algumas vezes conflitantes, interpeladas por cientistas e acadêmicos da área de análise, de forma que não seria satisfatório apresentá-las a partir de uma ótica única.

  Tal abordagem é positiva quando tomada a intenção analítica.  Devo frisar que não há um consenso na comunicação brasileira acerca da definição de tais, sendo que ao mesmo tempo, são conceitos tão presentes em nosso cognitivo que podem ser considerados por um argumento de autoridade, como um professor ou um estudioso, como óbvios.

  Portanto, é fundamental apontar que tais definições não tem o objetivo de serem interpretadas como uma verdade etimológica única, afinal como muito bem apontou Jean Jaques Rousseu em sua obra Emílio “Mesmo que os filósofos tivessem a possibilidade de descobrir a verdade, qual, de entre eles, se interessaria por ela? Cada um deles sabe muito bem que o seu sistema não tem mais fundamentos que os dos outros”.

  Deve-se então, interpretar esta pesquisa como um guia, que tem o objetivo de análise e exposição de pontuações acerca do tema, de forma que seu conteúdo expõe formulações intencionadas na compreensão, e não em uma objetificação da inalcançável e impossível verdade absoluta.

4.1      Conceituação e Classificação

  Podemos observar que, para a conceituação da Publicidade e da Propaganda, estudiosos dialogam em diversos cenários semânticos, de necessária interpelação para o entendimento da definição por eles apresentada. Para a melhor compreensão, os apartarei de acordo com tais, sendo que:

- Cenário Tecnocrático: Se pauta na realidade da técnica;

- Cenário Científico: Possui bases etimológicas e históricas;

- Cenário Social: Separa os conceitos por intenção frente a sociedade, ou seja, variando sua significação quando tem intenção de caráter político ou comercial;

- Cenário de Intensão Discursiva: Firma a contemplação com base na intenção e construção do discurso.

4.1.1       Cenário Tecnocrático

  No Brasil, o ensino da Publicidade & Propaganda prioriza sua fundamentação no mercado, pois é por este viés que grande parte da atividade na área se revela, o que faz com que esta ótica tenha uma abordagem de ensino que em alguns casos chega a engolir as outras diretrizes da Ciência da Comunicação.

  Este, que é o mais abordado nas universidades brasileiras, difere a Publicidade da Propaganda a partir de seus fins, lucrativos ou não-lucrativos.

Segundo Márcio Carbaca Gonçales, a atividade de Propaganda pode ser definida como o ato de propagar mensagens sem o fator comercial (GONÇALES, 2009). Em contraposição à esta característica financeira, há a publicidade:

“A publicidade deriva de público (do latim publicus) e é conceituada como a arte de tornar público, divulgar um fato ou uma ideia, já com objetivos comerciais, uma vez que pode despertar o desejo de compra, levando-o à ação”. (GONÇALES, 2009)

Já Kotler & Armstrong, defendem em sua obra “Princípios de Marketing”, justamente o contrário, sendo que para eles a Propaganda pode ser definida como qualquer forma paga de apresentação e promoção não pessoal de ideias, bens ou serviços, efetuada por um patrocinador identificado, enquanto a Publicidade seria a atividade para promover uma empresa, ou seus produtos, pela inserção de notícias (KOTLER & ARMSTRONG, 1998), ou como é comumente definida na comunicação, através da mídia espontânea (não paga).

Tal compreensão favorece a cognição mercadológica e seu aprofundamento leva a discussão da comunicação para o universo da tecnocracia, justamente por ter sua diferenciação baseada na techné. É, dessa forma, na técnica e em seus princípios que se evolui a análise.

4.1.2     Cenário Científico

Este patamar, que tem fundamentação etimológica e histórica originária, analisa com propriedade de compreensão semântica, através do amparo de base historiográfica para a construção conceitual.

Gonçales emerge neste cenário ao apontar a construção de sua significação.

“A publicidade (...) Deriva do latim moderno propagare, e significa “para ser espalhado”, ou “enterrar o rebento de uma planta no solo”. Propagare, por sua vez origina-se de pangere, que quer dizer “enterrar”, “mergulhar”, “plantar.” (GONÇALES, 2009)

A origem do termo surge, segundo o pesquisador, em 1622 quando o papa Gregório XV funda a Congregatio Propaganda Fide, ou Congregação para a Propagação da Fé; organização composta por um grupo de cardeais que tinha como objetivo a criação de seminários para a educação missionária, além da supervisão da propagação do cristianismo pelo mundo. (GONÇALES, 2009) Dessa maneira, conclui o significado da propaganda na propagação de mensagens ideológicas.

  Já a publicidade, tem seu signo fundamentado na derivação da palavra de origem latina publicus, conceituada como a arte de tornar público com objetivos comerciais, despertando o desejo de compra e levando o interpretante da mensagem à ação. (GONÇALES, 2009)

  Sendo esta uma interpretação semântica, é importante observar a construção linguística da palavra.

O sufixo -dade representa o traço semântico de ação ou resultado de ação (PEZATTI, 1990), desta forma, a “tradução” da palavra Publicidade pode ser apresentada como a ação intencionada para se fazer público. Há certa importância na interpretação significante da ação; é ela que dirige a necessidade de técnica pois, por exemplo, para se “fazer público” é necessária a persuasão. A partir desta lógica, a semântica reforça a interpretação de Gonçalves, pois o termo de origem em “propagação” proporciona o acesso a mensagem, enquanto o termo de sufixo –dade age de maneira a tornar público, ou seja, a etimologia do termo Propaganda oferece a mensagem ao interpretante, enquanto a semântica da Publicidade persuade através de ação comunicativa.

  Assim colocado, é possível afirmar que a interpretação científica favorece a análise construtiva necessária para a crítica da técnica.

4.1.3     Cenário Social

De acordo com Zander Campos da Silva (1976), há uma variação conceitual para o termo “propaganda”, que possui dois sentidos bem definidos; o sentido político e o sentido comercial; ou seja, é necessário o enquadre para a conceituação de termos, que segundo o autor podem ser aplicados de forma diferente nestes dois sentidos.

No sentido político, propaganda é a divulgação de doutrinas, opiniões, informações e afirmações baseadas em fatos, verdadeiros ou falsos, com o fim de influenciar o comportamento do público em geral ou de um grupo de pessoas consideradas como cidadãos. (SILVA,1976)

  Já no sentido comercial, tem o significado de divulgação de mensagens por meio de anúncios, com a finalidade de influenciar o auditório como consumidor.

Neste caso o termo “propaganda” desenvolveu-se como uma técnica do processo de venda em massa e assumiu nos países de língua latina o sinônimo de publicidade, podendo ser utilizada indiferentemente uma ou outra palavra. (SILVA,1976)

Com esta abordagem, o autor apresenta a publicidade e a propaganda como sinônimos para os países de língua latina, demonstrando os conceitos a partir de uma generalidade comunicacional.

Inclui atividades pelas quais mensagens visuais ou orais são endereçadas ao público com o fito de informá-lo e influenciá-lo tanto a comprar mercadorias ou serviços como para agir ou inclinar-se favoravelmente a ideias, instituições ou pessoas” (SILVA, 1976)

Esta interpretação surge a fim de satisfazer a contemplação de todas as significações acerca dos termos, sendo que dessa forma não ignora nenhum signo, apenas o condiciona a praça da mensagem, seu campo público e o auditório a que é direcionado.          

No entanto, ao contemplar todos os conceitos, ignora as peculiaridades das diferentes técnicas comunicativas, justamente por tratá-las como iguais.

4.1.4       Cenário de Intensão Discursiva

Para os estudiosos que esteiam suas compreensões neste cenário, não se torna suficiente a discussão limitada a lexicologia de Publicidade e Propaganda; segundo eles, é necessário compreender também a conceituação de Educação.

Tanto Perelman (2000) quanto Lasswell (1935) acreditam que a diferenciação entre o educador e o propagandista se dá a partir da controvérsia na relação de sua mensagem entre receptor e emissor.

O padre católico que ensina os preceitos da sua religião às crianças católicas da sua paróquia desempenha um papel de educador, ao passo que é propagandista se se dirige, com o mesmo objetivo, aos adultos membros de outro grupo religioso. (PERELMAN, 2000)

  O propagandista então é caracterizado como o portador de uma mensagem que necessita de técnicas atrativas para o convencimento de seu receptor, enquanto o educador é aquele incumbido por determinado grupo social como porta-voz de uma mensagem que coincide com os princípios por eles compartilhados, ou seja, o educador seria a voz de autoridade que propala o que se está inserido na relação moral e ética de determinado grupo.

  Perelman ainda reforça que, assim como em todo discurso epidítico, é fundamental a cognição profunda acerca do tema propalado para que se justifique o uso da palavra sem que se seja inábil no uso desta.

Com efeito, já não é a própria causa nem o próprio ponto de vista que se defendem, mas sim o de todo o auditório: é-se, por assim dizer, educador deste último e se é necessário desfrutar de um prestígio prévio é para poder servir, com a ajuda da sua própria autoridade, os valores que se apoiam. (PERELMAN, 2000)

O papel dos discursos epidíticos é precisamente o de apelo à valores comuns, sendo que se tornam reforço a partir da mensagem de um argumento de autoridade.


5      VARIANTE

Há de se perguntar então qual a razão que motiva a controvérsia de conceituações e a vasta contemplação interpretativa presente no universo léxico da Publicidade e da Propaganda.

  Para Cassiano Ferreira Simões, a razão da variante pode ser abordada através dos pontos de vista histórico/linguístico, sendo que tal análise deve partir dos primórdios da implementação prática da atividade nos países de língua latina.

Do ponto de vista linguístico, é perceptível na língua inglesa a presença de três noções que precisam ser ajustadas às duas disponíveis nas línguas latinas em geral. (SIMÕES, 2006)

O Professor defende que, ao adaptar os conceitos da business school Norte-Americana, foram incorporados os significados de 3 termos da língua saxônica (advertising, publicity e propaganda) a apenas 2 termos presentes nas línguas latinas (publicidade e propaganda).

  Dessa maneira, a variante conceitual pode ser definida como uma enfermidade de tradução.

A tradução desses termos para a língua portuguesa começou pela palavra publicidade, que aparentemente recebeu o significado do termo publicity, e não pelo vocábulo propaganda. Se a tradução começasse pelo termo propaganda, os sentidos na língua inglesa dedicados tanto a publicity como a advertising acabariam por ser ancorados na palavra publicidade. Mas se, ao contrário, a tradução começa por qualquer motivo pelo termo publicidade, o vocábulo advertising passa a ser, por falta de um terceiro termo na língua portuguesa, traduzido como propaganda.  (SIMÕES, 2006)

  Essa enfermidade de tradução traz consigo o problema da falta de definição da propaganda ideológica, que não é abordada em nenhuma esfera da conceituação.

  Os conceitos originais da língua saxã podem ser encontrados no Dicionário de Marketing fornecido pela American Marketing Association, onde são bem definidos.

  De acordo com tal fonte, na origem saxã, a palavra advertising engloba tanto a mensagem política, quanto toda mensagem persuasiva comprada para exibição em qualquer mídia de massa

Advertising: The placement of announcements and persuasive messages in time or space purchased in any of the mass media by business firms, nonprofit organizations, government agencies, and individuals who seek to inform and/ or persuade members of a particular target market or audience about their products, services, organizations, or ideas[1] (American Marketing Association. Marketing Dictionary)

Já o termo publicity, é compreendido como qualquer comunicação ou informação não paga.

The non-paid-for communication of information about the company or product, generally in some media form.[2] (American Marketing Association. Marketing Dictionary)

A diferença entre os conceitos de língua saxã que tem suas fundamentações na techné, para os conceitos latinos, é o de que em nossa compreensão se avalia a finalidade lucrativa, enquanto na compreensão saxônica se considera a ação de compra do serviço de publicação.  

  No outro objeto léxico, o termo propaganda pode ser, à primeira vista, confundido com uma parte específica que seria abrangida pelo conceito de advertising, porém há um ponto importante que deve ser observado para a compreensão de seu signo.

  Esta lexicologia é definida como:

The ideas, information, or other material commonly disseminated through the media in an effort to win people over to a given doctrine or point of view.[3] (American Marketing Association. Marketing Dictionary)

Portanto, podemos observar que a alteridade entre uma mensagem categorizada como advertising e uma classificada como propaganda está no esforço de convencimento relacionado a ideias ou doutrinas.

  Por exemplo, uma agência governamental que comunica a respeito do andamento de uma ação política, com a finalidade de convencer seu público que tal ação está sendo realizada, está praticando advertising; de forma que pratica propaganda quando constrói uma mensagem defendendo que tal ação política ou as políticas de governo relacionadas a tal, representam o “melhor caminho” ou a realização do bem comum.   

  Dessa forma, a definição saxã engloba todo o universo semântico deste específico recorte comunicacional, de uma maneira que a língua latina, devido a sua construção exata, não é capaz.


6      A PUBLICIDADE E A PROPAGANDA NO AMBIENTE JURÍDICO BRASILEIRO

  Não é desconhecido no senso comum brasileiro o direito do cidadão a uma mensagem condizente com os princípios éticos em que a sociedade se funda. O brasileiro está bem ciente de que estará amparado pela lei no caso de, por exemplo, ser apanhado em uma situação na qual se veja lesado por uma mensagem que oferecia um preço inferior ao valor de venda de um estabelecimento em questão, e por diversas vezes, o cidadão lesado, caso consultado a respeito de tal caso, dirá que foi vítima de “propaganda enganosa”.

  Não é incomum, nem necessária a conceituação inequívoca por parte de um leigo. A partir do ponto que o cidadão compreende que houve a lesão e que tem a possibilidade de buscar seus direitos, o papel democrático não se torna necessariamente enfermo por questões de cognição técnica. Porém, quando a compreensão léxica, etimológica e conceitual de determinado ponto jurídico não é fundamentalmente compreendida pelo atuante letrado que vem a fazer parte do processo jurídico, não se pode dizer que tal ação jurídica, quando enquadrada neste determinado cenário, representa qualidade democrática. O mesmo pode ser considerado verdadeiro e, com maior agravante, se a ciência jurídica não oferecer a base teórica que ampare o atuante jurídico.

  Segundo André Luiz Cavalcanti Cabral em seu ensaio “Aspectos jurídicos da Publicidade”:

O disciplinamento da publicidade em nosso ordenamento jurídico não está codificado, num codex, ou mesmo sistematizado em um microsistema jurídico. Não existe um diploma legal exclusivamente destinado à publicidade, ou que se ocupe de abordar as diversas matérias relacionadas à questão publicitária. O que temos são diversos dispositivos legais constantes em diplomas vários e tratantes de matérias específicas. (Cabral, 2003)      

   Se destacam no Brasil o Código de Defesa do Consumidor, para o que se tem de relacionado a aspectos comerciais, e a Lei Eleitoral, em determinada abordagem para o que se relaciona com a comunicação política.

6.1          Código de Defesa do Consumidor

Este códex instituído pela Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990] estabelece, como presente em seu artigo primeiro:

O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 1°)

  O código, considera como consumidor, “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 2°) Portanto, nota-se que destina seu amparo aos cidadãos envolvidos em relações comerciais, e estabelece desta forma sua normação. 

  Na Exposição de Motivos relacionada ao mencionado, não se faz clara a base léxica adotada pelos legisladores, nem quais princípios teóricos ou definições foram utilizados para a determinação dos termos por eles mencionados e adotados, ponto que seria positivo se explicitado já que o termo “Publicidade” se mostra referenciado nos artigos; Art. 6º - IV; Art. 30; Art. 33; Art. 35; Art. 35 – I; Art. 36; Art.37; Art. 37 § 2°; Art. 37 § 3°; Art. 55. § 1°; Art. 60; Art. 60 § 1°; Art. 63; Art. 67; Art. 68; e Art. 69.

  O que se demonstra, é que tal documento normativo foi apresentado pelo Congresso Nacional, o qual obteve a consultoria acerca de eventuais alterações fornecida por uma comissão designada para tal, e do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, porém ambas as comissões foram formadas integralmente por profissionais da área do direito, os quais dificilmente possuem conhecimento técnico suficiente para definir conceitos de Ciência das Comunicações. Ou seja, pela estrutura adotada para a formulação de tal código, dá-se a impressão de que não se julgou necessário, ou de que negligenciou-se a importância do fator léxico de tais termos. 

  Embora não se explicite qual o universo de definições foi adotado para a elaboração do códex, é notável que sua compreensão se dá a partir do Cenário que identifiquei como Tecnocrático, já que ao condicionar o termo Publicidade à relação comercial, enquadra o mesmo na definição de Gonçalves (2009).

  Também é possível identificar este cenário na sanção imposta a partir de determinado descumprimento, a qual é definida pelo código como “imposição de contrapropaganda” (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 55°, inciso XII).

  Este ponto em si pode gerar então uma dúvida que dificulta a prática democrática. Afinal o que seria a contrapropaganda?

Como não há a determinada definição, temos de recorrer a um raciocínio lógico. Já que se pode supor que a definição do termo Publicidade se enquadra no Cenário Tecnocrático, também pode ser verdadeira a lógica de que se mantém neste universo léxico a definição de Propaganda, e por consequência a de contrapropaganda. Desta maneira assim se constrói o significado da sanção por se tratar de uma “contra mensagem” que supostamente não gera uma nova relação de compra entre fornecedor e consumidor.

Porém, também é verdadeiro afirmar que, caso o significado seja compreendido neste cenário tecnocrático, a definição de propaganda impõe que a si não seja incorporado fator comercial (Gonçalves, 2009). Desta maneira, uma defesa pode ser construída na afirmação de que a execução de pena seria impossível, já que ao realizar a retratação não há como o fazer sem que se atinja o valor de marca e uma diminuição significativa das atividades comerciais causada pela lesão na relação fornecedor X consumidor. Embora se trate de uma sanção, e que seu objetivo seja justamente a correção de atitude lesiva, a ausência de significado de contrapropaganda gera uma lacuna na lei, deficiência que não seria existente no caso da nomeação da sanção ter sido imposta como “contrapublicidade”.    

Embora esta colocação seja hipotética, e que tal defesa possa ser considerada como ação de má fé, é necessário que os códigos que amparam o Estado Democrático de Direito sejam fundamentados a partir de tais considerações, pois uma legislação não pode oferecer buracos que permitam interpretações errôneas, a não compreensão, ou até mesmo a utilização danosa de seus próprios conceitos contra si, ainda mais quando tal enfermidade pode ser facilmente resolvida com esclarecimentos e apontamentos acerca do que, e de como, se é interpretado e definido o léxico adotado.       

6.2      Código Eleitoral

O Código Eleitoral Brasileiro em vigência tem suas origens em diversas formas de legislação eleitoral, sendo que historicamente foi derivado de 5 diferentes códigos, os quais sofreram uma série de alterações até se atingir o atual texto.

Dessa forma, não se torna adequado apontar uma única Exposição de Motivos que especifique as razões de tais atribuições, o que torna mais difícil a análise acerca da intenção léxica do que se é adequado referente a Publicidade e a Propaganda.

O que é possível apontar é que nas 58 menções ao termo propaganda, suas classificações são dirigidas a mensagens de cunho político, as quais amparam o cidadão e o servidor público nesta determinada categoria.

A primeira vista, poderíamos afirmar que a definição estaria enquadrada no que chamei aqui de Cenário Social, porém tal afirmação não seria verdadeira dado o ponto ao qual o Art. 303. se refere à peças comunicacionais através da terminologia de Publicidade

Majorar os preços de utilidades e serviços necessários à realização de eleições, tais como transporte e alimentação de eleitores, impressão, PUBLICIDADE. (LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965.. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 303°)  

  Não é possível observar um padrão léxico, o que agrava a enfermidade de texto no que se diz respeito a sua interpretação.

  Se analisarmos o Art. 243, que define o que não será tolerado a partir dos princípios do código, é que tal problema se torna mais evidente. Por exemplo, a Lei determina que não será tolerada qualquer propaganda “que perturbe o sossego público, com algazarra ou abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos” (LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 243° - IV).

  No entanto, ao que se refere o termo propaganda neste artigo? Se não há a definição, o que pode ser considerado como propaganda?

No caso de compreender como qualquer comunicação de cunho político, se enquadrando então no conceito de Silva (1976), diversas práticas comumente utilizadas em campanhas eleitorais deveriam ser consideradas ilegais.

Por exemplo, no caso do código considerar uma ação de marketing em ambiente público como propaganda, os carros de som que circulam pelo país anunciando as mensagens políticas seriam ilegais; no caso de um filme de veiculação televisiva ser considerado propaganda, as peças de candidatos que formulam suas mensagens através do entretenimento, como ocorre com os nomeaados pela imprensa de “candidatos de piada”, seriam ilegais; porém, tais práticas não são somente permitidas como são apresentadas em meios de comunicação do exterior, como características do processo eleitoral brasileiro.

Tal paradoxo pode ser observado em quase todos os pontos do mencionado artigo. Apenas nos debates presidenciais de 2014; o candidato Levy Fidelix violou o  Art. 243 inciso  III, que define que não será tolerada propaganda de incitamento de atentado contra pessoa ou bens; ao estimular uma maioria heterossexual a reprimir ou “enfrentar” (SIC) a minoria homossexual[4]; e o candidato Aécio Neves violou o Art. 243 inciso IX  que explicita que não será admissível “caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública” ao associar a totalidade do Partido dos Trabalhadores com a prática de corrupção[5]

Este mencionado inciso IX do Art. 243 sofreu tantas violações que os próprios candidatos tomaram a iniciativa da construção de sítios[6] na internet para o esclarecimento e defesa contra calúnias e difamações propagadas por seus adversários.    

Pode-se dizer que medidas foram tomadas, como no caso de Levy Fidelix, que a cassação da candidatura foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil[7], porém, o texto do códex está longe de poder ser considerado como ideal.

Prova disso são as instruções do Tribunal Superior Eleitoral, publicadas a cada eleição realizada, os quais indicam a forma como deverá ser interpretada a Lei Eleitoral na eleição em questão.

Em termos mais concretos, podemos observar a ação movida contra o Sr. Vereador Leonel José Pereira, na 24º seção eleitoral da cidade de Palhoça, condenado por “propaganda eleitoral antecipada” a pena de multa.

A defesa alegou que a ação realizada pelo Agravante, da distribuição de panfletos informativos, não configurava propaganda, e ainda:

O Agravante aduziu em todo o fundamento da demanda, a não interpretação plena do artigo 36-A, ESPECIALMENTE O inciso IV da Lei nº 9.504/97 (TRE-SC – 24ª Zona Eleitoral - 5921.2012.624.0024 – Palhoça - Juíza: Alexandra Lorenzi da Silva  - D. 09/12/2013)

O processo se desenvolveu na discussão acerca da definição de propaganda, o qual, em nenhum dos recursos, foi considerada satisfatória ou descaracterizada por parte dos argumentos de defesa, embora a parte tenha a cada recurso, trazido decisões diferentes sobre o que seria propaganda. A decisão processual se fundamentou, porém, sem que o tribunal superior entrasse no mérito da questão por considerar que os requisitos para recurso não foram preenchidos.

Pode-se observar então que, além de existirem divergências acerca da conceituação de propaganda no meio jurídico brasileiro, não há uma concordância acerca de uma fonte de autoridade sobre o assunto.   

Desta forma, é possível observar que é mais nociva a falta de especificação léxica na Lei Eleitoral, do que é no Código de Defesa do Consumidor, e que tal explicitação se faz extremamente necessária para a evolução democrática.


7      CONCLUSÃO

  Ao analisar o diverso leque léxico disposto por interpretações de comunicadores acerca dos termos Publicidade e Propaganda, pode-se claramente verificar que não há consenso acerca do mesmo, devido a barreiras que permeiam os universos linguístico e histórico.

No entanto, não é possível afirmar que as lacunas encontradas nas leis e códigos brasileiros sejam reflexo direto de tal discordância, pois não há indícios claros de argumentação por parte do meio jurídico acerca deste determinado tema. No entanto, o que é notável é a ocorrência de conflito de entendimentos relacionados à compreensão léxica de Publicidade e Propaganda, ou seja, nota-se que o meio jurídico discute, em diversos cenários, o efeito do problema, mas dificilmente sua causa.

Há de se reconhecer a dificuldade existente para uma definição concreta dos termos, dado que a discordância ocorre inclusive entre as autoridades da Ciência da Comunicação, porém tal fator não pode ser considerado como uma absolvição de responsabilidade para os legisladores, nem como uma isenção de necessidade definitiva para a conceituação de tais termos, pois afinal, como afirmou Voltaire, é necessário:

“Que toda lei seja clara, uniforme e precisa, interpretá-la é quase sempre corrompê-la.” 


8      Referências Bibliográficas

CABRAL, André Luiz Cavalcanti. Aspectos jurídicos da publicidade. 2003. Disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/artigo_8.pdf  (Acesso em: 28/01/2015 às 4:12 AM)

GONÇALVES, Mário Carbaca. Propaganda e Publicidade. IESDE Brasil. Curitiba. 2009. Disponível em: https://www.google.pt/books?hl=pt-PT&lr=&id=mcjMntKor5gC&oi=fnd&pg=PA7&dq=kotler+defini%C3%A7%C3%A3o+de+publicidade+e+propaganda&ots=9X9lsphOZ2&sig=_U3t5M-17X1JmLoPaRo-beffCHo&redir_esc=y#v=onepage&q=kotler%20defini%C3%A7%C3%A3o%20de%20publicidade%20e%20propaganda&f=false (Acesso em: 20/01/2015 às 4:10 AM)

KOTLER, Philip; Princípios de Marketing. Prentice Hall. 2008.

LASSWELL, Harold. CASEY, Ralph. Propaganda and Promotional Activities, an annoted bibliography. Minneapolis. Artigo de Abertura. Lasswell. The Study And Practice of Propaganda.

Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm (Acesso em: 28/01/2015 às 4:25 AM)

LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm (Acesso em: 28/01/2015 às 4:27 AM) 

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Representação Eleitoral, cumulada com pedido de direito de resposta e cassação do registro de candidatura. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/Representacao-OAB-2014.pdf. (Acesso em: 28/01/2015 às 4:29 AM)

PERELMAN, Chaim. O Tratado da Argumentação – A Nova Retórica. Martins Fontes. São Paulo. 2015

PEZATTI, Erotilde Goreti. A GRAMÁTICA DA DERIVAÇÃO SUFIXAL: OS SUFIXOS FORMADORES DE SUBSTANTIVOS ABSTRATOS. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/viewFile/3837/3544 (acesso: 28/01/2015 às 3:56 AM)

PUC RJ. Certificação digital nº 0410893/CA. Definições de marketing, propaganda, publicidade, anúncio e banner. Disponível em: http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/9116/9116_4.PDF (Acesso em 28/01/2015 às 4:15 AM)

SILVA, Zander Campos da. Dicionário de Marketing e Propaganda. Palias. Rio de Janeiro .1976

Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 23.404.  INSTRUÇÃO Nº 127-41.2014.6.00.0000 – CLASSE 19 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2014/normas-e-documentacoes/resolucao-no-23.404 (Acesso em 28/01/2015 às 4:32 AM) 

TRE-SC – 24ª Zona Eleitoral - 5921.2012.624.0024 – Palhoça - Juíza: Alexandra Lorenzi da Silva  - D. 09/12/2013

SILVA, Zander campos da. Dicionário de Marketing e Propaganda. Pallas. São Paulo. 1976

SIMõES, Carlos ferreira. A publicity e a publicidade - para além da propaganda. Comunicação, Mídia e Consumo. Brasil. 2008. Disponível em: http://200.144.189.42/ojs/index.php/comunicacaomidiaeconsumo/article/view/5186/4811. (Acesso em 28/01/ 2015 às 4:23 AM)


Notas

[1] A Colocação de anúncios e mensagens persuasivas no espaço e tempo comprado em qualquer das mídias de massa por empresas comerciais, organizações não lucrativas, agências governamentais, e indivíduos que procuram informar e/ou persuadir membros de um “mercado-alvo” ou público sobre seus produtos, serviços organizações ou ideias. (t.d.a.) – disponível em: Advertising - https://www.ama.org/resources/Pages/Dictionary.aspx?dLetter=A (acesso: 26/01/2015 às 1:39 A.M.)

[2] A comunicação ou informação não paga, a respeito de uma companhia ou produto, geralmente em algum formato midiático. (t.d.a.) disponível em: Publicity - https://www.ama.org/resources/Pages/Dictionary.aspx?dLetter=P (acesso: 26/01/2015 às 1:58 A.M.)

[3] As ideias, informações, ou outros materiais geralmente disseminados através da mídia em um esforço para convencer as pessoas a uma determinada doutrina ou ponto de vista. (t.d.a.) disponível em: Propaganda - https://www.ama.org/resources/Pages/Dictionary.aspx?dLetter=P  (acesso: 26/01/2015 às 2:10 A.M.)

[4] Discurso disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U7o9kjXpeLM (acesso em: 26/01/2015 às 10:51 AM). Transcrição em anexo.

[5] Discurso disponível em https://www.youtube.com/watch?v=XN48WIyhWsU (acesso em: 26/01/2015 às 10:51 AM). Transcrição em anexo.

[6] Aécio Neves: http://aeciodeverdade.com/ (acesso em: 26/01/2015 às 10:51 AM); Dilma Rousseff: http://ptnareal.webflow.com/ (acesso em: 26/01/2015 às 10:51 AM)

[7] Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/Representacao-OAB-2014.pdf  acesso em: 26/01/2015 às 10:51 AM)



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Guilherme Abagge de. As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4894, 24 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36211. Acesso em: 29 mar. 2024.