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O controle estratégico da biotecnologia pelo biodireito com aporte da bioética

O controle estratégico da biotecnologia pelo biodireito com aporte da bioética

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A legislação brasileira tem uma tendência de comprometimento com a transparência da ciência e com o controle social das técnicas e dos resultados, afastando as proibições e o conservadorismo que conduzem a práticas clandestinas, sem aderir à politica liberal de completa liberdade de atuar das empresas de biotecnologia.

RESUMO: É procedente a preocupação com o desenvolvimento das pesquisas genéticas e é pertinente o seu controle pela Bioética e pelo Biodireito. Porém, contra a prática de um controle excessivo, opõe-se que o avanço tecnológico no campo da genética é uma questão estratégica, pois os detentores do conhecimento ampliam o poder de, mais cedo ou mais tarde, interferir na composição da espécie humana. Por outro lado, a ciência moderna tende a considerar indiscutíveis os resultados de suas pesquisas, opondo-se ao exame ético e moral, com o que o principio da dignidade humana acaba relativizado. Por isso, é pertinente examinar os argumentos éticos e jurídicos em favor da valoração dos fatos pelas ciências culturais, com a eleição dos fins a serem alcançados, verificando se é aceitável a relativização dos direitos fundamentais. Com isso, poder-se-á constatar que é necessária a normatização das pesquisas genéticas, para segurança da sociedade e por responsabilidade com as futuras gerações. Assim, se verá que a regulamentação brasileira, condicionada pelo contexto social, com previsíveis óbices e/ou excessos, dignos de correção, constitui adequada solução provisória, porquanto comprometida com a transparência da ciência e com o controle social das técnicas e dos resultados, afastando as proibições e o conservadorismo que conduzem à práticas clandestinas, sem aderir à política de completa liberdade das empresas de biotecnologia, incentivadas pelo interesse econômico.

Sumário: 1. Introdução. 2. O progresso da ciência e os seus riscos. 2.1 – Biotecnologia, o aspecto regressivo das ciências e os princípios éticos. 2.2 – O método científico e a autoridade de suas conclusões. 2.3 – As leis físicas, as regras morais e a normatização jurídica. 3. A regulação das pesquisas biomédicas. 3.1 – O balizamento imposto pela dignidade da pessoa humana. 3.2 – O princípio da precaução e a regulação da biomedicina. 3.3 – A regulação das pesquisas genéticas. 4. Considerações Finais. 5.  Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

“É temerário tentar desenhar um quadro da medicina do futuro, porque se corre o risco de confundir ciência com ficção”[1].

Eis a revolução técnico-cientifica, na Biologia e na Medicina, em especial na Genética. Trata-se de evento que comporta o risco de nos vitimar, inclusive nos corpos de nossos descendentes.  O desafio da Medicina são as doenças genéticas. Espera-se que tais doenças possam ser tratadas quando for completamente desvendada a “cartografia gênica” do ser humano. Mas, a terapia gênica já apresenta resultados promissores e isto modifica a prática médica.[2].

O  poder sobre o conhecimento amplia o poder sobre a humanidade e, por isso, é estratégica a partilha universal do biopoder.[3]. Então, pode-se concluir que o desenvolvimento da biotecnologia é uma necessidade estratégica dos países emergentes, tais como o Brasil.

O preocupante é que o progresso da biotecnologia, não é inofensivo. O avanço das pesquisas na área de manipulação genética levou ao mapeamento e sequenciamento do genoma humano. São promissores os avanços nesse campo do conhecimento. Todavia, há insegurança, porquanto tais avanços possibilitam a manipulação da vida, pois, além da terapia somática, há  terapias e pesquisas com células germinativas, o que é capaz de gerar mudanças em gerações futuras. A certeza quanto aos efeitos esperados em seres humanos só pode advir de experiências com seres humanos.

Ora, buscar na ciência razões morais para deter seus experimentos vai de encontro ao modelo de racionalidade que a tornou o que é. Torna-se oportuna a reflexão filosófica sobre o sentido da vida, sobre o domínio da ciência e suas interferências nas dimensões da dignidade da pessoa humana. Mostra-se imprescindível andar com prudência,  prestigiando o princípio da precaução.

Coloca-se, portanto, o dilema de proibir as pesquisas genéticas em células germinativas, procurando preservar a humanidade como atualmente a concebemos, mas ficando à margem dos progressos da ciência e da prática médica avançada, ou de permitir as pesquisas nos limites dados pela bioética e pelo direito, ainda que com risco de acidentes de percurso que podem vitimar futuras gerações.

Assim, neste artigo propõe-se uma reflexão sobre a vida e os riscos a que ela é exposta pelas pesquisas cientificas, todavia necessárias para melhora da qualidade de vida da humanidade, ressaltando-se as dimensões da dignidade da pessoa humana que podem balizar avanços e paradas na busca do conhecimento. Verifica-se a necessidade de controle das ciências naturais com o aporte das ciências culturais,  examina-se as razões de regulação das pesquisas e as iniciativas nesse sentido, concluindo-se pela modernidade e responsabilidade da legislação já produzida, bem como pela adequabilidade de atribuir-se ao  biodireito a tarefa de regular as práticas da biotecnologia, com aporte das reflexões oriundas da bioética.


2. O PROGRESSO DA CIÊNCIA E OS SEUS RISCOS

Em nossa época há um extraordinário progresso tecnológico capaz de desvendar o que até há pouco tempo se acreditava indecifrável, como ocorre no campo da genética, com a decodificação do genoma humano. Mas, em especial quanto às pesquisas biomédicas, cresce o debate acerca dos riscos e dos benefícios que as novas técnicas podem gerar para a pessoa humana.[4].Ainda que os riscos advindos das experiências científicas não sejam exclusivos da área biomédica, pela sua proximidade e pelo envolvimento direto com os seres desde o início, parece natural que, aliado às boas expectativas, ocorra uma maior preocupação das pessoas com o que se faz e com o que se pretende fazer neste campo do conhecimento.

2.1 -  Biotecnologia, o aspecto regressivo das ciências e os princípios éticos.

O progresso das ciências, em especial na tecnologia biomédica, causa inquietações e levanta novos problemas éticos. A preocupação se justifica ante o caráter experimental da ciência que inclui etapas de construção de hipóteses, de testes laboratoriais e de experimentações, sabendo-se que a utilidade clínica dos resultados encontrados só pode ser confirmada pela experiência com seres humanos, o que sempre importa em risco para os participantes.[5]

Edgar Morin[6] alerta que apesar do hábito de associar o “progresso” às ideias de ordem e organização, a expressão comporta desordem e desorganização, como se dá com o princípio da termodinâmica em que há degradação de energia quando esta se transforma em calor, bem como  a constatação de que o princípio de agitação, dispersão, degradação, desordem e, às vezes, de desorganização rege o universo físico. Quer dizer, progresso comporta o seu contrário, pois “observamos no universo físico duplo jogo, estando seu progresso na organização e na ordem ao mesmo tempo associado de forma perturbadora a ininterrupto processo de degradação e dispersão”.[7]. Ademais, nada é perene e “os subprodutos regressivos ou destrutivos de um progresso podem, em dado momento, tornar-se os produtos principais e aniquilar o progresso”.[8] 

Então, ao lidar-se com o progresso deve-se considerar sua negação e sua degradação, o que reclama atitude reflexiva do estudioso.

Semelhante é a lição de Hans Jonas[9] para o qual a especificidade da nova tecnologia está no fato dela mostrar-se “quase escatológica”[10], constituindo-se numa empresa coletiva com suas próprias leis de movimento, cujo conteúdo substancial está nos bens e poderes que transfere, assim como nos objetivos e na conduta humana que acaba por estabelecer. Destaca o autor que a técnica moderna, essa que chamamos de tecnologia, difere da anterior por tratar-se de um empreendimento e um processo. Anteriormente a técnica era “uma posse e um estado”. Havia um equilíbrio entre fins conhecidos e meios adequados, enquanto o progresso significava avanços modestos e “tendia mais a perdas por descenso do que a inovações superadoras por novas criações”[11]. Não ocorria a ideia de um progresso contínuo e tampouco a deliberação de buscá-lo. Com a técnica moderna cada nova conquista, em lugar de levar ao equilíbrio, conduz a novas tentativas em direções diversas, o que leva à diluição dos objetivos. “A relação entre meios e fins neste campo não é linear em sentido único, senão circular, em sentido dialético” [12].  Aos objetos de necessidade humana, a tecnologia acrescenta outros objetos e estes, por sua vez, geram novas necessidades, inclusive a de criar novos objetos[13].

Essas reflexões são oportunas, pois permitem ver que o progresso do conhecimento comporta um aspecto regressivo e que a técnica moderna é marcada por um sistemático desequilíbrio gerando novos objetos, às vezes desnecessários, mas que, por sua vez, induzem novas “necessidades”. A decodificação do genoma humano abre perspectivas até então inimagináveis, como, por exemplo, a possibilidade, lembrada por Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, de se ter o “enfermo são”, pois diagnósticos genéticos poderão servir para catalogar indivíduos não enfermos, possibilitando a discriminação deles antes de qualquer  manifestação do genótipo identificado[14].

Entretanto, há entendimentos, como é o de Maura Roberti [15], segundo os quais, as novas ferramentas da biotecnologia de par com a manipulação genética têm dado curso a especulações, exagerando-se os riscos que adviriam do conhecimento da formação do ser humano, chegando-se a visões apocalípticas que sugerem o fim da humanidade. Nessa compreensão, sempre que a ciência tenta demonstrar sua autonomia e a capacidade de desvendar a essência das coisas, ocorrem polêmicas, com envolvimento da ética, da moral e da religião.  Para a autora, seria censurável a afirmativa de que “os cientistas estão brincando de serem Deus”, proclamada por “doutrinadores que não contestam o dogma da criação”, e não seria apropriada, por exemplo,  a coação do direito penal manietando os operadores da biogenética. Mesmo assim, Maura Roberti admite o controle dos novos conhecimentos a fim de que sejam utilizados para o bem comum, acreditando que as novas técnicas servem ao homem e não se prestam ao seu extermínio. Deveríamos confiar que “a comunidade cientifica utilizará os novos conhecimentos genéticos para o bem da humanidade, aplicando as novas técnicas para a melhoria da qualidade de vida”[16]. De qualquer modo, a autora concorda com um “controle social formal das pesquisas cientificas” pautado em princípios éticos e aceita a premissa da necessidade de regulamentação das práticas cientificas, desde que orientada por uma “ética de mínimos” sendo os “mínimos universais” aqueles valores determinados pela razão através do diálogo. [17].Ora, é controverso que “a comunidade cientifica utilizará os novos conhecimentos genéticos para o bem da humanidade” e a história não ratifica essa afirmação. Por outro lado, o controle social pautado pela “ética dos mínimos universais” não oferece garantia suficiente do uso das pesquisas exclusivamente em prol da melhoria da qualidade de vida de toda a espécie humana. É oportuno verificar se há entrave injustificado ao desenvolvimento das pesquisas e ao progresso cientifico, mas, principalmente, é preciso questionar se a biotecnologia não estaria prometendo produtos desnecessários ao custo de riscos inaceitáveis para as próximas gerações. Enfim, deve ser ponderado se é possível superar as incertezas que a exacerbada manipulação da natureza e dos organismos, inclusive o humano, é capaz de promover, bem como se a ciência, governada apenas por sua metodologia, é capaz de limitar seus avanços e prevenir o risco de extermínio da vida tal qual a conhecemos.

2.2. O método científico e a autoridade das suas conclusões.

Parece insuficiente a proposta de autocontenção da prática cientifica, porque, enfim, a lógica que preside sua atuação é a da experimentação e  da descoberta, com o agravante de que o conhecimento tornou-se anônimo, guardado em bancos de dados para uso de quem detém o poder, com “desapossamento cognitivo, não só entre os cidadãos, mas também entre os cientistas, eles próprios hiperespecializados, sem o domínio de todo o saber produzido”[18].

A ação humana é orientada pela razão que a projeta no “âmbito científico” onde as pesquisas devem ser acompanhadas da demonstração dos meios cogitados para alcançar certo objetivo. Por isso, a fiscalização das ciências se dá pela epistemologia que “possui um caráter prático/teórico”, porquanto examina as ciências de forma utilitária, isto é, “uma moral que verifica deontologicamente tudo o que se faz, procurando ver se há utilidade”, esclarecido que utilidade refere-se à manutenção de traços éticos da Razão e do agir que ela impulsiona. E é isto que estaria ocorrendo com a Bioética, especialmente quanto ao “Projeto Genoma”. Filosofamos sobre isso e quando o fazemos é sobre um saber cientifico que filosofamos, fazendo epistemologia, “avaliando moralmente a utilidade da decodificação genética do ser humano se não for para seu inegável bem”. Ora, essa epistemologia da vida é a Bioética, uma vez que “a ética que se integra ao saber biológico vem de fora dele próprio, repousando seus olhos sobre o que se está fazendo com a biologia”[19].

A experiência é “a exteriorização de um pensamento humano verificável na ação, para atingir certo conhecimento final, e que dela (da experiência) depende”.  É preciso ouvir o que os filósofos têm a dizer sobre a experiência. O conhecimento científico se dá a partir de alguma atividade apta a estabelecer a certeza de que ele é conclusivo, atividade esta absolutamente vinculada ao método e à demonstração dos resultados. Pode, entretanto, ocorrer de chamar-se de científico o que é mera opinião, desenvolvida em obscuras investigações e os questionamentos acerca dessa possibilidade não vem das ciências, mas da filosofia, no campo da epistemologia[20].Ocorre que a experiência científica tem pretensão de repetição dos resultados. Por isso, a noção de experiência científica radica nas premissas das ciências naturais que possibilitam “um grau experimental muito mais autorizador de comprovações inequívocas”. Assim, a ciência moderna veio para universalizar verdades, dotando-se do “poder da indiscutibilidade”, o que faz método investigativo e verdade se confundirem, assumindo uma “aura sagrada” que se apossa do critério de verdade, com a força de uma totalidade ética.[21]Estaríamos diante da “tirania do racionalismo”. É necessário fazer a crítica dos pressupostos do que se entende por racional. Pois, é bem possível que o fundamento do racional se encontre em um “pressuposto empobrecido do que constitui a condição humana”. Deve-se questionar se certas intuições, como a de que o altruísmo é uma “capacidade humana central” e a de que o corpo é mais do que mera posse de um individuo, não estariam sendo descartadas a pretexto de não serem  racionais para evitar a erosão das bases da teoria econômica e não impedir o progresso da tecnologia que tem a tendência de submeter todo o material biológico ao controle do mercado.[22]

Então, foge ao racional e ao consenso social essa pretensão de que os resultados da ciência são indiscutíveis, porque resultam da aplicação de um método racional de pesquisa e verificação. Não é coerente pretender que os fatos revelados ou provocados pelas pesquisas cientificas sejam imunes à valoração ética ou jurídica porque obedecida certa metodologia.  Assim, é intuitivo que os limites para a manipulação genética terão de vir de outro campo do conhecimento, isto é do Direito, com o aporte das reflexões da Bioética.

2.3 -  As leis físicas, as regras morais e a normatização jurídica

Por mais convincentes que mostrem os resultados das pesquisas cientificas, as leis físicas não se referem a valores, embora lei física e lei ética não se excluam, uma vez que a natureza está na base do mundo da cultura.  A Ética não despreza o que é natural, mas o compreende com auxílio das ciências, para delinear seus fins [23].

A experiência é o ponto de partida das leis físicas e das leis éticas. Algumas ciências limitam-se a explicar os fenômenos e outras visam à compreensão teleológica dos mesmos. As que visam à compreensão teleológica levam à uma posição estimativa do espírito e, por conseguinte à formulação de normas. Já a lei física retrata os fatos, descrevendo-os, revelando nexos contidos no fato e a explicação não decorre de algo que se atribua ao sujeito, de algo atribuível ao “coeficiente de estimativa” individual ou coletivo. Diferentemente, na compreensão das ciências culturais, há envolvimento do fenômeno, há uma “penetração do objeto”, de modo a colocá-lo no sentido total para a existência humana, daí decorrendo leis gerais de tendências ou esquemas ideais tipificadores de ação ou “verdadeiras normas de condutas”. A Ética é uma ciência cultural-normativa e, por isso, exige-nos uma tomada de posição volitiva ante a ocorrência de um fato [24].

Logo, norma, e também a norma moral, é o resultado de um posicionamento ante os fatos. Quando aparece uma regra, há “medida estimativa do fato”. A norma cultural envolve o fato, valora-o, examina suas consequências, tutela seu conteúdo e pondera fato e valor. A lei ética, diferente da lei física, é a compreensão de um fato cultural segundo uma posição volitiva assumida, que tem por consequência juízos de valor dos quais decorrem responsabilidade e sanção. A compreensão da norma ética implica o conhecimento explicativo dos fatos que logicamente tem enlaces de causalidade ou de ordem funcional. Enfim, toda a ordem cultural tem fundamento na ordem natural. Os valores se revelam nas coisas e não como formas ontológicas puras. “De maneira que podemos dizer que a cultura é a natureza mesma transformada pelo homem, na medida em que essa transformação se harmoniza com o que há de específico no homem”[25].

Daí se vê que a norma jurídica e, assim, a norma ética, é, antes de qualquer coisa, uma tomada de posição perante o fato. Logo, é necessário que se examine objetivamente a realidade para entender seus elementos e seus processos, com auxílio das ciências não-normativas, porque enquanto as ciências especulativas enunciam leis e relações de causalidade, são as ciências normativas que decidem e prescrevem o fim que se quer alcançar. A técnica é, deste modo, o meio de alcançar fins e a Ética é que coloca necessariamente os fins de validade universal, instituindo deveres e sanções [26]

Não se pode, portanto, fazer concessão ao utilitarismo, pugnando por uma liberdade absoluta do cientista ao entendimento de que só lhe cumpriria formular hipóteses e verificá-las com rigor metodológico, conduzindo experiências sem qualquer limitação extra científica [27].


3. A REGULAÇÃO DAS PESQUISAS BIOMÉDICAS

Ora, se é fato que a biotecnologia se impôs, gerando expectativas de cura de doenças e de melhora da qualidade da vida humana, também é fato que persistem preocupações com questões éticas relacionadas às pesquisas e às práticas cientificas, como leciona Maria Claudia Crespo Brauner.  As pesquisas no campo da genética prometem explicar diversas patologias relacionadas aos genes e acredita-se que permitirão eliminar doenças com essa origem, mas, intervenções na saúde humana, novas terapias e pesquisas genéticas, preocupam os indivíduos, causando uma pressão social pela produção de normas que garantam o acesso às novas terapias e medicamentos. Por isso, é necessário criar sistemas, regras e procedimentos que obriguem a uma conduta ética e assegurem equidade e justiça [28].

Mas, não é só o acesso às novas terapias e medicamentos que deve nos preocupar. Ainda Maria Claudia Crespo Brauner esclarece que os avanços da ciência podem realizar sonhos ou pesadelos, como na terapia celular que promete corrigir ou amenizar a doença e o envelhecimento, ao mesmo tempo em que traz o risco do condicionamento humano, da predeterminação da vida e da instrumentalização da espécie. Anuncia-se a terapia gênica com a qual se pretende suprimir doenças, corrigindo a predisposição genética dos indivíduos, entretanto essa terapia praticada em células germinativas tem sido vedada em muitos países porque seus efeitos se transmitem às futuras gerações. Contudo, alerta a professora, deter poder sobre o conhecimento leva à ampliação do poder sobre a humanidade, mostrando-se estratégica a partilha do biopoder entre os países, o que, com a aceitação social dos avanços da biotecnologia, em razão das promessas de cura, tornaria inaceitável cercear a liberdade de pesquisa e o progresso científico [29]. Entretanto, ainda que se pugne pela liberdade de pesquisa e pelo progresso cientifico, até em obediência à previsão constitucional, entendemos que é prudente estabelecer limites decorrentes do nosso entendimento da condição humana, visando proteger as próximas gerações. Deve, portanto, haver uma tomada de posição perante os fatos, a fim de “agregar-lhes algo extrínseco a eles, como fundamento em sua garantia social”, conforme lição de Miguel Reale, antes referida.

Nesse ponto, convém examinar as constatações de H. Tristram Engelhardt Jr. lembrando-nos que “as guerras culturais  que fragmentam as reflexões bioéticas em campos sectários de contenda estão fundadas em uma diversidade moral insolúvel”[30]. Os desacordos vão além das questões especificas e evidenciam divergências nas visões de mundo, raiz de confrontos que permitem afirmar estar a condição humana marcada pela controvérsia moral. Não haveria possibilidade de solucionar as controvérsias que opõem as moralidades e suas bioéticas. Enfim, a bioética de nosso tempo pode ser definida não apenas por suas inevitáveis controvérsias, mas também pela falta de uma base de resolução das divergências por meio de argumentação racional lógica [31].

Ora, nesse contraditório contexto, é intuitivo que o Estado terá de intervir para assegurar o mínimo de segurança capaz de responder às preocupações da sociedade, dirimindo o aparente conflito entre liberdade de pesquisa e segurança dos seres humanos, ainda que lance mão de normas penais para assegurar uma moratória até a aquisição de elevada certeza quanto a procedimentos.

3.1 – O balizamento imposto pela dignidade da pessoa humana

Há certo consenso em torno do princípio da dignidade da pessoa humana no papel de baliza das pesquisas genéticas e da prática médica, o que pode proporcionar um denominador comum para solução das preocupações derivadas das pesquisas genéticas. Mesmo assim, não se ultrapassa a objeção de Engelhardt Jr. antes mencionada, uma vez que o próprio conceito de dignidade da pessoa humana é alvo de controvérsias, sendo oportuno verificar como ele pode ser aplicado para prevenir a prática de abusos nas pesquisas genéticas.

Não é destituída de sentido a assertiva de que não seria possível definir-se juridicamente a dignidade da pessoa humana. Como ensina Ingo Sarlet[32],  querendo-se examinar os conteúdos e os significados da dignidade da pessoa humana, com ênfase na sua conformação jurídico-constitucional, não se pode desprezar algumas contribuições da Filosofia, uma vez que o reconhecimento e a proteção da dignidade humana pelo Direito decorrem da evolução do pensamento acerca do que é o ser humano. Mas, face à complexidade da pessoa humana e do meio no qual se desenvolve sua personalidade, resulta apropriado falar-se em dimensões da dignidade humana, adotando-se uma visão complexa e multidimensional dessa qualidade, o que é adequado à discussão dos casos concretos, em especial ao enfrentamento dos problemas evidenciados com a biotecnologia[33].

É reconhecida a dificuldade para conceituar-se a dignidade da pessoa humana, pois se trata de conceito vago, com elevada ambiguidade, acrescido da dificuldade de tratar-se de qualidade tida como intrínseca ao valor que distingue o ser humano dos demais seres vivos.  É o que leva à recomendação de se verificar as dimensões ontológica, comunicativa e relacional, histórico-cultural, negativa e  prestacional, bem como a fórmula minimalista para uma conceituação analítica possível  da dignidade da pessoa humana, de modo a examinar-se a conclusão acerca de uma necessária secularização e universalização da dignidade num contexto multicultural[34].

Há uma dimensão comunicativa e relacional da dignidade da pessoa humana. Ainda que se afirme estar a dignidade ligada à condição humana de cada indivíduo, não se pode desconsiderar a sua dimensão social. Retoma-se então a noção kantiana, para destacar a dimensão intersubjetiva da dignidade, porque, enfim, é na esfera pública da comunidade da linguagem que o ser natural se faz indivíduo e pessoa humana [35].

Isto é, a dignidade não é apriorística, mas uma concretização histórico-cultural, o que leva à distinção entre dignidade humana, esta reconhecida aos seres humanos de qualquer condição, e dignidade da pessoa humana, concreta, condicionada pelo contexto de seu desenvolvimento social e moral. A dignidade também tem uma dimensão dupla, a negativa e a prestacional.  É, ao mesmo tempo, a expressão da autonomia da pessoa humana e a exigência de ser protegida pela comunidade e pelo Estado, o que se impõe mesmo quando não há capacidade de autodeterminação da pessoa, situação em que lhe socorre o direito de ser tratado com dignidade.[36]Examinando a necessária secularização e universalização da dignidade num contexto multicultural, por uma concepção não “fundamentalista” da dignidade, pergunta-se até que ponto é possível colocar a dignidade acima das concepções culturais. Isto porque, não raro, as especificidades culturais servem para justificar atos que, na concepção da maior parte da humanidade, atentam contra a dignidade da pessoa humana. Ora, não há um conceito universal de dignidade e há quem entenda que cada sociedade civilizada tem seus próprios padrões para verificar o que constitui indignidade, impondo-se, por isso, um diálogo intercultural.[37]

Nesse embate, caberia ao direito superar a visão unilateral e reducionista, protegendo a dignidade de todas as pessoas em todos os lugares. Por isso, deve ser levada em conta cada uma das possíveis dimensões da dignidade, com repúdio a qualquer sectarismo e fundamentalismo.

Logo, quando se lida com a dignidade da pessoa humana, lida-se com conceito aberto, carregado de ambiguidade, capaz de assumir a forma que o pensamento hegemônico de um dado grupo social lhe quiser dar. Mas, não parece que o relativismo moral contribua para a solução do problema e parece que a abertura e a constante reelaboração do conceito se presta a um colonialismo cultural, bem como à justificativa de intervenções de potências mundiais nas sociedades em desenvolvimento. E, aqui, novamente, se impõe a conclusão de H. Tristram Engelhardt Jr. segundo a qual “as guerras culturais  que fragmentam as reflexões bioéticas em campos sectários de contenda estão fundadas em uma diversidade moral insolúvel”.

Ainda assim, é o conceito de dignidade humana que mais se insinua como instrumento de equalização do debate em torno das pesquisas genéticas e da prática médica nesse campo de conhecimento, dando fundamento à legislação protetiva que é reclamada em razão das preocupações com o avanço das pesquisas genéticas.

3.2 – O princípio da precaução e a regulação da biotecnologia

Em complemento ao princípio da dignidade humana pode-se evocar o princípio da precaução que serviria para limitar a manipulação do genoma humano, estabelecendo para o pesquisador um dever de agir com cautela. O princípio da precaução  obrigaria o pesquisador a ter uma sólida base cientifica, com fundamento em revisão bibliográfica médica, só autorizaria o procedimento após experimentos que indicassem o caminho seguro a trilhar e não autorizaria a manipulação do genoma humano a título de mera experiência, para simples verificação do funcionamento dos genes ou para descoberta de tratamentos terapêuticos de enfermidades genéticas e, assim,  “o principio da precaução vem complementar o principio  da dignidade da pessoa humana pois, também, determina que a intervenção no genoma humano só se justifica se levar ao pleno desenvolvimento da pessoa humana”[38].

Segundo Tiago Fensterseifer o princípio constitucional da precaução contido no art. 225, § 1º, incisos IV e V, da Constituição Federal, exerceria importante papel na tutela dos direitos à saúde e ao meio ambiente, abrindo caminho para uma nova racionalidade jurídica que vincularia a ação humana presente a resultados futuros. Com isso, diante da dúvida e da incerteza que preside a prática da biotecnologia no campo da genética ou dos novos medicamentos, impor-se-ia ao pesquisador a obrigação de agir com a responsabilidade e a cautela exigida pela relevância dos bens jurídicos ameaçados, tais como a vida, a saúde, a dignidade da pessoa humana das presente e futura gerações.[39]

Contudo, isto nos parece um tanto retórico. É certo que o princípio da precaução cumpre um importante papel na formulação das leis, justificando a imposição de limites às experiências científicas e as práticas médicas dominadas pela incerteza dos resultados. Também é certo que o princípio da precaução é argumento relevante nas decisões judiciais que visam proteger os bens jurídicos da vida, da saúde e da dignidade humana, coibindo o início ou a continuação de experiências que podem ter repercussão nas gerações presentes ou futuras e que não podem estabelecer previamente o exato resultado da intervenção pretendida. Mas,  não parece eficaz a simples recomendação ao pesquisador de aplicação do princípio da precaução, estabelecendo que ele será o responsável pelos danos ou comprometimentos genéticos causados às atuais ou futuras gerações. A eventual modificação resultante da manipulação do genoma humano, depois de consumada, não pode ser simplesmente revertida, menos importando, então, a quem será atribuída a responsabilidade pelo resultado inesperado. Então, o que importa é que esse princípio seja ponderado em qualquer discussão para elaboração de leis e regulamentos com que se pretenda ordenar as pesquisas genéticas no País.

3.3 - A regulação das pesquisas genéticas

Num ponto há que se concordar com a visão de Maura Roberti[40] citada ao início deste ensaio.  A princípio, não deveria o Direito Penal ser usado para controle das condutas dos pesquisadores, integrando o biodireito e disciplinando as pesquisas genéticas. Nem tanto por supor-se que a regulação orientada pela “ética dos mínimos” seja suficiente para segurança das experiências genéticas, mas, principalmente,  porque essas pesquisas têm um aspecto estratégico, ocorrendo que sua vedação com a criminalização de condutas dos cientistas pode cercear o progresso científico e atrelar o País ao avanço de outros países, tornando-o de qualquer modo exposto aos mesmos riscos porque dependente de descobertas alheias.

Entretanto, novo dilema se apresenta. Ao afastar todo empecilho às experiências genéticas, autorizando-se a manipulação do genoma humano, sem restrição à origem dos pesquisadores, pode-se se estar abrindo espaço para a instalação de pesquisadores estrangeiros, ou nacionais financiados por laboratórios estrangeiros, decididos a implementar suas pesquisas sem qualquer vantagem estratégica para o nosso País, mas com risco para nossa população de onde fatalmente sairiam os sujeitos de pesquisa.

Observe-se que, conforme registram Leo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine [41], geralmente a responsabilidade pelas condições injustas do lugar em que se realizam pesquisas não pode ser atribuída aos pesquisadores ou aos seus patrocinadores, o que, todavia, não afasta o dever deles absterem-se de contribuir para o agravamento do quadro. Os pesquisadores não deveriam causar novas desigualdades nos países periféricos.

Também não devem tirar proveito da relativa incapacidade dos países de recursos limitados ou das populações  vulneráveis para proteger seus próprios interesses, realizando uma pesquisa de baixo custo e evitando os complexos sistemas de regulação dos países industrializados com o proposito de desenvolver produtos para os mercados daqueles países. [42] 

Mas, ante à possibilidade de tal cenário, não se pode falar em excesso de proteção quando o Estado lança mão de meios jurídicos, inclusive sanções penais,  para controlar as pesquisas genéticas em seu território. É que sobressai a questão estratégica recomendando cautela com atividades que podem vulnerar os direitos fundamentais da população, não se podendo confiar apenas nas boas intenções sugeridas em estudos de Bioética.

Ora, pelo que foi até aqui examinado, mostra-se utópica a solução de aguardar a formulação de uma legislação internacional a ser universalmente acolhida porque neste campo exatamente é onde afloram as maiores e insolúveis  discordâncias que levam às “guerras culturais que fragmentam as reflexões bioéticas em campos sectários de contenda”, de que nos fala H. Tristram Engelhardt Jr.Enquanto não se puder chegar ao consenso, e o consenso parece inalcançável, tanto persiste o interesse estratégico de desenvolver as pesquisas genéticas no País, quanto se impõe um dever do Estado de estabelecer limites à manipulação do genoma humano para o que não é suficiente o apelo a um controle social simplesmente pautado em princípios éticos nitidamente ambíguos.

Conforme destaca Ana Maria D’Avila Lopes:

No âmbito dos avanços alcançados graças ao Projeto Genoma Humano, deve o Estado não apenas se abster de violar os direitos fundamentais que suas aplicações possam desenvolver, mas também, e mais importante ainda, deve organizar e coordenar o exercício harmônico desses direitos fundamentais, impedindo que o interesse de alguém se sobreponha ao do outro.[43] 

É oportuno examinar os argumentos de outra estudiosa,  Selma Rodrigues Petterle[44], pugnando pelo direito à identidade genética, que classifica como um direito de personalidade situado no mesmo nível dos direitos à privacidade e à intimidade. O direito à identidade genética funcionaria como um direito de defesa, barrando atentados à identidade genética do ser humano. Daí decorre o direito das pessoas a não terem a identidade genética alterada por terapias gênicas, exceto em beneficio da própria saúde. Como conclui a autora, ainda que não se possa simplesmente proibir as terapias gênicas, persiste uma vedação jurídico-constitucional dirigida especialmente à engenharia genética sem finalidade terapêutica e à produção de híbridos e quimeras. Mas, a autora  discorda da tipificação penal de todas as condutas lesivas, em resposta ao dever estatal de proteção dos direitos fundamentais, em especial da vida, da dignidade da pessoa humana e da identidade genética. Especificamente quanto a essa questão, afirma que a Lei de Biossegurança representa um avanço tão só quanto à proteção jurídico-penal da identidade genética por criminalizar a clonagem humana reprodutiva, perpetrando, contudo, uma insuficiência de proteção do direito à vida ao liberar embriões excedentes da fertilização in vitro para fins de terapia e uma insuficiência de proteção do direito à identidade genética por tipificar genericamente “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano” ao passo que deveria ter se preocupado diretamente com os abusos da engenharia genética, isto é, com a fusão de gametas ou embriões da espécie humana com outra espécie, do mesmo modo que com a “hibridação genética”.

De qualquer modo, instrumentos internacionais de proteção à vida, à dignidade humana, ao meio ambiente e à diversidade biológica servem de orientação à criação das normas do Biodiereito. Assim, em nosso País, a Lei nº 11.105/2005, Lei de Biossegurança, permite a pesquisa e terapia a partir do uso de células-tronco obtidas de embriões excedentários e proíbe tanto a clonagem humana quanto a engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano, possibilitando a pesquisa em embriões congelados há três anos no mínimo ou considerados inviáveis, desde que autorizada pelos genitores. Não se pode negar que o País adotou uma legislação que se mostra sensata e que enfrenta os problemas da modernidade com cautela e reponsabilidade. [45] 

Mesmo assim, em que pese a produção legislativa, tem sido impossível, por exemplo, controlar as clínicas de reprodução assistida. O Decreto nº 5.591/2005 estabeleceu condições para a pesquisa com células-tronco embrionárias, obrigando a aprovação dos projetos nos Comitês de Ética em Pesquisa, enquanto a Resolução da Diretoria Colegiada, RDC 33/2006, da ANVISA aprovou o Regulamento técnico para o funcionamento dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG). Enfim, a edição destas normas administrativas, com fundamento na norma legal, supre em parte as insuficiências da legislação que foi possível editar, revelando uma preocupação do governo brasileiro em promover a pesquisa cientifica, com respeito aos valores éticos da sociedade.[46] 

Afinal, pode-se afirmar que a legislação brasileira tem uma tendência de comprometimento com a transparência da ciência e com o controle social das técnicas e dos resultados, afastando as proibições e o conservadorismo que conduzem à práticas clandestinas, sem aderir à politica liberal de completa liberdade de atuar das empresas de biotecnologia, incentivadas pelo interesse econômico, isto é: “Quebra-se a política do ‘laissez-faire’ e instaura-se no País uma política comprometida com os interesses sociais, suscitada pelas possibilidades terapêuticas das novas biotecnologias”[47] e, o mais importante, respeita-se os direitos fundamentais com a oferta de instrumentos que fomentam a democracia social, superando o individualismo e a pura mercantilização da biotecnologia.

“Uma maior transparência dos procedimentos científicos, a participação da sociedade civil e a presença do poder publico devem contribuir para combater a visão competitiva e individualista da ciência na distribuição de seus benefícios”[48]


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento da biotecnologia, em especial das pesquisas genéticas, com células germinativas humanas, é capaz de criar riscos que podem ameaçar à vida da forma como a conhecemos. As ciências naturais têm a pretensão de ficarem imunes à regulação social, impondo os resultados de suas experimentações ao argumento de que eles são indiscutíveis, porquanto sustentados em premissas que possibilitam “um grau experimental muito mais autorizador de comprovações inequívocas”[49], não pode ser aceita porque há um consenso social exigindo o controle dessas experimentações pelas ciências culturais, em especial a Bioética e o Biodireito. Desta forma, ainda que sendo promissoras as recentes descobertas relacionadas à decodificação do genoma humano, mostra-se procedente a preocupação com a geração de necessidades artificialmente induzidas, além de alterações do genoma com repercussão nas gerações futuras, o que pode comprometer a vida futura. Pois, como a ciência tem uma pretensão de indiscutibilidade de suas conclusões, resta que os limites para a manipulação genética terão de ser estabelecidos em outros campos do conhecimento, neste caso a Bioética e o Biodireito.

A ciência deve ser controlada pela sociedade, principalmente quando se lida diretamente com o bem mais precioso que é a vida e o meio de que a sociedade dispõe para impor seu controle é a construção normativa. Assim, é necessário produzir normas que assegurem a conduta ética, a equidade e a justiça no acesso às novas terapias e medicamentos, e que, ao mesmo tempo em que assegurem a liberdade de pesquisa e o progresso científico, logrem impedir as experiências genéticas sem finalidade terapêutica ou simplesmente em proveito de laboratórios estrangeiros, enquanto não houver um elevado grau de certeza quanto aos resultados esperados.

A Bioética, isoladamente, não é instrumento suficiente para preservação da dignidade da pessoa humana, face ao risco das pesquisas genéticas. A melhor solução parece ser a de atribuir ao Biodireito a tarefa de  regular a prática da biotecnologia com aporte das reflexões gestadas no campo da Bioética, compatíveis com nossa formação cultural.

No Brasil é a Lei de Biossegurança que se aplica ao controle das pesquisas genéticas. Essa lei, gestada em um contexto de alta e insolúvel controvérsia, contém insuficiências, mas revela a preocupação em promover a pesquisa científica com respeito aos valores éticos da sociedade e aos direitos fundamentais, ofertando instrumentos capazes de fomentar a democracia social, superando o individualismo e a pura mercantilização da biotecnologia.


5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 12. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2014. p. 35

[2] FRANÇA, Genival Veloso de. idem, ibidem, p. 36-37

[3] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. “Biotecnologia e produção do direito: considerações acerca das dimensões normativas das pesquisas genéticas no Brasil”. In: Direitos fundamentais e biotecnologia. Coordenado por SARLET, Ingo; LEITE, George. São Paulo: Método, p. 175-192, 2008.

[4] PETTERLE, Selma Rodrigues. O direito fundamental à identidade genética na Constituição brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 19

[5] PESSINI, Leocir e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 8. ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2007. p. 213

[6] MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. Capitulo 3 – A ideia do progresso do conhecimento; Capitulo 4 – Epistemologia da tecnologia; Capitulo 5 –A responsabilidade do pesquisador perante a sociedade e o homem; Capitulo 6 – Teses sobre a ciência. p. 95-133. 

[7] MORIN, Edgar. idem, ibidem, p. 96

[8] MORIN, Edgar. idem, ibidem, p. 97

[9] JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética: sobre a prática da responsabilidade. Tradução do Grupo de Trabalho Hans Jonas da ANPOF. São Paulo: Paulus, 2013.

[10] JONAS, Hans. idem, ibidem, p. 25

[11] JONAS, Hans. idem, ibidem. p.29

[12] JONAS, Hans. idem, ibidem. p. 30

[13] JONAS, Hans. idem, ibidem. p. 30

[14] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite, Limites éticos e jurídicos do Projeto Genoma Humano. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito: ciencia da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 323 apud MYSZCZUK, Ana Paula, p. 62-63

[15] ROBERTI, Maura. Biodireito: novos desafios: com análise penal da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2007.

[16] ROBERTI, Maura. idem, ibidem. p. 55

[17] ROBERTI, Maura. idem, ibidem.p.52-83

[18] PESSINI, Leocir e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. idem, ibidem p. 203-204

[19] SILVEIRA, Pedro Moacyr Pérez da.  Subjetividade jurídica: pedagogia da adaptação e arte do encobrimento em uma racionalidade onde a dúvida é malefício.  Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Orientador: Ghiggi, Gomercindo – Pelotas: [s.n.], 2007.

[20] SILVEIRA, Pedro Moacyr Pérez da.  idem, ibidem.

[21] SILVEIRA, Pedro Moacyr Pérez da.  idem, ibidem.. 

[22] PESSINI, Leocir e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. idem, ibidem. p. 137

[23] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 257-259

[24] REALE, Miguel. idem, ibidem. p. 260-261

[25] REALE, Miguel. idem, ibidem. p. 261-264

[26] REALE, Miguel. idem, ibidem. p. 264-266

[27] PESSINI, Leocir e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. idem, ibidem p. 185

[28] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. idem, ibidem.

[29] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. idem, ibidem.

[30] ENGELHARDT JR, H. Tristram. A busca de uma moralidade global: bioética, guerras culturais e diversidade moral. In: Bioética global: o colapso do consenso.  Organizador:  Engelhardt Jr., H. Tristam. São Paulo: Paulinas: União Social Camiliana – Centro Universitário São Camilo, 2012. p. 20

[31] ENGELHARDT JR, H. Tristram.idem, ibidem.p. 20-64

[32] SARLET, Ingo Wolfgang. “As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão jurídico-constitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia”. In: Direitos fundamentais e biotecnologia. Coordenado por SARLET, Ingo; LEITE, George. São Paulo: Método, p. 13-43, 2008.

[33] SARLET, Ingo Wolfgang. idem, ibidem.

[34] SARLET, Ingo Wolfgang. idem, ibidem.

[35] SARLET, Ingo Wolfgang. idem, ibidem.

[36] SARLET, Ingo Wolfgang. idem, ibidem.

[37] SARLET, Ingo Wolfgang. idem, ibidem. 

[38] MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano: limites jurídicos a sua manipulação. Curitiba: Juruá, 2005. p. 107

[39] FENSTERSEIFER, Tiago. Direito fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Editora, 2008, p. 80-81

[40] ROBERTI, Maura. idem, ibidem.

[41] PESSINI, Leocir e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. idem, ibidem. 

[42] PESSINI, Leocir e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. idem, ibidem.  p.218

[43] LOPES, Ana Maria D’Avila. “Os direitos fundamentais como limites aos (ab)usos do projeto genoma humano”. In: Biodireito e genoma humano. Coordenado por IACOMINI, Vanessa. Curitiba: Juruá, p. 42-64, 2013, p. 53

[44] PETTERLE, Selma Rodrigues. idem, ibidem

[45] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. idem, ibidem. 

[46] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. idem, ibidem. p. 190

[47] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. idem, ibidem. p. 191

[48] BRAUNER, Maria Claudia Crespo. idem, ibidem.  p. 192

[49] SILVEIRA, Pedro Moacyr Pérez da. idem, ibidem.


Autor

  • Darcy Fernando Brum

    Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Especialização em Politica pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialização em Direito Publico pela ESMAFE. Pos Graduando em Direito Ambiental pela UFPel. Advogado em São Lourenço do Sul/RS.<br><br>

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUM, Darcy Fernando. O controle estratégico da biotecnologia pelo biodireito com aporte da bioética. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4996, 6 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36469. Acesso em: 25 abr. 2024.