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A ilegalidade das provas psicografadas

A ilegalidade das provas psicografadas

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O presente trabalho coloca em questionamento a legalidade e veracidade do uso de provas psicografadas em processos do Ordenamento Jurídico Brasileiro. O uso de tal material como prova é ilegal e inverídico, uma vez que o Estado Brasileiro é laico.

INTRODUÇÃO
O tema em análise trata da psicografia utilizada como forma de prova nos tribunais. Apesar de não ser um tópico comumente abordado, seu estudo e apreciação são de extrema importância, tendo em vista que já houve casos concretos em que tal espécie de prova foi não só admitida, mas também fora a evidência tida como principal na resolução dos casos.
Busca a presente pesquisa demonstrar, através do método dedutivo, utilizando a técnica de pesquisa bibliográfica, a ilegalidade de tal material como prova válida em processos e apresentar a impossibilidade de atestar a veracidade de tais provas, que se mostram então, ilegais, uma vez que o Estado Brasileiro se afirma como sendo laico.
Para tanto a pesquisa trás em seu primeiro capítulo uma análise dos princípios, tanto processuais penais, como também o princípio da laicidade do Estado brasileiro; seu segundo capítulo trata-se da matéria prova, abordando seu aspecto geral para depois apresentar a psicografia, seguido do estudo das perícias com foco na grafotécnica, e finalizando o capítulo com casos concretos em que foram aceitas e também negadas as provas psicografadas. No terceiro e último capítulo serão compilados os dados dos capítulos anteriores buscando demonstrar a impossibilidade do uso de tal tipo de prova, mostrando todos seus aspectos contestáveis e que burlam as Normas Jurídicas Brasileira.

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS PENAIS
Todo o ordenamento jurídico tem como base princípios que dão fundamento e razão às normas, podendo estar ou não previstos no texto legal, todavia, serão sempre positivados. Eles são considerados ideias basilares e fundamentais do Direito, que lhe oferecem apoio e coerência. Serve não só de orientação ao juiz no momento de proferir uma decisão, mas também constituem um limite ao seu arbítrio, garantindo que a decisão não esteja em desarmonia com o espírito do ordenamento jurídico.
Machado (2013, p. 55) ensina sobre as funções dos princípios:
[...] atribuem-se aos princípios algumas funções jurídicas bem pragmáticas na medida em que: (a) asseguram a harmonia e a coerência do ordenamento legal; (b) atuam como critérios hermenêuticos de interpretação dos textos legais; (c) orientam até mesmo o legislador na edição de leis; (d) propiciam a integração do direito, funcionando como mecanismos de colmatação das eventuais lacunas do ordenamento jurídico; e, por fim, no caso do processo penal, (e) atuam como mecanismos de controle do poder de punir.
Os princípios constitucionais são os que irradiam todo o sistema de normas, tendo em vista que a Constituição exerce uma relação de supremacia, não podendo nenhuma norma jurídica contrariá-la, sob pena de inconstitucionalidade.
Os princípios processuais constitucionais estão previstos no art. 5° da Constituição Federal, dentro do Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, de modo que os princípios do processo penal podem ser encontrados em sua grande maioria na Constituição. (NUCCI, 2012, p. 43)
1.1 Principais Princípios do Processo Penal
Os princípios constitucionais mais relevantes no aspecto processual penal, que se integram a este, são os da dignidade da pessoa humana e o do devido processo legal. Nesse aspecto tais princípios garantirão que nada aconteça que passe ao largo da dignidade da pessoa humana, e que o indivíduo seja processado somente se houver lei penal anterior definindo sua conduta como crime. Para um fácil e melhor entendimento dos princípios que tutelam o processo penal brasileiro, Nucci (2012, p. 43) os classifica em dois tipos: os constitucionais processuais e os meramente processuais.
Genericamente os constitucionais processuais são os presentes no art. 5° da Constituição, e, indubitavelmente, têm caráter constitucional. Já os meramente processuais serão encontrados nos códigos processuais, explicita ou implicitamente. Dentre os princípios presentes no ordenamento jurídico, todos em sua ordem de importância, o presente artigo analisará apenas os que possuem maior relevância para seu tema.
O princípio da verdade real, conhecido também como princípio da verdade material ou da verdade substancial (terminologia empregada no art. 566 do CPP), denota que em um processo penal deverão ser tomadas todas as providências possíveis para descobrir como os fatos realmente se passaram, devendo o juiz investigar, adotando todas as diligências que julgar cabíveis e necessárias, “de forma que o jus puniendi seja exercido com efetividade em relação àquele que praticou ou concorreu para a infração penal” (AVENA, 2013, p. 18). Buscar a verdade real significa aproximar-se ao máximo da verdade plena, de modo que a sentença não pode basear-se em ficções e presunções, mas sim em elementos concretos.
Em contrapartida existem princípios que regulam a busca da verdade real. São dois deles os do devido processo legal e o da inadmissibilidade das provas ilícitas. O primeiro, encontrado no art. 5º inciso LIV da Constituição Federal, estabelece que nenhuma pessoa poderá ser privada de sua liberdade e de seus bens sem a garantia de um processo prévio, no qual se assegure os princípios do contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos inerentes (AVENA, 2013, p.22).
O segundo, também abordado pela Constituição em seu art. 5º, LVI, proíbe, em regra, a utilização de provas obtidas por meio ilícito, que são aquelas que afrontam direta ou indiretamente garantias constitucionais ou normas legais. Ainda, o art. 157, caput, do Código de Processo Penal, estabelece que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas (grifo nosso).
Segundo a doutrina, são também inadmissíveis as provas que sejam incompatíveis com os principio de respeito ao direito de defesa e à dignidade humana, aos meios cuja utilização se opõem às normas reguladoras do direito que, com caráter geral, regem a vida social de um povo. Lembra-se também a proibição de invocação ao sobrenatural. (MIRABETE, 2001, p. 260)
Existem as provas ilícitas, já mencionadas, que violam normas de conteúdo material com reflexo constitucional, e existem as ilegítimas que são aquelas produzidas a partir de violação de regras de natureza eminentemente processual. (AVENA, 2013, p. 464)
Há também o princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais, abordado no art. 93, IX, da Constituição Federal e no art. 381 do Código de Processo Penal, que denota a obrigação de o juiz, ao dar sua sentença, fundamentá-la devidamente. “É preciso que constem os motivos do fato (advindos da prova colhida) e os motivos de direito (advindos da lei, interpretado pelo juiz), norteadores do dispositivo (conclusão).” (NUCCI, 2012, p. 725). Tal princípio está interligado com o sistema do livre convencimento do juiz, no qual o magistrado poderá valorar com ampla liberdade as provas coligidas, mas devendo sempre motivar suas escolhas, pois assim dificulta-se o surgimento de decisões judiciais arbitrárias ou de fundamentação legal errônea.
Os mais importantes princípios, quando se trata da garantia de defesa das partes do processo, são: o princípio do contraditório e o da ampla defesa. Ambos são encontrados no mesmo dispositivo constitucional, sendo este o art. 5°, LV. A ampla defesa trata do dever que o Estado tem de fornecer ao acusado toda a defesa possível quanto à imputação que lhe foi feita. O princípio do contraditório, apesar de ser semelhante àquele, possui maior abrangência, pois dá o direito a qualquer parte de ser cientificada de todos os atos e fatos havidos no curso do processo, podendo manifestar-se a respeito e produzir as provas necessárias antes de ser proferida a decisão judicial. (AVENA, 2013, p. 36)

1.2 Princípio da Laicidade
O Brasil é um país laico, ou seja, não possui uma religião oficial e se mantém neutro quanto aos assuntos e temas religiosos. A Constituição de 1988 reforça a laicidade do Estado brasileiro em vários dos seus dispositivos, procurando garantir a separação entre o Estado e a Igreja, a liberdade de cada indivíduo ter sua própria crença sem ser privado de direitos por conta disso, e a neutralidade religiosa que os poderes públicos devem ter em suas condutas.
Sobre o assunto ensina Novelino (2010, p. 401):
A laicidade do Estado brasileiro está reforçada na Constituição de 1988 no dispositivo que veda aos entes federativos estabelecer tratamento discriminatório entre as diversas igrejas – tanto para beneficiá-las, como para prejudicá-las – ou criar embaraços ao seu funcionamento (CF, art. 19, I). A laicidade exige uma neutralidade e independência em relação a todas as concepções religiosas, respeitando-se o pluralismo existente na sociedade.
Existe também na Constituição, em seu art. 19, uma expressa vedação que impossibilita aos entes federativos estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança.
Na esfera pública brasileira, só devem ser considerados argumentos seculares, ou seja, os desprovidos de qualquer teor religioso.
Por essa razão, os poderes públicos devem pautar suas condutas pela neutralidade religiosa, sendo inconstitucional a justificação de medidas fundadas exclusivamente em argumentos, princípios ou dogmas religiosos, os quais devem se manter restritos à consciência e às condutas individuais. (NOVELINO, 2010, p. 401 – 402)

2 DA PROVA
Ao analisar a questão da utilização de provas cujo material seja a psicografia, deve-se entender antes o que vem a ser Prova. Segundo Avena (2013, p. 439), “prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias”, ou seja, prova são os atos praticados pelas partes, pelo juiz ou por terceiros que tentam demonstrar a veracidade ou a falsidade de uma alegação, tendo a prova tem como objetivo formar a opinião do juiz sobre o caso a ser julgado, dando embasamento para a sua decisão.
Na realização da produção de provas, é necessário que a prova seja admissível (permitida pela Lei ou costumes judiciários); pertinente (que possui relação com o processo); concludente (visa esclarecer uma questão controvertida) e possível de realização.
Ao buscar-se a verdade em um processo, há três tipos de provas que podem ser utilizadas: a documental (produzida por meio de documentos), a pericial (obtida por meio químico, físico ou biológico) e a testemunhal (que resulta de depoimentos prestados por terceiros estranhos ao processo sobre os fatos que possuí conhecimento que interessam a causa).
Para a valoração da prova, o processo penal brasileiro se sustenta no Sistema do Livre Convencimento do Juiz, já citado, que está previsto no art. 155, caput, do CPP, onde dispõe que:
Art. 155 - O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos formativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Através da redação do citado artigo, podemos concluir que o juiz não se limita aos meios de provas regulamentados em lei, porém, deve observar a legalidade de tais provas; as provas não possuem valor prefixado na legislação; todas as provas utilizadas para a fundamentação da aplicação da sentença devem ter sido produzidas em observância às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Observando-se o sistema de valoração adotado pelo processo penal brasileiro, compreende-se a importância da legalidade das provas. Para que a prova seja legal é necessário que seja admissível, pertinente, concludente e de possível realização, não observando essas quatro regras tem-se as provas ilegais, que são aquelas que correspondem:
[...] a um gênero, do qual fazem parte três espécies distintas de provas: as provas ilícitas, que são obtidas mediante violação direta ou indireta da Constituição Federal; as provas ilícitas por derivação, que correspondem às provas que, conquanto lícitas na própria essência, se tornam viciadas por terem, decorridos de uma prova ilícita anteriores ou a partir de uma situação de ilegalidade; e, por fim, as provas ilegítimas, assim entendidas as obtidas ou produzidas com ofensa a disposições legais, sem nenhum reflexo em nível constitucional. (AVENA, 2013, p. 459)
Serão permitidas as provas que não estejam no rol apresentado pelo Código de Processo Penal, desde que estas não estejam em desconformidade com as leis que regem nosso Estado e que não sejam ilegais.

2.1 Psicografia como Prova
Utilizada em alguns casos como prova, a psicografia sustenta questões polêmicas ao seu redor, colocando juristas em um duelo de posições onde existem aqueles que a defendem, por a considerarem fato científico e aqueles que não a aceitam, por a considerarem como fenômeno religioso, assim fundando-se na Teoria do Estado Laico.
De acordo com estudos de Santos Filho (2010):
Psicografia é a faculdade de os médiuns, sob a atuação de Espíritos comunicantes, escreverem com a própria mão, ou, conforme o desenvolvimento mediúnico, com ambas as mãos, ao mesmo tempo. Há casos em que o médium não toma nenhum conhecimento do que escreve e, às vezes, enquanto o faz, conversa com os assistentes. Psicografia é palavra de origem grega e significa escrita da mente ou da alma. [...]
O Médium, do latim médium que quer dizer: meio, intermediário; são as pessoas que tem a facilidade de comunicação com os espíritos, com o além, e mais ou menos dotas da faculdade de receber e transmitir suas comunicações. [...]
Existem diferentes formas de manifestação dos espíritos, contudo existem médiuns que tem ou não aptidão, para uma ou outra manifestação. O Médium [...] é o Escrevente ou o Psicografo, que tem a faculdade de escrever sob a influência dos espíritos.
Pode-se classificar a psicografia em duas modalidades: a imediata (que é quando o próprio médium redige a carta de forma normal utilizando sua mão e um lápis) ou a mediata (que é quando se adapta o lápis a um objeto qualquer que funcionará como uma „mão‟, sendo a carta escrita sem o auxílio direto do médium).
A sua utilização como prova vem sendo difundida pelo Brasil. Os juristas que defendem a prova psicografada, afirmam que por ela não estar prevista em Lei e, em suas convicções, não se tratarem de meio ilícito, pode ser utilizada como prova sem a existência de nenhuma restrição, porém, deve-se lembrar do que já foi abordado neste trabalho: a Laicidade do Estado Brasileiro.
A psicografia é amplamente utilizada no espiritismo, onde se diz que são os espíritos dos falecidos que, em comunicação com o médium, relatam fatos que querem dizer a suas famílias. Os que defendem o uso de tal prova, se baseiam no discurso de que a psicografia não é fruto do espiritismo e que pode ser comprovada cientificamente e pericialmente por meio da grafotécnica, assim não entrando em desconformidade com a Laicidade do Estado Brasileiro, porém, não existe nenhuma lei que discorra sobre espírito ou a vida após a morte, sendo reservada esta tarefa as religiões e seitas.
Apesar de poder parecer uma grande ajuda ao magistrado, à prova psicografada, mais do que nenhuma outra, é suscetível à fraude. Melo (2012), ao se deparar com essa questão em seus estudos, defende que:
Sobre o argumento de temor à fraude, vale salientar que é passível de ocorrer em todos os atos humanos, bem como em algumas provas como testemunhais, documentais, entre outras. O problema do temor à fraude por meio de charlatões deve ser resolvido na esfera penal, como em qualquer outro caso, respondendo o autor criminalmente.
Não obstante, deve ser lembrado que as provas servem para ajudar ao juiz e não para transformar-se em outro processo, contribuindo desnecessariamente para a demora da solução de outros conflitos.

2.2 A Perícia Grafotécnica e a Psicografia
Para a comprovação da „veracidade‟ das cartas psicografadas, ao qual os médiuns escrevem as cartas com a grafia do falecido, utiliza-se a perícia grafotécnica, que é a análise de tal documento para se atestar a veracidade ou a falsidade da grafia utilizada. Capez (2013, p. 418 – 419), apresenta que:
O termo „perícia‟ [...] é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento profissional.
Afirmar a autenticidade ou falsidade de um documento pelo perito é de muita responsabilidade, uma vez que o Laudo Pericial será utilizado pelos magistrados em suas sentenças.
Para a realização da perícia grafotécnica, utilizam-se documentos autênticos escritos pela pessoa ao qual se analisará se outro documento é verídico ou falso. Para isso, é necessário que o perito tenha o maior número de “padrões de confronto” (que são os documentos que possuem grafia autêntica). Esta comparação entre documentos é a única forma de determinação da autenticidade ou falsidade.
O perito não realiza apenas comparações a olho nu, ele estuda o comportamento gráfico em análise, utilizando-se de scanners de alta resolução, lupas, microscópios, softwares específicos, luzes ultravioleta, câmeras fotográficas de alta resolução, ampliadores óticos etc.
Ainda assim a utilização da perícia grafotécnica não torna a carta psicografada uma prova legal para a utilização em processos, já que o seu meio de produção é exclusivamente religioso, observando-se o princípio da laicidade do Estado Brasileiro.

3 ASPECTOS CONTESTÁVEIS A RESPEITO DA ADMISSIBILIDADE DA PSICOGRAFIA COMO PROVA JUDICIAL
O uso da psicografia como prova se mostra inadmissível quando contraposto com os princípios que norteiam as normas jurídicas brasileiras. Como já falado, as provas utilizadas em um processo não podem ser ilícitas, ou seja, não serão permitidas provas incompatíveis com a Constituição Federal. Sendo a psicografia um fenômeno derivado da religião Espírita, onde uma pessoa já falecida, por meio de uma pessoa viva, transmite uma mensagem, entra-se no mérito: existe vida após a morte? É realmente possível que uma pessoa morta faça contato com uma pessoa viva? O Estado se absteve de responder essas perguntas adotando o princípio da laicidade, permanecendo neutro diante de questões religiosas e, ao adotar tal fenômeno sobrenatural como prova jurídica, estaria ferindo este princípio, que protege a crença de cada pessoa, ou mesmo, de cada parte do processo.
Ainda, partindo do pressuposto de que o juiz é obrigado a motivar suas decisões judiciais com os motivos de fato e os motivos de direito, como poderia basear sua sentença em uma prova de cunho religioso? Não haveria fundamentação legal para a utilização de tal prova e ainda violaria o princípio da laicidade.
No que diz respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, indaga Nucci (2012, p. 369 – 370):
Imaginemos que o defensor junta aos autos uma carta psicografada pelo médium X, com mensagem da vítima de homicídio Y, narrando a inocência do réu Z. Como se pode submeter tal documento à prova da autenticidade? O que fará o promotor de justiça para exercer, validamente, o contraditório? Seria viável o perito judicial examiná-lo? Com quais critérios? Invadiremos o âmago das convicções religiosas das partes do processo penal, o que é, no mínimo, contrário aos princípios gerais do direito.
Ou ainda, imagine uma carta psicografada usada pela acusação para incriminar o réu. Como ficaria garantido seu direito de ampla defesa? O defensor poderia usar outra carta desse gênero desmitificando a primeira? A utilização da perícia, do exame grafotécnico, poderá no máximo dizer se aquela grafia é ou não similar à da vítima, pois já se sabe que não foi ela quem escreveu a carta, entrando então, novamente, na questão religiosa e como já foi dito, não compete ao Estado julgar tal assunto. Nem aos juízes.
Mesmo dentro dos parâmetros da religião espírita, sabe-se da existência de falsos médiuns, podendo esses criar cartas mentirosas para inocentar ou prejudicar o réu. Para aqueles que acreditam, existe o médium consciente e o inconsciente. O primeiro, enquanto a mensagem é transmitida, pode acompanhar seu teor, e o segundo não tem conhecimento daquilo que está sendo passado. Pode então o médium consciente influenciar na redação da carta, tanto para absorver o réu, como também para prejudicá-lo. Indaga-se: deveria o médium ser considerado, pois, uma testemunha? Deve ele depor em juízo já que sabe dos fatos, sob compromisso de dizer a verdade, respondendo por falso testemunho a depender do caso? Situação essa seria absurda processualmente falando, pois o médium nada viu diretamente e não pode ser questionado sobre ter ouvido os fatos de um morto.
Fica evidente o quão prejudicial seria a utilização de uma carta psicografada em um processo. Ao invés de se aproximar da “verdade real”, estaria se distanciando dela.
O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive, romper o princípio da ampla defesa. (NUCCI, 2012, p.370)

3.1 Casos Concretos de Psicografia Utilizada como Prova nos Julgamentos
A prova psicografada, mesmo com os motivos pelo qual seu uso deveria ser considerado ilegal, já foi utilizada diversas vezes para a solução de casos nos Tribunais Brasileiros.
Chaves (2011, p. 23), apresenta que no dia 08 de maio de 1976, na cidade de Aparecida de Goiânia/GO, uma brincadeira com revólver ocasionou a morte de um jovem: na residência de seus pais, ao pegar pela primeira numa arma de fogo, José Divino Nunes, de 18 anos, atingiu seu amigo Maurício Garcez Henrique, de 15 anos, com um tiro no tórax. Conduzido às pressas ao hospital, Maurício faleceu antes de receber os primeiros socorros. Fora aberto o inquérito. José Divino, desde o seu primeiro depoimento, afirmou que nunca pensara em matar seu amigo, ao qual eram inseparáveis havia quatro anos, que tudo não passava de uma fatalidade.
Alguns dias após o acidente, a família de Maurício recebeu a visita de duas médiuns, Augustinha Soares e Leila Inácio, que traziam mensagens mediúnicas de seu filho falecido, o que deixou o pai de Maurício impressionado e o fez buscar conforto no espiritismo. Após algumas visitas ao médium Chico Xavier, „espíritos amigos‟ enviavam notícias de seus filhos, até que em 27 de maio de 1978, Maurício „enviou‟ sua primeira carta psicografada aos pais, aonde apresentava a inocência de José Divino, explicando que brincavam com a arma e o espelho e que o disparou ocorreu sem a intenção de nenhum dos dois.
Comovidos, os pais tornaram pública a carta, que foi anexada aos autos do Processo Judiciário, tornando-se o principal documento para o advogado de defesa. Após os exames periciais e levando em conta que o relato da carta de Maurício Garcez psicografada pelo médium Chico Xavier, em nada divergia com as declarações do acusado, no dia 16 de julho de 1979, Orimar de Bastos, juiz de direito, absolveu o estudante José Divino Nunes.
Chaves (2011, p. 23), apresenta outro caso, esse no âmbito civil, onde a viúva e os três filhos do escritor de Humberto de Campos, no ano de 1944, entraram com uma Ação na Justiça, em âmbito Cível, reivindicando a titularidade dos direitos autorais das obras atribuídas ao espírito do escritor, donde Chico Xavier escreveu alguns livros utilizando a psicografia.
A sentença foi proferida julgando a parte carecedora da ação, por ausência de interesse legítimo, ou seja, ilegitimidade parte. Houve recurso, porém, a sentença foi confirmada. O juiz decidiu que o médium, pessoa natural, era o autor da obra, pois alegou que trata-se como pessoal natural o ser humano, homem ou mulher, capaz de direitos e obrigações, e os espíritos ou desencarnados não são dotados de personalidade, juridicamente falando.

CONCLUSÃO
Apesar de já existir algumas decisões dos Tribunais favoráveis ao uso da prova psicografada, ao analisar todo o exposto neste trabalho, é notória que a utilização das cartas psicografadas como prova não é de fato legal dentro dos parâmetros jurídicos.
Religiões existem para proporcionar conforto espiritual às pessoas, e sendo o Estado Brasileiro laico, não deve ela entrar nos julgamentos em tribunais, não sendo viável a utilização de documentos que contém matéria de cunho puramente religioso, como a carta psicografada.
A matéria processual brasileira apresenta inúmeras formas de solução de conflitos, bem como permite e específica largamente a documentação que pode ser utilizada para o convencimento do magistrado. Deve as partes buscar outra forma de alegar seus direitos, e o juiz formar seu convencimento com provas lícitas, tendo em vista que as possibilidades são muitas, abandonando tal documento cercado de dúvidas e de ilegalidade.

REFERÊNCIAS

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CAPEZ, F. Curso de processo penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CHAVES, L. P. Jurisprudência mediúnica. 2011. Monografia (Bacharelado em Direito). Universidade Presidente Antônio Carlos, Barbacena-SP.

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MELO, M. R. Psicografia e prova judicial. Rede Amigo Espírita, [s.l.], 27 fev. 2012. Disponível em: <http://www.redeamigoespirita.com.br/group/artigosespiritas/forum/topics/psicografia-como-prova-judicial>. Acesso em: 22 set. 2013.
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