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Drogas: o usuário e a legislação

Drogas: o usuário e a legislação

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RESUMO

Desde a pré-história, inúmeras substâncias psicoativas vêm sendo utilizadas para uma gama de extensas finalidades que se estendem do prazer, até o desencadeamento de estados de êxtase místico e religioso.

O trabalho a seguir, faz breve resumo da história do uso de drogas pelas diferentes civilizações ao longo dos anos e traça diretrizes para um combate mais eficiente, ao passo em que critica a moderna e liberal corrente que pretende descriminalizar o uso de drogas no país, sob o frágil argumento de uma provável diminuição do seu uso e consequentemente do tráfico ilícito de entorpecentes, fato que ainda carece de resultados objetivos.

O trabalho buscará fazer um quadro não só do conceito genérico do comércio de drogas no Brasil, mas de maneira ampla, caracterizar os personagens e ambientes que compõem o que se pode chamar de um verdadeiro aparato das circunstâncias cadenciadoras do consumo e sua posição diante de uma possível descriminação.

Palavras-chave: Drogas, Usuário, Consumo, Tráfico, Descriminação.

ABSTRACT

From pre-history, numerous psychoactive substances are being used for a wide range of purposes that extend the pleasure, until the outbreak of states of mystical ecstasy and religious.

The work below is brief summary of the history of drug use by different civilizations over the years and sets out guidelines for effective fighting, while criticizing the modern and liberal current that want to decriminalize drug use in the country under the weak argument of a likely decrease and therefore the use of illicit drugs, which still lacks objective results.

The paper aims to make a picture not only of the generic concept of the drug trade in Brazil, but to broadly characterize the characters and environments that make up what might be called a true cadenciadoras apparatus of the circumstances of consumption and its behavior in a possible discrimination.

Keywords: Drug User, Consumption, Traffic, Discrimination.

1. INTRODUÇÃO

A palavra droga está associada a substâncias que afetam a psique do indivíduo, proporcionando experiências de prazer capazes de levar parte de seus usuários ao seu uso contínuo e por consequência, à dependência. O termo drogas pode ter sido derivado de DROWA (árabe), cujo significado é bala de trigo, ou ainda de DROOGE VATE (holandês), cujo significado é tonéis de folhas secas.

A medicina define droga como sendo: qualquer substância capaz de modificar o funcionamento dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento. Portanto, nota-se que a palavra droga se refere a qualquer substância capaz de modificar um funcionamento orgânico, seja essa modificação considerada medicinal ou nociva. Os antigos, inclusive, não acreditavam que as drogas fossem exclusivamente boas ou más, entendiam que qualquer droga se constitui em um veneno ou um remédio, dependendo da dose e do objetivo do uso.

Há drogas capazes de alterar o funcionamento mental ou psíquico - são denominadas “drogas psicotrópicas”. Desse modo, drogas psicotrópicas são aquelas que atuam sobre o nosso cérebro, alterando nossa maneira de sentir, de pensar e, muitas vezes, de agir. Mas estas alterações do nosso psiquismo não são iguais para toda e qualquer droga. Cada substância é capaz de causar diferentes reações. Uma parte das drogas psicotrópicas é capaz de causar dependência.

O consumo de drogas existe desde os primórdios da humanidade - há relatos vagos que indicam o uso de álcool e outras substâncias entorpecentes na Grécia e em outras civilizações antigas. Mas foi apenas no final do século XIX que algumas dessas substâncias receberam a denominação "droga" e passaram a ser consideradas certamente prejudiciais ao usuário e um problema para as sociedades.

Nos últimos anos, vimos crescer os debates acerca do crescimento do uso de drogas nas diversas camadas da sociedade, se é que possam ser assim divididas, notadamente o crescimento do uso de substâncias entorpecentes por crianças e adolescentes. Toda esta problemática têm fomentado discussões e reflexões com ênfase, até mesmo, na liberação da Cannabis sativa (maconha), droga de amplo consumo no país.

As análises apontam para a necessidade de por sobre uma mesa uma tempestade de idéias que visem ponderar sobre os prós e contras do uso e abuso de drogas, principalmente por menores de idade. Apesar de alguns críticos apresentarem razões diferentes para o enrijecimento das penalidades aos usuários, existem concepções consolidadas em amplas experiências que comprovam que a resistência ao uso às Drogas está diretamente ligada ao seu grau de culpabilidade, reprovabilidade e principalmente punibilidade do agente pelo seu consumo indiscriminado.

O presente trabalho explanará as diferentes políticas criminais acerca do tema, bem como elencar as causas de inserção do usuário ao consumo de drogas e descrever formas eficazes de estancar o latente aumento do consumo e da oferta. Delimitando precisamente os contrastes entre as sanções penais impostas aos usuários e aos traficantes de drogas, sob o prisma do grau de culpabilidade e da real consciência delitiva de cada agente percussor do rentável comércio de drogas ilícitas.

Por representar uma verdadeira multiplicidade de implicações e desdobramentos com personagens e ambientes reais, debruçaremos notadamente sobre os mais diversos aspectos relacionados ao conceito do atual comércio de drogas e demais crimes acessórios inerentes ao mundo das substâncias ilícitas, sempre com enfoque na Legislação vigente e com relevância das condições: sociais, físicas, psicológicas, patológicas, epidemiológicas e jurídicas de cada circunstancia e de cada agente.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIOCULTURAIS DO USO DE DROGAS

O uso de substâncias psicoativas acompanha a humanidade em diversos períodos de sua história, variando a cada cultura, a cada época. Ao longo dos tempos, os homens utilizaram os produtos naturais para obter um estado alterado de consciência, em vários contextos como no religioso, social, medicinal, cultural, psicológico, e principalmente na busca do prazer.

Nos impérios gregos e romanos, o uso de bebidas alcoólicas era algo inerente a estas culturas, não apenas nos rituais religiosos que permitiam um estado alterado de consciência. Com o advento das conquistas realizadas por estas civilizações, se difundiram também para outros povos.

No período dos impérios coloniais, as drogas foram usadas predominantemente como moeda de troca, numa indiferença completa pelas consequências do seu uso para fins diferentes dos medicinais ou maneiras de contato com o transcendente.

Na Idade Moderna, fatores como as grandes navegações, a Revolução Industrial e o Capitalismo levaram à concentração urbana. Isso levou a industrialização da produção de bebidas, aumentando o consumo de álcool. O consequente aumento do contato com outros continentes e países facilitou o intercâmbio de outras drogas. Esse é o período no qual o consumo de substâncias psicoativas tomou proporções preocupantes.

Ao final do século XIX houve uma disseminação do consumo de drogas, a exemplo: ópio, álcool, cigarro, dentre outras. Data também nesse período o início o uso de medicação injetável. No século XX ocorrem duas guerras mundiais, que incrementaram o uso de anfetaminas para aumentar o rendimento dos soldados e da morfina para aliviar a dor dos feridos.

Nos anos 80 ocorre uma intensificação do uso de drogas psicoativas em especial as sintéticas, produzidas em laboratório, como anfetaminas, ecstasy, dentre outras. A década de 90 foi marcada pela popularização do consumo da cocaína e da heroína.

O tema tem sido amplamente discutido na atualidade, não só por causa da crescente criminalidade, mas pelo efeito devastador que a droga proporciona na vida de determinados indivíduos, não é por acaso que uso indiscriminado de drogas se tornou um problema social e de saúde pública.

3. PREVISÃO LEGAL

A primeira Lei brasileira a tratar acerca do tema data de 1976, que foi revista no início dos anos 2000. Em 2002, promulgou-se a Lei 10.409, e em 2006 passou a vigorar a atual legislação, a Lei nº 11.343/06 que define e tipifica expressamente como crime o uso e a comercialização de substâncias entorpecentes.

No entanto, a legislação não prevê pena de prisão para o usuário, fixando medidas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento a um programa ou curso educativo. Ocorre que, tentativas de alterações estão sendo feitas no intuito de não ser mais considerado crime o uso ou mesmo o porte e a compra de droga em quantidade e inferior à definida no texto legal, em suma, verdadeiramente a “liberação” do uso de drogas no Brasil, em quantidade controlada. Se é que há viabilidade de controle no uso de drogas.

A tipificação Legal dispensada às drogas passou por diversas transformações em todo o mundo desde o surgimento das primeiras proibições ao seu consumo, fabricação e comercialização. É consenso na sociedade que tais substâncias causam dependência e podem ter efeito devastador e irreversível sobre a saúde dos usuários.

No entanto, ainda há muitas divergências sobre como abordar a questão, no Brasil e nas demais nações. A Lei nº 11.343/96 está em vigor atualmente e é a terceira legislação sobre drogas: em síntese, ela considera crimes tanto o consumo quanto a comercialização, embora em graus bem diferentes. Por isso, a punição ao usuário é mais branda do que à aplicada ao traficante.

Ao usuário, a lei imputa três tipos de pena: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade (de 5 a 10 meses) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Já a quem produz ou comercializa drogas, a lei atribui pena de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa. Cabe ao juiz determinar a finalidade da droga apreendida, se é para consumo pessoal ou comercialização, e isso depende de inúmeros fatores, como a natureza e a quantidade da substância e os antecedentes do suposto criminoso.

Pela legislação vigente, o usuário é aquela pessoa que adquire a droga para consumo próprio, em quantidade que cabe ao magistrado definir sua imputação. Não há previsão sobre limite de quantidade de droga em termos de dias de consumo, havendo com isso confusão de interpretação entre os Magistrados.

A Comissão Especial de Juristas que elaboram o anteprojeto do novo Código Penal Brasileiro sugerem deixar de haver crime “se o agente adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal”. O mesmo acontecerá em relação a quem, também para consumo pessoal, semear cultivar ou colher plantas destinadas á preparação de drogas para consumo pessoal.

Em contrapartida, na oportunidade a Comissão sugeriu tratamento coercitivo, no entanto menos rigoroso que o previsto na atual Lei de Drogas (Lei 11.343/06), aos traficantes. Foi mantida a multa e a menor margem da pena de prisão, de cinco anos, mas o teto caiu de 15 para 10 anos. O crime de tráfico abrange importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender e oferecer drogas ilegais, ainda que gratuitamente. A mesma pena se estende ao cultivo, plantio ou colheita de matéria-prima para a fabricação de drogas para comercialização.

Os juristas decidiram, por outro lado, sugerir prisão de seis meses a um ano, além de multa, para punir o uso ostensivo de drogas. A punição será dirigida a quem usar ostensivamente substância entorpecente em locais públicos nas imediações das escolas ou em outros locais de concentração de crianças e adolescentes. A medida também foi prevista para atingir a pessoa que consumir drogas na presença de crianças, mesmo em ambiente privado.

Em suma, as análises das diretrizes dos debates acerca do novo Código Penal Brasileiro, demonstram fortes indícios no intuito de abrandar o uso de substâncias entorpecentes. Isso se deve, notadamente, pela falência do Estado no combate ao tráfico de drogas, o apoio ao usuário precário e ineficiente, e por fim, é inegável que o comércio de entorpecentes ilegal no Brasil é, de fato, uma atividade financeiramente rentável e marginal, daí o combate contínuo ao traficante.

Porquanto perpetuar o aumento geométrico do consumo de drogas, ao passo que seu combate cresce em progressões aritmética, com toda certeza o tráfico de drogas e toda a estrutura criminosa a esta inerente crescerá em progressões estratosférica e pior, proporções incontroláveis. Deste descontrole do Estado, surge a concepção equivocada da descriminação do uso de drogas.

Na Comissão Especial de Juristas que elaboram o anteprojeto do novo Código Penal Brasileiro, o ex-senador Demóstenes Torres ressaltou que "o Brasil está tateando o abismo ao promover a liberação tácita do uso de drogas e pode considerar como certo o aumento da mobilização e do poder de fogo do crime organizado. O governo já demonstrou que não vai investir em segurança pública, portanto não irá sufocar a oferta da droga, que vai crescer com a livre demanda. A esperança é de que o Senado possa impedir tal "irresponsabilidade e sandice", pois "definitivamente, sob qualquer aspecto, seja de capacidade de controle policial, de atuação do Poder Judiciário ou de atendimento do Sistema Único de Saúde, o Brasil não está preparado para o dia seguinte à liberação das drogas."

O Brasil exerce forte controle sobre medicamentos ansiolíticos e antidepressivos, dentre outros considerados tarja preta, através do forte aparato de controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, no entanto o Brasil é um dos maiores mercados consumidores do planeta destes tipos de medicamentos, e grande parte é consumida de forma indiscriminada e sem qualquer acompanhamento clínico. Portanto, se o abuso de algumas drogas ocorre mesmo com intenso controle, imaginem como será diante à descriminação geral e irrestrita de seu uso.

4. O USUÁRIO

Os usuários de drogas dividem entre o eventual, que é o experimentador curioso, que usa a droga pouquíssimas vezes, levado por amigos que o induzem a essa experiência, movido pela desinformação e curiosidade. Normalmente não se fixam em nenhuma. Já o usuário crônico ou de abuso passa a se prejudicar e sentir as conseqüências de sua dependência, pois já se instalou a dependência física e psíquica. Ele percebe que a droga está lhe causando vários problemas, mas não pára. A tolerância já está instalada e o dependente necessita de doses cada vez maiores.

Não há benefícios empiricamente comprovados acerca dos possíveis benefícios de uma eventual liberação do uso de drogas, que sempre será indiscriminada.

A tipificação penal do usuário sofreu consideráveis mudanças ao longo dos anos, a saber:

Definição de usuário a luz do Artigo 16 da Lei 6.368/1976, já revogada:

“Art. 16 - Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa.”

Definição de usuário a luz do Artigo 28 da Lei 11.343/2006, em vigência:

“Art. 28 - Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das droga

II - prestação de serviços à comunidade

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º - Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º - Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3º - As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 05 (cinco) meses.

§ 4º - Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º - A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º - Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal

II - multa.”

A Lei 11.343/06, contudo, trata usuário e dependente praticamente da mesma forma, diferenciando-os, somente quanto à medida alternativa a ser adotada. Ocorre, entretanto, que há uma diferença colossal entre o usuário e o dependente.

Enquanto os dependentes apresentam necessidade física ou psíquica quase incontrolável em consumir a droga, os usuários, imensa maioria, a consomem por opção, normalmente em momentos de lazer. Legalizar o uso de drogas é certamente legitimar a nocividade das substâncias entorpecentes.

Deve-se relevar que há uma distinção, ainda que complexa, entre o usuário e o dependente químico. Enquanto aquele mantém seu livre-arbítrio intacto com relação ao consumo da droga, o dependente não mais possui essa liberdade de escolha. Entretanto, não há dúvidas de que quem alimenta o tráfico são dependentes e usuários, pois, conforme a lei de mercado, havendo demanda haverá oferta, consequentemente, para diminuir o tráfico há que se diminuir o número de dependentes e usuários de drogas, sem distinção.

É notória a influência positiva que o usuário e o dependente exercem sobre o tráfico de drogas e suas ramificações. Entretanto, a diferença reside, notadamente, na atuação da Legislação a cada caso. Não há previsão legal objetiva que distinguia o usuário e o dependente, e uma futura e provável liberação do uso, acabaria por englobar a todos, uma espécie de descriminação com efeitos “erga omnes”. Neste ponto, reside grande parte das críticas pela descriminação das drogas, pois o dependente está à margem de qualquer escolha racional e necessita de apoio do Estado para livrar-se da condição de subordinação causado pela dependência. Ao passo em que, não mais havendo qualquer controle coercitivo por parte do Estado, em virtude da descriminação do uso de drogas, indiscutivelmente haverá um aumento massivo de usuários experimentais e, por conseguinte, de dependentes.

No campo da economia, a Lei da Oferta e da Demanda, é a lei que estabelece a relação entre a demanda de um produto ou a procura - e a quantidade que é oferecida, a oferta. A partir dela, é possível descrever o comportamento preponderante dos consumidores na aquisição de bens e serviços em determinados períodos, em função de quantidades e preços. Nos períodos em que a oferta de um determinado produto excede muito à procura, seu preço tende a cair. Já em períodos nos quais a demanda passa a superar a oferta, a tendência é o aumento do preço.

Na hipótese da descriminação do uso de drogas, infelizmente, as mudanças mais nitidamente percebidas serão nos preços dos entorpecentes, e por consequência, no aumento considerável no consumo, em face da maior oferta disponível.

5. ABOLITIO CRIMINIS

O acesso mais fácil às drogas tende a levar a um aumento do número de usuários experimentais e ocasionais, não necessariamente de dependentes, visto que as pessoas não vão se tornar dependentes de drogas somente porque elas estão mais disponíveis. Entretanto, seria ingênuo concluir que a liberação das drogas resolveria todo o problema, como não resolveu nos países que tiveram atitudes liberais e tolerantes. Se por um lado a diminuição da oferta não resolve a questão, por outro o aumento da oferta, na hipótese de liberação, não é capaz de diminuir por si só a dependência de drogas. Portanto, é necessário um profundo estudo acerca do tema e seus impactos sociais antes de qualquer mudança na legislação.

A Holanda, um dos países mais liberais da Europa, atualmente, os cafés não podem mais vender bebidas alcoólicas nem substâncias entorpecentes, e uma lei que tramita no Parlamento pretende proibi-los de funcionar próximo ás escolas. A tolerância em relação à maconha, iniciada nos anos 70, criou inúmeros problemas. Os locais de venda livre só podem vender até 05 gramas de maconha por consumidor, mas o plantio e a importação da droga continuam proibidos. Outrossim, houve um incentivo ao narcotráfico. Isso fez proliferar o comércio clandestino. A população começou, então, a rever suas idéias e a se mostrar cada vez mais descontente com o atual tratamento dispensado a usuários e traficantes.

A Suíça também precisou dar marcha ré na tolerância com as drogas. O bairro de Langstrasse, em Zurique, que havia se tornado, sob o aval do governo, território livre para o consumo de drogas, acabou sob o controle do crime organizado. Em 1992, a prefeitura coibiu o uso público de entorpecentes. A Dinamarca seguiu o exemplo.

Em 2003, as autoridades fecharam o cerco ao Christiania, um bairro de Copenhague ocupado por uma comunidade alternativa desde 1971, onde a venda de maconha era feita em feiras ao ar livre. A Grã-Bretanha também decidiu voltar a apertar o cerco, no início de 2008, o governo deu início ao processo de endurecimento novamente, devido a um estudo do Advisory Council on the Misuse of Drugs que demonstrou, entre outras coisas, que a maconha prejudica a saúde mental dos consumidores mais do que se imaginava. A droga, então, voltará a pertencer ao grupo dos entorpecentes sujeitos a repressão severa.

No Brasil, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF, o delito de posse de drogas para consumo pessoal não deixou de ser crime, mas apenas não recebe mais penas privativas de liberdade e sim, as penas previstas no Artigo 28 da Lei 11.343/2006.

Os dados acima descritos corroboram fielmente com o objetivo primordial do presente trabalho, trazer a tona os riscos da eminente descriminação do uso de drogas em nosso país e sua ligação umbilical com tráfico ilícito de entorpecentes.

Ao passo em que o Brasil caminha para descriminação do uso de drogas, o governo investe este ano, 4 bilhões de reais em um plano nacional para o combate ao crack e outras drogas ilegais. Em síntese, o programa integra medidas nas áreas de saúde e segurança pública, em ações de atendimento ao dependente e sua família, prevenção e combate ao tráfico.

As ações de prevenção incluem a capacitação de 210 mil educadores e 3,3 mil policiais para atuação em 42 mil escolas públicas. Os hospitais conveniados do Sistema Único de Saúde – SUS, destinarão aos dependentes enfermarias especializadas, com cerca de 2,5 mil leitos para casos de intoxicação grave ou crise de abstinência. Esses hospitais vão receber do SUS diárias quatro vezes maiores que as pagas pelos leitos psiquiátricos atualmente.

A maior polêmica deste plano é a possibilidade da internação involuntária de usuários. Psicólogos consideram a medida pouco eficaz e alguns Juristas afirmam que a medida fere direitos constitucionais.

Portanto, o atual quadro de total descontrole do consumo de drogas no país, é incoerente discutir a descriminação do seu uso, dado a toda problemática envolvendo os usuários ativos, e o fato de que a liberação do uso não irá resolver, ao menos não existem provas concretas.

6. O TRÁFICO

Em estudo realizado pela comissão Global de Políticas sobre Drogas, entidade pertencente a Organizações das Nações Unidas – ONU, comprovou que o número de usuários de cocaína no mundo passou de 13,4 milhões de pessoas em 1998 para 17 milhões de pessoas em 2008, quanto ao uso da maconha, os números aumentaram de 147,4 para 160 no igual período.

O uso de substâncias entorpecentes vem crescendo independente do continente ou nação, apesar dos esforços de controle. No ranking da cocaína, o Brasil exerce liderança. O país é hoje o maior mercado consumidor da droga da América do Sul. O Brasil, infelizmente, tem não apenas uma crescente demanda interna, mas exerce um estratégico centro de distribuição mundial de drogas. Ademais, o aumento no consumo das drogas sintéticas tem sido significativo, que ao contrário das drogas tradicionais, feitas à base de plantas, as drogas sintéticas são feitas com produtos químicos facilmente obtidos em laboratórios improvisados, o que dificulta a repressão.

As consequências deste crescente aumento podem ser comprovadas nos boletins de ocorrência de qualquer delegacia de polícia. Não restam dúvidas de que o tráfico e o consumo de drogas estão na raiz da imensa maioria dos assassinatos e diversos outros delitos. Como se não bastasse, o crescente aumento nas detenções de crianças e adolescentes ligadas ao mundo das drogas é uma triste rotina nas rondas policiais.

Eleger a liberação e descriminação das drogas, independente das limitações imposta, como saída para o grave problema do tráfico de entorpecentes no país, é reconhecer literalmente a falha do Estado em promover e garantir a efetivação das normas Constitucionalmente previstas em seus Artigos Fundamentais.

É consenso que em muitos casos, o usuário perde completamente o controle sobre seus atos, inclusive há um total desprezo involuntário pela cidadania. Nestes casos específicos, é certamente uma questão de saúde pública e o Estado deve garantir acompanhamento do indivíduo, não com fulcro no Código Penal, mas aplicação pura e simples dos Direitos e Garantias previstos na Constituição Federal de 1988. Portanto, o tema nunca poderá ser abordado objetivamente, aos olhos de um Jurista, pois devem ser relevados aspectos subjetivos que englobam o tema.

Países mais desenvolvidos adotam legislação dura, com penas socioeducativas rígidas, enquanto que no Brasil o Estado alivia o traficante de pequeno porte e o usuário, sob a falácia de tratar-se de um problema de saúde pública. Com a devida vênia, os efeitos resultantes da dependência são devastadores e é de fato um problema de saúde pública, mas o comércio de drogas e o usuário eventual, aquele que tem real consciência pelos seus atos, é problema coercitivo do estado e falha na aplicação do direito positivado. Em suma, é a liberdade individual sobrepujando sobre a segurança coletiva, total incoerência com os preceitos fundamentais elencados na Constituição Federal.

Não deve haver imputação do tráfico de drogas aos usuários, visto que, a responsabilidade de sanar com esta atividade nociva e ilícita são do estado. Entretanto, não como negar que o uso de drogas, por menor que seja a dose, fomenta o lucrativo e marginal comércio ilícito de entorpecentes. Portanto, acreditar que a atipicidade da conduta do uso de drogas irá estacar o crescente e promissor tráfico de entorpecentes, é, metaforicamente, tentar apagar o fogo com gasolina.

7. CONCLUSÃO

A problemática acerca da descriminação do uso de drogas é tema complexo e não pode nem deve ser simplificado.

O uso de drogas é um dos grandes problemas da nova era, e descriminar o indivíduo por portá-la para consumo próprio é legitimar o seu uso. Não há indícios suficientemente seguros acerca dos prováveis benefícios oriundos da descriminação do uso de substâncias entorpecentes.

Enquanto o Brasil não ampliar consideravelmente os centros médicos de assistência aos dependentes químicos não há que se falar em descriminação de drogas para os usuários, pois se é sabido que as drogas acabam com a saúde de quem as usa, qual fundamento plausivo que legitime sua abolição do Código Penal.

Conto o advento da “Abolitio Criminis”, veremos aumentar a porcentagem de jovens e crianças utilizando-se de entorpecentes, em virtude da maior facilidade de acesso, veremos a produção diminuir no trabalho porque este ou aquele funcionário é usuário e a empresa não pode demiti-lo porque usar drogas não será crime, Veremos pais de família trocando o pão de seus filhos por drogas e até vendendo os objetos da casa para fazer frente ao vício, assistiremos às grávidas se drogando e vendo seus filhos nascerem ao acaso da sorte.

Em conclusão, constatando a constância da utilização de substâncias psicoativas pela humanidade através de sua história e o fracasso da política de proibição em relação às ilícitas, parece sensato a idéia de conviver com elas da melhor maneira possível, ao invés de preconizar políticas de tolerância zero ou de sua erradicação definitiva. Porém isso não precisa significar uma renúncia a qualquer medida de controle. O que se pode fazer é levar em conta os controles já existentes e seus campos de aplicação, assim como outros recursos. Em suma, deve haver um amadurecimento da legislação pertinente com repúdio a qualquer conduta radical, como a descriminação do uso, a qual, definitivamente o Brasil ainda não está preparado.

9. REFERÊNCIAS

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Vitória da Conquista/Bahia, 13 de Junho de 2013.


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