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O novo CPC visto por um advogado: parte 4

O novo CPC visto por um advogado: parte 4

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A justiça que tarda é um simulacro de Justiça. A pressa estatal na distribuição da Justiça a transforma em vingança e transfere para os cidadãos a incapacidade do Estado de cumprir sua missão.

A justiça que tarda é um simulacro de Justiça. Digo isto com a experiência. Já trabalhei em vários casos que demoraram mais de uma década para serem solucionados e em um, com dezenas de autores, que demorou 20 anos e meio para ser liquidado. Neste, 3 dos meus clientes morreram no curso do processo e apenas seus herdeiros se beneficiaram com o resultado da demanda.

Sou, por princípio, um defensor da rapidez processual. Mas nem por isto gostei do novo CPC. Creio que uma justiça apressada é pouco mais que uma vingança pública que transfere para os cidadãos a incapacidade do próprio Estado de cumprir sua obrigação de distribuir Justiça. A natureza vingativa do novo CPC é evidenciada pela multas prescritas no cumprimento da sentença e na execução de título extra-judicial.

A parte que não cumpre voluntariamente a sentença pagará 10% de multa e 10% de honorários advocatícios (art. 523, §1º). As Fazendas Públicas, maiores cliente do Judiciário em razão da União, Estados, Municípios e suas autarquias e empresas públicas estarem acostumadas a lesar cidadãos, não estão sujeitas a pena semelhante mesmo que venham a descumprir sua obrigação de pagar o precatório de pequeno valor no prazo de 2 meses (art.  535 §3º, II). Contudo, a pena do art. 523, §1º beneficiará as Fazendas Públicas nas execuções fiscais. A obrigação de fazer ou na fazer está sujeita a multa independentemente do requerimento da parte (art. 537). O inadimplemento dos alimentos  fixados pela sentença acarretam o protesto do título (art. 528 §1º), podendo ainda acarretar a prisão do devedor caso justificativa não seja aceita (art. 528 §3º).

A ação monitória proposta indevidamente acarreta pena de multa de 10% (art. 702 §10º). Aquele que embargar a monitória de má fé também será punido de maneira semelhante (art. 702 §11º). A execução de título extra judicial pode acarretar a punição do executado em 20% do valor da dívida (art. 774, parágrafo único). O exequente ser condenado a indenizar o executado quando a sentença declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução (art.  776). Quando a obrigação for de entregar coisa certa o Juiz poderá fixar multa diária sujeita a alteração (art. 806, §1º). O mesmo também pode ocorrer quando a obrigação for de não fazer, caso em que a multa contratual poderá ser reduzida (art. 814 e parágrafo único). O inadimplemento judicial da obrigação de fazer ou de não fazer pode acarretar despesas para o devedor ou sua condenação em pernas e danos (art. 816 e 823).

As multas, indenizações e honorários punitivos podem ser impostos pelo Juiz durante o cumprimento da sentença, execução do título extra judicial e trâmite da ação monitória. A parte contra quem foi constituído o título judicial ou que teve seus Embargos à Execução, Embargos de Terceiro ou Embargos à Ação Monitória rejeitados tem direito a Ação Rescisória no prazo de 2 anos (art. 966 e 975), a qual não impede a cobrança das multas exceto se for concedida tutela antecipada (art. 969).  No caso de a Ação Rescisória desconstituir a sentença, anular o título extra judicial em que se baseia a Execução e considerar inválido o documento que justificou a Ação  Monitória é evidente que todas as multas, indenizações e honorários punitivos serão indevidos.

Suponha agora que as multas, indenizações e honorários punitivos já tenham sido pagos quando da rescisão da sentença. Neste caso o vitorioso autor da rescisória será obrigado a cobrar aquilo que foi apressadamente obrigado a desembolsar pelo Juiz de primeira instância. A justiça que foi rápida para prejudicar o devedor/autor da rescisória será lenta para compensá-lo mesmo quando ele estiver certo. Portanto, falta ao novo CPC o necessário equilíbrio.

Os honorários do advogado foram disciplinados no art. 85 do novo CPC. Eles serão fixados entre 10% e 20% do valor da condenação dependendo do zelo profissional, do lugar da prestação de serviço, da complexidade da causa e do trabalho realizado (85 §2º), exceto naqueles casos em que foram definidas regras específicas para a fixação da remuneração dos procuradores das Fazendas Públicas. Contudo, os honorários advocatícios serão obrigatoriamente de 10% nos casos de inadimplemento da sentença condenatória de pagar quantia certa (art. 523 §1º), são reduzidos a 5% na ação monitória (art. 701) e pode ser elevado a 20%  quando rejeitados os embargos à execução(art. 827, §2º).

Não me agrada a distinção dos prazos concedidos ao credor e ao devedor. O devedor tem prazo de 15 dias para impugnar o cumprimento da sentença (art. 525). Se o réu se antecipar e cumprir a sentença pelo valor que entende correto, o credor terá apenas 5 dias para impugnar os cálculos ofertados pelo devedor (art. 526). É evidente que as grandes empresas (Bancos e montadoras, por exemplo) se beneficiarão desta regra, transferindo para os credores o encargo de correr atrás do prejuízo. Como a maioria dos advogados não faz cálculos complexos, os contadores que os assessoram não terão o mesmo prazo concedido aos que prestam serviços às grandes corporações (especialmente se as sentenças continuarem demorando a ser publicadas).

Também não me agrada a distinção entre o cumprimento da sentença e a execução de título extra judicial. No primeiro caso todos os incidentes serão resolvidos nos próprios autos (art. 525); no outro o devedor e o terceiro deverão ajuizar Embargos de Terceiro (art. 674) e Embargos à Execução (art. 914). Contudo, o art. 525 §1º II, permite ao executado alegar sua ilegitimidade para cumprir a sentença nos próprios autos. Portanto, em tese o terceiro poderia ou não alegar sua ilegitimidade nos próprios autos. Suponha que ele faça isto.

Neste caso poderia o Juiz não resolver esta questão e prosseguir na execução contra o terceiro caso não seja interposto os Embargos de Terceiro? Penso que a resposta é não, pois o art. 518 obriga o Juiz a resolver todas as questões relativas à validade do procedimento de cumprimento da sentença. A legitimidade de parte é indispensável à validade deste. Além disto, o art. 330 II permite ao Juiz indeferir a inicial quando o réu for manifestamente ilegítimo. O exercício deste poder no início da Execução ou depois dele não é incompatível com o que consta do art. 798, do novo CPC.  



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