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Direito Comercial: da evolução histórica à moderna teoria da empresa

Direito Comercial: da evolução histórica à moderna teoria da empresa

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Deve-se sempre atentar aos fatores subjetivos que caracterizam o exercente de uma atividade que contribui com a economia e com o seu crescimento.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva analisar as fases de desenvolvimento do Direito Comercial até a moderna Teoria da Empresa.

Desde a idade média, quando as trocas de bens se intensificaram, estimulando sua produção, o comércio desenvolve fundamental e indispensável papel na sociedade. Porém, tal atividade, que no início parecia simples ato de permuta, acompanhada do desenvolvimento econômico, político e tecnológico e pelo processo de globalização, sofreu diversas mutações, desenvolvendo-se e adaptando-se às necessidades sociais de cada época.

Neste contexto, pretende-se analisar as três teorias que explicam o âmbito de atuação do Direito Comercial: teoria subjetiva, teoria objetiva e teoria da empresa, fazendo paralelo com o Direito Comercial brasileiro que, no ano de 2002, com a promulgação do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002), passou a regular o Direito de Empresa, abandonando o sistema tradicional consagrado pela primeira parte do Código Comercial de 1850 que, influenciado pelo Código Comercial Napoleônico, era baseado na teoria dos atos de comércio.


2. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA ATÉ O SURGIMENTO DAS CORPORAÇÕES DE MERCADORES

Apesar da escassez de dados que comprovem a existência de um direito comercial na antiguidade, é comum o entendimento doutrinário em afirmar que desde o Código de Hamurabi havia regras de natureza mercantis.

Em Roma o direito comum, o jus civile, era quem dava ao comércio as garantias que se faziam necessárias. Neste período ainda não existiam as corporações mercantis. Grande parte da doutrina afirma que a ausência dessas corporações foi a causa da inexistência de um Direito Comercial romano.

Por sua vez, na Grécia o Direito Comercial era baseado em usos e costumes.

Foi na idade média que o Direito Comercial começou a tomar forma definida. “Com a queda do Império Romano, no século V, em virtude da invasão dos bárbaros, dá-se a desorganização do mundo europeu, com amplas repercussões sobre o direito e o comércio” [1].

Devido a ausência de legislação regulamentatória, o regime feudal dificultou o tráfego mercantil, prejudicou intensamente o desenvolvimento do comércio, porém, não impediu que  desempenhasse o seu papel, mesmo que de forma tímida e despercebida pelo sistema político da época. Quando finalmente o ocidente se refez da turbulência causada pelas invasões bárbaras, o comércio prosperou e mostrou sua força.

Na Itália o comércio encontrou campo próspero, “tendo como bases fundamentais as corporações e as feiras, estas também desempenhando papel importante no desenvolvimento do Direito Francês” [2]. Com o surgimento das corporações de marcadores,“encontra o Direito Comercial as suas verdadeiras origens” [3].

O cônsules chefes das corporações tinham a função de aplicar as normas do instituto, visto que cada corporação era dotada de um poder legislativo e um poder judiciário.

Por seu prestígio em toda comunidade europeia, as normas das corporações de mercadores eram respeitadas por todos, até mesmo por aqueles que não estavam a elas filiados, tornando-se assim o direito comum dos comerciantes europeus. “As várias normas aplicadas pelos cônsules eram compiladas, juntamente com as decisões das assembleias e do conselho dos comerciantes, constituindo-se nos estatutos dos comerciantes. Daí a origem do direito singular: o jus mercatorum” [4].

Este período foi responsável pelo surgimento e aperfeiçoamento de importantes institutos do Direito Comercial como, por exemplo, a letra de câmbio, a compensação e o seguro. Esta fase, de natureza subjetiva, será melhor abordada no tópico seguinte.


3. TEORIA SUBJETIVA

De acordo com o analisado, foram os próprios comerciantes que fizeram surgir o Direito Comercial, editando as normas reguladoras de sua atividade. “Na Idade Média a intensificação das feiras nas cidades medievais fez surgir a profissão de comerciante e consequente a classe burguesa em contraposição à classe feudal. O direito comum não regulamentava a atividade comercial, posto que a profissão de mercador era considerada indigna pela igreja” [5].

Em consonância com o professor Rubens Requião, “nessa fase histórica que começa a se cristalizar o direito comercial, deduzido das regras corporativas e, sobretudo, dos assentos jurisprudenciais das decisões dos cônsules, juízes designados pela corporação, para, em seu âmbito, dirimirem as disputas entre comerciante” [6].

Este período era considerado subjetivo, pois somente os matriculados em determinadas corporações tinham sua atividade disciplinada pelo ordenamento comercial da época e estavam sujeitos a determinados privilégios que não cabiam aos demais.

Nesse sentido Rubens Requião expõe que, nesta fase tem-se o período “estritamente subjetivista do direito comercial a serviço do comerciante, isto é, um direito corporativo, profissional, especial, autônomo, em relação ao direito territorial e civil, e consuetudinário” [7]

Por haver institutos que não se adequavam a teoria puramente subjetiva e pela necessidade de se delimitar o conceito da matéria comercial, entre outros fatores, iniciou-se a formação e expansão da teoria sobre atos de comércio.


4. O DIREITO COMERCIAL E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS

Com a queda de Constantinopla em 1543, período que marca o início da Idade Moderna, dá-se o declínio das repúblicas italianas, que até aquela época possuía a hegemonia do comércio europeu. Dominação essa que passa, em um primeiro momento, para Portugal e Espanha, pois com o fechamento do caminho para o oriente precisava-se de novas saídas para o comércio, e esses países tiveram extremo sucesso na descoberta de novos acessos para desenvolverem e expandirem suas atividades mercantis. Foi o período das grandes navegações e do surgimento dos Estados Nacionais.

Vale ressaltar que, apesar de a Itália ter perdido a sua hegemonia no comércio, deve-se à Escola Italiana a mais completa obra sobre as leis e usos comerciais antigos.

Fazendo uma breve retrospectiva histórica, observaremos que durante a Idade Média a Europa estava dividida em feudos, completamente autônomos, e o Direito Comercial, de caráter subjetivo, era aplicado aos seus próprios criadores, os comerciantes, que se organizavam em corporações de classes. Com a unificação dos estados, ou seja, a criação dos Estados Nacionais, era imprescindível haver um Direito Comercial Nacional aplicável a todos os cidadãos e não mais um direito de classes isoladas, aplicável àqueles que nelas estavam matriculados.

No processo de unificação nacional da Inglaterra e da França a criação de normas que disciplinavam as atividades mercantis, apesar de precederem outros fatores também importantes na criação de um Estado Nacional, tomaram caminhos completamente distintos. Enquanto na Inglaterra a absorção da jurisdição das corporações mercantis pelos tribunais da Common Law é total, na França “as corporações dos comerciantes, paulatinamente, perdem competência jurisdicional para tribunais do estado nacional em gestação, mas continua a existir um direito fundado nos usos e costumes dos comerciantes e apenas a eles aplicável – caracterizado, portanto, pelo subjetivismo” [8].

O professor Fábio Ulhoa [9] explica que “o direito de tradição inglesa, ao contrário do de tradição romanística, desde este período, não conhece distinção entre atividades comerciais e civis”.

Com a formação dos estados nacionais e o consequente crescimento do poder central, as normas de Direito Comercial, antes resultantes de costumes, passaram a emanar do próprio Estado.  O direito mercantil adquiriu índole nacional, perdendo o caráter de um direito da comunidade internacional dos comerciantes [10].

A primeira ordenação especializada foi apresentada pela França em 1673, conhecida como o Código de Savary, versava sobre o comércio terrestre (comércio, indústrias e bancos).


5. TEORIA OBJETIVA

No período contemporâneo as corporações deixaram de existir e o Direito Comercial ganhou corpo próprio. Isto devido aos ideais da grande Revolução Francesa que, extinguindo privilégios da nobreza, deu grande vitória ao povo. Com isso não mais se justificaria as corporações de classes, além do mais, com o início do liberalismo, a liberdade de trabalho e indústria passou a ser uma segurança de todo cidadão.

Em 1791, a Lei de Chapelier, aboliu na França qualquer associação profissional, proclamando a liberdade do trabalho e do comércio. Com isso foi preciso uma reforma das ordenações que ainda continham velhos privilégios.

Depois de muito debate, influenciado pelo Código Civil de Napoleão de 1804, nasce na França, em 1808, o Código Comercial Napoleônico marcando o início da objetivação do Direito Comercial. A partir desse período, surgem normas jurídicas que passam a disciplinar atos de comércio e não mais corporações ou pessoas a elas filiadas. Sendo assim, qualquer um que pratique ato mercantil, exercendo dessa forma o comércio, passa a gozar de alguns privilégios concedidos por uma disciplina jurídica específica.

Para boa parte da doutrina o código napoleônico, por reproduzir parcialmente o direito anterior, já nasce ultrapassado. “Contudo, teve a virtude de haver construído um sistema objetivo, não mais considerando o direito comercial, como um direito dos comerciantes, porém o direito próprio dos atos de comércio enumerados pela lei” [11].

Em consonância com Lucíola Fabrete [12], “a proposta da teoria dos ato de comércio é alterar o modo de classificar o comerciante de subjetivista (aquele que estava matriculado), para um critério objetivista (atividade comercial)”.

Assim, nessa fase não importa se o comerciante está matriculado em alguma corporação de mercador. É a sua atividade que fará com que ele seja sujeito do Direito Comercial, passando então a ter direito a certos privilégios como, por exemplo, a falência e a concordata.

Depois da codificação francesa, vieram outros movimentos legislativos, como o Código Comercial Espanhol de 1829, o Código Comercial Português de 1833, o Código Comercial Italiano de 1865, o Código Comercial Alemão de 1861, entre outros – todos de caráter objetivo.

Uma das maiores dificuldades dessa teoria é conceituar, cientificamente, os atos de comércio. Verifica-se que, por não ter um conceito universal, essa conceituação fica a mercê de cada legislação, ou seja, é ato de comércio o que a lei aceitar como tal. Essa crítica não invalida o esforço da doutrina em tentar conceituar ou classificar os atos de comércio.

Citando Rocco, Fábio Ulhoa escreve o seguinte [13]: “Rocco inicialmente os distingue como atos intrinsecamente comerciais, para em seguida classificá-los em quatro categorias: compra para venda, operações bancárias, empresas e seguros. Nessas quatro espécies de atos de comércio, identifica então o elemento comum da troca indireta, isto é, a interposição na efetivação da troca”.

Essa dificuldade em estabelecer um conceito jurídico ou científico do que seria ato de comércio, tomou a teoria objetiva lacunosa, deixando de abranger outras importantes atividades econômicas como, por exemplo, as de prestações de serviços. Diante da evolução de tais atividades é cada vez mais tendencioso a unificação do direito privado.

5.1 O Sistema Francês no Direito Comercial Brasileiro

Antes de abordar a influência e importância do sistema francês no Direito Comercial Brasileiro, oportuno estudar o período histórico em que o Brasil se encontrava no início do século XIX.

Em 1808, com a abertura dos portos às nações amigas, tem-se o marco inicial do Direito Comercial brasileiro. Este ato, apesar de provisório, deixou consequências econômicas irreversíveis. Neste mesmo período a Família Real portuguesa fugiu para o Brasil, acarretando diversas transformações políticas e econômicas na colônia. A partir daí foram editados importantes atos que disciplinavam o comércio.

Em 1821, com o retorno de D. João VI para Portugal, o Brasil estava pronto para se tornar uma nação independente economicamente, surgindo assim o Estado Brasileiro. Em 1822 dá-se o grito de independência. Daí em diante passou-se a aplicar as leis portuguesas, vigentes em Portugal na data do retorno de D. João VI, no Brasil.

De acordo com Fábio Ulhoa [14], “o Brasil vivia, então, uma época de crescimento econômico, chegando a ser mais atraente que certos lugares da Europa. Tanto assim que o próprio rei português adiou quanto pode seu regresso”.

Com uma economia em real expansão, o Brasil precisava de um Código Comercial próprio para suprir as lacunas até então existentes. Em 1850 D. Pedro II aprovou o projeto de Código Comercial Brasileiro que, como veremos, sofreu forte influências do Código Napoleônico baseado na teoria dos atos de comércio.

Apesar de não utilizar a expressão atos de comércio, deixando para um regulamento próprio a definição de mercância, o Código Comercial Brasileiro de 1850 inspirou-se diretamente no Code Commerce, trazendo para o direito nacional o sistema francês de disciplina privada da atividade econômica.

Por exigir que os comerciantes se matriculem no tribunal de comércio, parte da doutrina diz que o código retorna ao sistema subjetivo, sendo, no entanto, um sistema misto.


6. TEORIA DA EMPRESA

Na Itália, uma das grandes preocupações dos doutrinadores, em relação a bipartição da disciplina privada da economia, era o fato de os consumidores estarem sujeitos a normas elaboradas a partir de atos mercantis e desenvolvida por quem praticava esses atos, ou seja, os comerciantes. “Em 1842, o codice civille passa a disciplinar, na Itália, tanto a matéria civil como a comercial, e sua entrada em vigor inaugura a última etapa evolutiva do direito comercial nos países de tradição romanística” [15]. Esse modelo encontra a sua síntese na teoria da empresa que, simplesmente, desloca as fronteiras entre os regimes civil e comercial.

Como já analisado anteriormente, o sistema francês ou teoria dos atos de comércio, falha por não abranger atividades econômicas tão ou mais importantes que o comércio de bens como, por exemplo, a prestação de serviços, a agricultura, a pecuária e a negociação imobiliária.

O cerne dessa teoria está nesse ente economicamente organizado que se chama “empresa”, a qual pode se dedicar tanto a atividade eminentemente comerciais como atividades de prestação de serviços ou agricultura, antes não abrangidas pelo Direito Comercial. Para a teoria da empresa todo empreendimento organizado economicamente para a produção ou circulação de bens ou serviços está submetido à regulamentação do Direito Comercial [16].

Neste período, o núcleo conceitual do Direito Comercial deixa de ser o “ato comercial”, e passa a ser a “empresa”.

Esta teoria também é denominada de conceito subjetivo moderno porque deslocou a incidência do Direito Comercial de uma atividade para uma pessoa: o empresário (empreendedor), seja ele pessoa física ou jurídica [17]. Qualquer atividade econômica pode ser organizada sob a forma de empresa.

6.1. O Sistema Italiano no Direito Comercial Brasileiro

Como visto, o Código Comercial Brasileiro de 1850 é fundado na teoria dos atos de comércio.  Com o desenvolvimento econômico surgiram diversas atividades que apesar de muito importantes para a economia não estavam disciplinadas pelo Direito Comercial, pois não se enquadravam na teoria dos atos de comércio.

Durante o século XX ocorreram vários debates na tentativa de unificação do direito privado, dentre eles o projeto de código civil de Miguel Reale de 1975. Período em que a doutrina brasileira começou a estudar, com mais afinco e atenção, o sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica. A partir de 1990 começaram a surgir leis que nada mais tinham haver com a teoria dos atos de comércio como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor (1990), a Lei de Locações (1991) e a Lei de Registro do Comércio (1994).

Finalmente, no ano de 2002 se conclui o processo de aproximação do direito privado brasileiro com o sistema italiano. Esse fato se deu com a aprovação do projeto de código civil de Miguel Reale. Diploma jurídico inspirado no Codice Civille que, adotando expressamente a teoria da empresa, filiou-se ao sistema italiano.

6.2. Empresa

Em linhas gerais, de acordo com a definição de empresa dada por Asquini, tem-se quatro perfis: Perfil Subjetivo (a empresa é o empresário); Perfil Funcional (a empresa é uma atividade); Perfil Objetivo (a empresa é um conjunto de bens); Perfil Corporativo (a empresa é uma instituição).

O Código Civil Brasileiro não conceituou empresa. Diante da definição de empresário dada por este dispositivo (exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços), cabe a doutrina a complexa função de definir o que seja empresa – a atividade exercida pelo empresário. Relacionando-se, somente, com o perfil funcional de Asquini.

Baseado no conceito de empresa, oferecido pelo Código Civil, o professor Fábio Ulhoa [18] conceitua empresa da seguinte forma: “empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa)”.

Todos esses elementos – ATIVIDADE ECONÔMICA ORGANIZADA PARA PRODUÇÃO OU CIRCULAÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS – intrínsecos no conceito de empresa, são essenciais para sua caracterização.

Por fim, tem-se o conceito analítico descritivo de empresa: “atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado. Exercida pelo empresário em caráter profissional, através de um complexo de bens”.

6.3. Empresário

De acordo com o artigo 966 do Código Civil, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”.

Empresário é quem exerce, profissionalmente, empresa. “O empresário é o sujeito de direito, ele possui personalidade, pode ele tanto ser uma pessoa física na condição de empresário individual quanto uma pessoa jurídica na condição de sociedade empresária, de modo que as sociedades comerciais não são empresas, como afirmado na linguagem corrente, mas empresários” [19].

Assim, como ocorre no conceito de empresa, cada elemento fornecido pelo conceito de empresário, é essencial para sua caracterização.

6.4. Estabelecimento

De acordo com o artigo 1.142 do Código Civil brasileiro “considera estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, ou por sociedade empresária”.

Sendo assim entendemos que estabelecimento é o conjunto de bens que o empresário utiliza para exercer sua atividade econômica. Esses bens podem ser corpóreos ou incorpóreos. Como exemplo do primeiro podemos citar: as mercadorias do estoque, mobiliário, equipamentos, prédio, maquinaria etc. Já os incorpóreos são: as patentes de invenção, marca registrada, nome empresarial, título do estabelecimento etc. São bens que viabilizam o exercício da atividade do empresário, “ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos. Alguns autores usam a expressão “aviamento” para se referir a esse valor acrescido” [20].

O estabelecimento empresarial é um bem do patrimônio do empresário, sendo assim, os elementos que os compõem não são considerados, quando analisados isoladamente, como estabelecimento. Até certos limites se admite que seja desagregado algum desses elementos sem que com isso o estabelecimento tenha seu valor diminuído. Porém, ultrapassado esses limites corre o risco de desconfigurar o estabelecimento empresarial acarretando em sua extinção.

É importante frisar que não se confunde o local do exercício da atividade ou até mesmo o ponto comercial com estabelecimento empresarial. Vimos que o conceito de estabelecimento é mais amplo, abrangendo esse e outros bens que se façam necessários para que o empresário exercite sua atividade – a empresa.


7. O PAPEL DOS PROFISSIONAIS EXERCENTES DE ATIVIDADES INTELECTUAIS NO NOVO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO

Como já visto, o Código Civil brasileiro, no seu artigo 966, considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Porém, o parágrafo único deste artigo faz uma ressalva em relação aos profissionais exercentes de atividades intelectuais.

De acordo com o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil, “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

Sendo assim, o exercente de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, mesmo que contrate empregados para auxiliá-lo em seu trabalho não é considerado empresário. “esses profissionais exploram, portanto, atividades econômicas civis, não sujeitas ao Direito Comercial. Entre eles se encontram os profissionais liberais (advogado, médico, cientista, arquiteto etc), os escritores e artistas de qualquer expressão (plásticos, músicos, atores etc)” [21].

A exceção do parágrafo único do artigo 966 que diz: “salvo se o exercício da profissão constitui elemento de empresa”, é exemplificada com o caso do médico que, trabalhando em sua clínica, sendo auxiliado por alguns empregados, atende seus pacientes prestando um serviço resultante de sua atividade intelectual, e por isso não é considerado empresário. Entretanto, se este mesmo médico passa a organizar os fatores de produção, contratando mais funcionários como, por exemplo, outros médicos, enfermeiros, contador, advogado etc, consecutivamente fazendo com que as pessoas que procurarem aquele clínica ou hospital não estejam mais interessadas no atendimento individual derivado da atividade intelectual daquele médico e sim nos serviços médicos ali prestados, com isso ele passa a constituir elemento de empresa, tornando um empresário e estando sujeito ao Direito Comercial.


8. EMPRESÁRIO RURAL

Existem dois tipos de atividades rurais: a familiar, que é considerada de subsistência e a agroindústria ou agronegócio, onde se emprega tecnologia avançada, mão de obra assalariada, especialização de culturas, grande área de cultivo etc. No caso da primeira, o seu exercente não é considerado empresário e não há necessidade de fazer registro na Junta Comercial. Em se tratando de agronegócio, o artigo 971 do Código Civil reservou a possibilidade de requerer sua inscrição na Junta Comercial, sendo o seu exercente considerado empresário, estando assim submetido às normas do Direito Comercial.


9. PRIVILEGIOS

Como visto, desde a época em que o Direito Comercial disciplinava somente as atividades e os associados de determinadas classes, umas de suas principais características eram os benefícios e privilégios cedidos aos comerciantes, benefícios esses que são constantemente questionados e criticados pela doutrina.

Com a evolução do Direito Comercial, essa ciência sofreu diversas mutações tanto objetivas como subjetivas. Porém os benefícios concedidos aos comerciantes como, por exemplo, a falência e a concordata, estiveram presentes em todas as fases.

Pela grande contribuição que o comerciante, com a sua atividade, presta à sociedade e até mesmo pelo risco que ela oferece, esses benefícios, obedecendo certos limites em relação aos consumidores e fornecedores, são extremamente necessários para garantir que se continue a desempenhar tão importante função social – o comércio.


10. CONCLUSÃO

Da análise do desenvolvimento histórico do Direito Comercial verifica-se que sua essência não se encontra em conceitos, os quais, devido o correr do tempo, podem disciplinar temas já inexistentes ou simplesmente não mais praticados. A essência do Direito Comercial está no comerciante e na sua atividade, que hoje costumou-se chamar de empresa. Essas duas figuras constituem o arcabouço da sociedade, são elas que movimentam, que fazem girar o mercado econômico.

O Novo Código Civil brasileiro ampliou a figura do comerciante para todos aqueles que desenvolvem atividade econômica organizada. Sem falar das questões que ainda precisam ser debatidas, tem-se um grande avanço em relação a realidade atual. Porém, deve-se sempre atentar aos fatores subjetivos que caracterizam um sujeito como aquele exercente de uma atividade que contribui com a economia e com o seu crescimento, não se deve viciar em conceitos elaborados em determinado momento histórico, sem a devida contextualização da realidade prática. Levando em conta esses fatores, pode-se afirmar que “empresário se é, empresa se exercita, e estabelecimento se tem”.


11. BIBLIOGRAFIA

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WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.


12. NOTAS

1- DORIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17.

2- NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

3- DORIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17.

4- DORIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 18.

5- NERILO, Lucíola Febreten Lopes. O Direito Empresarial superando o arcaico sistema dos atos de comércio. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos>. Acesso em: 19 de março de 2004.

6- REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 10.

7- REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11.

8- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13.

9- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13/14.

10- DORIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 20.

11- DORIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21.

12- NERILO, Lucíola Febreten Lopes. O Direito Empresarial superando o arcaico sistema dos atos de comércio. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos>. Acesso em: 19 de março de 2004.

13- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 15.

14- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 22.

15- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 17.

16- MACHADO, Daniel Carneiro. O Novo Código Civil Brasileiro e a Teoria da Empresa. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos>. Acesso em: 19 de março de 2004.

17- NERILO, Lucíola Febreten Lopes. O Direito Empresarial superando o arcaico sistema dos atos de comércio. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos>. Acesso em: 19 de março de 2004.

18- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 19.

19- TOMAZETTE, Marlon. A Teoria da Empresa: o novo Direito Comercial. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos>. Acesso em: 19 de março de 2004.

20- COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 57/58.

21- COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 16.


Autor

  • Eujecio Coutrim Lima Filho

    Delegado de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA, BA). Graduado em Direito pelo IESUS (BA). Professor de Direito Processual Penal na UNIFG (BA) e na FAVENORTE (MG). Professor nos cursos de pós-graduação da UNIFG/UNIGRAD (BA) e da ACADEPOL (MG). Ex-Advogado. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de obras jurídicas. Colunista do Canal Ciências Criminais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Eujecio Coutrim. Direito Comercial: da evolução histórica à moderna teoria da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4339, 19 maio 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39132. Acesso em: 18 abr. 2024.