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Violação da ampla defesa no processo penal militar: interrogatório do acusado em primeiro ato na ação penal militar

Violação da ampla defesa no processo penal militar: interrogatório do acusado em primeiro ato na ação penal militar

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Este artigo discorre sobre a violação à Ampla Defesa e ao Contraditório, na inquirição do réu no processo penal militar como primeiro ato processual, na forma do artigo 302 do CPPM.

No atual estado democrático de direito, erigido a partir da carta política de 1988; foi alçado à nível direito e garantia fundamental o instituto da Ampla Defesa e do Contraditório, irradiando-se este postulado para além da processualística penal, alcançando também o processo administrativo e até as relações civis, conforme postulado no art. 57 do códex civil de 2002.

O art. 5º da Lei Maior, assegura em seu inciso LV que, para além da Ampla Defesa e do Contraditório, estão assegurados os meios recursais a eles inerentes; ou em outras palavras, o direito ao duplo grau de jurisdição, que possa reapreciar o que foi postulado no exercício de defesa do litigante, e que não foi acolhido no juízo a quo, desaguando, portanto, a ação penal na seara recursal.

Mormente aos ditames constitucionais ora referenciados, vê-se que a Lei nº 11.719/2008 alterou o Código de Processo Penal, primando pelo interrogatório do acusado como último ato processual; conforme vê-se a seguir, com a nova redação do art. 400, do Estatuto Processual Pátrio.

Art. 400 – Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se em seguida, o acusado. (grifo nosso).

Faz-se mister, também, destacar que o próprio Código de Processo Penal Militar aduz, em seu art. 3º, o reconhecimento da aplicação subsidiária da Lei Processual Comum, das Jurisprudências e dos Princípios Gerais de Direito, cuja aplicação faz imperiosa na questão em tela, diante da latente falta de recepção do art. 302, do Códex Processual Militar, frente à Constituição Federal de 1988. Vejamos:

Art. 302 – O acusado será qualificado e interrogado num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após o recebimento da denúncia; e, se presente a instrução criminal ou preso, antes de ouvidas as testemunhas. (negritamos).

Assim, deduz-se que, ao ser postulado pela defesa do acusado o deslocamento do seu termo de qualificação e interrogatório para o derradeiro ato processual, visando lhe garantir a plenitude de defesa, após ciência de todo rol acusatório que se direciona em desfavor de seu cliente, estará seu procurador buscando assegurar-lhe a defesa plena, frente a tudo que já está devidamente postulado na acusação; podendo a negativa por parte do juízo militar em atender o pleito de defesa ensejar em imediata impetração de Habeas Corpus em favor do réu, por limitar esta garantia fundamental.

Nesta seara, faz-se mister citar a posição do STF, no julgado a seguir, conforme foi disposto na obra de Fabiano C. Prestes e Mariana Lucena Nascimento, op. cit. página 121:

PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. ATO QUE DEVE PASSAR AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇAÕ DO ART. 400 DO CPP. PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AÇÃO PENAL Nº528, PLENÁRIO). ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. 2. A máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art. 5º LV), dimensões elementares do devido processo legal (CRFB), art. 5º LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º caput) impõe a incidência da regra geral do CPP também no processo penal militar, em detrimento do previsto no art. 302 do Decreto-lei nº 1002/69. precedente do Supremo Tribunal Federal (Ação Penal nº528 AgR, rel.Min. Ricardo Lewandowisk, Tribunal Pleno, em 24/03/2011, Dje-109 divulg. 07-06-2011). 3. Ordem de habeas corpus concedida (STF HC n.115698/AM. 1ª Turma. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 25/06/2013). (grifo nosso).

Logo, malgrado a posição sumular do STM editada em 04 de janeiro de 2013 (súmula nº15) manifestar entendimento contrário: “A alteração do art. 400 do CPP, trazida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que passou a considerar o interrogatório como último ato da instrução criminal, não se aplica a Justiça Militar da União”, vê-se que tal verbete não se coaduna com a lúcida visão do Pretório Excelso.

Na esteira deste entendimento e na lição do Defensor Público Federal, João Roberto de Toledo, o Código de Processo Penal Militar é anacrônico e carecedor de urgente reformulação (Revista Consultor Jurídico, 21 de abril de 2011).

Todavia, além do descompasso atual da norma castrense, há que se destacar a concepção doutrinária que tal diploma foi recepcionado como lei ordinária, e que não se reveste das garantias do princípio da especialidade, pois não é norma de direito material.

Sob outra ótica, também se pontua que o direito ao silêncio do acusado no ato inicial do interrogatório jamais poderá ser interpretado em seu prejuízo, pois carente ainda estaria da ciência de tudo que pesa em seu desfavor e que fora arrolado pela acusação, valendo-se do princípio acolhido pelo nosso ordenamento jurídico “Nemo Tenetur se Detegere”, que resguarda que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, aludindo desta forma ao entendimento de que, como o interrogatório não respeitou os ditames constitucionais, assim estaria contaminado por um vício insanável, consistindo aquele ato em prova ilícita no convencimento do magistrado, devendo-se desentranhar tal prova dos autos, caso não contamine todo o processo.

Ainda na seara da inquirição do acusado, prudente se faz a lição de Guilherme Souza Nucci, no tocante aos comentários acerca da obrigatoriedade do interrogatório no art. 302 do CPPM.

Durante o curso do processo penal, que segue até o trânsito em julgado da decisão condenatória ou absolutória, a autoridade judiciária de 1º ou 2º grau, a qualquer momento, fora do instante próprio, que é o da realização da audiência de instrução e julgamento, pode ouvir o réu. (NUCCI, Guilherme de Souza, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR COMENTADO, pág. 302, Editora Revista dos Tribunais, 2013). (destacamos negrito).

Em outras palavras, e discorrendo sobre o douto entendimento do autor citado, poderá o magistrado poderá, a qualquer momento, no curso do processo, ouvir o acusado, sendo, ao que nos parece, mais adequado, conforme já postulado em outras linhas, que isto se dê ao termino do processo, consubstanciando-se em último ato processual, depois de ouvida a vítima (se houver), testemunhas e peritos, bem como encerrada a acusação, para que, assim, o exercício da defesa seja realmente pleno.

No azo, encerro o entendimento com arremate das palavras do Ministro Luiz Fux, que assim discorreu no HC nº115.698/AM:

Por estas razões voto no sentido de conceder a ordem pleiteada para “reconhecer a nulidade absoluta da decisão do CPJEx, que indeferiu o pleito de realização de interrogatório ao final da instrução criminal, e, por consequência, permitir o exercício da autodefesa do paciente por meio do interrogatório antes da sessão de julgamento, com aplicação subsidiária das regras previstas na Lei nº 11.719/08, ao rito ordinário castrense” (grifamos).

Em fato, e por tudo, nec plus ultra.


Referências.

BRASIL. Legislação. Constituição da República Federativa do Brasil. Sítio do Planalto. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/>.Acesso em: 03/07/2015.

BRASIL. Legislação. Decreto-lei nº1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Sítio do Planalto. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/>.Acesso em: 03/07/2015.

BRASIL. Legislação. Decreto-lei nº1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Sítio do Planalto. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/>.Acesso em: 03/07/2015.

TOLEDO, João Roberto de. O interrogatóro deve se dar ao fim da instrução. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/>.Acesso em: 02/03/2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Militar Comentado. Revista dos Tribunais. 2013.

PRESTES, Fabiano Caetano. NASCIMENTO, Mariana Lucena. Direito Processual Penal Militar. Coleção Resumo Para Concursos. Editora Juspodivum, 2ª Edição. 2015.

LOUREIRO NETO, José da Silva. Processo Penal Militar. Editora Atlas, 6ª Edição. 2010.

__________ . SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 115.698/AM. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>.Acesso em: 07/07/2015.


Autor

  • Walber Medeiros

    Bacharel em Segurança Pública, Bacharel em Direito, Pós-graduado Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, Pós-graduado em Ciências Jurídicas, Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal e Pós-graduando em Processo Civil.

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