Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/40696
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Direito eleitoral e reforma política

Sugestões legais, jurisprudenciais e culturais à ótima concretização dos direitos de candidatura e de voto

Direito eleitoral e reforma política: Sugestões legais, jurisprudenciais e culturais à ótima concretização dos direitos de candidatura e de voto

Publicado em . Elaborado em .

A reforma política deve preservar a efetividade do direito de candidatura e assegurar estabilidade ao decidido pelas urnas populares, com maior respeito ao direito político fundamental de voto.

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS À REFORMA POLÍTICA EM CURSO E AO DIREITO ELEITORAL:

A reforma política em debate no Congresso Nacional neste meado de 2015[1] aprovou o fim da reeleição para mandatos de Presidente, Governador e Prefeitos, não incidindo sobre as eleições de 2016 e 2018. Ou seja, a mudança da regra eleitoral constitucional valerá apenas para as eleições de 2020 e 2022, caso seja aceita em ambas as casas legislativas, após finalização do processo de emenda constitucional. E os mandatos, para todos os postos eletivos, serão de cinco anos. Também aprovou a doação de pessoas jurídicas para os partidos políticos. Essas pessoas não podem doar para os candidatos diretamente. Para esses, só poderão fazê-lo as pessoas físicas. Foi aprovada cláusula de barreira para divisão do tempo de rádio e televisão somente com partidos que tiverem pelo menos um mandato conquistado na Câmara Federal ou no Senado. A idade mínima para deputados federais e estaduais foi reduzida para 18 anos e para governador, vice-governador e senador para 29 anos. A data das posses de governador foi alterada para 04 de janeiro e para presidente para 05 de janeiro. Foi incluída regra infraconstitucional vigente no texto da reforma: fidelidade partidária, com perda de mandato para quem migra de partido, salvante hipóteses de “grave discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa praticado pela legenda.” Ainda no texto da emenda foi aprovada diminuição da quantidade de assinaturas para projetos de lei de iniciativa popular, fixadas em 500 mil, devendo essas assinaturas ser colhidas no mínimo em cinco estados da federação. Também diminui a adesão em cada estado para 0,1% dos eleitores.

Não se aprovou o fim do sistema proporcional para eleição de deputados, para a qual queria se instituir o sistema majoritário. Foram rejeitadas as propostas de unificação de eleições, fim das coligações em eleições proporcionais, cotas para mulheres nas casas legislativas, voto facultativo e a possibilidade de dupla candidatura, ou seja, a possibilidade de um candidato disputar, simultaneamente, eleições majoritárias (prefeito, governador, presidente da República e senador) e proporcionais (vereador e deputado).

Tudo isso foi aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados e deverá sofrer votação em segundo turno na primeira semana de julho de 2015. Depois terá que passar, em dois turnos de votação, pelo Senado Federal. Na “Câmara Alta” da República especula-se que muito do que foi aprovado ou rejeitado na “Câmara Baixa” sofrerá alterações significativas.

Não obstante a importância dos temas que estão sendo debatidos e tomam a atenção de nossos congressistas, entendemos que a grande reforma política a empreender é a reforma do jus positum eleitoral, a reforma do direito material e processual eleitoral vigente, tanto em seus aspectos legais, quanto jurisprudenciais e mesmo culturais. Isso por que temos constatado um “mar revolto de insegurança jurídica” quanto ao resultado das escolhas realizadas pela soberania popular, em qualquer âmbito de circunscrição eleitoral, notadamente na municipal e na estadual.

Há uma verdadeira corrida de obstáculos para o candidato e o partido político sofrerem para transformar votos em mandato: o candidato escolhido em convenção partidária e que teve seu nome levado a registro, não tem certeza se seu registro permanecerá hígido até a data da eleição; eleito, a depender das impugnações que venha a sofrer (AIRC, AIJE, Representação eleitoral), não tem certeza se conseguirá ser diplomado; diplomado, não tem certeza se tomará posse, sempre a depender das ações eleitorais (AIME, Recdiplo, AIJE do 30-A), das decisões judiciais tomadas e a fase processual em que se encontram; se tomar posse, não tem certeza se cumprirá o mandato inteiro; se cumprir o mandato, não tem certeza se estará elegível para a próxima eleição.

Este estado de insegurança jurídica no processo eleitoral vigente é fruto da crescente judicialização das eleições, o que tem tirado a própria imediatidade do voto do eleitor, especialmente quando se aceita a eleição indireta, se a vacância com causa eleitoral ocorrer no segundo biênio, no caso dos mandatos para chefia dos executivos. Ou mesmo a vitória do segundo mais votado nas eleições majoritárias, caso o primeiro colocado não tenha atingido mais de 50% dos votos válidos – o que malfere, ao nosso sentir, o princípio majoritário.

Isso tem feito, muitas vezes, periclitar a democracia representativa[2], especialmente os dois pilares fundamentais de sua existência: os direitos fundamentais políticos de voto e de candidatura.

No amplo espectro desses problemas, o Direito Eleitoral (tanto de lege lata, quanto de lege ferenda), para ser instrumento de proteção, garantia e homenagem da democracia representativa (e consequentemente, dos direitos de voto e de candidatura), precisa de uma construção técnico-dogmática que se enraíze, primeiro, no conjunto de regras, princípios, direitos e instituições a ela ligadas, positivadas na Constituição da República, notadamente no sistema de direitos fundamentais, nos quais se encontram os direitos fundamentais de candidatura e voto[3], chamados, inadvertidamente, e em termos ordinários, de capacidade eleitoral passiva e capacidade eleitoral ativa.

A falta de um diálogo do Direito eleitoral, da Justiça eleitoral, da jurisprudência e da doutrina eleitoral brasileira com a Constituição, a teoria dos direitos fundamentais e os adequados métodos de interpretação constitucional contemporâneos, e mesmo o desapego aos clássicos métodos de interpretação literal, sistemático, histórico-evolutivo e teleológico, tem feito do Direito Eleitoral, na última década, uma instância sobrecarregada com as responsabilidades de atender os reclamos de uma falsa ideia de ineficiência punitiva do direito penal e mesmo do direito sancionador de improbidades. Querem alguns, sem o confessarem, que o Direito Eleitoral seja o “filtro moral da representação política brasileira”, em todos os níveis da federação.

Isso tem levado a justiça eleitoral, muitas vezes, a frustrar o ideário democrático (positivado em plena ditadura!), consagrado no artigo 1º, do Código Eleitoral: “Art. 1º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado.”

E frustra o ideário democrático pois a justiça eleitoral tem se tornado uma instância de interdição aristocrática da vontade das urnas, e, antes, dos direitos fundamentais de candidatura e voto. Somos o País das inelegibilidades positivadas em lei, para além da lei e contra constitutione. Em nosso País, o direito de candidatura, vale pouco, muito pouco, um direito pelo qual tantos já morreram em tantos lugares, como mostra a África do Sul e a história de Nelson Mandela e mesmo a experiência pela luta dos direitos civis de voto nos EUA, empreendida por Martir Luther King – e que seu histórico discurso de maio de 1957, “Nos deixem votar”[4] é um marco emblemático na história do voto popular e do direito de candidatura. O filme “Selma: uma luta pela igualdade”, que concorreu ao Oscar 2015, no qual se narra parte da luta empreendida por King, para se assegurar o direito de voto aos negros, esclarece ainda mais nossa assertiva.

No Brasil o direito político fundamental de candidatura, vale, em termos monetários contemporâneos, R$ 3,51 (podendo variar de R$ 1,05 a R$ 35,14). “Preço conferido” a esse direito pelo Tribunal Superior Eleitoral, quando pacificou esdrúxula jurisprudência[5], que restringe o direito candidatura, se o candidato, até 05.07, não tiver liquidado esse valor de multa, por não ter justificado, a tempo e modo, sua ausência na eleição antecedente ou anteriores[6]. Se pagar dia 06.07, já estará, para a disputa eleitoral, em termos práticos, inelegível...[7] Professores estrangeiros, iberoamericanos, que visitaram o Brasil, nos últimos encontros do qual participamos sobre direitos políticos no ano de 2014, não entenderam isso, e acharam que estávamos fazendo gracejo com esse direito... Mas poucos e muito poucos brasileiros sabem que isso é verdade, menos ainda sentem que “esse preço vil” demonstra uma situação tragicômica para nossa democracia.

Temos 883.000 eleitores com os direitos políticos suspensos (registro TSE 2013). Temos, em tese, mais de 350.000 pessoas inelegíveis, segundo a redação atual da lei da ficha limpa, tendo em conta o ano eleitoral de 2014 (fonte site TSE). Temos 250.000 presos provisórios, sem sentença ou sentença trânsita em julgado, que tem impossibilidade “prática” de votar. Cassamos muito mais do que 1.800 candidaturas eleitas, com processos eleitorais judiciais, de 2000 a 2015. Se o TSE mostrar os números oficiais dessas “cassações”, teremos resultados ainda mais surpreendentes. E não estamos a incluir o indeferimento de candidaturas não eleitas. Referimo-nos somente aquelas que foram cassadas no registro, diploma ou mandato, por causas diversas da ação de impugnação de registro de candidatura, ou seja, das representações eleitorais, ações de investigação judicial eleitoral, recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo.

Ministério Público Eleitoral e Justiça Eleitoral se vangloriam dos números de impugnações, de indeferimento de registros e suas cassações. Isso é ruim para a democracia, pois mostra-nos uma patologia, identificada na opinião pública como se isso fosse um bem, um valor, um “crescimento republicano”, e não se vê a questão como o ponto de declínio da nossa institucionalidade democrática e uma menos valia dos direitos políticos fundamentais que lhe alicerçam.

Estamos envoltos em moralismos de toda a ordem, especialmente no Direito Eleitoral, como nos adverte o mestre Adriano Soares da Costa, com a sua precisa crítica do que tem chamado de “moralismo eleitoral”[8], moralismo que apregoa, inconfessadamente, uma democracia sem voto, sem eleitores, com juízes platônicos, “filósofos”, decidindo no lugar do povo sobre quem deverá dirigir as cidades e estados de nossa federação.

Tendo em conta essas preocupações e norte de reflexão crítica, sugerimos adiante alguns pontos que possam melhorar a saúde dos direitos fundamentais políticos de candidatura e de voto em nossa democracia representativa.


II - REFORMAS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS DO DIREITO ELEITORAL

Para a melhor efetividade dos direitos fundamentais de candidatura e voto, discorreremos sobre alguns pontos de reformas que deverão ser positivadas no Direito Eleitoral, segundo nossa opinião submetida à intersubjetiva crítica dos leitores.

Para nós, insistimos, a principal reforma “política” reclamável pelos interesses legítimos de nossa democracia constitucional representativa é a reforma de nosso direito e instituições eleitorais, ou melhor, a que reclama a reforma do direito material e do direito processual eleitorais.

O Direito Eleitoral aplicado por nossos tribunais e as suas consequências sobre a validade das decisões populares é que deve ser objeto da mais atenta, séria e refletida reforma política. Ou seja, principalmente as formas jurídicas que positivam a intervenção da justiça eleitoral sobre a validade de registros, diplomas, mandatos e decisões dos colégios eleitorais. E o Direito Positivo, ou o direito aplicável, vai muito além do direito legislado, como demonstra a teoria jurídica[9] e nossas práticas forenses, para alcançar o direito fruto da jurisprudência e o método de compreensão, interpretação e aplicação judiciais do Direito Eleitoral entre nós.

Vejamos algumas dessas necessárias alterações legais ou jurisprudenciais reclamada para o bem dos direitos fundamentais de candidatura e de voto.

1º-Precisamos de um novo Código Eleitoral (que unifique a matéria eleitoral) e de um Código de Processo Eleitoral, no qual haja unificação de ritos, diminuição de prazos para o aforamento de ações em prol da preclusividade e da segurança jurídica do processo eleitoral e do respeito às decisões de soberania popular.

As “condutas vedadas” devem ter tempo reduzido para exercício do direito de ação ao dia da eleição ou até dez dias depois da ocorrência do fato[10]; assim como Ação de Investigação Judicial Eleitoral sobre abuso de poder econômico (e AIJE do 41-A), político e abuso dos meios de comunicação, até 15 dias após a data das eleições[11], com prazos decadenciais. Abusos cometidos antes do processo de registro deverão ser deduzidos em Ação de Impugnação de Registro de Candidatura e em seu prazo legal, sob pena de decadência, como defende, há muito, Adriano Soares[12] e já fora jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral[13].

2º-Devemos positivar regra processual que determine o acatamento de causas supervenientes que suspendam a inelegibilidade propriamente dita, e as que regularizem a quitação eleitoral (que levam a inelegibilidade prática), nos processos de registros (e nos que cassam registros e diplomas), até que se ultime a jurisdição eleitoral junto ao TSE, sendo de se assegurar (por regra legal ou por mutação jurisprudencial) a juntada de documentos e esclarecimentos até mesmo em sede de embargos de declaração ou em recurso especial[14]. Revogando-se a jurisprudência retrocessiva do TSE, que em 2012, no tema de eleições municipais, admitiu isso somente até a instância recursal ordinária do TRE[15]. Isso, sugerimos, para que seja aceito somente em manifestação da defesa do Réu Candidato, de seu partido ou coligação.

Recentemente, evoluiu a jurisprudência do TSE para dizer que até data da diplomação seria possível adução de tal causa superveniente[16]. Pensamos que deveria ser até se esgotar a jurisdição do TSE ou do processo eleitoral em si considerado, que pode compreender a apreciação do tema, em recurso extraordinário eleitoral, junto ao STF. Se não mudar a jurisprudência retrocessiva criticada, que a lei a fixe e assim tratará com mais segurança a matéria de causas supervenientes a suspenderem inelegibilidades e outras situações impedientes equivalentes (como a ausência de quitação eleitoral), eis que jurisprudência do TSE tem se mostrado instável – em vários temas, não só nesse.[17] Aliás, o TSE entendia que somente a inelegibilidade poderia se beneficiar das causas supervenientes à suspensão ou cancelamento de seus efeitos. Não estendia isso para as condições de elegibilidade, nos quais incluía as causas de falta de quitação eleitoral. Isso mudou recentemente, de modo positivo, para se admitir que as condições de elegibilidade, preenchidas supervenientes ao registro, possam ser levantadas para o seu deferimento, desde que se apresentem até o último lanço da fase recursal ordinária, não compreendida a de estrito direito.[18]

3º-Mandato para os juízes de tribunal de 06 anos, sem recondução, em qualquer hipótese. Isso nos dará maior estabilidade na jurisprudência eleitoral e eficaz aproveitamento da experiência do juiz que se tornou maduro na e para atividade juseleitoral. E que seja garantida a possibilidade de dedicação exclusiva do Juiz durante o mandato, ao menos ao Juiz tribunalício. Remuneração de quem não é juiz de carreira igual a quem é magistrado, com impedimento à advocacia, durante o tempo de magistratura eleitoral, tendo como parâmetro de vencimento, o vencimento médio entre os magistrados de carreira do tribunal eleitoral.

4º-O recurso especial eleitoral deve ter súmulas e hermenêuticas processuais próprias, devido às peculiaridades evidentes do processo eleitoral, que não comporta largamente ação rescisória (somente nos casos de decisão de inelegibilidade proferida pelo TSE). Resp que deve ter conformada, legislativamente, uma funcionalidade técnico-processual mais própria aos bens tuteláveis nos feitos eleitorais; que precisa ter princípios orientadores diferenciados, devido ao tempo de existência do objeto a que cuidam: mandatos populares e eleições, que tem prazo certo para se exaurirem.

Por exemplo: devem-se conhecer questões de ofício nos recursos de estrito direito na seara eleitoral, ainda que não tenha havido prequestionamento no tribunal “a quo”; e nas matérias que tratam de registro, diploma ou mandato, assim como inelegibilidade, é preciso admitir maior incursão na matéria fática da causa, sem óbices da súmula 7 – STJ , em prol do direito de voto e da candidatura eleita ou em disputa; isso pela ideia de favor rei, o in dúbio pro réu na seara eleitoral, que amalgama, no caso, o povo eleitor e seu candidato eleito ou em campanha, pois ao se nulificar um registro de candidatura, anulam-se todos os votos válidos dados ao candidato nas urnas.[19]

5º-Embargos declaratórios com efeitos rescindentes (modificativos) ou uso do mandado de segurança de maneira mais apropriada com tais fins, já que não existe ação rescisória contra decisões de todas as instâncias da justiça eleitoral, a não ser para as decisões do TSE que versem sobre inelegibilidade[20]. Que a lei ou a jurisprudência se encarreguem de positivar essas faculdades processuais, a bem de um devido processo legal eleitoral que preserve mais adequadamente os direitos fundamentais de candidatura e de voto.

6º-Previsão legal expressa do direito do réu de ser ouvido, após a oitiva de todas as testemunhas, bem como o direito de essas serem intimadas judicialmente, notadamente se a parte o requerer de maneira fundada. Como deflui de tratados internacionais, notadamente do Pacto de São José da Costa Rica, artigo 8º, 1, é direito da parte obter o comparecimento compulsório das testemunhas[21]. Como se encontra positivado no direito positivo processual interno, cabe a parte levar a testemunha, independente de intimação judicial[22], o que fere o seu direito à prova e ao devido processo legal, instituindo verdadeira inconvencionalidade na regra doméstica. O direito de serem intimadas judicialmente as testemunhas, nos processos eleitorais, é demais esclarecido na pena do jurista Marcelo Ramos Peregrino, em inovadora obra:

“O Artigo 5º da Lei das Inelegibilidades afasta o comparecimento coercitivo das testemunhas, retirando, do candidato, um meio absolutamente necessário para a prova em seu prol:

Art. 5° Decorrido o prazo para contestação, se não se tratar apenas de matéria de direito e a prova protestada for relevante, serão designados os 4 (quatro) dias seguintes para inquirição das testemunhas do impugnante e do impugnado, as quais comparecerão por iniciativa das partes que as tiverem arrolado, com notificação judicial.

No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[23], os Estados se  comprometem a assegurar o acesso a recurso a qualquer pessoa cujo direito tenha sido violado (...). Uma das garantias do Artigo 14 que merece transcrição:

e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e de obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação;

A Convenção Americana, em seu Artigo 8º, expressamente, aduz ser um direito da defesa:

f. direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;

No procedimento, cuja pena pode redundar em perdimento da capacidade eleitoral passiva por muitos anos, a impossibilidade de se coarctar testemunhas e peritos para comparecerem em juízo, é quebra insofismável do devido processo convencional.

Destarte, o procedimento formal estabelecido pela Lei das Inelegibilidades destoa, de forma incisiva, do conteúdo do bloco de constitucionalidade acima transcrito, ao impedir e privar o réu da ampla defesa e da convocação de testemunhas, devendo ser considerado inconvencional.” (PEREGRINO, Marcelo Ramos. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa- direitos políticos e inelegibilidades. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2015.  p. 210-211.

 7º-Previsão legal de que havendo empate em julgamento em que se discute a cassação de registro, diploma ou mandato, de candidato eleito, prevalecerá a decisão judicial que respeita o resultado do pleito obtido pelo voto popular ou de preservação do direito fundamental de candidatura, se antes da eleição. Exemplo concreto da problemática: há regra, no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, que apenas mantém a decisão recorrida, sem dizer do seu conteúdo[24]. Precisamos de mesma regra existente no processo penal que tutela a liberdade ambulatória[25], para o processo sancionador eleitoral, que deve bem proteger outra fundamental liberdade: a política.

8º-Necessitamos regra que proíba a mudança de precedentes, que vede a alteração da jurisprudência no curso do ano eleitoral, prejudiciais às candidaturas (eleitas ou não), tanto quando se tratar de preceito material ou de norma processual, para fim de se conferir ao princípio da anualidade eficácia paralisante não só em matéria legislativa, mas também na questão jurisprudencial.

Assim, necessário estabelecer regra processual que impeça a mudança de jurisprudência no curso da eleição que seja prejudicial ao direito de candidatura, por quaisquer de nossas cortes regionais eleitorais, TSE e STF. Regra que impeça que no ano da eleição se altere entendimento benéfico às candidaturas para in malam parte, com violação da segurança jurídica assegurada pelo artigo 16 da CF. Embora haja precedente do STF RE-637485, Rel. Gilmar Mendes, no sentido da proposição ora defendida, rico será ao Direito Eleitoral a positivação de norma legal expressa com esse teor garantista.[26]

A interpretação in bonam parte, que preserve o resultado da soberania popular, poderá retroagir como aplicação dessa garantia constitucional, como se faz em Direito Penal com a chamada lex mitior, ex vi dos artigos 2º[27] do Código Penal e 5º, XL[28], da Constituição da República. Ou seja, pode-se admitir a retroação benigna, mas não se pode permitir a retroatividade maligna da interpretação nova. Diante dessa premissa soa estranho julgamento recente do TSE[29], que não aplicou ao passado entendimento mais benigno, alegando óbice decorrente do princípio da segurança jurídica. Justamente a segurança jurídica é garantia para se proteger o grande plexo de liberdades do réu, e não para elevar a capacidade punitiva do Estado ou para abastecer as expectativas punitivas da Sociedade. Trata-se de uma garantia contramajoritária.

Essa garantia de uma interpretação ou aplicação de entendimento in bonam parte não pode ser desprezada no processo penal eleitoral não-criminal, devendo receber o mesmo tratamento do processo que aplica penas de liberdade ambulatória o processo que aplica penas políticas de AIJE (como são a cassação de registro, diploma e inelegibilidade, além da multa). O TSE, pelo seu plenário, em antológico julgado, de 21.05.15, afirmou: “As sanções eleitorais, embora não sejam propriamente criminais, enquadram-se no âmbito mais amplo do direito sancionador, de modo que a elas devem ser aplicados, naquilo que pertinente, os princípios penais e processuais penais.”[30]

Nesse viés, há que se atentar que não menos importante se mostram as liberdades políticas (especialmente candidatura e voto) e segurança processual, as quais, tal qual a liberdade individual ambulatória (protegível nos feitos criminais), hão de ser resguardadas e aplicadas em todos os processos judiciais. E para uma justa leitura analógica entre processo penal e processo civil eleitoral, nas quais essas liberdades estão em defesa, tem-se, inegavelmente, que aos acusados de delitos cíveis eleitorais devem ser aplicadas por completo as ordens legais que garantam suas amplas defesas e a segurança jurídica de suas posições de liberdade.

Exemplo que demonstra a necessidade dessa regra é o julgado “in malam parte” (por tal, retrocessivo) do TSE n. RO 401-37.2014.6.06.0000, de 26.08.14, Rel. Min. Henrique Neves[31], que tematizou o julgamento de contas publicas de prefeito pelo Tribunal de Contas e seus reflexos no plano do direito de candidatura[32].

Esse precedente ocorreu em 26.08.14, 51 dias depois do processo eleitoral iniciado, e menos de 40 dias antes das eleições, e após o prazo para que todos os processos de registro tivessem sido julgados em todas as instâncias da justiça eleitoral (21.08.14).

Ele corporificou mudança jurisprudencial, injustificado “overruling” que levou ao indeferimento de inúmeras candidaturas, cujos registros tinham sido deferidos em primeiro grau nos Tribunais eleitorais no ano de 2014[33]. Como exemplo, podemos indicar decisão monocrática no caso do RO 526-04/SC, em que atuamos como advogado da parte prejudicada no TSE: o candidato a deputado estadual, após ter obtido seu registro no TRE-SC, com base no entendimento consolidado antes de 26.08.14, teve seu registro indeferido por ato monocrático de Ministra junto ao TSE, que aplicou “a nova e prejudicial regra jurisprudencial” aos fatos pretéritos![34]

Ou seja, no ano de 2014, iniciada a propaganda eleitoral em 05 de julho, vigorava um entendimento, e em meados de agosto mudou o TSE a sua jurisprudência de sorte a confundir todas as previsões das candidaturas em curso, tornando incerta a atividade defensiva e o trabalho dos operadores do direito, mormente dos advogados e seus constituintes, assim como dos magistrados eleitorais das instâncias ordinárias.

Por tal situação, e outras mais, necessitamos de regra que já existe para o processo administrativo federal, e que deveria estar, mutatis mutandis, positivada no Código Eleitoral à preservação dos direitos fundamentais de candidatura e voto:

“Art. 2o (...).  Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de(...) XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Ou seja, deveríamos ter a seguinte normativa em nossa legislação eleitoral: “Nos processos eleitorais, notadamente os sancionadores, serão observados, entre outros, os critérios de interpretação da norma material ou da norma processual eleitorais da forma que melhor garanta proteção do direito de candidatura e de voto, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação se prejudicial a esses direitos fundamentais.”

9º-Maximação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo em conta a liberdade de candidatura e a soberania das urnas, com a proibição de uma ação eleitoral iniciar com uma imputação, sobre determinado crivo legal, e, após o debate processual e a sentença, no recurso, inaugurar-se outra classificação jurídica para os fatos, realizando indevidamente uma emendatio libeli eleitoral. Precisamos, nos pleitos eleitorais, afastamento da ideia de que o réu apenas se defende dos fatos, e não dá classificação jurídica, como em perspectiva crítica leciona o jurista Néviton de Oliveira Batista Guedes[35], em importante artigo divulgado em sua coluna Constituição e Poder, do site Conjur.

Exemplifiquemos: os casos em que as ações judiciais eleitorais discutem “conduta vedada”, com base no inciso VII do artigo 73 da Lei 9.504-97[36], gastos com publicidade. Como hipótese, vislumbremos ação em que todo o debate se deu desde a inicial à contestação, passando pela sentença, tendo como thema decidendum a média anual com gastos de publicidade. Dada a sentença de improcedência, recorre o autor, perspectivando “ex novo” o tema como abuso do poder político, do qual a conduta vedada seria espécie, e toma o teor da publicidade, sua qualidade - não mais como quantum de gastos -, para dizer que houve publicidade abusiva, violadora do artigo 74[37], da Lei 9.504, etc.

Ora, isso tem sido corrente em nossos tribunais eleitorais, até mesmo juízes procedendo de ofício a essa indevida “emendatio”, que pode trazer julgamentos inválidos pois serão extra petita, como demonstra um caso em debate no TSE, em que atuamos como defensores do vice-prefeito em chapa eleita e empossada, relativos à eleição de 2012: o Recurso Especial Eleitoral n. 336-45, de Brusque-SC, relator Min. Gilmar Mendes, em que se improveu o recurso para manter decisão de segundo grau que alocará o tema de abuso de poder econômico, ao lado do tema de conduta vedada.[38]

10º-Estabelecimento de regra que imponha o uso restrito e excepcional das presunções em matéria de prova no processo cível eleitoral, notadamente se os julgamentos se derem após as eleições e se tratar de candidatura eleita. É preciso restringir o alcance e o uso do artigo 23[39], da LC 64/90, que tem gerado abusos judiciais, notadamente em primeiro grau de jurisdição, para acolher presunções contra as candidaturas, notadamente as eleitas, para sanarem falhas das acusações advindas do ministério público, candidaturas ou partidos adversários aos réus.

Ao assim agir o juiz eleitoral deixa de ser o terceiro imparcial, por sobre as partes em conflito, e passa a integrar, de maneira inconfessa, o lado da persecução eleitoral, que só cabe aos autores das ações eleitorais. A imparcialidade da jurisdição periclita, quando isso acontece, quando a larga se utiliza o artigo 23 para se admitir fatos não alegados pelas partes ou se tirar conclusões baseadas em presunções sem base legal específica.

11º-Precisamos revogar todas as regras de inelegibilidades previstas na vigente LC 64/90 que contrastem com tratados internacionais de direitos humanos. A exemplo:

(i) as alíneas que prevejam a restrição do direito de elegibilidade com base em decisões fundadas em processos administrativos disciplinares[40] e de julgamento de contas públicas[41] ou de processos não penais;

(ii) positivação de regra legal de vedação para que não haja aplicação da lei ficha limpa a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência (04.06.10);

(iii) pedimos a revogação das hipóteses que preveem inelegibilidade nas demissões disciplinares ou exclusões dos órgãos de classe. Todavia, se mantidas pelo legislador, que se introduza a distinção de que só deve haver inelegibilidade apenas nas causas relacionadas com improbidade administrativa ou crimes previstos na legislação eleitoral que gerem inelegibilidade.

Os itens “i” e “iii” pelo fato de que a Convenção Americana de Direitos Humanos e a jurisprudência da Corte Interamericana preveem a impossibilidade de restrição do direito de elegibilidade com base em decisões fruto de processos administrativos[42].

Sabemos que desde 1990, com a Lei Complementar n. 64, tem se aferido inelegibilidades com base na alínea “g”[43] – hipótese de inelegibilidade apreciada pela justiça eleitoral tendo em conta o resultado do julgamento de contas públicas efetivado pela casa legislativa (Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa ou Congresso Nacional) ou tribunal de contas, cujo teor foi apenas alterado pela LC 135/10. E também sabemos que nunca se cogitou sequer da inconstitucionalidade de sua redação. Não se desconhece que há 25 anos a LC 64/90 trata de processo administrativo sancionatório a gerar inelegibilidades para candidaturas, sendo que o Poder Judiciário eleitoral, por sua cúpula máxima, o TSE, nunca entendeu inválida essa normativa, pois sob nenhum parâmetro ela foi questionada, seja o constitucional ou o convencional.

Mas afirmarmos a inconvencionalidade da alínea “g” pois há estudos recentes que apontam a possibilidade do controle de convencionalidade de qualquer lei[44] pelo Judiciário nacional, e, de outro, sobre a lei ficha limpa, que a contrastam com tratados internacionais de direitos humanos.

Estudo com o viés que abrange essas duas perspectivas é o do jurista catarinense Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, na obra o Controle de Convencionalidade da Lei da Ficha Limpa – direitos políticos e inelegibilidade. Aliás, Marcelo Peregrino, em aresto de sua lavra como juiz do TRE-SC (vaga dos juristas), foi o primeiro magistrado brasileiro a reconhecer, em precedente judicial, que é possível sim o controle de convencionalidade em processos judiciais eleitorais. Vejamos excerto do julgado, no qual atuamos como advogado suscitante do tema:

“(...). AUSÊNCIA DA OITIVA DO RECORRENTE E DE TESTEMUNHAS. INCIDÊNCIA NA ORDEM INTERNA DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA), DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E DO PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS - Status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, por força do art. 5º , § 2º  da CF/88. Possibilidade do controle de convencionalidade (doutrina de Flávia Piovesan e Cançado Trindade). Ausência de violação à ampla defesa e contraditório na falta de interrogatório do recorrente. Inteligência do art. 8º , 2, D, Convenção Americana de Direitos Humanos, art. X e XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 3º , "b" e "d" do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. (Precedentes STF e STJ RHC 7.463, rei. Min. Vicente Cernecchiaro). (...)” (Acórdão n. 28.812, RECURSO ELEITORAL N° 670-73.2012.6.24.0088. j. 14.10.13) (sublinhamos!)

O julgamento de contas pelos Tribunais de Contas e Câmaras de Vereadores, que pode gerar a inelegibilidade de agentes públicos na alínea “g”, é fruto de decisões tomadas em procedimentos administrativos e não procedimentos judiciais penais, como esclarece o publicista catarinense , em obra[45] a respeito de procedimento administrativo e julgamento de contas.

E processos administrativos disciplinares, de contas, de corporações profissionais são processos não-judiciais e que não podem gerar restrição a direito político fundamental de candidatura ou de voto. Isso por imperativo de garantia convencional. Vejamos o teor da norma parâmetro contrastada pela alínea “g” - parâmetro defluente do Pacto de São José da Costa Rica, que é direito interno para o Brasil, ex vi do Decreto Presidencial n 678, de 06.11.92:

“Artigo 23 - Direitos políticos:

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.”

E vejamos as normas da lei ficha limpa, que podem ser objeto de eventual controle de convencionalidade, e por tal, necessitam de revogação reparadora do Congresso Nacional:

 “Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: (...).

“g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

(..).

m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).”

O contraste entre esses dispositivos está no fato de que as normas nacionais eleitorais pressupõe processo administrativo de contas, disciplinar ou corporativo sancionador, e a normativa internacional exige a restrição ao direito à elegibilidade exclusivamente em face de decisão condenatória advinda de processo judicial penal. Ou seja, o Pacto não admite restrição a direito de candidatura com base em decisão tomada em processo administrativo, como é o caso dos julgamentos de contas públicas procedido pelos Tribunais de Contas e Câmaras de Vereadores, processos disciplinares e de corporações profissionais.

As normativas das alíneas “g”, “m” e “o” restringem o direito de elegibilidade, o direito político fundamental de candidatura, com base em decisões tomadas em processos administrativos. Daí resulta o contraste inconvencional. Por isso se justifica a necessidade de revogação dessas alíneas.

E nas hipóteses convencionais citadas, a elegibilidade, o direito de candidatura, não pode sofrer restrição com base em decisão condenatória definitiva tomada em processo administrativo, mas somente por decisão tomada em processo judicial, em processo sancionador penal desenvolvido perante Órgão do Poder Judiciário. O legislador e o juiz eleitorais estão vinculados ao cumprimento das convenções internacionais quando estas constituírem direito interno por atos legislativos legítimos, ex vi dos artigos 4º, II[46], 5°, § 2º[47], 49, I[48], 84, VIII[49], da Constituição da República c/c com o artigo 23, 1.b e 2., da Convenção Americana de Direitos Humanos (decreto presidencial n. 678, de 06.11.92).

A fundar nossa afirmação nos baseamos nas lições de  Marcelo Peregrino:

“A Corte Interamericana afirmou os limites da intervenção restritiva dos direitos políticos ressaltando a necessidade de obediência àqueles requisitos convencionais previstos no Artigo 23.2 da Convenção, ou seja, a mitigação somente pode ocorrer por “(...) idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal”:

´De acordo com o artigo 23.2. da Convenção se pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso 1 do artigo, exclusivamente pelas razões estabelecidas no inciso. A restrição deve encontrar-se em lei, não ser discriminatória, basear-se em critérios razoáveis, atender a um propósito útil e oportuno que a torne necessária para satisfazer um interesse público imperativo e ser proporcional a este objetivo. Quando há várias opções para alcançar esse fim, deve se escolher o que restrinja menos o direito protegido e guarde maior proporcionalidade com o propósito que se persegue. (tradução nossa)`.” (obra citada, p. 150).

O Judiciário e Legislador brasileiros estão comprometidos, no plano interno, a observar a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, verifiquemos o que tem decidido essa Corte Internacional sobre restrição ao direito de sufrágio passivo (direito de candidatura) baseado em decisões administrativas, tomadas por autoridades administrativas, em processos administrativos. Mais uma vez calha ler, com atenção, o que nos diz Marcelo Peregrino:

“A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso López Mendoza v. Venezuela, decisão de 11 de setembro de 2011, discutiu, exatamente, a inelegibilidade do autor para participar da vida política de seu país por decisão lavrada por autoridade administrativa (Controladoria-Geral da República da Venezuela[50]) nas eleições regionais de 2008. (...).

López Mendonza foi considerado inabilitado para o exercício de funções públicas. Posteriormente, o Conselho Nacional Eleitoral aprovou normas para as eleições, as quais afastavam a elegibilidade daqueles considerados interditados ou inabilitados para o exercício da função pública, sendo que 400 (quatrocentas) pessoas foram atingidas pela medida administrativa.

A Corte Interamericana deixou assentada a violação aos direitos políticos de López apontando a desobediência aos requisitos para a restrição deste direito fundamental no caso concreto (art. 23.2), em especial, a ausência da condenação por um juiz criminal, não sendo qualquer sanção possível de causar a inelegibilidade:

´En el presente caso, que se refiere a una restricción impuesta por vía de sanción, debería tratarse de una “condena, por juez competente, en proceso penal”. Ninguno de esos requisitos se ha cumplido, pues el órgano que impuso dichas sanciones no era un “juez competente”, no hubo “condena” y las sanciones no se aplicaron como resultado de un “proceso penal”, en el que tendrían que haberse respetado las garantías judiciales consagradas en el artículo 8 de la Convención Americana.´

(...).. En el presente caso, si bien el señor López Mendoza ha podido ejercer otros derechos políticos (supra párr. 94), está plenamente probado que se le ha privado del sufragio pasivo, es decir, del derecho a ser elegido.

En virtud de lo que antecede, la Corte determina que el Estado violó los artículos 23.1.b y 23.2 en relación con el artículo 1.1 de la Convención Americana, en perjuicio del señor Leopoldo López Mendoza.´

(...).

Outro caso muito interessante ocorreu na Colômbia e dizia respeito ao candidato a Prefeito de Bogotá, Gustavo Francisco Petro Urrego que teve seus direitos políticos suspensos por uma resolução, de natureza “disciplinar”, emitida pela Procuradora-Geral da Nação, que o destituiu e o inabilitou por 15 (quinze) anos, em face de alegadas irregularidades quando de sua administração como prefeito da mesma cidade. A Comissão Interamericana, assim, concedeu uma medida provisional suspendendo a decisão administrativa, em março de 2014, ressaltando a necessidade de preservação dos parâmetros convencionais para a restrição de direitos políticos.

(...).” (Obra citada, p. 255/259).

Assim, nos é lícito concluir: o direito de elegibilidade, o direito fundamental de candidatura, não pode ser restringido com base em decisão tomada em processo administrativo, como são o caso das decisões tomadas por tribunais de contas, processos disciplinares de servidores públicos ou processos ético-corporativos, mas somente por decisões extraídas de processos judiciais penais. Por isso que se apregoa a revogação dos dispositivos citados, como forma de se realizar, no plano interno, a eficácia da convenção americana de direitos humanos.

Sobre o tema da retroatividade da lei ficha limpa e seu contraste com os direitos humanos, o artigo 9º[51] da CADH - não obstante a declaração de constitucionalidade ocorrida nas ADC´s 29 e 30-STF - justifica a necessidade de revogação ou alteração jurisprudencial sobre o tema, no âmbito do TSE e STF. Mais uma vez vale lermos Marcelo Peregrino, no Controle de Convencionalidade da Lei da Ficha Limpa, páginas 231-246:

“Quanto ao Artigo 9º da Convenção, as dificuldades da Lei Complementar nº 135 se iniciam na sua aplicabilidade imediata colhendo referências e condutas passadas e, nos casos de condenação judicial, anteriormente fixadas pelo Poder Judiciário em definitivo, para se impor o alargamento do prazo da sanção de 3 (três) para 8 (oito) anos, ou seja, ofensa clara à coisa julgada.

(...).

Os contornos do Artigo 9º da Convenção, segundo a Corte Interamericana, não deixam dúvida quanto à inconvencionalidade da majoração mencionada face à sua superveniência ao fato, como se retira do precedente:Caso Vélez Loor vs. Panamá, 23 de novembro de 2010.”

12º-Introdução de regra na LC 64/90 que positive a modulação de pena entre 04 a 08 anos, e que haja a detração de tempo de inelegibilidade, quando o tempo final da pena for incerto, durante o exercício do direito de defesa pelo réu, nos processos de improbidade ou nos penais, tal qual sugerido no voto do Relator Ministro Luiz Fux, na ADC 30-STF, vencido nesta parte[52]. Não podemos tolerar a inelegibilidade processual, tão bem criticada e revelada por Adriano Soares, em seu afamado blog.[53]

13º-Limitação legal do número de fatos componentes da causa de pedir e do número de réus em ações eleitorais. Positivação de regras mais rigorosas para que se possa delimitar o cúmulo objetivo ou subjetivo de ações em processos eleitorais. Ou melhor: fatos que não guardem relação de tempo, circunstância, lugar, modo e concorrência de autorias, não deverão ser objeto do mesmo processo. Para tal se faz necessário também a previsão de regra que faculte o seccionamento do processo, seu desmembramento, a requerimento fundado das partes.[54]

14º-Asseguramento por lei, de até seis testemunhas por fato, para cada parte, notadamente por cada parte passiva, pessoa física, seja ela candidato ou não, para que não reste a acusação como a moduladora do direito de defesa do réu, diante dos fatos que alega e dos sujeitos que indicará no polo passivo do processo.[55]

15º-Sugerimos a revogação da alínea “i”, do inciso I, do art. 1º, da LC 64/90 (alterada pela LC 135/10)[56], que prescreve inelegibilidade sem qualquer processo judicial antecedente, por sua evidente violação a garantia constitucional do devido processo legal (5º, LIV, da CF). Pois comina pena sem juízo e sem processo - e sem a perspectiva de procedimento a se instaurar -, além de impor sanção sem prazo certo para exaurimento de seus efeitos. É patente a sua inconstitucionalidade em face da garantia constitucional e convencional do due process of law.

16º-Alteração da alínea “g” – caso não seja revogada totalmente -, que trata do julgamento de contas públicas nos processos oriundos do Tribunal de Contas, para elencar, fixamente, o rol de condutas que se enquadram como aptas a gerar inelegibilidade, sem que a justiça eleitoral, caso a caso, sem devido processo legal antecedente, decida, ad hoc, sobre improbidade dolosa, com base em material de instrução (provas e debate argumentativo) em que nunca se debateu improbidade, dolosa ou culposa.

A nosso ver há inconstitucionalidade a ser considerada, que nunca foi objeto de enfrentamento pela doutrina e  jurisprudência (as Adc´s n. 29 e 30 não a trataram, por ausência de debates judiciais em controle difuso), que diz respeito à violação aos artigos 2º e 5º, II, 14, § 9º da Constituição da República, dispositivos que tratam do princípio da reserva legal qualificada ou da legalidade estrita e da separação de poderes, eis que a alínea “g”, na forma positivada desde 1990 e alterado em 2010, delega indevidamente ao Judiciário eleitoral o direito de dizer, ad hoc, da ocorrência não só de improbidade como de inelegibilidade, sem que haja um critério jurídico seguro antecedente (regras jurídicas claras e taxativas, com os tipos hipotetizados das condutas), além de não haver um devido processo legal a lhe respaldar essa aferição no plano do Tribunal de Contas, pois nele não se discute, no feito administrativo, dolo e/ou improbidade.

Ocorre com a alínea “g” uma indevida delegação legislativa ao Judiciário e uma inconstitucional capitulação do dever de legislar por parte do legislador eleitoral, nos termos postos pela LC 135/10 e sua alínea “g”.

A norma instituída na alínea “g” é autorizativa de delegação ao Judiciário para “constituir/estatuir ´ad hoc´ inelegibilidades, e pode ser considerada norma objeto em juízo de constitucionalidade. A norma parâmetro para aferirmos sua inconstitucionalidade encontra-se no princípio constitucional especial da reserva legal qualificada para a definição de inelegibilidade (artigo 14, § 9º, da CR que exige lei complementar), que densifica o princípio constitucional geral da legalidade/liberdade (artigo 5º, II, da CR), o qual, por sua vez, dá consistência ao princípio constitucional estruturante do Estado de Direito[57] (artigo 1º, da CR).

Vejamos as razões que justificam nossa posição no que tange ao princípio da legalidade qualificada para a prática de atos judiciários e para a definição estrita de hipóteses de inelegibilidades.

Na ordem jurídica brasileira, irradiada pelo princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, as decisões mais importantes referentes às atribuições dos órgãos judiciários, ao atuar concreto dos membros da justiça eleitoral, aos caminhos a serem seguidos pelos juízes no desencargo de suas funções institucionais, cabem ao legislador, à lei, à legislatura.

À lei incumbe definir, com supremacia sobre qualquer ato normativo de cunho judicial, as hipóteses de configuração de ilícitos, inelegibilidades, competências, funcionamento e organização dos órgãos estatais. E essa definição deve conter um certo nível de segurança jurídica e determinabilidade que impeça o juiz de surpreender o cidadão com decisões jurídicas que não haviam sido queridas e/ou tomadas pelo legislador[58].

Assim, quando a lei especificar competências, definir restrições a direitos, ordenar atribuições, conferir modos de atuação às autoridades judiciárias, deve fazê-lo de tal maneira clara, precisa e determinada, que não enseje ao juiz, via sentença (ou acórdão), o direito de subverter a ordenação legislativa (o querer ordenante do legislador), ocasionando, com isso, a ocorrência do que a doutrina constitucional chama de cláusulas demissórias ou abdicatórias do poder de legislar.

Ou seja, não poderá o legislador instituir opções legais tão abertas a ponto de permitir ao juiz o exercício de delegação legislativa indevida, concedendo-lhe a faculdade de realizar, via  sentença, aquilo que somente ao ato legislativo cumpriria fazer. Ou melhor: é vedado definir a inelegibilidade “ad hoc”. Dizer se o ato “configurará” ou não hipótese de improbidade em processo de registro de candidatura, quando isto já deveria ter sido feito com precisão e certeza pelo legislador eleitoral, a quem caberia especificar, taxativamente, quais condutas ou grupo de condutas implicariam este juízo, como a lei fez ao definir os tipos de crimes que gerariam inelegibilidades.

Em outras palavras: quando houver cláusulas legais autorizando a delegação judiciária de competências legislativas (como a de estatuir inelegibilidade), essa autorização legal não deve ser tão exageradamente genérica e imprecisa a ponto de tornar inócuo o próprio regramento normativo estabelecido pelo legislador, que, por ato do juiz, poderá ser de todo subvertido.

Em nosso entendimento doutrinário a regra da alínea “g” incorre em tal vício de inconstitucionalidade, pois sua redação autoriza que o Judiciário, “ad hoc”, defina o que será ou não será inelegibilidade, ao dizer se houve ou não improbidade dolosa, vez primeira, sem que o tribunal de contas tenha debatido no processo administrativo de contas esses temas de maneira original e primeva.

A alínea “g”, na forma posta pela LC 135/10, não estabelece o rol de atos que entende como configurável de improbidade, e, delega, indevidamente, tal estatuição, caso a caso, ao Judiciário eleitoral, o que subverte a ordem constitucional, no que toca a exigência de reserva legal qualificada de lei eleitoral estatuídora de inelegibilidades (Lei complementar clara, específica e exauriente quanto à matéria normada!). Insistamos: a generalidade da delegação para estatuir inelegibilidade é tão exagerada na alínea “g”, por ato próprio do judiciário eleitoral, que antes da lei complementar 135/10 o TSE entendia que não aplicar 25% na educação não gerava inelegibilidade[59]. Hoje[60], com a nova redação da 135/10, se entende que não aplicar os mesmos 25% na educação é ato de improbidade doloso e por tal gera a inelegibilidade.

Assim, o judiciário ficou com “carta branca” para dizer e desdizer o que entende, em cada caso, como sendo ato doloso que configura improbidade e inelegibilidade, em completa subversão da segurança jurídica e da possibilidade de cálculo pelo cidadão de seu enquadramento na “genérica” alínea “g”.

Essa volatilidade de significados, essa abertura sem limites, é que denuncia o vício de invalidade que acoima a alínea “g”. Sua cláusula (in)especifadora de inelegibilidade consagra conteúdo abdicatório ou demissório do poder de legislar[61], pois não predefine, de forma determinada, precisa e indene de dúvidas, quais atos praticados pelos agentes públicos, e julgados pelas cortes de contas, gerarão inelegibilidades. Essa certeza deveria ser reclamada até pelas Cortes de Contas, para que seus juízes tivessem ideia precisa das consequências “eleitorais” de suas decisões.

Ao dar aplicação judicial a tal dispositivo legal os juízes eleitorais de cada Estado brasileiro subvertem a ordem jurídica eleitoral, regrando “ad hoc” por ato judicial o que o legislador eleitoral deveria ter normado por ato legislativo.

Tendo em conta todas essas premissas teóricas é possível afirmar a inconstitucionalidade da alínea “g”. E por tal deve o Congresso Nacional proceder com sua revogação ou haver a declaração de sua inconstitucionalidade, seja no controle difuso (por qualquer órgão judicial) ou no controle concentrado de constitucionalidade (pelo STF).


III - REFORMAS JURISPRUDENCIAIS E CULTURAIS DO E NO DIREITO ELEITORAL

O direito eleitoral devido a estrutura da nossa justiça eleitoral e do modo como ela tem procurado desincumbir sua  missão nos últimos 15 anos, tornou-se um direito fortemente “jurisprudencializado”. Um direito que para o seu escorreito entendimento e devida aplicação exige do operador jurídico que acompanhe as inúmeras mudanças que a jurisprudência “positiva” em cada eleição.

Além de uma legislação fragmentária que tornou inócua muitas disposições do velho Código Eleitoral de 1965, o direito eleitoral sofre a mudança não só da jurisprudência, mais de outro fenômeno encontrável somente na justiça eleitoral: o caráter inovador primário de muitas resoluções do TSE, que alteram, ao talante discricionário de 07 ministros sem investidura popular, o próprio direito positivo. As críticas a essa tendência arredia ao Direito Constitucional brasileiro, expusemos em nosso artigo Abuso do Poder Regulamentar e TSE: contas eleitorais rejeitadas e quitação eleitoral - as eleições de 2012 (reflexos do “moralismo eleitoral”). Resenha Eleitoral – Revista Eletrônica do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, n. 3, jan./jun de 2012, acesso em 28.07.13.

Algumas “mudanças jurisprudenciais” já foram sugeridas no capítulo antecedente, e agora apontaremos outras, assim como indicaremos os pontos para “reforma cultural” em torno do direito eleitoral, para se prestigiar ótima concretização legislativa e judicial dos direitos fundamentais de candidatura e de voto.

17º- Mudança na interpretação retrocessiva quanto ao direito de voto, relativamente à ideia de se aplicar o artigo 81, § 1º, da CF[62], quando houver dupla vacância, por causa eleitoral, nos dois últimos anos de mandato, das chefias de executivo: hoje a regra que vigora, a depender do que estiver positivado nas Leis Orgânicas Municipais, é de que haja eleição indireta, quando a vacância ocorrer no último biênio, e direta, quando se der no primeiro. E o momento para se levar em conta é o da primeira decisão judicial tomada cassando registro, diploma ou mandato, ainda que suspensa por cautelares ou efeito ex legem. Decisão recente do TSE fixou (não sabemos para até quando valerá tal entendimento...) o critério da decisão judicial sancionadora, se prolatada no primeiro biênio ou segundo, levará a eleição direta ou indireta, respectivamente[63]. Há uma proposição de alteração jurisprudencial do Ministro Dias Toffoli no sentido de que até o terceiro ano, ocorrendo vacância por causa eleitoral, a eleição deverá ser direta.[64]

18º- Mudança da visão da justiça eleitoral e do ministério público (mudança da pré-compreensão) de que justificam suas existências pelo número de registros que indeferem ou pelo quantum de registros, diplomas ou mandatos que cassam. A propaganda da justiça eleitoral divulgada em 2014, pelo TSE e MP, parte de um pressuposto triste: a política é o espaço da corrupção, os candidatos são, em regra, corruptores, e o eleitor um hipossuficiente destituído de capacidade de escolha moral, facilmente corrompível.

19º- Interpretação das leis materiais e processuais eleitorais no sentido crescente de maior concretização dos direitos políticos de candidatura e voto como direitos fundamentais. Colocação no devido lugar, a partir desses direitos fundamentais, da ideia ludibriante de moralidade das eleições, vida pregressa e modelação moral do voto do eleitor. Cuidado com o neofascismo decorrente do moralismo eleitoral e da relativização do direito positivo pela moral.

20º- Abandono de falsas ideias: do pré-conceito do “candidato inimigo”[65], do “eleitor infante” e da “demonizacão da democracia representativa”. Abandono dos neofascismos involuntários, retomados nas práticas institucionais por falta de perspectiva histórica e por esquecimento dos ideais de liberdade e respeito às garantias legais, constitucionais e convencionais conquistadas.

21º- Olharmos para a história das democracias ocidentais e para o direito de voto e de candidatura como direitos fundamentais que asseguram a protetividade de todos os demais direitos, como nos demonstrou a história de Mandela e África do Sul, a luta pelas diretas já no Brasil e mesmo as lutas de Martin Luther King pelo direito de voto dos negros na década de 50 e 60 nos EUA. E como nos ensina o riquíssimo texto, componente do novo evangelho do direito eleitoral brasileiro, de Néviton Guedes, ao comentar os artigos 14 a 16, da Constituição Federal:

“Com razão já se disse que os demais direitos inseridos numa Constituição, ainda que mais básicos, seriam ilusórios se o direito de participar das decisões políticas fundamentais da comunidade nacional não for assegurado. Nos Estados Unidos, por exemplo, já em 1886, a Suprema Corte daquele país pôde afirmar a qualidade de direitos fundamentais aos direitos políticos, precisamente, porque neles reconheceu, em última e mais elevada instância, a salvaguarda e defesa de todos os demais direitos. Portanto, não parece haver dificuldade em se aceitar que tanto o direito de votar como o de ser votado são daqueles direitos essenciais à preservação dos demais direitos fundamentais (como preferem os norte-americanos, preservative of all rights).” [66]

22º- Curarmo-nos, enquanto sociedade, da esquizofrenia política reinante: queremos o melhor da política e dos políticos, mas quem de nós se lança para política ou para ela aconselha que seus filhos a adentrem, ou a mocidade em geral a procure. A mídia e a opinião pública desenham ao País um quadro catastrófico da política e dos políticos, igualando todos os mandatários pelo pior critério de avaliação possível. Necessidade de se estimular de que os políticos que amam o ofício nele permaneçam e estímulo para que novas lideranças apareçam no cenário político e partidário. Desinteligência sobre o espaço da política na vida republicana: queremos política, mas não queremos fazê-la, vivê-la ou cooperar com ela. Fazemos pouco e pedimos muito.

23º- Abandonarmos a ideia de que a moralização da política se dê por repressão a partir do Direito Eleitoral. De que o Direito Eleitoral deverá curar as insuficiências dos processos de improbidade e penais criminais para excluir da vida pública pessoas que não mereçam a chancela popular por práticas ilícitas.

24º- Conscientizarmo-nos que o foco para a mudança é a educação, e a educação para servir a República, a educação cívica e civilizatória, com a divulgação dos valores do constitucionalismo e da democracia para todas as classes sociais, plasmando a consciência coletiva para valorizar as instituições republicanas, sem atitudes que enalteçam a democracia retoricamente, mas que, em termos pragmáticos, a enfraqueçam.


IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem esgotar todos os aspectos que a temática tratada poderia suscitar, procuramos trazer ao Direito Eleitoral proposições que operadores do direito e legisladores devem atentar. As ideias expostas constituem pontos de sugestão ao Congresso Nacional, ao TSE e a OAB, para serem refletidos quando da reforma política de nosso Direito Eleitoral Positivo. Sobre tais itens nossa opinião pública e nossos juízes eleitorais, assim como nossos legisladores devem refletir a fundo, tanto de lege lata, quando de lege ferenda, colocando-os na agenda política nacional. Pois é necessário tanto reformas na postura hermenêutica do judiciário eleitoral quanto na legislação eleitoral. Reformas que preservem a efetividade do direito de candidatura e assegurem estabilidade ao decidido pelas urnas populares, com maior respeito ao direito político fundamental de voto. Judiciário, legislador e sociedade civil precisam contabilizar com mais vagar e preocupação o real valor desses dois direitos políticos fundamentais pilares de nossa democracia representativa.


V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico [Teoria dell’ordinamento giuridico]. Trad. Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos. São Paulo/Brasília: Polis/UnB, 1989. 184 p.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6 ed., Coimbra, Almedina, 1993,  p. 372.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 9ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

---. “Breves notas sobre o quinquídio decadencial das representações do art. 96 da lei eleitoral”, acesso em 29.06.15, 08:32, http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-pr-revista-parana-eleitoral-n060-2006-adriano-soares-da-costa.

---. “A sanção de inelegibilidade e o trânsito em julgado (a nova "inelegibilidade processual"). http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/2011/03/sancao-de-inelegibilidade-e-o-transito.html. Publicação de 26.03.2011, acesso em 30.06.15, 13:13h.

ESPINDOLA, Ruy Samuel. Democracia participativa: autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população. Análise do caso brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3153, 18 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21124>. Acesso em: 18 fev. 2012.

---. A Constituição como garantia da democracia. O papel dos princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3146, 11 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21059>. Acesso em: 11 fev. 2012.

--- A Lei Ficha Limpa em revista e os empates no STF. O dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>. Acesso em: 1 maio 2011.

---. STF, insegurança jurídica e eleições em 2012: até quando o embate entre moralistas e constitucionalistas em torno da lei ficha limpa? Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18790>. Acesso em: 2 maio 2011;  

----. Lei Ficha Limpa estadual e limites constitucionais de sua produção legislativa. Análise da inacessibilidade a cargos em comissão por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado: o caso da lei catarinense. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3051, 8 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20385>. Acesso em: 8 nov. 2011;

----. Abuso do poder regulamentar e TSE: contas eleitorais rejeitadas e quitação eleitoral. As eleições de 2012 (reflexos do “moralismo eleitoral”). Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21674>. Acesso em: 6 maio 2012.

---. Justiça Eleitoral contramajoritária e soberania popular. A democrática vontade das urnas e a autocrática vontade judicial que a nulifica. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3382, 4 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22745>. Acesso em: 5 out. 2012.

---. Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 02, jul./dez. 2003, p. 393-426.

---. A Constituição como Garantia da Democracia: o papel dos Princípios Constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, ano 11, abr./jun. 2003, n. 44, p 75/86.

---. Princípios e retorno do pêndulo – crítica ao chamado neoconstitucionalismo. Revista Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, n. 87, ano 16, set./out. 2014, p. 63-67.

---. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 288 p.

GUEDES, Néviton. Quem só pode se defender dos fatos acaba sendo atingido pelo Direito, publicação de 24.09.14, 20:47 h., acesso em 17.02.15, 14:00 h., http://www.conjur.com.br/2014-set-23/constituicao-poder-quem-defender-fatos-acaba-sendo-atingido-direito.

---. Comentários aos artigos 14 a 16. in: - SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio, et all. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina/IDP, 2014. p. 655-689.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito [Reine Rechtslehre]. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1991. 371 p.

KING, Martin Luther. “Nos deixem votar” in: - “Os melhores discursos de Martin Luther King: um apelo à consciência.”, editado no EUA por Clayborne Carson e Kris Shepard, trad. Sergio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, 179 p, p. 49-54.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2. ed. [Methodenlehre der Rechtswissenschaft]. Trad. de José Lamego. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. 620 p.

MAZZUOLI, Valério. O Controle de Convencionalidade das Leis. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

MENDES, Gilmar Ferreira. Questões Fundamentais de Técnica Legislativa, inserido na Revista Trimestral de Direito Público, nº 01, 1993, p. 262-263.

PEREGRINO, Marcelo Ramos. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa - direitos políticos e inelegibilidades. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2015.

---. Direito Eleitoral do Inimigo. Site empório do direito, publicado em 11.04.15, acesso em 30.06.15, 14:12h., http://emporiododireito.com.br/direito-eleitoral-do-inimigo-por-marcelo-peregrino/.

SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Procedimento Administrativo nos Tribunais de Contas e Câmaras Municipais – contas anuais, princípios e garantias constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.


Notas

[1] Este artigo foi finalizado em 30.06.15. Seu esboço inicial serviu de base para palestra apresentada na XXII Conferência Nacional dos Advogados, em 20 de outubro de 2014, no Rio de Janeiro, em painel sobre “Reforma Política Democrática e Direito Eleitoral”. O produto ampliado, aprofundado e final será apresentado ao V Congresso de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí, que ocorrerá em Teresina, nos dias 06, 07 e 08 de agosto de 2015, como fundamento à exposição intitulada "Direito Eleitoral e Direitos Políticos Fundamentais: reformas necessárias à uma concretização constitucionalmente adequada."

[2] Remetemos ao leitor para nosso artigo que tematiza democracia representativa e democracia participativa: Democracia participativa: autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população. Análise do caso brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3153, 18 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21124>. Acesso em: 18 fev. 2012. E também ao que trata de democracia e sua relação com os princípios constitucionais: A Constituição como garantia da democracia. O papel dos princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3146, 11 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21059>. Acesso em: 11 fev. 2012.

[3] No último lustro produzimos uma série de artigos que tematizam, criticamente, muitos dos aspectos salientados nesse breve introito: A Lei Ficha Limpa em revista e os empates no STF. O dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>. Acesso em: 1 maio 2011; STF, insegurança jurídica e eleições em 2012: até quando o embate entre moralistas e constitucionalistas em torno da lei ficha limpa? Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18790>. Acesso em: 2 maio 2011;  Lei Ficha Limpa estadual e limites constitucionais de sua produção legislativa. Análise da inacessibilidade a cargos em comissão por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado: o caso da lei catarinense. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3051, 8 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20385>. Acesso em: 8 nov. 2011; Abuso do poder regulamentar e TSE: contas eleitorais rejeitadas e quitação eleitoral. As eleições de 2012 (reflexos do “moralismo eleitoral”). Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21674>. Acesso em: 6 maio 2012. Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/21674/abuso-do-poder-regulamentar-e-tse-contas-eleitorais-rejeitadas-e-quitacao-eleitoral#ixzz1u4OY6zDe; Justiça Eleitoral contramajoritária e soberania popular. A democrática vontade das urnas e a autocrática vontade judicial que a nulifica. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3382, 4 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22745>. Acesso em: 5 out. 2012.

[4] Vale ler esse discurso, publicado no Brasil, com edição  de coletânea “Os melhores discursos de Martin Luther King: um apelo à consciência.”, editado por Clayborne Carson e Kris Shepard, trad. Sergio Lopes, pela Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2006, 179 p. O discurso “Nos deixem votar”, encontra-se nas páginas 49-54.

[5] Como registro, indicamos o seguinte precedente: ED-AgR-REspe - Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 18354 - Itapira/SP - Acórdão de 04/06/2013 - Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA - Dje 1/7/2013. Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. SUPRESSÃO, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. 1. (...) DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA DESTE TRIBUNAL APLICADA NAS ELEIÇÕES DE 2012, O NÃO PAGAMENTO DE MULTA ELEITORAL ENSEJA O RECONHECIMENTO DA FALTA DE QUITAÇÃO ELEITORAL, E QUE TAL PROVIDÊNCIA, APÓS O PEDIDO DE REGISTRO, NÃO AFASTA O ÓBICE À CANDIDATURA, POR NÃO SE TRATAR DE CAUSA DE INELEGIBILIDADE. 2. (...) O CONCEITO DE QUITAÇÃO ELEITORAL ESTÁ PREVISTO NO § 7º DA REFERIDA DISPOSIÇÃO LEGAL E ABRANGE TANTO AS MULTAS DECORRENTES DAS CONDENAÇÕES POR ILÍCITOS ELEITORAIS QUANTO ÀS PENALIDADES PECUNIÁRIAS DECORRENTES DE AUSÊNCIA ÀS URNAS. (...).”

E, com base nesse entendimento, tomemos em conta o valor da multa ao eleitor faltoso as urnas, como explica o site do TRE-SC, http://www.tre-sc.gov.br/site/eleitores/informacoes/arquivo/2012/junho/artigos/multas-eleitorais/index.html, acesso em 11.02.15, 10:01 h, que revela o seguinte: Valores atuais das multas eleitorais -

Situação

Valor mínimo (R$)

Valor máximo (R$)

Valor máximo x10 (R$)

Eleitor faltoso (art. 7º, C.E.)

1,05

3,51

35,14

[6] Conforme Código Eleitoral, artigo 7º, caput:  “O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. (Redação dada pela Lei nº 4.961, de 1966).”

[7] Esse inaceitável entendimento foi aplicado até a eleição de 2012, sofrendo mutação positiva no ano de 2014: “ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. QUITAÇÃO ELEITORAL. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. MULTA. AUSÊNCIA ÀS URNAS. FORMALIZAÇÃO DO PEDIDO DE REGISTRO. PAGAMENTO POSTERIOR. ART. 11, § 10º, DA LEI Nº 9.504/97. INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. REGISTRO DEFERIDO. (...). 2. O pagamento de multa eleitoral após a formalização do registro, desde que ainda não esgotada a instância ordinária, preenche o requisito da quitação eleitoral, por também ser aplicável o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97 às condições de elegibilidade, e não apenas às causas de inelegibilidade (Precedente: REspe 809-82, Rel. Min. Henrique Neves, em sessão de26.8.2014). 3. Em respeito ao princípio da segurança jurídica, não se abarca esse entendimento jurisprudencial aos registros de candidatura que se refiram a casos anteriores ao pleito de 2014.(...).” RO - Recurso Ordinário nº 52552 - Campo Grande/MS Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, j. 03/09/2014

[8] Vejam suas palavras que explicam o conceito crítico de moralismo eleitoral:

“Já há algum tempo tenho chamado a atenção para o que denominei de "moralismo eleitoral", um fenômeno perigoso que tem invadido a cidadela da jurisprudência eleitoral. (...). O moralismo eleitoral transforma todos os debates jurídicos eleitorais em debates morais e - o que é tanto pior! - sempre no compromisso de interditar o mais que possível que os políticos sejam... políticos. Há sempre um sentimento embutido nessa lógica: entrou na política, bandido é. E, na ânsia de higienização da política, deseja-se acabar com os políticos, o que nada mais é do que selar o fim da própria democracia. E, nessa concepção de mundo, esqueceram de um pequeno detalhe: o expurgo a ser feito deveria ser através do voto, salvo em casos extremos de crimes adrede positivados. Mais, em uma era da entronização acrítica do "fichalimpismo", o moralismo eleitoral reina absoluto, sem compromisso nenhum com o direito positivo vigente. É a justiça de mão própria togada, armada do direito achado na rua.

Trata-se de uma marcha insana de muitos em defesa do moralismo eleitoral, para a instauração de uma democracia sem votos, sem eleitor. Uma visão ingênua, casuística, em certo sentido reacionária. É a tentativa de construção de uma democracia tutelada, ao fim e ao cabo, de uma democracia sem previsibilidade, em que a segurança jurídica é um mal a ser combatido, em que as garantias individuais não passam de um estorvo pequeno burguês.

É isso, afinal, do que se trata: o moralismo eleitoral não respeita a Constituição Federal nem o ordenamento jurídico. Trata-se, pois, de uma adulteração da interpretação das normas jurídicas eleitorais pela aplicação de critérios acentuadamente morais, muitas vezes em aberta divergência com o próprio ordenamento jurídico posto. Em nome de princípios defendidos por determinadas minorias (ou mesmo maiorias, pouco importa) afasta-se a aplicação de determinada norma jurídica positivada, recriando antidemocraticamente o próprio ordenamento jurídico, sem observar os meios próprios para tanto. Esse fenômeno crescente de, a partir de uma leitura principiológica da Constituição, enfraquecer a própria positividade das normas infraconstitucionais ao ponto limite de deixarem elas de ser vinculativas para o aplicador, passou a ser sentido de modo alarmante na leitura que vem se fazendo de relevantes questões eleitorais .

O moralismo eleitoral parte normalmente de uma compreensão equivocada da teoria da inelegibilidade, que se põe a serviço de um certo justiçamento antidemocrático, ainda que movido pelas melhores intenções. Não há dúvidas que é necessário depurarmos as nossas instituições, porém essa é uma tarefa complexa, que não se esgota em medidas irrefletidas, movidas por um certo voluntarismo, que de tanto simplificar os problemas apenas cria novos problemas.

Ora, em uma democracia, quem deve afastar o mau político é o eleitor pelo voto. O critério de definição? Cabe ao eleitor definir. Porém, essa minoria não acredita na democracia, não acredita no eleitor: prefere, então, criar critérios de exclusão previamente. Antidemocraticamente. (...). Ah, mas o eleitor é analfabeto, dirão alguns. Ah, mas o eleitor vende o voto, dirão outros. Certo, então proibamos o pobre e o analfabeto de votar. Quem terá coragem de abertamente defender essa tese absurda? Ninguém, por evidente. Então, fingem defender a democracia, quando na verdade pretendem é criar, às avessas, uma espécie de sufrágio censitário. O eleitor vai votar, é certo, mas em uma lista antes já submetida a um processo de higienização ideológica. A isso chamo de moralismo eleitoral, essa forma fundamentalista de aplicação de uma certa moral ao processo eletivo.

Mas o hipermoralismo eleitoral não quer saber o que é juridicamente sustentável ou não; interessa a sua sanha macartista, ainda que a Constituição seja desrespeitada.  Este é o ponto: estamos sempre criando atalhos para sustentar essas normas inconstitucionais, mas com apelo popular, conferindo, assim, ao ordenamento jurídico um tratamento bizarro, sem pé nem cabeça, alimentando a insegurança jurídica. É disso que se trata. A mim me parece que não podemos negociar a aplicação adequada da Constituição; devem-se evitar soluções casuísticas que, ao final, se voltarão contra a própria sociedade.” (Instituições de Direito Eleitoral, 9 ed., Fórum, p. 16-17)

[9] Por todos, ver: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito [Reine Rechtslehre]. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1991. 371 p; LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2. ed. [Methodenlehre der Rechtswissenschaft]. Trad. de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. 620 p; BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico [Teoria dell’ordinamento giuridico]. Trad. Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos. São Paulo/Brasília: Polis/UnB, 1989. 184 p.

[10] Atualmente este prazo vai até a data da diplomação, cf. art. 73, § 12º, da Lei 9.504/97, o que pode ocorrer até 19 de dezembro, pelo calendário eleitoral do TSE, ou seja, dois meses e meio depois da eleição concluída, o que permite um “armazenamento tático” dos adversários do candidato eleito. No passado, uma saudável jurisprudência eleitoral, estimulada pelo então Ministro Cesar Peluso, chegou a especificar que em 05 dias, contados do conhecimento provado ou presumido do fato, perderia o interesse de agir o proponente da demanda eleitoral, para coibir referidas “táticas”. Ver TSE Ac. nº 748, Questão de Ordem em Recurso Ordinário, Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, publicado no DJ de 26/08/2005, p. 174: “Representação eleitoral. Condutas vedadas. Lei nº 9.504/97, art. 73. Questão de ordem. Acolhimento. – O prazo para o ajuizamento de representação por descumprimento das normas do art. 73 da Lei das Eleições é de cinco dias, a contar do conhecimento provado ou presumido do ato repudiado pelo representante. – Recurso ordinário. Representação. Intempestividade. Recurso desprovido”. Vale registrar que o Mestre Adriano Soares da Costa, em notável artigo, combateu “a forma jurídica” como foi instituído esse prazo: “Breves notas sobre o quinquídio decadencial das representações do art.96 da lei eleitoral”, acesso em 29.06.15, 08:32, http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-pr-revista-parana-eleitoral-n060-2006-adriano-soares-da-costa. Concordamos com as críticas de Soares da Costa quanto a forma, mas referendamos as preocupações postas na motivação da questão de ordem que suscitou o acórdão do TSE no R.O. n. 748, de 2005.

[11] Atualmente é assim: art. 41-A, § 3º, da Lei 9.504/97: “A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).”

[12] Em seu afamado Instituições de Direito Eleitoral, 9ª ed., Belo Horizonte, Fórum, 2013, p. 304:

“... a AIJE apenas pode ser ajuizada contra candidato beneficiado por abuso de poder econômico, abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação social etc., na forma do caput do art. 22 da LC n. 64/90. Se a ação deve ter, obrigatoriamente, como um dos sujeitos passivos, o candidato beneficiado pelo abuso de poder, além de quem lhe deu causa – se não foi apenas ele próprio -, resta claro, de uma luminosidade solar, que não pode ser a AIJE proposta contra quem ainda não tenha sido indicado em convenção partidária e pedido de registro de sua candidatura, qualificando-se como pré-candidato oficial.

Por essa razão, com supedâneo em nosso direito positivo, entendo que a AIJE deve ser proposta contra fatos ilícitos ocorridos após o pedido de registro de candidatura, podendo ser manejada até a diplomação.

Sendo assim, temos que advertir que o abuso de poder econômico ou abuso de poder político praticado antes do pedido de registro de candidatura, além daquelas inelegibilidades não reputadas constitucionais, devem ser atacadas pela ação de impugnação de registro de candidatura, sob pena de preclusão. A AIRC é a ação própria, concebida pelo ordenamento jurídico, para fustigar os fatos geradores de inelegibilidade ocorridos antes do pedido de registro de candidatura, inclusive, e com maioria de razão, aqueles previstos pela Lei Complementar n. 64/90, de escalão infraconstitucional, mercê da possibilidade legal de sua preclusão.”

[13] “RECURSO ESPECIAL. ARGUICAO DE ABUSO DE PODER POLITICO E ECONOMICO. IMPUGNACAO AO REGISTRO. PRAZO DECADENCIAL. EXTINCAO DO PROCESSO. ART. 3 DA LC 64/90. EM SE TRATANDO DE ALEGACAO DE ABUSO DO PODER POLITICO E ECONOMICO, QUE TERIA OCORRIDO EM PRACA PUBLICA, A VISTA DE TODOS, ANTES DO REGISTRO, E MESMO DA ESCOLHA DOS CANDIDATOS A SENADOR, A GOVERNADOR E A VICE-GOVERNADOR, E FORA DE DUVIDA QUE, NAO TENDO ELA SIDO VEICULADA POR MEIO DE IMPUGNACAO AO REGISTRO DAS RESPECTIVAS CANDIDATURAS, VERIFICOU-SE A DECADENCIA, RAZAO PELA QUAL OUTRO NAO PODERIA TER SIDO O DESFECHO DA REPRESENTACAO SERODIAMENTE MANIFESTADA, SENAO A EXTINCAO DO PROCESSO.  RECURSO NAO CONHECIDO. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 12676, Acórdão nº 12676 de 18/06/1996, Relator(a) Min. JOSÉ BONIFÁCIO DINIZ DE ANDRADA, Relator(a) designado(a) Min. ILMAR NASCIMENTO GALVÃO, Publicação: RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 8, Tomo 2, Página 119 DJ - Diário de Justiça, Data 16/08/1996, Página 28134 )”

[14] Atualmente, nos processos registros, não se admite isso, como demonstra o seguinte julgado:

“ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. DEPUTADO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO INDISPENSÁVEL. JULGAMENTO CONVERTIDO EM DILIGÊNCIA. IRREGULARIDADE NÃO SANADA. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO COM O RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. 1. A ausência de certidão criminal da Justiça Estadual de 1º grau "da circunscrição na qual o candidato tenha o seu domicílio eleitoral", exigida no art. 27, inciso II, alínea b, da Res.-TSE nº 23.405/2014, mesmo após a abertura de prazo para a sua apresentação, implica o indeferimento do pedido de registro de candidatura. 2. Admite-se, nos processos de registro de candidatura, a apresentação de documentos até a instância ordinária ainda que tenha sido anteriormente dada oportunidade ao requerente para suprir a omissão, não sendo possível conhecer de documentos apresentados com o recurso especial. Precedentes. (...).” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 45540 - Rio De Janeiro/RJ - Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, j. 30/10/2014).

[15] “Rejeição de contas e fato superveniente à interposição do recurso especial. O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, reafirmou o que foi decidido no julgamento do REspe nº 263-20, em 13.12.2012, no sentido de que os fatos supervenientes à propositura da ação, que influenciem no resultado da lide, só podem ser considerados até o julgamento em segundo grau de jurisdição, não sendo possível a arguição destes em sede de recurso especial. Na espécie vertente, o candidato obteve provimento do recurso de revisão pelo Tribunal de Contas, que passou a considerar regulares com multa as contas reexaminadas. Entretanto, a decisão favorável foi superveniente à interposição do recurso especial eleitoral e não afastou a inelegibilidade do candidato. Nesse entendimento, o Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 112-28, Mineiros/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, em 7.2.2013.”

[16] “Concessão de liminar afastando condenação por improbidade administrativa e prazo para consideração das causas supervenientes ao registro que afastam a inelegibilidade. (Extraído do Informativo nº 25/2014.)  O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, assentou que a concessão de liminar, até a data da diplomação, suspendendo os efeitos de condenação por improbidade administrativa, causa do indeferimento de candidatura, constitui fato superveniente a permitir o registro do candidato. Ressaltou o Colegiado ser caso de aplicação da norma constante do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/1990, que preconiza: O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso. Destacou que, estando em curso o processo eleitoral e não havendo trânsito em julgado da decisão de indeferimento do registro de candidatura, cabe conhecer provimento judicial liminar deferido após as eleições, que afasta a causa de indeferimento do registro do candidato. Enfatizou ainda que o conhecimento de fatos supervenientes ao pedido de registro tem sido admitido por este Tribunal nas hipóteses de reconhecimento de inelegibilidade, motivo pelo qual haveria razão para conhecê-los nos casos de afastamento da inelegibilidade. Vencida a Ministra Maria Thereza, que rememorava entendimento deste Tribunal no sentido de ser a data das eleições termo limiar para serem considerados no processo de registro de candidatura fatos posteriores ao pedido, alteradores da condição de elegibilidade do candidato. O Tribunal, por maioria, acolheu os embargos de declaração, com efeitos modificativos, para deferir o registro de candidatura do embargante, nos termos do voto do relator. Recurso Ordinário nº 294-62, Aracaju/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, em 11.12.2014.”

[17] Exemplo emblemático: o tempo de contagem da inelegibilidade, se ânuo, na forma posta no Código Civil ou se por ano cheio. Oscilou a Corte entre essas orientações, e, “ultimamente”, vigora o primeiro entendimento, depois de “indas e vindas”. Entendimento mais ajustado a uma interpretação liberal, no sentido de que restrições a direito devem receber interpretação restritiva, e nunca ampliativa, como era o caso defendido na ideia de “ano cheio”. Vingou então a interpretação liberal: conta-se o ano da data da última eleição.

[18]“ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. QUITAÇÃO ELEITORAL. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. MULTA. AUSÊNCIA ÀS URNAS. FORMALIZAÇÃO DO PEDIDO DE REGISTRO. PAGAMENTO POSTERIOR. ART. 11, § 10º, DA LEI Nº 9.504/97. INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. REGISTRO DEFERIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, aplica-se o princípio da fungibilidade, para receber como especial o recurso ordinário interposto contra acórdão de TRE que verse sobre condição de elegibilidade. In casu, quitação eleitoral. 2. O pagamento de multa eleitoral após a formalização do registro, desde que ainda não esgotada a instância ordinária, preenche o requisito da quitação eleitoral, por também ser aplicável o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97 às condições de elegibilidade, e não apenas às causas de inelegibilidade (Precedente: REspe 809-82, Rel. Min. Henrique Neves, em sessão de26.8.2014).3. Em respeito ao princípio da segurança jurídica, não se abarca esse entendimento jurisprudencial aos registros de candidatura que se refiram a casos anteriores ao pleito de 2014. 4. Recurso provido, para deferir o registro de candidatura.” RO - Recurso Ordinário nº 52552 - Campo Grande/MS Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, j. 03/09/2014

[19] Ver nosso artigo, para aprofundar esses aportes críticos: “Justiça Eleitoral contramajoritária e soberania popular. A democrática vontade das urnas e a autocrática vontade judicial que a nulifica”. Revista Brasileira de Direito Eleitoral. RBDE. Belo Horizonte: Fórum, ano 5, n. 8, jan./jun, 2013.

[20] Conforme Código Eleitoral: “Art. 22. Compete ao Tribunal Superior: I - Processar e julgar originariamente: (...). j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado. (Incluído pela  LCP nº 86, de 1996).”

[21] “Artigo 8º - Garantias judiciais, 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, (...) 2. (...). toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...). f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; (...)”.

[22] Lei complementar 64/90, artigo 22: “V - findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação”.

[23] Decreto nº 592 de 5 de julho de 1992.

[24] “Art. 71. Encerrada a discussão, o Presidente tomará o voto do Relator e, em seguida, o dos demais Juízes, respeitada a antiguidade a partir do Relator, sendo aquele o último a votar. § 1º Na hipótese de ausência de Juiz ou nos casos de impedimento, suspeição, vaga ou licença médica, e desde que inviável a convocação de suplente, se a votação encerrar em empate prevalecerá o ato ou a decisão impugnada, ressalvado o disposto no § 2º do art. 57 deste Regimento Interno.”

[25] Código de Processo Penal: “Art. 615.  O tribunal decidirá por maioria de votos.  § 1o  Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu.”

[26] “Prefeito itinerante” e segurança jurídica – 11 – “Desta feita, sobrelevou que a importância fundamental do princípio da segurança jurídica para regular o transcurso dos processos eleitorais plasmar-se-ia no postulado da anterioridade eleitoral, positivado no art. 16 da CF (“A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”). Então, as decisões do TSE que implicassem alteração de jurisprudência, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, não incidiriam de imediato no caso concreto e somente possuiriam eficácia sobre outras situações no pleito eleitoral posterior. Finalizou que a decisão do TSE em tela, apesar de ter asseverado corretamente que seria inelegível para o cargo de prefeito o cidadão que exercera por 2 mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em município diverso, não poderia retroagir a fim de alcançar diploma regularmente concedido a vencedor das eleições de 2008 para prefeito de outra municipalidade. Aquilatou que se deveria assegurar a conclusão do mandato a ele. Por fim, assentou, sob o regime da repercussão geral, que: a) o art. 14, § 5º, da CF, interpretar-se-ia no sentido de que a proibição da segunda reeleição seria absoluta e tornaria inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já cumprira 2 mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; e b) as decisões do TSE que acarretassem mudança de jurisprudência no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento não se aplicariam imediatamente ao caso concreto e somente teriam eficácia sobre outras situações em pleito eleitoral posterior.  RE 637485/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2012. (RE-637485)”

[27] “Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

[28] “XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”

[29] [29]“ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. QUITAÇÃO ELEITORAL. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. MULTA. AUSÊNCIA ÀS URNAS. FORMALIZAÇÃO DO PEDIDO DE REGISTRO. PAGAMENTO POSTERIOR. ART. 11, § 10º, DA LEI Nº 9.504/97. INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. REGISTRO DEFERIDO. (...) 2. O pagamento de multa eleitoral após a formalização do registro, desde que ainda não esgotada a instância ordinária, preenche o requisito da quitação eleitoral, por também ser aplicável o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97 às condições de elegibilidade, e não apenas às causas de inelegibilidade (Precedente: REspe 809-82, Rel. Min. Henrique Neves, em sessão de26.8.2014). 3. Em respeito ao princípio da segurança jurídica, não se abarca esse entendimento jurisprudencial aos registros de candidatura que se refiram a casos anteriores ao pleito de 2014. 4. Recurso provido, para deferir o registro de candidatura.” RO - Recurso Ordinário nº 52552 - Campo Grande/MS Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, j. 03/09/2014

[30] Conforme excerto do aresto proferido nos Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral n° 670-73.2012.6.24.0088 - Blumenau - SC, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 21.05.15.

[31] “ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO ORDINÁRIO. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA G. REJEIÇÃO DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS. PREFEITO. ORDENADOR DE DESPESAS. CARACTERIZAÇÃO. (...). 2. Nos feitos de registro de candidatura para o pleito de 2014, a inelegibilidade prevista na alínea g do inciso 1 do art. 10 da LC n° 64, de 1990, pode ser examinada a partir de decisão irrecorrível dos tribunais de contas que rejeitam as contas do prefeito que age como ordenador de despesas. 3. Entendimento, adotado por maioria, em razão do efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal e da ressalva final da alínea g do art. 10, 1, da LC n° 64/90, que reconhece a aplicação do "disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição". 4.Vencida neste ponto, a corrente minoritária, que entendia que a competência para julgamento das contas do prefeito é sempre da Câmara de Vereadores. (...).”

[32] No entendimento mais benéfico (à candidatura) anterior se entendia que para o caso de Chefes do Executivo, como os Prefeitos Municipais, o título oriundo de julgamento final de tribunal de contas, que tenha rejeitado as contas, não se prestava para embasar alegação de inelegibilidade contra. Ou melhor, entendia-se, como regra geral, que somente os julgamentos realizados e ultimados pela Câmara de Vereadores poderiam gerar inelegibilidade. A viragem “maléfica”, no curso da eleição, e retroativa, foi a que mudou tal entendimento para entender que qualquer julgamento efetivado pelo Tribunal de Contas, que não a título de parecer prévio, é apto a embasar adução de inelegibilidade.

[33] Apenas para ilustrar nossa crítica, apontamos que 03 meses e 08 dias antes, faltando apenas 45 dias para o início do período eleitoral, vigorava este entendimento no TSE: “RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PREFEITO. REJEIÇÃO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. JULGAMENTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. COMPETÊNCIA DA CÂMARA DE VEREADORES. PRECEDENTES. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS. 1. À exceção das contas relativas à aplicação de recursos oriundos de convênios, a competência para o julgamento das contas prestadas por prefeito, inclusive no que tange às de gestão relativas a atos de ordenação de despesas, é da respectiva Câmara Municipal, cabendo aos Tribunais de Contas tão somente a função de emitir parecer prévio, conforme o disposto no art. 31 da Constituição Federal.(...).. (AgR-REspe n. 658-95.2012.620.0015, Acórdão de 20/05/2014, Relatora Min. Laurita Hilário Vaz - original sem grifo).”

[34] Em agravo regimental a decisão foi reformada somente após a eleição, para se deferir o registro, mas por outro fundamento e não o que advogado a violação ao artigo 16, da CF. E isso custou a falência da candidatura a deputado, pois as pesquisas indicavam em prol do concorrente um número 60% superior ao registrado nas urnas, antes do indeferimento pelo TSE, que ocorreu 14 dias antes das eleições. Flagrante caso de intervenção indireta da Justiça eleitoral no resultado das eleições!

[35] Conforme “Quem só pode se defender dos fatos acaba sendo atingido pelo Direito“, publicação de 24.09.14, 20:47 h., acesso em 17.02.15, 14:00 h., http://www.conjur.com.br/2014-set-23/constituicao-poder-quem-defender-fatos-acaba-sendo-atingido-direito:

“(...) no direito brasileiro, especialmente nos processos acusatórios — na ação penal e de improbidade administrativa —, tem-se admitido a condenação do acusado com base em dispositivo diverso do que foi proposto na petição inicial; tudo sob a consideração de que o acusado se defende dos fatos, não da norma que os qualifica, partindo-se da premissa de que a sua condenação com base em norma diversa da apontada na inicial não lhe prepara qualquer prejuízo, nomeadamente, diante dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

O que fundamenta essa orientação jurisprudencial, contudo, agora podemos dizê-lo, é a crença de que haveria sempre uma clara distinção entre a atividade de delimitar os fatos e aquela outra, em que eles são classificados ou definidos juridicamente. Ou seja, persiste a crença, divulgada sem contestação, de que o juízo sobre os fatos não compromete o juízo sobre a sua qualificação jurídica (juízo sobre normas), e vice-versa.  

Entretanto, como veem, a estarem corretas as premissas que introduziram o presente artigo, no mínimo, devemos tomar a sério essa antiga orientação de nossos tribunais de que, em nenhuma circunstância, o acusado sairá prejudicado pelo fato de o magistrado, ao final do processo, conferir aos fatos que lhe são imputados uma classificação jurídica diferente daquela que foi expressamente sugerida na inicial e que, o que é mais grave, foi tomada em consideração durante toda a instrução do processo. (...).

Contudo, (...), a partir de H-G Gadamer, juristas como Konrad Hesse, têm acentuado que, na atividade de qualificação dos fatos, o mais certo é que ocorra um verdadeiro círculo hermenêutico, em que o intérprete seleciona a norma a partir do fato colhido na realidade, mas, da mesma forma, o fato é selecionado tendo em consideração uma prévia antecipação da norma que se pretende aplicar. Se isso é verdade, não é difícil perceber que, no mais das vezes, o acusado tenderá — durante toda a instrução probatória — defender-se não apenas dos fatos puros, mas dos fatos como foram qualificados pelo autor. Aliás, em processo judicial e no âmbito do direito, não existem fatos puros, mas fatos qualificados por uma ou outra norma.

O autor não imputa “fatos puros” ao acusado. Diversamente, são-lhe imputados fatos previamente destacados da realidade à luz de abstrata consideração ou qualificação normativa. Descrição de fatos no direito é, em primeiro lugar, descrição ou imputação jurídica de fatos. 

(...).

Entretanto, no que tange ao fato ao qual se dirige uma norma, para que se possa isolá-lo do mundo da vida com as características que têm importância para a aplicação do direito, há de se perceber e descrevê-lo com a ajuda do Tatbestand  hipotético da norma. De outro lado, na exata dedução de Alexy, essas características relevantes do fato podem oferecer motivo para, no caso concreto, não se aplicar a norma que inicialmente se tinha diante dos olhos, assim como para precisar, ou rejeitar algumas marcas distintivas do próprio Tatbestand normativo, ou mesmo para acrescentar-lhe alguns indícios antes considerados como não relevantes. Dá-se aqui o instrutivo ir e vir de perspectiva de que nos falava K. Engisch, isto é, para compreender e delimitar o caso concreto, carecemos da perspectiva da norma; para compreender a norma, precisamos da perspectiva no fato.

Assim, não obstante se reconheça que o acusado deva se defender dos fatos, o certo é que ele se defenderá dos fatos como foram qualificados pelo próprio autor. (...). A exceção de classificação normativa abertamente indevida e teratológica, o mais certo é que o acusado se defenderá, durante toda a instrução probatória, dos fatos como juridicamente descritos e qualificados pelo autor.

Atento a isso, em posição contrária à nossa jurisprudência, tem o Tribunal Constitucional alemão emprestado especial homenagem ao princípio da não-surpresa processual, não aceitando que qualquer condenação seja imposta ao acusado sem que antes ele possa falar dos motivos de fato e de direito que, ao final, concretamente servirão de base à sua condenação. Cumpre ao Tribunal, portanto, não lhe surpreender com condenação baseada em fatos, ou normas de direito, que não foram indicadas na ação inicialmente admitida pelo órgão julgador.

(...).

No Brasil, também já encontra repercussão entre ilustradas vozes o princípio da não surpresa em matéria de processo acusatório. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero acentuam o direito à segurança do cidadão, precisamente, na suas relações com o poder judiciário, especialmente, em respeito ao princípio do contraditório e ampla defesa. De fato, “por força dessa nova conformação da ideia de contraditório, a regra está em que todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes, isto é, sobre matéria debatida anteriormente pelas partes. Em outras palavras, veda o juízo de ‘terza via’. Há proibição de decisões surpresa (Verbot der Überrachungsentscheidungen).”

[36] “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...).  VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.”

[37] “Art. 74.  Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.       (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).”

[38] Para deixarmos bem vincado o exemplo prático vivido, destacamos trecho de nosso arrazoado:

“Em todo o curso do processo, desde o aforamento da inicial, ocorrida em 04.09.12 até a prolação do parecer da procuradoria regional eleitoral, dado em 21.11.12, o debate se deu sobre fatos, provas e temas unicamente subsumidos ao artigo 73, VII, da Lei 9.504/97, ou seja, tratou-se de conduta vedada relativa ao limite de gastos com publicidade no ano da eleição. Como a doutrina eleitoral entende “conduta vedada” como espécie de “abuso do poder político”, a inicial e o debate forense de primeiro grau trataram “abuso” nesta perspectiva, e nunca sob o prisma do  74-LGE c/c 37§, 1º, CF.

E houve na narrativa da inicial, com o claro propósito de tentar salientar a gravidade da conduta vedada, a mera alusão de que a publicidade traria proveitos eleitorais aos representados. Todavia, nunca, em nenhum momento, apresentou a inicial causa petendi estribada no artigo 74, da lei 9.504/97, que remete ao artigo 37§ 1º, da CF. Nem descreveu fatos e provas tendentes a demonstrar a ocorrência de ilícitos subsumíveis ao 74, como fez, surpreendentemente, o aresto regional, em verdadeiro “emendatio libelli” desautorizada pelo direito processual eleitoral – e sententia debet esse conformis libello!

A inicial fora tão precisa em sua argumentação e causa petendi única, que demonstra seu específico objetivo as fls. 13, que sempre e unicamente era e é reconhecer a inelegibilidade dos recorrentes no artigo 73, VII, da Lei 9.504/97 (aduzido as fls. 02 e 19), ao citar expressamente o artigo 1º, I, letra “j”, da C 64/90, alterada pela LC 135/10, que dispõe: “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 anos.”

A inicial, além de não valorar os fatos e nem delinear sua imputação de ilícito eleitoral de acordo com o artigo 74 da lei 9.504/97, que remete ao artigo 37, § 1º, da CF, e trata de abuso de poder político com publicidade promocional do nome, símbolo de candidato ou partido político, deixou de demonstrar tal objetivo, quando silenciou, igualmente, sobre o dispositivo próprio da lei de inelegibilidades, que seria o artigo 1º, I, letra “d”: “os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).”

[39] “Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.”

[40] “Art. 1º, I:  (...) m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010); (...). o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010); (...) q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;(Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).”

[41] “Art. 1º, I, g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).”

[42] Referimos ementa de petição advocatícia que apresentamos em contrarrazões a recurso ordinário do MP junto ao TSE, nos autos de n. 52.604/SC:  “IMPOSSIBILIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO GERAR INEGIBILIDADE – EFEITO EXCLUSIVO DO PROCESSO JUDICIAL DE ÍNDOLE PENAL - VIOLAÇÃO AO PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA EM SEUS ARTIGOS 23, 1.b e 2., PELA PRODUÇÃO DA ALÍNEA “G”, DO INCISO I, ARTIGO 1º, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90 (REDAÇÃO ALTERADA PELA LC 135/10) – NECESSIDADE DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE A SER EXERCIDO, NA FORMA DIFUSA, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL – JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA A REFERENDAR A TESE – NECESSIDADE DE MANTENÇA DO DEFERIMENTO DO REGISTRO, COM AFASTAMENTO, NO CASO CONCRETO, DA ALÍNEA “G”, PARA SE GARANTIR EFETIVIDADE AO DIREITO POLÍTICO FUNDAMENTAL (E CONVENCIONAL) DE CANDIDATURA.” Isso tudo deduzido com base na profunda obra já referida, de Marcelo Ramos Peregrino.

[43] Art. 1º, I, g: são inelegíveis, para qualquer cargo,  “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).”

[44] Ver MAZZUOLI, Valério. O Controle de Convencionalidade das Leis. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

[45] Conforme lição de seu livro:

“iii) A caracterização do procedimento enquanto processo, se realizado em contraditório, pode mitigar uma adequada visão da processualidade administrativa. A variedade de procedimentos dentro da Administração não implica uma gradação de importância, no sentido de considerar certos procedimentos mais importantes que outros, pois todos os procedimentos traduzem o exercício da função administrativa, ainda que de um modo diferenciado na forma pela qual se exteriorizam; a noção procedimental vai além da simples noção de litígio, sendo mais adequada na seara administrativa a terminologia procedimento.

iv) Para nós, procedimento é gênero no qual os procedimentos (em sentido estrito) e os processos (ocorrentes no âmbito judicial) são espécies. Os processos judiciais guardam peculiaridades que os distinguem dos procedimentos, embora comunguemos da idéia de uma processualidade ampla que ocorre em todas as funções estatais.

v) Essa visão procedimental tem importante repercussão nos procedimentos de julgamentos de contas públicas, pois as atividades e as funções dos tribunais de contas veiculam-se, fundamentalmente, pela via procedimental. De conseguinte, a processualidade nas cortes de contas, sem exceção, realiza a função administrativa e de controle que lhes é peculiar, devendo resguardar ao máximo os direitos e as garantias fundamentais das partes. Assim, presentes os litigantes ou acusados, não há que negar-se o contraditório e a ampla defesa, sob fundamento de que se está diante de procedimento e não de processo, até porque tal imposição decorre da Constituição e não de querelas terminológicas.” in Rodrigo Valgas dos Santos. Procedimento Administrativo nos Tribunais de Contas e Câmaras Municipais – contas anuais, princípios e garantias constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 229/230.

[46] “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos.”

[47] “Art. 5. (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (sublinhamos!)

[48] “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.”

[49] “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...). VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.”

[50] “A Controladoria Geral da República é órgão com matiz constitucional integrante do chamado Poder Cidadão que é exercido pelo Conselho Moral Republicano. Este poder está incumbido da prevenção investigação e sanção dos fatos que atentem contra a ética pública e a moral administrativa, dentre outras atribuições. (...)”. (nota da obra de Marcelo Peregrino)

[51] “Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade - Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se.”

[52] Como demonstra o item 12 da ementa de seu voto relatorial não majoritário nesse capítulo, na ADC n. 30: “12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado.”

[53] “A sanção de inelegibilidade e o trânsito em julgado: a nova "inelegibilidade processual"

(...).

Cunho a expressão inelegibilidade processual para denominar a inelegibilidade que decorre exclusivamente do ônus do tempo do processo, sendo a sua causa e razão de ser gerar uma sanção processual indireta pelo manejo de recursos inerentes ao devido processo legal (due process of law), criando assim limitações gravosas e antidemocráticas ao pleno exercício da pretensão à tutela jurídica e ao livre acesso ao Poder Judiciário.

A inelegibilidade processual seria decorrente da decisão de órgão colegiado, enquanto durar o processo, sem direito a uma espécie de detração eleitoral para o cômputo da inelegibilidade material de 8 anos. Essa inelegibilidade processual seria, portanto, um desestímulo ao uso dos meios recursais próprios, em verdadeira negativa de acesso ao Judiciário: recorrer seria um ônus insuportável para quem tivesse a inelegibilidade decretada por um órgão colegiado.

Sem juízo de constitucionalidade, se fôssemos aplicar a LC 135 a secas, teríamos alguns exemplos graves de inelegibilidade da LC 64/90, com a redação da LC 135:

Art. 1º, I, "e": soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo penal (inelegibilidade processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de natureza penal, decorrente da suspensão dos direitos políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.

Art.1º, I, "l": a soma das seguintes inelegibilidades: (a) inelegibilidade a partir da decisão condenatória do órgão colegiado, enquanto durar o processo por improbidade que decretou a suspensão dos direitos políticos (inelegibilidade processual); (b) inelegibilidade enquanto durar o cumprimento da pena de suspensão dos direitos políticos; e (c) inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena.

Note-se que, em hipótese de inelegibilidade decorrente de ilícitos não-eleitorais (condenação criminal transitada em julgado, v.g.), há agora a criação de uma inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual, como gravíssimo ônus para inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário e tornar inviável ou insuportável o manejo de recursos processuais, ainda que viáveis, firmes e sérios.

No caso da condenação criminal, se o recurso contra a decisão condenatória, proferida por órgão colegiado, tiver um resultado demorado (digamos, 5 ou 10 anos), a inelegibilidade processual, somada ao cumprimento da pena (acaso improvido o recurso) e à inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena, poderá levar a uma sanção total de inelegibilidade de mais de 30 anos, o que nada mais é do que o degredo político.

Aqui, parece-me, será o ponto correto a ser debatida a inconstitucionalidade da inelegibilidade processual sem que haja sequer uma detração, uma subtração daquela inelegibilidade material de 8 anos. O correto, o constitucional, seria a LC 135 ter previsto a aplicação da inelegibilidade de 8 anos desde a decisão de órgão colegiado, como execução imediata. Mas criar um inelegibilidade de natureza meramente processual, como terrível ônus do processo, é uma solução legislativa fascista, criminosa e estapafúrdia.

Sim, um caso para a psiquiatria forense, como afirmou o Min. Gilmar Mendes.

Desse modo, chamo a atenção para as seguintes conclusões:

(a) a sanção de inelegibilidade pode ter execução imediata, desde a decisão de órgão colegiado, exceto nos casos proibidos pela Constituição (condenação criminal e improbidade administrativa);

(b) a inelegibilidade processual, enquanto durar o tempo do processo, é inconstitucional, viola o princípio da proporcionalidade/razoabilidade e impede o acesso frutuoso ao Poder Judiciário; e

(c) a solução constitucional adequada teria sido a LC 135 ter previsto a execução imediata da inelegibilidade cominada potenciada de 8 anos (sem, portanto, postergá-la para o trânsito em julgado e absurdamente criando uma inelegibilidade cominada potenciada de natureza processual).”

[54] Essa preocupação nos ocorreu depois que atuamos em um complexo processo judicial eleitoral, no qual eram 05 réus, acusados por múltiplos e diversos fatos, que não guardavam relação de pertinência entre eles. Tratava-se do pleito de 2012, de AIJE discutindo desde o 41-A, passando pelo 73, da lei 9.504/97, até abuso do poder político e econômico. O cúmulo subjetivo e objetivo fora abusivo. Registramos essa preocupação em petição cautelar apresentada ao TSE em prol de apenas um dos réus, nosso constituinte: “Insta dizer que houve indevido cúmulo subjetivo e objetivo de ações em um mesmo processo judicial eleitoral, feito de forma abusiva pelo d. Ministério Público Eleitoral, pois pelas circunstâncias de lugar, tempo e ação, o que se imputa a C., absolutamente nada tem haver com a imputação aos demais réus. Isso onerou por demais a sua situação processual, e colocou, indevidamente, no mesmo leito processual situações absolutamente distintas, tanto material quanto processualmente falando. Essa confusão ocasionada pela digna acusação eleitoral cível toldou, por certo, a devida análise do caso de C., como distinto dos demais. Prova desta confusão é que o despacho que inadmitiu seguimento ao Resp na origem, (...), não distingui a diferença entre as teses recursais de C. e dos demais réus, teses que, processuais e materiais, demonstram essa distinção crucial, olvidada pelas instâncias ordinárias desta especializada justiça. Por certo, se C. tivesse tido um processo somente para ele, o resultado, desde o primeiro grau, lhe teria sido absolutório (...).” Essa cautelar foi autuada como AC Nº 67566, distribuída por dependência à Ministra do TSE Laurita Vaz, que a deferiu para reintegrar o requerente em seu mandato de vereador, em decisão monocrática de 19.08.14.

[55] A preocupação com o número de fatos e testemunhas respectivas nos chegou ao advogarmos em prol de réus em ação judicial eleitoral com 38 imputações e 04 partes passivas distintas. Trabalhamos desde a contestação até o recurso ordinário, que foi provido, acolhendo nossa tese de nulidade por cerceamento de defesa em face da limitação ilegal do número de testemunhas. Em nosso arrazoado recursal deduzimos as seguintes questões, que iluminam, reflexamente, a presente proposição legislativa:

“Outra nulidade que macula o trâmite desta AIJE desde a audiência de instrução e julgamento, diz respeito a manifestamente ilegal limitação a 12 (doze) do número de testemunhas ouvidas em audiência para cada parte, independentemente da quantidade de fatos, partindo-se da equívoca premissa de que todos os 04 Investigados seriam uma única parte.

(...).

Contudo Excelências, a limitação importou em grave cerceamento de defesa que fere o direito de qualquer acusado de não ser condenado sem que a autoridade julgadora lhe garanta, em igualdade de condições com a acusação (que imputou 38 fatos e subfatos!), os meios aptos e suficientes de provar sua inocência, garantia esta que integra o alicerce principal dos direitos subjetivos previstos na Constituição delineados a partir dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LIV e LV).

(...).

O prejuízo patenteia-se, embora a nulidade seja absoluta e dispense sua demonstração, pela razão de que os Recorrentes restaram condenados pela r. sentença recorrida sem que todos os fatos, circunstâncias e documentos da inicial pudessem ser regularmente contrapostos, em virtude da limitação das testemunhas.

(...).

O segundo motivo a ditar a insustentabilidade da r. decisão, é que a própria dicção do inciso V, do art. 22 da LC 64/90 deixa claro que o número máximo de testemunhas que a lei prevê (seis) é para cada parte, isto é, para cada representante ou representado, com o que mostra-se ilegal querer considerar os Demandados (em número de 4) como sendo uma única parte. Isto é, a própria literalidade da regra, tomada pela r. sentença como fundamento da legalidade da limitação, em verdade nos traz elemento crucial a evidenciar a impropriedade da medida.

Isto fica ainda mais claro se tomarmos em conta a redação do §1º, do art. 26 da Resolução do TSE n. 23.367/11, que diz: “As testemunhas deverão ser arroladas pelo representante, na inicial, e pelo representado, na defesa, com o limite de 6 para cada parte, sob pena de preclusão” (grifo nosso).

(...).

Terceiro motivo: é evidente que o legislador não estabeleceu um número instransponível de 06 testemunhas a serem arrolados pelas partes independentemente do número de infrações imputadas, pois isso inviabilizaria o direito fundamental dos acusados ao efetivo contraditório e a ampla defesa – pois colocaria sobre os ombros do Acusador a medida e a extensão do direito de defesa dos Acusados. Assim, basta ampliar as acusações, com cúmulo objetivo de ações em mesmo processo eleitoral, que o direto de defesa dos acusados diminui na mesma proporção!

Assim, numa representação que indicasse mais de 6 fatos distintos (no caso concreto são aproximadamente 38 imputações), não poderia o acusado contar sequer com uma testemunha por fato, pois, seguindo-se aquela inconstitucional interpretação, o número de seis testemunhas jamais poderia ser ultrapassado, ainda que sejam muitas as questões a serem elucidadas.

(...).

Ademais, se considerarmos que cada uma das 38 imputações poderia, em tese, ter dado azo a uma demanda eleitoral independente, ninguém contestaria o fato de que nesta hipótese cada acusado poderia arrolar até 06 testemunhas de acordo com o art. 22, V, da LC 64/90.

Vale dizer, fosse um único fato imputado teria o acusado a chance de arrolar até 06 testemunhas para contrapô-lo com efetividade. Todavia, tendo decidido a Coligação Recorrida cumular vários fatos numa única demanda, ainda assim estariam os Réus limitados a 12 testemunhas, com o que se teria a seguinte regra: quanto maior for o número de condutas atribuídas aos representados na inicial, menor será o número de testemunhas para rebatê-las.

Portanto, como de fato já havíamos alertado, a audiência de instrução (...) e agora também a r. sentença que nela se baseou, é nula de pleno direito. Isto porque o que se limitou foi o número de testemunhas e não o número de fatos a serem discutidos. (...).”

O recurso foi provido através do acórdão 29.340, do TRE-SC, prolatado nos autos de R.E. 631-60.2012.6.24.00, em 02.07.14. Ao depois ainda ouve a interposição de dois embargos declaratórios, ambos providos (acórdãos 29.409 e 29.991), para esclarecer os efeitos processuais das nulidades decorrentes dessa limitação ilegal do número de testemunhas.

[56] “i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade;”

[57] Para a compreensão do discurso estruturante sobre princípios constitucionais ver nossos: Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 288 p. e Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 02, jul./dez. 2003, p. 393-426. Para uma visão dos princípios como garantidores da democracia ver nosso A Constituição como Garantia da Democracia: o papel dos Princípios Constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, ano 11, abr./jun. 2003, n. 44, p 75/86. E para um olhar crítico sobre o uso e abuso dos princípios ver nosso Princípios e retorno do pêndulo – crítica ao chamado neoconstitucionalismo. Revista Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, n. 87, ano 16, set./out. 2014, p. 63-67.

[58] Rico ler as lições de J. J. Gomes Canotilho, em seu  Direito Constitucional, 6 ed., Coimbra, Almedina, 1993,  p. 372:

“O princípio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, a duas idéias fundamentais. A primeira é de exigência de clareza das normas legais (...). A segunda aponta para a exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, pois um ato legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de:

“- alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos [como é  garantia definição de inelegibilidades por lei complementar];

“- constituir uma norma de atuação para a administração [como garantia de legalidade dos atos judiciais que deferem ou não registro às candidaturas nas eleições geridas, administrativa e judicialmente, pela justiça eleitoral];

“- possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.”

[59] “Registro de candidatura - Contas rejeitadas - (...). Possibilidade de a Justiça Eleitoral verificar se as irregularidades são insanáveis, mesmo havendo decisão do Tribunal de Contas e da Câmara Municipal desaprovando as contas. (...). Não-aplicação do mínimo constitucional da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino - Irregularidade que não acarreta inelegibilidade. Recurso conhecido e provido. RESPE - RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 16433 - Cananéia/SP, Relator Min. FERNANDO NEVES DA SILVA, j. 05.09.2000.”

“AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA ALINHADA COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. 1. A falta de aplicação do percentual mínimo em educação não gera inelegibilidade. Precedentes.(...). Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 30169 - Nova Serrana/MG, Relator Min. EROS ROBERTO GRAU, j. 28.04.2009.”

[60]“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA.INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE 25% EM EDUCAÇÃO (...). DESPROVIMENTO. 1. A rejeição de contas do agravante em virtude da não aplicação do percentual mínimo de 25% exigido no art. 212 da CF/88 configura irregularidade insanável e ato doloso de improbidade administrativa, incidindo a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC 64/90 (REspe 246-59/SP, de minha relatoria, PSESS de 27.11.2012).(...). AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 7486 - General Salgado/SP, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, j. 29.11.2012.”

“ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. REJEIÇÃO DE CONTAS. NÃO APLICAÇÃO DO MÍNIMO EXIGIDO CONSTITUCIONALMENTE EM EDUCAÇÃO. IRREGULARIDADE INSANÁVEL E CONFIGURADORA DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A não aplicação do mínimo constitucional exigido na área de educação consubstancia irregularidade de natureza insanável e configuradora de ato doloso de improbidade administrativa, atraindo, bem por isso, a inelegibilidade inserta no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90.2. In casu, neguei seguimento ao ordinário considerando que a não aplicação do mínimo constitucional exigido na área deeducação caracteriza irregularidade insanável e configuradora de ato doloso de improbidade administrativa, enquadrando-se na inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. (...) Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 178285 - Belo Horizonte/MG - Relato Min. LUIZ FUX, j. 11.11.2014.”

[61] Conforme Gilmar Ferreira Mendes em seu texto “Questões Fundamentais de Técnica Legislativa”, inserido na Revista Trimestral de Direito Público, nº 01, 1993, p. 262-263:

“Alguns princípios constitucionais balizam a formulação das disposições legais. Do princípio do Estado de Direito e de alguns postulados dele derivados podem-se inferir alguns requisitos que devem nortear a elaboração de atos normativos.

“O princípio do Estado de Direito exige que as normas jurídicas sejam dotadas de alguns atributos, tais como precisão, ou determinabilidade, clareza, densidade suficiente para permitir a definição das posições juridicamente protegidas e o controle de legalidade da ação administrativa.

(...).

“O princípio da segurança jurídica, elemento fundamental do Estado de Direito, exige que as normas sejam pautadas pela precisão e clareza, permitindo que o destinatário das disposições possa identificar a nova situação jurídica e as consequências que dela decorrem. Devem ser evitadas, assim, as formulações obscuras, imprecisas, confusas ou contraditórias.

(...).

“Esse princípio está sintetizado, na Constituição (art. 5º, II), pela seguinte fórmula:

‘Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.’

“Os postulados do Estado de Direito, da Democracia (art. 1º) e o princípio da reserva legal (Cf. art. 5º, II) impõem que as decisões normativas fundamentais sejam tomadas pelo legislador.

(...).

“A doutrina assinala, majoritariamente, que há delegação indevida quando se permite ao regulamento inovar inicialmente na ordem jurídica, atribuindo-se-lhe a definição de requisitos necessários ao surgimento de direito, dever, obrigação ou restrição. (...).

“É verdade que a identificação de uma delegação legislativa indevida, em virtude da adoção de cláusula de conteúdo abdicatório ou demissório, há de ser feita em cada caso. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fornece, todavia, elementos para que se estabeleça uma orientação mais ou menos segura sobre o assunto.

“Embora considerasse nulas as autorizações legislativas incondicionadas ou de caráter demissório, a doutrina dominante sempre entendeu legítimas as autorizações fundadas no enunciado da lei formal, desde que do ato legislativo constassem os standards, isto é, ‘os princípios jurídicos inerentes à espécie legislativa.’ Esforçando-se por sistematizar esse entendimento, afirma Carlos Maximiliano que seriam inconstitucionais as leis cujo conteúdo se cingisse ao seguinte enunciado:

‘O Poder Executivo é autorizado a reorganizar o Tribunal de Contas.”

Aceitam-se, porém, como legítimas fórmulas que enunciem, v. G.:

‘Fica o Poder Executivo autorizado a reorganizar o Ensino Superior, sobre as seguintes bases: 1) só obtêm matrícula os bacharéis em letras diplomados por ginásios oficiais; 2) (...)’.

“Na elaboração da lei devem ser evitados as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível caráter renunciativo. Elas representam inequívoca deserção da obrigação de deliberar politicamente e podem caracterizar afronta ao princípio da reserva legal.” (grifos nossos)

[62] “Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. § 2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.”

[63] “Cassação de diploma e realização de novas eleições”. O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, assentou que a vacância dos cargos de chefe do Executivo e vice decorrente de cassação de diploma se efetiva juridicamente com a sentença condenatória, mesmo que esta os mantenha cautelarmente no exercício do múnus público, aguardando decisão de instância superior. Afirmou ainda que, sendo a sentença prolatada no primeiro biênio do mandato, cabe realização de eleições diretas, caso a Constituição ou lei orgânica do ente federativo adote a mesma norma prevista no art. 81 da Constituição da República.(...). ” Mandado de Segurança nº 219-82, Presidente Tancredo Neves/BA, TSE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 2.6.2015 – fonte: Informativo TSE – Ano XVII – nº 8, Brasília, 1º a 14 de junho de 2015.

[64]“Entendo que, em respeito aos primados do regime democrático e da soberania popular, mesmo diante da eventual previsão da LOM pela realização de eleições indiretas, o pleito deva ser realizado sob a forma direta caso a dupla vacância decorrente de decisão da Justiça Eleitoral ocorra nos 3 (três) primeiros anos do mandato, evitando-se tal modalidade apenas no último ano.

A meu ver, outro aspecto relevante diz com a origem da dupla vacância, pois, em se tratando de eleições suplementares determinadas pela Justiça Eleitoral, cabe a esta estabelecer o modo como se fará o pleito, o que afasta, em definitivo, a incidência do art. 81, § 1º, da Carta Política. 

Diante desse quadro, a solução mais ponderada, segundo penso, é suspender, tão somente, a realização das eleições indiretas, mantendo-se no cargo o Presidente da Câmara Municipal, porquanto, consoante afirma o próprio requerente, já houve a alteração da titularidade do Poder Executivo desde 31.3.2015 (fl. 344). Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, as sucessivas alternâncias na chefia do Poder Executivo devem ser evitadas, porquanto geram insegurança jurídica e descontinuidade administrativa.

A questão relativa à modalidade da eleição suplementar - direta ou indireta - trata-se de matéria relevante que está em discussão nos autos do AgR-MS nº 222-71/PR, levado a julgamento na sessão de 19.3.2015, ocasião em que pedi vista antecipada dos autos, estando, portanto, ainda pendente de final apreciação pelo Plenário deste Tribunal.” j. monocrático dia 28.04.15, AC Nº 23536, Brusque-SC.

[65] Interessante ler o instigante artigo de Marcelo Ramos Peregrino, “Direito Eleitoral do Inimigo”, publicado no site empório do direito em 11.04.15, http://emporiododireito.com.br/direito-eleitoral-do-inimigo-por-marcelo-peregrino/

[66] Em seus comentários aos artigos 14 a 16 in: - SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio, et all. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina/IDP, 2014, p. 660.


Autor

  • Ruy Samuel Espíndola

    Advogado publicista e sócio-gerente integrante da Espíndola e Valgas Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC, com militância nos Tribunais Superiores. Professor de Direito Constitucional desde 1994, sendo docente de pós-graduação lato sensu na Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Atual Membro Consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB/Federal e Membro da Comissão de Direito Constitucional da Seccional da OAB de SC. Membro efetivo da Academia Catarinense de Direito Eleitoral, do Instituto Catarinense de Direito Administrativo e do Octagenário Instituto dos Advogados de Santa Catarina. Acadêmico vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas na cadeira de número 14, que tem como patrono o Advogado criminalista Acácio Bernardes. Autor da obra Conceito de Princípios Constitucionais (RT, 2 ed., 2002) e de inúmeros artigos em Direito Constitucional publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras. Conferencista nacional e internacional sobre temas jurídico-públicos. [email protected], www.espindolaevalgas.com.br, www.facebook.com/ruysamuel. 55 48 3224-6739.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Direito eleitoral e reforma política: Sugestões legais, jurisprudenciais e culturais à ótima concretização dos direitos de candidatura e de voto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4391, 10 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40696. Acesso em: 16 abr. 2024.