Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/42601
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A problemática da transição legal nos crimes falimentares e a contagem da prescrição

A problemática da transição legal nos crimes falimentares e a contagem da prescrição

Publicado em . Elaborado em .

Contagem da prescrição nos crimes falimentares

RESUMO

O presente artigo busca fazer uma análise sobre os problemas derivados da transição legal em 2005 da antiga lei falimentar para a atual com enfoque na prescrição. O objetivo do presente trabalho é analisar como se comportam os juízes diante de uma transição legislativa efetuada sem disposições transitórias, gerando grave vácuo legislativo, propondo um método de uniformização similar ao existente nos Juizados Especiais Federais. O método utilizado foi a ampla pesquisa jurisprudencial, em conjunto com breve pesquisa bibliográfica. O resultado esperado era certificar que iria ocorrer uma grande confusão dos juízes diante da falta de regras claras, com decisões em diversos sentidos com os mais distintos fundamentos, o que realmente foi verificado nos casos estudados. A conclusão obtida é que não se pode manter tamanho caos jurídico, sendo necessário um simples e eficaz método de resolver tais situações, que é a uniformização.

PALAVRAS-CHAVE: CRIMES. FALÊNCIA. TRANSIÇÃO. PENAS. PRESCRIÇÃO.

INTRODUÇÃO

             O presente artigo foi desenvolvido já prevendo a detecção dos graves dissensos judiciais sobre como deve ser a transição legal entre a antiga lei falimentar e a moderna, que ocorre devido a particular vacância legislativa sobre o tema. Quando as decisões judiciais são baseadas apenas em princípios e analogias é quase certo que graves divergências irão ocorrer. Tal discordância é extremamente prejudicial, e deveria ser evitada com legislação transitória sobre o tema. Todavia, a presente lei é bastante falha nesse aspecto, apenas contendo uma disposição sobre o procedimento falimentar, sendo absolutamente vacante no quesito penal. Como cada um dos juízes possui o poder de efetuar tal decisão com base em basicamente suas convicções internas os resultados são dos mais diversos, especialmente nos tópicos em que não existe consenso do ponto de vista técnico com um todo. Um exemplo é sobre a possibilidade de o juiz combinar duas leis diversas, sendo a anterior revogada pela posterior. Sem mais delongas, partimos para uma breve análise geral dos pontos mais importantes que foram modificados na hodierna lei falimentar.

1 Análise geral sobre as disposições penais transitórias da Nova Lei de Falências.

             A lei 11.101/2005, usualmente denominada nova lei de falências entrou em vigor dia 09 de junho de 2005, após vacatio legis de 120 dias, conforme o disposto no artigo 201 (foi publicada dia 09 de fevereiro de 2005). Foi um produto derivado de ampla discussão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, e seu objetivo principal era tentar sanar as inúmeras falhas e atecnias legislativas detectadas no antigo decreto-lei 7661 de 21 de junho de 1945 durante os quase 60 anos de vigência da referida lei. Esta lei se aplica apenas as recuperações e falências iniciadas durante sua vigência, sendo regidos pela lei antiga os procedimentos iniciados na vigência do decreto-lei 7661/45.

 Como a nova lei possui dispositivos que se referem ao direito penal e ao processo penal, esses devem ser tratados distintamente no que concerne à sua vigência e retroatividade.

 No que é relativo à parte do direito penal, aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu e irretroatividade da lei mais gravosa (Lex gravior), previstos tanto na Constituição Federal em seu artigo quinto, inciso XL: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Assim, devido a esse forte princípio do direito penal, os artigos que tipificam os novos crimes com as novas penas mais severas serão apenas aplicáveis para os crimes que ocorreram durante sua vigência. É possível que em novas falências ocorram crimes tipificados pela lei antiga, devido ao artigo 4 do Código Penal que considera praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Logo é plenamente possível que um crime seja cometido na vigência da lei 7661/45 e a falência venha a ser declarada na vigência da lei 11101/05.

 Um exemplo de lei penal mais gravosa presente na Lei 11.101 é o prazo prescricional. Na lei antiga ele era uniforme de dois anos, o que na prática é um prazo notavelmente curto para crimes que podem trazer enormes prejuízos financeiros. Na nova lei é aplicado o critério do Código Penal para a prescrição, que varia de acordo com a pena do crime entre três e vinte anos. Como o prazo prescricional mínimo de três anos utilizado para crimes cuja pena máxima seja inferior a um ano ainda é superior ao limite uniforme de dois anos é evidente que se trata de norma penal prejudicial ao réu e que não será aplicada aos crimes cometidos na vigência da lei 7661/45.

 O detalhe é que os dois anos passam a correr apenas após o termino da falência. Supondo que uma falência dure 15 anos. Na lei nova, alguns crimes já teriam prescrito, pois o tempo é contado do início do processo. Assim, cabe ao juiz no caso concreto determinar qual dos dois casos é mais beneficial ao réu.

 Já na parte que é relativa ao Direito Processual Penal, será aplicada a nova lei que se vale do rito sumário ao invés do ordinário, a partir da vigência da nova lei, atingindo o réu de 9 de junho para frente, o que em tese irá prejudicar o réu pela diminuição dos prazos processuais. Mas o Código de Processo Penal é claro e evidente em seu artigo 2: "A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior." Vemos aqui claramente o princípio tempus regit actum. Logo, exceto se o rito novo tolher a amplitude de defesa aplicar-se-á a lei nova, não devido ao prejuízo do réu e sim da quebra do direito constitucional à ampla defesa.

Todavia, alguns doutrinadores como Roberto Podval e Paula Kahan explicitam que a lei processual penal não é aplicável nos termos do artigo 192[i] da lei 11.101/05. Defendem que isto é feito para evitar o tumulto na mudança do rito ordinário para o sumário[ii]:

Não obstante nosso posicionamento no sentido de que, se a lei trouxer dispositivos processuais penais de garantia poderá retroagir aos casos em andamento, atingindo, inclusive, os atos realizados sob a vigência da lei anterior, o texto legal dispõe contrariamente, disciplinando que sequer terá aplicação imediata.

A nova legislação trouxe em seu bojo disposição expressa no sentido de que não terá aplicação imediata aos processos de falência e concordata em andamento, tampouco retroagir., atingindo os atos já praticados, como se aufere do artigo 192. O legislador assumiu essa postura provavelmente imbuído da intenção de evitar o tumulto com a mudança para o rito sumário.

O artigo 192 somente não terá validade nos casos em que se vislumbrar uma situação concreta onde a aplicação da nova legislação possa causar um benefício material ao réu. Nesta hipótese, não há como manter a norma anterior, por ferir o princípio da retroatividade benéfica, nos termos defendidos acima.

            Ocorre que tal visão, apesar de benéfica ao réu é tecnicamente incorreta. Uma simples leitura do artigo 192 conclui que ele se aplica tão somente ao processo falimentar strictu sensu e não ao processo penal. Entretanto, o método empregado é mais benéfico ao réu, o que nos ditames do pricípio favor rei é o mais correto.

 Nas mudanças processuais, temos uma que é extremamente significativa: o fim do inquérito judicial. Essa figura constituía uma clara ofensa a princípios constitucionais e ao sistema acusatório, tais como o do juiz natural, ampla defesa e contraditório. É extremamente suspeito o julgamento de quem estava ativamente investigando alguém, uma atividade de caráter inerentemente persecutório, da qual é difícil, talvez impossível, se distanciar. Assim, a nova lei extingue essa controvertida figura, mantendo, justificadamente a figura do inquérito policial a ser requisitado pelo ministério público, dispensável se a prova constar nos autos.

 Relativo ao tipo penal da ação de crimes falimentares, temos que antes possuíam uma condição de procedibilidade, que era a falência em si, que atualmente passou a ser uma condição de punibilidade, sem a qual o juiz não poderá apenar o acusado.

 Celso de Oliveira[iii] diverge defendendo que ainda subsistem os efeitos do revogado artigo 507 do Código de Processo Penal:

Como já mencionado no conceito, o art. 507 do Código de Processo Penal dispõe o seguinte: “a ação penal não poderá iniciar-se antes de declarada a falência e extinguir-se-á quando reformada a sentença que a tiver decretado”, ou seja, a sentença declaratória da falência e condição imprescindível para processabilidade do delito falimentar: sem a declaração judicial da falência, inexistira o crime falimentar. E somente a reforma da sentença declaratória da falência extingue a punibilidade. Já a sentença não pode nem serve para engendrar a caracterização de um ato delituoso. A conduta ilícita do empresário no exercício de sua atividade, na pratica de crime falimentar, e excludente do direito. Isso reafirma o principio de que sem falência declarada não existe a possibilidade criminal.

 Tal visão, todavia, é deveras equivocada, pois tal dispositivo foi expressamente revogado, sendo substituído o procedimento especial pelo sumário, sendo caso particular de competência, conforme o artigo 185[iv] da lei 11.101/05.

  Existe incompatibilidade entre alguns dos delitos arrolados e o processamento sumário. Entre a vigência da lei falimentar em 2005 e a reforma de 2008 do Código de Processo Penal a incompatibilidade existia no momento em que alguns dos crimes eram punidos com pena de reclusão na lei de falências enquanto o Código de Processo Penal apenas aceitava seu uso para delitos punidos com detenção. Neste sentido temos Renato de Mello Jorge Silveira[v] para tal período:

Caminhando em igual passo e sempre visando a uma esperada maior celeridade do processo, também se estipula, no art. 185 da Lei n° 11.101/ 05, que “recebida a denuncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos artigos. 531 a 540 do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).” Isso implica, diversamente do que antes se tinha, em regras mais ágeis para o deslinde processual, não mais se utilizando de procedimento especifico, mas, tão-só, o de rito sumario. Entretanto, de se ver que o mencionado processo sumario destina-se a contravenções e a crimes apenados com detenção. De modo contraditório, percebem-se, na nova Lei, diversas condutas reprimidas com penas de reclusão. Como compatibilizar o incompatível? Quid juri? A inconsistência entre essa realidade e as previsões típicas anteriormente descritas leva a indagação quanto à viabilidade, ou não, desta regra. Mesmo em se sustentando que a nova lei, especial, derroga a anterior, geral, parece haver clara assistemia no proposto.

 Com a reforma de 2008, modificou-se a regra para a competência do rito sumário, conforme o artigo 394[vi] do Código de Processo Penal, com as mudanças da lei 11.719/08.      Como o próprio parágrafo segundo de tal artigo explicita é plenamente possível que existam procedimentos diferenciados em leis especiais, positivado o preceito apresentado acima por Renato Silveira, lex specialis derogat legi generali.

 A grande crítica a tal preceito, entretanto, é que existem delitos que nas formas qualificadas chegam a 8 anos de prisão, de forma que o uso do rito sumário tolhe o necessário direito à ampla defesa inerente ao grave risco proporcionado por tal pena. É, portanto, uma falha na conformação com a teoria risco versus benefício.

  Outra interessante inovação da nova lei foram os efeitos acessórios da pena privativa de liberdade, como a inabilitação para o exercício de alguma atividade empresarial, mesmo que através de procurador legalmente constituído, juntamente com o impedimento de exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência de empresas. Esses efeitos não são automáticos, devendo ser fundamentados pelo juiz os motivos da aplicação da pena supracitada. Essa pena acessória poderá vigorar por no máximo cinco anos após a extinção da punibilidade, ressalvado o período da reabilitação.

  Um detalhe importante foi que a lei nova revogou inteiramente a antiga sem considerar que isso poderia ser visto como abolitio criminis por algumas pessoas. Um exemplo notório é o caso do síndico, que não pode ser mais punido pelo crime de violação de impedimento (artigo 177[vii] da lei nova, tendo como equivalente o 190[viii] da antiga) por falta de previsão legal. Mas desnecessário dizer que apenas na hipótese do crime deixar de ser tipificado que isso irá efetivamente ocorrer e não pela simples revogação da lei. Logo, os fatos típicos anteriores que se seguiram regulados pela nova lei subsumem-se a ela, devendo a denúncia ser feita com base na nova lei. Porém, apesar da tipificação nova, o preceito secundário (pena) deve ser a da lei anterior, se for mais benéfico. Isso decorre do princípio da continuidade.

  Por fim, é sempre bom analisar o forte acréscimo notado nas penas em comparação com lei antiga. Antes, as penas dos crimes falimentares eram insignificantes diante do potencial dano causado e em relação a crimes similares tipificados no código penal. Uma forte injustiça, devido a similaridade dos tipos e caráter de fraude de muitos deles. Um dos mais comuns sendo "esconder" os bens da empresa, equiparado ao crime de furto, mas que antes tinha pena inferior, apesar do enorme prejuízo que uma grande empresa poderia causar aos diversos credores.

  A lei trouxe várias melhorias, ainda existem inegáveis falhas, mas, pelo menos no campo penal, temos uma técnica legislativa insatisfatória, sendo passível de inúmeras críticas. Um exemplo no que concerne a tipificação, temos a ausência de caracterizadoras específicas de elemento volitivo privilegiado, ou seja, apenas existem qualificadoras que aumentam a pena. Então, o empresário que tenta a todo custo salvar a empresa, acaba sendo punido com o mesmo rigor que aquele que age com extrema má-fé.

 Assim, é visível que a transição entre as duas leis foi feita de forma a deixar diversas questões pairando, especialmente no aspecto processual, principalmente devido às diversas reformas que foram efetuadas no Código de Processo Penal em 2008, dificultando o fluxo normal do processo e abrindo uma lacuna a ser explorada pelos advogados para se valer de táticas protelatórias, tentando anular o processo, pois a doutrina diverge fortemente, abrindo a possibilidade de convencer o juiz a optar pela opção que irá melhor beneficiar o cliente dentre as dezenas de possibilidades oriundas das mais diversas técnicas interpretativas do texto legal mal redigido.

             Ainda hoje, existem processos anulados por erro quanto ao procedimento a ser adotado. Existem casos em que a supressão do inquérito judicial é tida como prejudicial e sua aplicação resulta em nulidade do procedimento. Neste sentido, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[ix], que anulou o processo por tal falha.

             Discutível tal acórdão, pois tal norma é eminentemente procedimental, todavia, foi recebida como norma de direito material. Se recepcionada desta maneira a decisão foi tecnicamente correta, agora se tal recepção é correta, do meu ponto de vista não o foi, por ser norma fortemente processual.

2 Prescrição do crime falimentar

 O decreto-lei 7661/45, em seu artigo 199 regrava a punição de todos os crimes falimentares com o mesmo tempo independentemente de sua natureza. Já o parágrafo único, do mesmo artigo, complementava com o marco de contagem do prazo, estabelecendo que o prazo prescricional comece a correr da data em que transitar em julgado a sentença que encerrar a falência ou que julgar cumprida a concordata.

 Esse artigo era para ser utilizado combinado com o artigo 132[x], que limitava o prazo da falência dois anos. Todavia, como todo o processo de falência sempre foi extremamente moroso, e dificilmente se conseguia o seu encerramento no prazo de 2 anos fixado pelo decreto-lei 7661/45, a jurisprudência passou-se a entender que o prazo prescricional de 2 anos somente começaria a correr da data em que deveria estar encerrada a falência.

 Devido ao anteriormente exposto, o STF estabeleceu através da súmula n° 147 que a prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou que julgar cumprida a concordata.

Alguns autores indicam que a súmula do STF, criou hipótese do crime falimentar já nascer prescrito, se seguida sua literalidade pois durante o processo falimentar (após os quatro anos) seria possível o réu cometer novos crimes falimentares, que já seriam prescritos por natureza, pois conta da data em que deveria estar encerrada a falência.

 Significa dizer que a prescrição penal dos crimes falimentares da lei anterior ocorreria no máximo em quatro anos após a sentença que declarasse a quebra, e após isso sem a parte poderia fazer o crime que bem entendesse. E ainda que a ação penal por crime falimentar só teria início após a sentença de encerramento da falência.

             Obviamente que essa não é a interpretação a ser feita do referido diploma legal. O prazo do artigo 132 não deve ser utilizado para declarar o início do prazo prescricional, mas tão somente a efetiva sentença terminatória da falência ou da concordata, pois como a norma prescricional se valia de um critério material para dar início a contagem do prazo, é necessário utilizar o critério em si, e não quando o critério deveria ter acontecido. Uma outra defesa seria simplesmente considerar o atraso do judiciário como força maior por sobrecarga de tarefa e simplesmente usar a expansão prevista no artigo 132.

 Importante citar que aos prazos prescricionais no modelo antigo em que existiam as divergências são os que se referem à prescrição da pretensão punitiva, pois estava pacífico que o prazo da prescrição da pretensão executória seria de dois anos independente da pena imposta, pois esta começa a correr logo após a condenação transitada em julgado.

 Ainda na lei anterior, o próprio STF citou que com relação às causas interruptivas de prescrição dos crimes falimentares previstos na lei anterior, através da Súmula 592: nos crimes falimentares, aplicam-se às causas interruptivas da prescrição previstas no CP. Notório, entretanto, que o entendimento sumulado é deveras desnecessário legalmente falando e foi aposto tão somente no interesse da segurança jurídica gerada pela uniformidade jurisprudencial, pois a aplicação subsidiária de lei geral na efetiva vacância de lei específica deveria ser automática.

 Na hodierna lei 11.101/05, em seu artigo 182 normatizou a utilização da prescrição do delito falimentar de forma diferente, estabelecendo o uso subsidiário das mesmas regras do Código Penal. Assim é necessário que, no caso da prescrição da pretensão punitiva, seja feita a análise a pena máxima em abstrato de cada crime isoladamente, comparando-o com os prazos prescricionais previstos no artigo 109[xi] do Código Penal, para saber se houve ou não a prescrição.

 O termo inicial da contagem do prazo é o dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial (art. 182, parte final da nova lei). A grande relevância disso é justamente pela ausência de disposição similar a falimentar no artigo 110 do código penal, justamente pelo seu caráter extremamente específico e fora dos padrões de crimes usuais.

 A disposição do artigo 116 do código penal, que suspende a prescrição do crime enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime a meu ver foi a opção legislativa mais saudável para evitar a prescrição dos crimes falimentares, afinal é plenamente possível o falido se valer de inúmeros instrumentos processuais para segurar ao máximo de tempo a sentença de falência com o intuito de prescrever o crime, conforme ocorria frequentemente na lei antiga.

 Ainda é relevante o parágrafo único do art. 182[xii], pois estabelece marco interruptivo novo. Logo, no caso de já estar correndo prazo prescricional nas hipóteses de concessão de recuperação judicial ou homologação do plano de recuperação judicial, se for necessário à decretação da falência do empresário, essa sentença por si só, interrompe o prazo prescricional já transcorrido, e o prazo começa a correr novamente desde o começo.

3 A jurisprudência e a prescrição.

            É ampla e farta a jurisprudência sobre prescrição em delitos falimentares, pois na égide da lei antiga o exíguo prazo de 2 anos após o tempo máximo da falência também de 2 anos, tornava os crimes quase sempre prescritos, especialmente pelos uso dos vários recursos existentes no processo penal brasileiro.[xiii]

            Existem alguns casos interessantes, todavia, que ocorreram quando se efetivou a mudança da legislação antiga para a hodierna. Neste sentido, temos jurisprudência do STJ que combina o prazo da lei antiga com o termo inicial da lei nova, fazendo o delito prescrever com menos de 4 anos.

            No caso supracitado, temos que se fosse utilizado a lei antiga, o crime não teria prescrito, e muito menos na lei nova. Todavia, utilizando as duas em conjunto da forma mais benéfica ao réu, o delito prescreveu.

            Nesta mesma problemática, temos esse acórdão do TJRJ[xiv] que fornece sábia lição nas correntes existentes, e que confirma a visão do STF. Mesmo assim o julgado avalia ambas as possibilidades e evidencia a falta de interesse no caso, pois em qualquer dos casos o crime estava prescrito. É um julgamento feito de forma inteligente, pois acaba fulminando a possibilidade de recursos ao evidenciar que a discussão era irrelevante, e cuja leitura integral é útil para maior aprofundamento no assunto.

            Sobre a possibilidade de combinar as leis, temos um interessante estudo feito pelo em julgado do STJ[xv] que acabou por combinar as duas leis em tutela gerando uma terceira lei, extremamente benéfica ao réu, pois combinou o melhor prazo prescricional com o melhor termo inicial. Ampla discussão existe na doutrina sobre a possibilidade de tal medida ser efetuada pelo Poder Judiciário. Do ponto de vista técnico tal medida judicial acaba por ser criação de peça legislativa, o que principiologicamente viola o pacto federativo e permite graves manipulações da lei, inexistindo, entretanto, vedação legal expressa.

            Um caso de erro judicial foi o acórdão a seguir do TJRS[xvi] que não considerou prescrito um delito, decidindo em sentido contrário ao do acima, pois o procedimento falimentar foi feito sob a égide da lei 11.101/05. Ocorre que os crimes em si foram cometidos antes da vigência da nova lei falimentar, devendo ser aplicado as disposições penais anteriores, conforme visível no voto.

            Da mesma forma temos outros acórdão, este do TJDFT[xvii] que também efetua o erro de aplicar o termo prescricional da lei nova a delito cometido sob a égide da lei antiga, quebrando o disposto no Código Penal sobre o tempo do crime[xviii].

            Em sentido contrário e corretamente do ponto de vista técnico, outro acórdão do TJDFT[xix], que dessa vez considera o delito prescrito aplicando corretamente a lei da época que o ato fora praticado. Apesar de simples tal compreensão, é comum os julgados utilizarem de forma prejudicial certas ficções legais, em especial o fato de que o delito falimentar seria permanente até a decretação da falência, o que de forma alguma se justifica, já que os fatos típicos são instantâneos de efeitos permanentes.

            Portanto, apesar das divergências e falhas técnicas da jurisprudência, é cediço que o princípio mais basilar do direito penal brasileiro, positivado na constituição federal, da irretroatividade da lei penal, exceto para beneficiar o réu. Destarte, não deveriam os julgadores se valerem de interpretações criativas, apesar de que, pessoalmente, concordo que a legislação precisa de uma séria revisão.

            A conclusão a que se chega é que a problemática transicional gera grave insegurança jurídica, pois os juízes frequentemente se confundem na aplicação dos institutos, pois dependendo da mentalidade do julgador o resultado pode ser completamente diverso esperado, muitas vezes violando o direito do réu e da acusação. A falta de uniformização é deveras prejudicial para o sistema, levando inclusive a inércia de persecução penal em tais delitos, mormente a notória possibilidade de prescrever.

CONCLUSÃO

 Diante do que foi exposto e sem esgotar o assunto sobre o tema, verifica-se que mesmo o legislador tendo endurecido quanto às penas, bem como a criação de novos delitos falimentares, dificilmente um empresário em situação de falência ou recuperação judicial ou extrajudicial, que venha praticar os crimes aqui mencionados, será preso ou condenado pela pratica desses delitos, pois embora a norma jurídica esteja presente, há inúmeros subterfúgios que o falido através de uma boa acessória jurídica, poderá se valer para evitar a prisão ou até mesmo descaracterizar a conduta praticada, fazendo-se necessária, uma apuração rígida e criteriosa por parte da Autoridade Policial que presidir o inquérito policial, para não levar à impunidade.

             Verifica-se ainda que as condutas típicas poderão ser cometidas antes ou depois da decretação da falência ou concessão da recuperação judicial ou extrajudicial, mas só poderão ser consideradas como crime falimentar, se houver decretação da falência ou concessão da recuperação judicial ou extrajudicial, caso contrário, ou serão atípicas ou caracterizarão outros crimes que não os falenciais.

 A mudança das regras quanto aos prazos prescricionais, determinando a aplicação das regras do Código Penal, foi uma opção muito boa do legislador, pois na lei anterior, aliada à jurisprudência do STF, o prazo máximo para a prescrição da pretensão punitiva era de dois, após o trânsito em julgado da quebra ou de quando deveria acabar, e a prescrição executória era de dois anos, qualquer que fosse a pena aplicada, o que quase sempre levava à impunidade do falido que cometia crime falimentar. Hoje, a maior prescrição da pretensão punitiva é de 12 anos, no caso da fraude falencial, cuja pena máxima em abstrato é de seis anos, isso se não existir nenhuma causa de aumento de pena que eleve para 16 anos a prescrição.

             Mesmo assim verificamos que ainda que a prescrição seja de doze anos, ainda será comum ver crimes prescreverem, pois uma falência complicada e grande pode se estender na justiça por décadas sem ser solucionada, abrindo-se uma grande porta para a impunidade.

            Diante da grave divergência da jurisprudência no que concerne a prescrição transitória, temos que se mostra necessário para o futuro do direito penal a presença de um método de uniformizar a jurisprudência, nos mesmos moldes do artigo 14 da lei 10259/01. É extremamente injusto que réus na mesma situação fiquem em condições diferentes apenas por causa da cabeça do juiz que foram sorteados, sendo grave violação ao princípio da isonomia e que possui uma simples solução, que é um incidente de uniformização que suspendesse os processos. Para evitar que a usual mora processual levasse à impunidade, bastaria que a suscitação da necessidade do incidente ou da adequação do caso a um incidente já em curso suspendesse o curso da prescrição. Um estudo aprofundando de cada caso deveria ser feito pelos magistrados sobre a necessidade da manutenção de medidas cautelas como a prisão preventiva no decorrer de um incidente como esse, devendo ser positivado um prazo após o qual não é mais razoável a manutenção de tal medida cautelar se a mora do incidente não ocorreu por culpa do réu. Seria interessante a positivação de um prazo próprio para o julgamento, sob alguma penalidade, como a suspensão de vencimentos, salvo motivo de força maior, afinal, é cediço que os prazos impróprios são frequentemente desrespeitados diante da vacância de sanção a ser imputada. Ou seja, seria uma forma de forçar a tão necessária celeridade em um procedimento que resolveria inúmeros processos de uma só vez, sanando o excesso de processos presentes no judiciário de forma mais eficiente e reduzindo consideravelmente a insegurança jurídica. É frequente a alegação de que os incidentes violam o acesso à justiça, pois os julgamentos em lote falham em detectar as peculiaridades de cada caso, o que é verdade se o caso exige uma análise fática, mas não se aplica quando a divergência é apenas no campo do direito. O que viola o acesso à justiça é ter um judiciário extremamente lento, caro e ineficaz, que comumente demora décadas para julgar coisas simples que deveriam ser resolvidas em menos de um mês. Destarte, são necessárias diversas medidas para transformar a justiça em segura e com efetividade, sem ficar o réu a mercê da sorte de conseguir um juiz pensa de acordo com os princípios que lhe favorecem e sem que a sociedade tenha que ficar assistindo diversos criminosos saírem impunes tão somente pela incapacidade do Estado de conseguir sequer conduzir um simples processo em tempo hábil. O principal argumento contra a agilização dos procedimento é relacionar a demora com a qualidade da justiça, fato que não se verifica. Infelizmente, entre uma justiça lenta e ineficiente que vá julgar com qualidade mediana e uma justiça rápida e mediana, é bem melhor a rápida, afinal, como toda obra humana, estamos sujeitos as médias. Dos males o menor.

                       

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

COELHO, Fábio Ulhoa – Comentários à nova lei de Falências e de recuperação de empresas: Lei 11.101, de 9-2-2005.  8ª.ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol. 1. 16ª.ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

HAKIM, Paulo Kaham Mandel; PODVAL, RobertoDireito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005.

NEGRÃO, Ricardo.  Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

OLIVEIRA, Celso Marcelo. Comentários à nova lei de falências. 1ª Edição. São Paulo: Editora IOB Thomson, 2005.

PAIVA, Luiz Fernando Valente de. Direito falimentar e a nova Lei de falências e recuperação de empresas: Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 e LC 118 de 9 de fevereiro de 2005 . São Paulo: Quartier Latin, 2005.

RÔLA, José Alberto. Recuperação de Empresas e Falências. Fortaleza: Imprece Editorial, 2011.

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Comentários à nova LEI DE FALÊNCIAS e RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS Doutrina e Prática. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005.

STEVENSON, Oscar. Do crime falimentar. São Paulo: Saraiva, 1999.

STJ, AgRg no Habeas Corpus Nº 72.770 - RJ (2006⁄0277132-5) – Rel. Min Nilson Naves, julgado em 29 set 2009, dje 30 nov 2009.

Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=916365&num_registro=200602771325&data=20091130&formato=PDF Acesso 30 mar 2015.

STJ, Recurso Especial Nº 1.114.053 - SP (2009/0082226-0), Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 09 set 2009, dje 18 set 2009. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=6210404&num_registro=200900822260&data=20090918&formato=PDF Acesso em 30 mar 2015.

STJ, Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.114.053, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 13 out 2009, dje 18 dez 2009.  Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=919683&num_registro=200900822260&data=20091218&formato=PDF Acesso em 30 mar 2015.

TJDFT, Apelação Criminal Num. Proc.: 2003 01 1 102673-2, Rel. Des. Romão C. Oliveira, julgado em 30 out 2008, dje 26 nov 2008. Disponível em:

http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?NXTPGM=plhtml02&TitCabec=2%AA+Inst%E2ncia+%3E+Consulta+Processual&SELECAO=1&CHAVE=0102673-97.2003.807.0001&COMMAND=ok&ORIGEM=INTER

Acesso em 30 mar 2015.

TJRJ, Recurso em Sentido Estrito nº. 2008.051.0033, Rel. Desembargadora Leony Maria Grivet Pinho, julgado em 26 fev 2009, dje 17 mar 2009. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=200805100337 Acesso em 30 mar  2015.



[i] Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945.

[ii] HAKIM, Paulo Kaham Mandel; PODVAL, Roberto.  Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005. Páginas  616 e 617.

[iii] OLIVEIRA, Celso Marcelo. Comentários à nova lei de falências. 1ª Edição. São Paulo: Editora IOB Thomson, 2005. Página 587.

[iv] Art. 185. Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a 540 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

[v] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Comentários à nova LEI DE FALÊNCIAS e RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS Doutrina e Prática. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005. Páginas 296 e 297.

[vi] Art. 394.  O procedimento será comum ou especial. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 1o  O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:

I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; 

II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. 

[vii] Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos

[viii] Art. 190. Será punido com detenção, de um a dois anos, o juiz, o representante do Ministério Público, o síndico, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, direta ou indiretamente, adquirir bens da massa, ou, em relação a êles, entrar em alguma especulação de lucro.

[ix] STJ- AgRg no Habeas Corpus Nº 72.770 - RJ (2006⁄0277132-5) – Rel. Min Nilson Naves, julgado em 29 set 2009, dje 30 nov 2009.

Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=916365&num_registro=200602771325&data=20091130&formato=PDF Acesso 30 mar 2015.

Habeas corpus. Inquérito judicial falimentar. Decreto-Lei 7.661⁄45. Peça de investigação inquisitória e preparatória para instruir a ação penal. Ausência de contraditório. Aplicação do artigo 106 do Decreto-Lei 7.661⁄45. Prazo que corre em cartório, independentemente de publicação ou intimação. Artigo 204 do mesmo diploma legal. Nova lei de falências, nº 11.101, de 09⁄02⁄2005, que prevê possibilidade do M.P. dispensar o inquérito para instaurar a ação penal. Ausência de constrangimento ilegal. Denegação da ordem.'

Alega-se, em síntese, que 'foi validado processo crime irremediavelmente nulo, posto que feita letra morta do art. 106 da Lei Falimentar e, assim, cerceado o direito do impetrante de contestar as arguições feitas pelo Síndico da Falência e de produzir provas no momento próprio'. Sustenta-se, ainda, ausência de fundamentação da decisão de recebimento da denúncia por crime falimentar, nos termos da Súmula 564⁄STF.

Ouvido, o Ministério Público Federal (Subprocuradora-Geral Deborah Macedo) opinou pela denegação da ordem.

Decido.

Giram os acontecimentos deste habeas corpus em torno de norma falimentar (revogada pela Lei nº 11.101⁄05) segundo a qual, 'nos cinco dias seguintes, poderá o falido contestar as arguições contidas nos autos do inquérito e requerer o que entender conveniente' (art. 106 do  Decreto-Lei nº 7.661⁄45).

No RHC-16.181 (DJ de 9.5.05), tive a oportunidade de assinalar que, 'técnica, lógica e processualmente, o inquérito judicial representa mais do que o inquérito policial'. Se, para mim, era relevante aquele inquérito, quero crer que também o era para os Ministros Carvalhido e Laurita quando relataram, respectivamente, os RHCs 10.219 (DJ de 6.5.02) e 15.723 (DJ de 11.9.06), de ementas seguintes no que interessa:

'A Lei de Falências, na letra de seus artigos 106 e 109, parágrafo 2º, afora gravar o inquérito judicial com o contraditório e o direito de defesa, podendo o falido contestar as arguições nele insertas e requerer o que entender de direito, faz também induvidoso que o Juízo Falimentar tem o dever de motivar o despacho de recebimento da denúncia.'

'Na hipótese dos autos, a denúncia contra a falida foi oferecida antes de aberto o prazo previsto no art. 106, da antiga Lei de Falências, para que pudesse apresentar as impugnações que entendesse necessárias ao inquérito judicial, caracterizando, assim, a nulidade do processo-crime movido em seu desfavor, desde o recebimento da denúncia, inclusive.' 

No RHC-15.723, a Relatora se valeu, também, do HC-82.222 (DJ de 6.8.04), Ministro Pertence, desta ementa:

'Crime falimentar: contraditório prévio à instauração do processo (LF, arts. 105 e 106), à falta do qual são inadmissíveis o oferecimento e o recebimento da denúncia, tanto mais quanto se exige a fundamentação deste (LF, art. 107).'

Na espécie, no prazo para a manifestação do falido (art. 106 do Decreto-Lei nº 7.661⁄45), já estava em vigor a Lei nº 11.101⁄05.  Assim, à primeira vista, seriam inaplicáveis os dispositivos da lei anterior, visto que processuais.

Como se sabe, o legislador pátrio adotou o princípio da aplicação imediata das normas processuais penais, não havendo efeito retroativo, visto que, se tivesse, a retroatividade anularia os atos anteriores, o que não ocorre, pois os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior se consideram válidos.

Todavia não é raro que as normas jurídicas possuam natureza processual e material concomitantemente. Assim, se a norma processual penal possuir também caráter material, aplicar-se-ão, quanto à sua disciplina intertemporal, as regras do art. 2º e parágrafo único do Cód. Penal; noutras palavras, serão irretroativas quando desfavoráveis ao réu.

Pode-se dizer, então, que a norma processual terá caráter material quando versar sobre o direito de punir do Estado, criando-o, extinguindo-o ou modificando-o. A Lei nº 11.101⁄05 trouxe, em seu texto, novas disposições, extinguindo o inquérito judicial e os direitos a ele correlatos. Como se pode notar, foram introduzidas disposições mais gravosas, pois suprimidas essenciais oportunidades de exercício do direito de defesa.

Cuidando-se de norma processual com reflexos penais concretos e prejudiciais, só vale para delitos ocorridos a partir de sua entrada em vigor, que data de 9 de fevereiro de 2005. Aos crimes ocorridos anteriormente, aplicam-se as regras do Decreto-Lei nº 7.661⁄45.

Dessarte, no caso, são nulos os atos processuais desde o oferecimento da denúncia, mas vou além, porque reconheço também, na hipótese, a ocorrência da prescrição.

O Decreto-Lei nº 7.661⁄45 previa, nos termos do art. 199, o prazo prescricional de dois anos. Com a Lei nº 11.101⁄05, o tema passou a ser regido pelo Cód. Penal. Nesse ponto, mais uma vez, a lei nova é desfavorável, portanto não retroage. Na espécie, os atos fraudulentos descritos na denúncia foram perpetrados em 2001. Com a declaração de nulidade do recebimento da denúncia, desapareceu o marco interruptivo. Sendo, pois, de dois anos o prazo de prescrição, a contar da decretação da falência (5.4.02), ele já ocorreu.

À vista do exposto concedo a ordem a fim de anular os atos processuais desde o oferecimento da denúncia e de declarar extinta a punibilidade pela prescrição."

[x] § 1º. Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado 2 (dois) anos depois do dia da declaração.

[xi] Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: 

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

[xii] A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial

[xiii]STJ. Recurso Especial Nº 1.114.053 - SP (2009/0082226-0), Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 09 set 2009, dje 18 set 2009. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=6210404&num_registro=200900822260&data=20090918&formato=PDF Acesso em 30 mar  2015.

O Superior Tribunal tem afirmado que "o termo inicial da prescrição da ação em crimes falimentares, ao tempo de vigência do Decreto-lei 7.661/45, dizia com o termo do processo falimentar (que deveria durar, no máximo, dois anos), nos moldes do art. 199 do referido diploma normativo" (RHC-18.063, Ministra Maria Thereza, DJe de 1º.11.08). Com a mesma compreensão, assim ementei o RHC-20.880 publicado em 9.3.09):

"É antigo o entendimento conforme o qual 'a prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência' (Súmula 147/STF, do ano 1963). Assim, o marco inicial da prescrição nos crimes falimentares é a data do provável encerramento da falência".

Não obstante, dúvida não tenho de que é cabível retroagirem, em benefício do réu, as disposições benéficas introduzidas na nova Lei de Falências, especificamente aplicáveis a este caso, ou seja, é possível ter por marco inicial do prazo prescricional a data da decretação da falência.

A mesma solução temos aplicado em situação semelhante, a saber, nos casos de aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 em condenações por tráfico de entorpecentes praticado sob a égide da Lei nº 6.368/76.

Para reforçar esse entendimento, trago o HC-85.147

(Desembargadora convocada Jane Silva, DJ de 5.11.07):

"Os temas de direito material penal tratados na nova legislação devem respeitar a retroatividade da lei penal mais benéfica, sendo que, deste modo, as disposições de caráter penal tratadas na Lei n.º 11.101/05, as quais de qualquer modo beneficiem o réu, devem retroagir para atingir casos anteriores à sua vigência."

Está escrito no acórdão que a quebra ocorreu em 24.4.00 e a denúncia foi recebida em 17.2.04, de sorte que, observados o marco inicial da Lei nº 11.101/05 (art. 182) e o prazo prescricional previsto no art. 199, caput, do Decreto-Lei nº 7.661/45, operou-se a prescrição da pretensão punitiva.

Assim, dou provimento ao recurso especial (art. 557, § 1º-A, do

Cód. de Pr. Civil, aplicado analogicamente, por força do art. 3º do Cód. de Pr. Penal) para declarar extinta a punibilidade do fato.

[xiv]TJRJ, Recurso em Sentido Estrito nº. 2008.051.0033, Rel. Desembargadora Leony Maria Grivet Pinho, julgado em 26 fev 2009, dje 17 mar 2009. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=200805100337 Acesso em 30 mar  2015. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público contra a r. decisão de fls. 08 do Juiz de Direito da 37ª Vara Criminal da Comarca da Capital que, verificando a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, declarou extinta a punibilidade do crime falimentar atribuído aos recorridos.

A exordial acusatória foi recebida em 24.01.2004 (fls. 07), tendo ocorrido a decretação da quebra em 14.03.2001 (fls. 05/06). Em suas razões a fls. 10/11, o recorrente se insurge contra a combinação do Decreto-Lei nº 7.661/45 com a Lei nº 11.101/05, argumentando que a decisão atacada nada mais é do que a criação de "terceira lei".

A defesa técnica apresentou contra-razões a fls. 70/73, prestigiando a r. sentença recorrida, pugnando por sua confirmação.

A fls. 74 o eminente Magistrado manteve a decisão guerreada.

A Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 78/82, da lavra da Dra. Maria Teresa de Andrade Ramos Ferraz, opinou pelo improvimento do recurso ministerial.

É o relatório.

VOTO

Conforme visto no relatório, pretende o recorrente a reforma da decisão amparado em corrente doutrinária que visualiza a impossibilidade de combinar dispositivos de duas leis que conflitem no tempo, favoráveis aos réus, opondo-se ao entendimento de que a combinação de dispositivos é possível para beneficio do réu, face ao que dispõe o artigo parágrafo único, do Código Penal e artigo XL, da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

Ocorre que independentemente do acirrado debate entre asduas correntes, o delito já se encontra fulminado pela prescrição.

Com efeito, trata-se de crime falimentar, previsto no art. 188, VIII, da antiga Lei de Quebras, sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, na esteira do Colendo Supremo Tribunal Federal, consoante as Súmulas 147 e 592, respectivamente, no sentido de que o prazo prescricional, nos delitos falimentares, é de dois anos, começando a correr da data do trânsito em julgado da sentença que encerrar a quebra ou de quando deveria estar encerrado o procedimento falimentar (art. 132, § 1º e parágrafo único do art. 199, ambos do Decreto-lei nº 7.661/45).  

De acordo com os autos, a falência da empresa da qual os recorridos eram sócios foi decretada em 14 de março de 2001. Assim temos o prazo prescricional iniciando-se em 14 de março de 2003, operando-se a prescrição dois anos após, ou seja, em 14 de março de 2005.

Todavia, o recebimento da denúncia, que se deu em 24 de janeiro de 2004, interrompeu o lapso prescricional, recomeçando daí a contagem de novo prazo, que restou concretizado em 24 de janeiro de 2006.

Pela segunda corrente, em sendo a falência decretada no dia 14 de março de 2001, dessa data inicia-se o prazo prescricional, segundo a nova Lei de Falências, e aplicando-se prazo de dois anos previsto no Decreto-Lei 7.611/45, a prescrição dar-se-ia em 14 de março de 2003, antes do primeiro março interruptivo, qual seja, o recebimento da denúncia, em 24 de janeiro de 2004.

Como se vê, qualquer que seja a corrente doutrinária adotada, os crimes estão prescritos, razão pela qual nego provimento ao recurso ministerial e mantenho a decisão atacada.

[xv] STJ, Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.114.053, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 13 out 2009, dje 18 dez 2009.  Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=919683&num_registro=200900822260&data=20091218&formato=PDF Acesso em 30 mar 2015.

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Agrava o Ministério Público Federal da decisão de fls. 988⁄989, alegando que "não há falar em combinação do prazo prescricional fixo do art. 199, da Lei nº 7.661⁄45 (sic), com o marco inicial da contagem da prescrição estabelecido no art. 182, da novel Lei Falimentar", porquanto a aplicação da lei nova mais benéfica não deve, em matéria penal, ser "fragmentada, isto é, realizada de modo a desmembrar as normas editadas pelo Poder Legislativo, para que sejam combinadas, produzindo-se, assim, um terceiro texto legal, distinto dos (...) anteriores". Sustenta, ainda, que, "sendo a lei nova mais benigna do que a revogada, deverá ser aplicada, na sua totalidade, e não, apenas, em parte, sob pena de desintegrar-se a estrutura da norma criada pelo legislador ordinário, provocando, até mesmo, afronta ao princípio da separação dos poderes". Colaciona julgados do Supremo Tribunal e doutrina pátria para sustentar sua tese e pede seja exercido juízo de retratação ou levado o feito a julgamento na 6ª Turma.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Dois são os princípios aplicáveis a este caso, ambos informadores das garantias individuais previstas no art. 5º da Constituição: o primeiro deles é o da retroatividade da lei mais benéfica, o segundo, em corolário, o da irretroatividade da lei mais gravosa.

Esta é a situação com a qual nos defrontamos: a antiga Lei de Falências estabelecia, em seu art. 199, que o lapso temporal da prescrição da pretensão punitiva era de dois anos. No entanto, em seu parágrafo único, estabelecia como marco inicial a data do encerramento do processo falimentar. Já a nova Lei de Falências (Lei nº 11.101⁄05) é mais benéfica no que diz respeito ao termo inicial da prescrição, a saber, a data da decretação da falência, e mais gravosa quanto ao prazo prescricional, que elevou, em hipóteses como a dos autos, a quatro anos.

Não se trata, ao que cuido, de criar uma terceira lei, mas de conferir eficácia àqueles princípios aos quais me referi, isto é, trata-se de afirmar a incidência, no caso concreto, de ambas as disposições mais benéficas em favor do réu. É caso, portanto, de dar vigência ao art. 2º, parágrafo único, do Cód. Penal para fazer valer a aplicação da lex mitior, ainda que sobre fatos anteriores decididos por sentença transitada em julgado.

Nos casos aos quais me referi na decisão agravada, vinculados à causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343⁄06, assim tem decidido a 6ª Turma – veja-se, por todos, o REsp-1.105.287 (Ministro Og Fernandes, DJe de 3.8.09): "... as disposições benignas contidas na Lei nº 11.343⁄06, incluindo o disposto no seu art. 33, § 4º, aplicam-se aos crimes cometidos na vigência da Lei nº 6.368⁄76, nas hipóteses em que o réu for primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, e nem integrar organização criminosa." Há, também, no Supremo Tribunal, decisões no mesmo sentido. Trago, a propósito, além do AgRg no RE-597.341 (Ministro Eros Grau, DJe de 29.5.09), o HC-95.435 (Relator para o acórdão Ministro Cezar Peluso, DJe de 7.11.08): "A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343⁄2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368⁄76." Do último julgado colho a seguinte passagem do voto vencedor:

 "Por fim, acresceria que a vedação de junção de dispositivos de leis diversas (que não ocorre no caso) é apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio em texto constitucional. Talvez nem seja esta a leitura mais curial do princípio da retroatividade da lei mais benigna, pois acaba por limitar-lhe o alcance."

 Também eu penso assim. No HC-96.521, publicado em 12.5.08, escrevi o seguinte:

 "De tão salutar que é o princípio do benefício, que adotamos o da retroatividade para beneficiar: 'a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu', é o que se lê hoje, como alhures era antes lido, no inciso XL. Quero crer que haveremos, hei eu, principalmente, de extrair dessa norma, que também se encosta em outros princípios tão caros como o da liberdade e o da dignidade, conseqüências as mais amplas. É segundo essa compreensão de normas e princípios, talvez até mais de princípios, que me dispus a entender, respeitando doutas opiniões em contrário, que, tratando-se, por exemplo, a meu ver, de norma benéfica, o tão referido § 4º tem aplicação aos fatos verificados na vigência da lei de 1976. E o tem com todas as implicações benéficas – por benéficas, hão de ser todas as condições que, de fato, beneficiam, sob pena, a meu juízo, de não estarmos acolhendo todos os princípios que giram em torno do princípio maior inscrito no indicado inciso XL. Por isso é que a redução se faz a maior, também não se pode impedir seja uma pena substituída por outra. Isso não significa que duas leis tenham sido juntadas para que daí surgisse uma terceira, ou que se esteja colhendo benefícios daqui e dali. O que se está mesmo fazendo, repito, faço-o respeitosamente, é extraindo conseqüências de um bom, se não excelente, princípio, que cumpre ser preservado para o bem do Estado democrático de direito."

[xvi] TJRS- Apelação Nº 70034633149

A prescrição não aconteceu.

A denúncia foi recebida em 26 de setembro de 2006, já na vigência da Lei nº 11.101/05, que prevê:

“Art. 182 - A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

(...)

Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945”.

Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

“CRIMINAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. OMISSÃO. CRIMES FALIMENTARES. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO PARCIAL DA LEI N.º 11.101/2005. MANUTENÇÃO DO PRAZO DE 02 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. LEGISLAÇÃO NOVA QUE NÃO ALCANÇA OS PROCESSOS AJUIZADOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. OMISSÃO, OBSCURIDADE, AMBIGÜIDADE OU CONTRADIÇÃO DO ACÓRDÃO NÃO DEMONSTRADAS. EMBARGOS REJEITADOS. I. Hipótese na qual se sustenta que, com a entrada em vigor da Lei n.º 11.101/2005, a qual beneficiaria o paciente, esta deveria ter sido aplicada à hipótese, tendo em vista ter regulado de forma diversa a matéria dos autos, referente à prescrição dos crimes falimentares. II. Com o advento da nova legislação, não deve mais ser aplicado o prazo prescricional de 02 anos para os crimes falimentares, pois a Lei nº 11.101/2005, determinou que a prescrição de tais crimes passa a ser regulada pelas disposições do Código Penal. III. Se a Lei nº 11.101/2005 define que suas disposições somente serão empregadas aos processos ajuizados posteriormente ao início de sua vigência, descabido o pleito de aplicação da inovação legislativa ao caso, pois a denúncia foi recebida em data anterior a tal fato. IV. Persistem as razões do acórdão embargado, que decidiu a questão levando em conta os fundamentos entendidos como suficientes ao embasamento da decisão, no sentido de que a prescrição dos crimes falimentares, cujos processos foram iniciados antes da vigência da Lei nº 11.101/2005, se regula pelo prazo de 02 anos, contado da data do trânsito em julgado da sentença que encerra a quebra ou de quando deveria estar encerrada a falência da empresa. V. Razões dos embargos declaratórios que não se ocupam em evidenciar qualquer omissão, ambigüidade, contradição, obscuridade ou equívoco e, sim, visam a atacar os fundamentos do julgado com o intuito de lograr a reforma do decisum, o que não é, contudo, a sua eficácia normal. VI. Embargos rejeitados” (EDcl no HC 44230 / SP, STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. Quinta Turma. j. 15.08.2006, unanimidade, DJU 04.09.2006, p. 292).

No caso, a falência foi decretada em 18 de agosto de 2005. A denúncia, recebida em 26 de setembro de 2006. A sentença foi publicada em 10 de setembro de 2009. A pena aplicada foi de dois anos e dois meses de reclusão.

Como se pode ver, entre nenhum dos marcos interruptivos, decorreu o prazo prescricional de oito anos, não se podendo falar em extinção da punibilidade pela prescrição.

[xvii] EMD/APR – Embargos de Declaração na Apelação Criminal 2007.01.1. 110577-7

Nestes termos restaram relatados os autos:

“Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo acusado Renato Alvarenga Cardoso, em face do Acórdão de fls. 241/247, que manteve a condenação imposta pelo Juízo da Vara de Falências e Concordatas do Distrito Federal, consistente na pena de 01(um) ano de reclusão, substituída por uma restritiva de direito, por infração ao art. 187 e 186, inciso VI, do Decreto-Lei nº 7.661/45.Aduz a Defesa que entre a data do fato ocorrido em abril de 2003 e do oferecimento da denúncia, 13 de setembro de 2007, se passaram mais de quatro anos, operando-se, consequentemente, a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, inciso V, do Código de Processo Penal. “

Inicialmente cabe registrar que a falência da Empresa Salém Veículos Ltda, cujo sócio-administrador é o ora Embargante foi decretada em 16/05/2006, conforme cópia da sentença de folhas 20/23, isto é, já sob a égide da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a qual dispõe sobre a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Verifica-se da norma atual de regência, que a prescrição nos crimes falimentares, não obstante terem como parâmetros os prazos previstos no Código Penal, diferentemente do Decreto-lei n° 7.661/45, que previa o prazo único de 02(dois) anos, somente começam a correr para efeitos de contagem do prazo prescricional do dia da decretação da falência, no presente caso, 16 de maio de 2005 (fls. 20/23), conforme dispõe o art. 182 da Lei n.º 11.101/05, in verbis:

“Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial.”

Assim sendo, não assiste razão ao Embargante quando afirma que a pretensão punitiva estatal, encontra-se fulminada pelo instituto da prescrição, eis que nos crimes falimentares o prazo inicial não é a data do fato ocorrido, mas sim o dia em que a falência foi decretada, ou concedida recuperação judicial ou homologado plano de recuperação, consoante dispõe o art. 182 da Lei n.º 11.101/05, acima descrito.

[xviii] Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

[xix] TJDFT, Apelação Criminal Num. Proc.: 2003 01 1 102673-2, Rel. Des. Romão C. Oliveira, julgado em 30 out 2008, dje 26 nov 2008. Disponível em:

http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?NXTPGM=plhtml02&TitCabec=2%AA+Inst%E2ncia+%3E+Consulta+Processual&SELECAO=1&CHAVE=0102673-97.2003.807.0001&COMMAND=ok&ORIGEM=INTER

Acesso em 30 mar 2015.

O parágrafo único do artigo 199 do Decreto-Lei 7.661/45 dispõe:

“Art. 199. A prescrição extintiva da punibilidade de crime falimentar opera-se em 02 (dois) anos.

Parágrafo único. O prazo prescricional começa a correr da data em que transitar em julgado a sentença que encerrar a falência ou que julgar cumprida a concordata.”

A Súmula 147 do Supremo Tribunal Federal estabelece:

“A prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou que julgar cumprida a concordata”.

Como se observa, tratando-se de crime falimentar, no regime anterior à Lei n° 11.101/2005, o prazo prescricional era de 02 (dois) anos e começava a fluir da data do trânsito em julgado da sentença que encerrava a falência.

No caso vertente, a falência foi decretada no dia 27/08/2001 (fls. 18/20). A sentença que encerrou o pleito falimentar foi proferida em 06/02/2004 (fl. 82) e transitada em julgado em 06/04/2004 (fl. 215).

Assim sendo, da data em que a sentença da falência transitou em julgado (fl. 215) até o julgamento da apelação já transcorreu o biênio, cumprindo acentuar que eventual provimento do recurso ministerial objetivando agravar a situação do apelado não alteraria o prazo prescricional.

Ante o exposto, com fundamento nos art. 107, IV, do Código Penal, art. 199, do Decreto-lei n° 7.661/45, e na Súmula 147 do Supremo Tribunal Federal, declaro extinta a punibilidade pela prescrição operada. É como voto.

THE PROBLEMATIC OF THE LEGAL TRANSITION IN BANKRUPTCY FELONIES AND THE LIMITATIONS COUNTING

ABSTRACT

This article aims to perform an analysis about the problems that happened during the legal transition in 2005 from the old bankruptcy law to the current, focusing on the limitations. The objective of the present work is to analyze how the judges behave in front of a legislative vacuum in the transition legislation, and to propose a uniformization method similar to the one that already exists in the Federal Special J Courts. The method utilized was an ample sentences research, combined with a brief bibliographic research. The aimed result was to certify that a big confusion was going to happen in the judges in the absence of a clear law, with contradictory decisions based on the most diverse principles, which was indeed verified in the studied cases. The conclusion obtained is that such a juridical chaos cannot be allowed to happen, being necessary a simple and effective method to solve those situations, which is the uniformization procedure.

KEYWORDS: FELONY. BANKRUPTCY. TRANSITION. LIMITATIONS. PUNISHMENT..


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.