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A improbidade administrativa e sua sistematização

A improbidade administrativa e sua sistematização

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Sumário: Proêmio.; I. Dos Princípios Regentes da Probidade. 1. Introdução. 2. Princípio da Legalidade. 3. Princípio da Moralidade. 4. Princípio da Proporcionalidade.; II. Dos Atos de Improbidade. 5. Introdução. 6. Atos Administrativos. 7.Atos Legislativos. 8. Atos Jurisdicionais. 9. Da Casuística.; III. Das Sanções. 10. Das Sanções em Espécie. 11. Natureza Jurídica. 12. Dosimetria.; IV. Síntese Conclusiva ; Referências Bibliográficas


PROÊMIO

Ainda hoje, em muitos rincões de nosso País, são encontrados administradores públicos cujas ações em muito se assemelham às de Nabucodosonor, filho de Nabopolassar e que assumiu o Império Babilônico em 624 AC. Este, buscando satisfazer sua Rainha Meda, saudosa das colinas e florestas de sua pátria, providenciou a construção de estupendos jardins suspensos, tendo tal excentricidade consumido anos de labor e gastos incalculáveis, culminando em erigir uma das sete maravilhas do mundo antigo. Tal "maravilha", de flagrante inutilidade, apresenta grande similitude com os devaneios atuais, onde o dinheiro público é consumido com atos de motivação fútil e imoral; finalidade dissociada do interesse público; e em total afronta à razoabilidade administrativa, havendo flagrante desproporção entre o numerário dispendido e o benefício auferido pela coletividade, qual seja, nenhum. O administrador, tal qual o mandatário, não é o senhor dos bens que administra; assim, cabe-lhe tão somente praticar os atos de gestão que beneficiem o verdadeiro titular, o povo. Em um País onde a corrupção encontra-se arraigada, caracterizando-se como verdadeira chaga social, afigura-se sempre oportuna a tentativa de sistematização dos princípios que delineiam o obrar do agente probo. Aperfeiçoado o estudo e identificada a origem, melhores resultados serão auferidos na coibição da improbidade. O presente ensaio visa a identificar os atos de improbidade a partir da violação dos princípios regentes da atividade dos agentes públicos, relegando a casuística da Lei 8.429/92 a plano secundário. Ulteriormente, a improbidade é analisada sob a ótica dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais, já que todos os agentes públicos devem estrita obediência aos princípios norteadores do Estado Social de Direito. Por derradeiro, são tecidas considerações a respeito das sanções passíveis de aplicação aos ímprobos, em especial os critérios utilizados para a identificação da dosimetria adequada. Ante a extensão e a importância da matéria, estas breves linhas almejam despertar a atenção para algumas faces do tema ainda não examinadas pela doutrina. Espera-se, ao final, que o Ministério Público continue a cumprir, com afinco e perseverança, seu papel de defensor dos princípios basilares do Estado de Direito, atuando como algoz incansável das injustiças sociais.


I. DOS PRINCÍPIOS REGENTES DA PROBIDADE

1. INTRODUÇÃO.

A identificação dos princípios que compõem o alicerce de determinado sistema jurídico é normalmente realizada a partir de um processo indutivo, em que a análise de preceptivos específicos permite a densificação dos princípios gerais que os informam. Assim, parte-se do particular para o geral, com a conseqüente formação de círculos concêntricos - em nítida progressão dos graus de generalidade e abstração – que conduzirão à identificação da esfera principiológica em que encontram-se inseridos os institutos e, no grau máximo de generalidade, o próprio sistema jurídico. De acordo com Giorgio Del Vecchio [1], a própria compreensão das regras específicas encontra-se condicionada à identificação e análise dos princípios extraídos do sistema em que encontram-se inseridas, o que garantirá a harmonia entre este e as partes que o integram.

A partir do método de generalização crescente referido no parágrafo anterior, o aplicador do direito será conduzido à identificação dos princípios específicos norteadores de determinado instituto; àqueles que informam certo ramo da ciência jurídica; e, ulteriormente, aos princípios que alicerçam o sistema jurídico em sua integridade. No caso específico do Direito Administrativo, objeto específico deste escrito, afora os princípios que defluem do sistema, preocupou-se o Constituinte em estatuir, de forma específica, aqueles que deveriam ser necessariamente observados pelos agentes públicos. Nesta linha, dispõe o art. 37, caput, da CR/88: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, também, ao seguinte:... " Como se constata pela leitura do texto constitucional, os princípios elencados no art. 37 devem ser observados pelos agentes de todos os Poderes [2], não estando sua aplicação adstrita ao Poder Executivo, o qual desempenha funções de natureza eminentemente administrativa. Tratando-se de norma de observância obrigatória por todos os agentes públicos, seu descumprimento importará em flagrante infração aos deveres do cargo, sendo indício consubstanciador do ato de improbidade. Note-se que a letra do art. 37, § 4º, da CR/88, a qual refere-se à improbidade administrativa, não tem o condão de adstringir as sanções que advém desta prática àqueles que exerçam atividades administrativas, culminando em manter incólumes os magistrados e os legisladores ímprobos. Como será oportunamente analisado, também estes devem apresentar retidão de caráter, decência e honestidade compatíveis com as atividades que exercem.

Não obstante o extenso rol de princípios, expressos ou implícitos, que norteiam a atividade do agente público, entendemos que merecem maior realce os princípios da legalidade e da moralidade. Aquele condensa os comandos normativos que traçam as diretrizes da atuação estatal; este aglutina as características do bom administrador, do agente probo cuja atividade encontra-se sempre direcionada à consecução do interesse comum. Da conjunção dos dois extrai-se o alicerce da probidade, a qual deflui da harmonia entre a atuação estatal e os princípios que a regem, fórmula refletida no denominado princípio da juridicidade. A partir dessa construção principiológica, constata-se que os demais princípios assumem caráter complementar, incidindo em um grau de especificidade que presta grande auxílio na verificação da observância dos dois vetores básicos da probidade.

À guisa de ilustração e em caráter meramente enunciativo, tecereremos breves considerações a respeito dos princípios complementares à legalidade e à moralidade. São eles: a) princípio da impessoalidade (art. 37, caput e § 1º, da CR/88) – o autor dos atos é o órgão ou entidade, e não a pessoa do agente (acepção ativa), sendo imperativo que os atos atinjam a todos que se encontrem na mesma situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente (acepção passiva); b) princípio da publicidade [3] (art. 37, caput, da CR/88) – com exceção das hipóteses expressas em lei, todos os atos do Poder Público devem ser levados ao conhecimento externo, permitindo sua fiscalização pelo povo e pelos demais legitimados; c) princípio da eficiência (art. 37, caput, da CR/88) – o Poder Público deve buscar o bem comum utilizando-se de meios idôneos e adequados à consecução de tais objetivos, assegurando um padrão de qualidade em seus atos; d) princípio da supremacia do interesse público – trata-se de princípio implícito necessário ao convívio social, segundo o qual toda a atividade estatal deve atingir uma finalidade pública, o que faz com que o interesse público se sobreponha ao individual (v. arts. 5º, XXIII, XXIV e XXV; e 170, III, V e VI, da CR/88).

2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

Desde os primórdios da civilização estavam os componentes de determinado grupamento sujeitos a padrões de conduta, o que permitia a compatibilização dos diversos interesses existentes e caracterizava-se como fator indispensável à manutenção da agregação social. Referidas normas, inicialmente estabelecidas consensualmente pelos próprios componentes do grupamento, passaram a ser ulteriormente impostas por aquele que se elevou à categoria de autoridade superior aos demais. Tinha-se, assim, a autoridade real, a qual determinava, em termos absolutos, o padrão de conduta a ser seguido. Esta forma de exercício do poder conduzia à supremacia do interesse do soberano em detrimento dos interesses individuais dos membros da coletividade, o que pode ser constatado a partir da própria forma de elaboração normativa. Com o evolver dos tempos, o flagrante descompasso existente entre o papel desempenhado pelo detentor do poder e os anseios da coletividade a si subjugada sofreu diversas mutações. Estas tiveram como marcos significativos a Magna Carta inglesa de 1215, o Petition of Rights de 1628 e o Bill of Rights de 1689, atingindo o ápice com a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, não olvidando-se a Constituição norte-americana de 1787. Tais diplomas consagraram a existência dos denominados direitos fundamentais, estabelecendo princípios de limitação e de separação dos poderes, o que culminou em erigir o princípio da legalidade como garantia dos direitos do homem, protegendo-o contra o absolutismo dos governantes. Como matizes do mesmo tom tem-se a liberdade e a igualdade, podendo o indivíduo fazer tudo o que ao próximo não prejudique e devendo a lei ser igual para todos, seja para proteger, seja para punir.

Estatuído o princípio da legalidade e sedimentada a concepção de que a existência do Estado se destina à consecução do bem-estar geral, tornou-se incontroverso que o princípio da autonomia da vontade é inaplicável aos atos dos agentes públicos. Na lição de Almiro do Couto e Silva [4], "a autonomia da vontade resulta da liberdade humana, que não é uma criação do direito, mas sim um dado natural, anterior a ele. O direito restringe e modela essa liberdade, para tornar possível sua coexistência com a liberdade dos outros. Sobra sempre, porém, uma larga faixa que resta intocada pelo Direito. A Administração Pública não tem essa liberdade. Sua liberdade é tão somente a que a lei lhe concede, quer se trate de Administração Pública sob regime de Direito Público, de Direito Privado ou de Direito Privado Administrativo." Estabelecida a norma de conduta pelo órgão competente, traduzindo-se a mesma como a vontade geral da coletividade [5], estão os detentores do poder público coarctados aos limites objetivos da mesma, sendo-lhes defeso, salvo expressa autorização legal, inserir elementos de ordem subjetiva em sua atuação.

Devendo o Estado submeter-se à ordem jurídica, todos os atos do Poder Público devem buscar seu fundamento de validade em norma superior. Os atos administrativos devem ser praticados com estrita observância dos pressupostos legais; a atividade legislativa somente produzirá comandos normativos válidos em havendo harmonia com a Constituição da República; e a atividade jurisdicional, não obstante o livre convencimento do julgador, deve manter-se adstrita às normas constitucionais e infraconstitucionais, sendo defesa a prolação de decisões dissonantes do sistema jurídico. Como consectário lógico do Estado Social de Direito, o princípio da legalidade [6] encontra previsão expressa no art. 37, caput, da CR/88, sendo cogente a observância do mesmo por parte da Administração Pública de qualquer dos Poderes. No direito privado é permitido aos particulares a prática de todos os atos que não lhes sejam por lei vedados; no direito público, porém, somente serão válidos os atos praticados em conformidade com a tipologia legal, sendo imprescindível a existência de norma autorizadora. Como regra geral, a lei garante ao particular a prerrogativa de praticar determinado ato, sendo ampla a possibilidade de valoração; para o agente público, ao revés, tem-se o dever de praticar o ato em estando presentes os substratos que o legitimam, mantendo-se sua liberdade adstrita aos lindes delimitados pelo legislador. A inobservância do princípio da legalidade acarreta a nulidade do ato [7], a qual pode ser perquirida através de ação popular (art. 2º, "c" e parágrafo único, "c" da Lei 4.717/65). Desta forma, a ilegalidade do ato apresenta-se como relevante indício da consubstanciação da improbidade, já que o agente inobservou o principal substrato legitimador de sua existência e norteador da atividade estatal.

3. PRINCÍPIO DA MORALIDADE.

O conceito de moral é eminentemente volátil, sendo norteado por critérios de ordem sociológica que variam consoante os costumes e os padrões de conduta delimitadores do alicerce ético de determinado grupamento. Moral, por conseguinte, é noção de natureza universal, apresentando conteúdo compatível com o tempo, o local e os mentores de sua concepção. Com o evolver das relações sociais e a paulatina harmonização dos interesses do grupamento, foi inevitável a formulação de conceitos abstratos, os quais condensam, de forma sintética, a experiência auferida com a convivência social, terminando por estabelecer concepções dotadas de certa estabilidade e com ampla aceitação entre todos. Assim, entende-se por moral o conjunto de valores comuns entre os membros da coletividade em determinada época; ou, sob uma ótica restritiva, o manancial de valores que informam o atuar do indivíduo, estabelecendo os deveres deste para consigo.

De acordo com a clássica concepção de Maurice Hauriou [8], plenamente difundida entre os juristas pátrios, a moralidade administrativa é distinta da moral comum, tratando-se de uma moral jurídica que é caracterizada como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração". Não é suficiente que o agente permaneça adstrito ao princípio da legalidade, sendo necessário que obedeça à ética administrativa, estabelecendo uma relação de adequação entre seu obrar e a consecução do interesse público [9]. Enquanto a moral comum direciona o homem em sua conduta externa, a moral administrativa o faz em sua conduta interna, de acordo com os princípios que regem a atividade administrativa. Marcel Waline [10] critica a posição de Hauriou, concluindo que a violação à moralidade administrativa permite sancionar as violações ao espírito da lei que respeitem a letra desta; mas, em verdade, a violação ao espírito da lei ainda é uma violação à lei, logo, o desvio de poder advindo de um ato imoral também é uma forma de ilegalidade. Em verdade, a imoralidade conduziria à ilegalidade, sendo absorvida por esta.

Expostas, em síntese, as concepções de Hauriou e Waline, cumpre estabelecer nosso entendimento a respeito do princípio da moralidade. Em um primeiro plano, cumpre dizer que não vislumbramos uma dicotomia absoluta entre a moral jurídica e a moral comum, sendo plenamente factível a presença de áreas de tangenciamento entre as mesmas, o que possibilitará a simultânea violação de ambas. Sob outra ótica, constata-se que os atos ilegais sempre importarão em violação à moralidade administrativa, concebida esta como o regramento extraído da disciplina interna da administração; no entanto, a recíproca não é verdadeira. Justifica-se, já que um ato poderá encontrar-se intrinsecamente em conformidade com a lei, mas apresentar-se informado por caracteres externos em dissonância com a moralidade administrativa, vale dizer, com os ditames de justiça, honestidade, lealdade e boa-fé que devem reger a atividade estatal. Ao valorar os elementos delineadores da moralidade administrativa, é defeso ao agente público direcionar seu obrar por critérios de ordem ideológica ou de estrita subjetividade; ao interpretar e aplicar a norma, deve o agente considerar os valores norteadores do sistema jurídico, ainda que os mesmos se apresentem dissonantes de sua visão pessoal. O princípio da moralidade administrativa, em que pese não ter tido previsão expressa na Carta de 1967, há muito encontra-se arraigado no ordenamento jurídico pátrio, sendo considerado princípio implícito regente da atuação administrativa [11]. Hodiernamente, o princípio tem previsão expressa no art. 37, caput, da CR/88, sendo requisito de legitimidade da atuação do agente e de validade do ato administrativo; logo, sua inobservância pode acarretar a anulação do ato por meio de ação popular (art. 5º, LXXIII, da CR/88) ou de ação civil pública (arts. 129, III, da CR/88 e 25, III, "b", da Lei 8.625/93).

Os atos administrativos devem apresentar plena adequação ao sistema normativo que os disciplina e ter sua finalidade sempre voltada à consecução do interesse público. Assim, a partir da presença de determinada situação fática, deve o agente público, nos limites de sua competência, praticar o ato administrativo que se adeqüe à hipótese. Esta adequação, por sua vez, deve ser demonstrada pelo mesmo com a exteriorização dos motivos que o levaram a praticar o ato, o qual deve necessariamente visar uma finalidade pública. Não obstante presentes os elementos do ato (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) e a plena compatibilidade entre os mesmos e a lei, em muitos casos será vislumbrada a inadequação dos motivos declinados e da finalidade almejada com a realidade fática e o verdadeiro elemento volitivo do agente. Para que o ato praticado em consonância com a lei esteja em conformidade com a moralidade administrativa, é imprescindível que haja uma relação harmônica entre a situação fática, a intenção do agente e o ato praticado, sendo analisadas no contexto deste a motivação declinada e a finalidade almejada.

Para que seja identificada a real intenção do agente, a qual poderá revelar a verdadeira motivação do ato e o objetivo colimado com a sua prática, afigura-se impossível a penetração no psiquismo do mesmo, o que conduzirá à análise de tal elemento volitivo a partir da situação fática embasadora do ato e dos caracteres externos - ainda que não declinados - que venham a influir na sua prática. A intenção, assim, é indício aferidor da moralidade do ato, sendo também verificada a partir da compatibilidade entre a competência prevista na norma e a finalidade pretendida com a prática do ato. Na lição de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho [12], "a qualidade moral de um ato não deixa de ser para o hermeneuta de fácil constatação. A leitura da norma em face do ato, a eficácia do ato conforme o fato, levam ao conhecimento das situações criadas e das relações estabelecidas. As distorções ficam evidentes. A intenção fica ou não fica clara. O ato afronta ou não à ordem jurídica." Quanto à situação fática, esclarece que "o fato imaginado, fantasioso, inventado, possivelmente criado, irrelevante para a sociedade, que não exterioriza acontecimento concreto, de gênese e fins políticos, estranho às formas aconselhadas pelo direito, tal fato só pode germinar reflexos não morais na ordem jurídica." [13] O ato formalmente adequado à lei, mas que vise, em sua gênese, prejudicar ou beneficiar a outrem, será moralmente ilegítimo, isto em virtude da dissonância existente entre a intenção do agente, a regra de competência e a finalidade que deveria ser legitimamente alcançada com esta. Em conformidade com a jurisprudência pátria, infringem a moralidade administrativa: a) a participação de Juiz integrante de Tribunal Regional do Trabalho em eleição destinada a compor lista tríplice para preenchimento de vaga de juiz togado quando um dos candidatos é filho do mesmo [14]; b) ato de Presidente do Tribunal Regional do Trabalho que, ante o afastamento do representante classista titular, deixa de convocar o suplente que com ele fora nomeado, "pinçando", à sua livre discrição, o suplente que substituirá o titular [15]; c) fixação da remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores para viger na própria legislatura em que fora estabelecida, o que também importa em violação ao art. 29, VI, da CR/88 [16]; d) abertura de conta corrente em nome de particular para movimentar recursos públicos, independentemente da demonstração de prejuízo material aos cofres públicos [17]; e) alienação de lotes de terrenos pertencentes à municipalidade, contíguos a outros de propriedade do Prefeito, e posteriormente por ele adquiridos pelo valor da avaliação, acarretando a valorização da área contínua quando agregada à primitiva [18]; f) ato de Câmara Municipal que, sob o argumento de "oferecer exemplo à coletividade", reduz a remuneração dos edis para a legislatura seguinte, após a realização da eleição onde a grande maioria não foi reeleita [19]. No caso específico da moralidade dos atos legislativos, será a mesma analisada no item 7.

4. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

A Lei 8.429/92, regulamentando o art. 37, § 4º da CR/88, elencou, de forma exemplificativa, os atos ilícitos configuradores da improbidade administrativa, tendo igualmente cominado as respectivas reprimendas. Nesta linha, foram previstas três ordens de sanções, conforme o ato importe em enriquecimento ilícito do agente (art. 9º), cause dano ao erário (art. 10) ou esteja em dissonância com os princípios norteadores da administração pública (art.11). Uma interpretação literal do texto legal conduziria à conclusão de que um agente público que anotasse um recado de ordem pessoal em uma folha de papel da repartição pública incorreria nas sanções do art. 12, II, da Lei 8.429/92, já que causara prejuízo ao erário. Situação parecida ocorreria com aquele que utilizasse um grampo da repartição para prender documentos pessoais e levá-los para a sua residência, pois estaria sujeito às sanções do art. 12, I e II, em virtude do dano ao erário e do enriquecimento ilícito. Tais exemplos demonstram, prima facie, a flagrante desproporção entre a conduta do agente e as conseqüências que adviriam da aplicação da Lei 8.429/92. Em razão disto, afigura-se necessário o estabelecimento de critérios passíveis de demonstrar a configuração da improbidade administrativa, o que será possível a partir da fixação de uma linha de proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade tem sido objeto de amplos estudos no Direito Constitucional, sendo utilizado, primordialmente, na identificação da constitucionalidade das normas que buscam na Constituição seu fundamento de validade. Este princípio, embora não tenha previsão expressa na Constituição, deflui do sistema e visa evitar restrições desnecessárias ou abusivas aos direitos constitucionais, buscando a solução menos onerosa para os direitos e liberdades que defluem do ordenamento jurídico. Em linhas gerais, o princípio da proporcionalidade será observado com a verificação dos seguintes fatores [20]: a) necessidade de edição da norma, a qual deve ser indispensável; b) adequação entre o meio utilizado e o fim colimado; c) proporcionalidade em sentido estrito, o que será verificado a partir da proporção entre o objeto perseguido e o ônus imposto ao atingido. Afora estes, os quais formam a denominada razoabilidade interna, Luís Roberto Barroso [21] acrescenta a razoabilidade externa, que representa a compatibilidade entre o meio utilizado, o fim colimado e os valores constitucionais. [22]

Sob a ótica dos atos de improbidade, o princípio da proporcionalidade visa a estabelecer um critério de adequação entre o ilícito e os efeitos que a aplicação da Lei 8.429/92 pode acarretar. A prática de atos que importem em insignificante lesão aos deveres do cargo, ou à consecução dos fins visados, é inapta a delinear o perfil do ímprobo; isto porque a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 ao agente acarretaria lesão maior do que aquela que o mesmo causara ao ente estatal, culminando em violar a relação de segurança que deve existir entre o Estado e os cidadãos. Note-se que a "atipicidade" aqui sustentada não almeja a abertura das portas da impunidade, motivo pelo qual sua aplicação deve manter-se adstrita às hipóteses em que a consubstanciação da improbidade venha a ferir o senso comum, importando em total incompatibilidade com os fins sociais da norma e as exigências do harmônico convívio social (art. 5º, caput, da LICC). Assim, à improbidade formal deve estar associada a improbidade material, a qual não restará configurada quando a distorção comportamental do agente importar em lesão ou enriquecimento de ínfimo ou de nenhum valor; bem como quando a inobservância dos princípios administrativos, além daqueles caracteres, importar em erro de direito escusável ou não assumir contornos aptos a comprometer a consecução do bem comum (art. 3º, IV, da CR/88). Tais circunstâncias devem ser aferidas a partir da natureza do ato, da consecução do interesse público e da realidade social; o que permitirá uma ampla análise do comportamento do agente em cotejo com o fim perseguido pelo Constituinte com a edição dos arts. 15, V e 37, § 4º, qual seja, que os agentes públicos sejam justos e honestos, tudo fazendo em prol da coletividade. Constatado que a aplicação da Lei 8.429/92 apresenta nítida desproporção com o ato praticado, restará a incidência das sanções de ordem administrativa, de natureza e grau compatíveis com a reprovabilidade da conduta. Por outro lado, identificada a "tipicidade" do ato - a qual, repita-se, somente deve ser excluída em situações excepcionais – iniciar-se-á o processo de identificação das sanções cabíveis, o qual será oportunamente analisado. Tal linha de raciocínio permite estabelecer uma relação de adequação entre a conduta do agente, a Lei 8.429/92 e a Constituição da República, evitando-se o estabelecimento de reprimendas desarrazoadas [23].


II. DOS ATOS DE IMPROBIDADE

5. INTRODUÇÃO.

Conforme fora explicitado, este ensaio almeja traçar diretrizes básicas para a identificação dos atos de improbidade a partir da violação dos princípios que devem nortear a atividade dos agentes públicos. Com isto, visa-se a contornar os inconvenientes causados pela atecnia da Lei 8.429/92, diploma regulamentador do art. 37, § 4º, da CR/88, a qual, sempre de forma exemplificativa, elenca os atos de improbidade em seus arts. 9º [24], 10 [25] e 11 [26]. Aliada à enumeração de condutas de natureza e extensão perfeitamente definidas, o que é realizado em seus respectivos incisos, referidos dispositivos estabelecem cláusulas gerais, cuja elasticidade permitirá a ampla subsunção do ilícito perpetrado às referidas normas de moralização da atividade estatal. Nesta linha, deverá o aplicador do direito inicialmente verificar se houve violação aos princípios norteadores da atividade estatal. Tal interpretação apresenta-se em perfeita harmonia com a teleologia da norma e a sistemática legal, isto porque os atos de improbidade devem ser punidos independentemente da efetiva ocorrência de dano ao erário (art. 21, I, da Lei 8.429/92); a violação aos princípios constitui hipótese autônoma de improbidade (art. 11); o dano ao erário (art. 10) só configura a improbidade quando o agente viole os princípios norteadores de sua atividade, já que o prejuízo financeiro encontra-se ínsito em muitas atividades estatais, em especial as de cunho econômico (v.g.: intervenções do Banco Central no mercado financeiro); e o enriquecimento ilícito, por sua vez, é a mais vil das formas de improbidade, sendo nítida a violação ao princípio da moralidade.

Em um segundo momento, deve ser analisado o elemento volitivo do agente. Todos os atos emanados dos agentes públicos e que estejam em dissonância com os princípios norteadores da atividade administrativa, serão informados por um elemento subjetivo, o qual veiculará a vontade do agente com a prática do ato. Havendo vontade livre e consciente de praticar o ato que viole os princípios regentes da atividade estatal, dir-se-á que o ato é doloso; o mesmo ocorrendo quando o agente, prevendo a possibilidade de violá-los, assuma tal risco com a prática do ato. O ato será culposo quando o agente não empregar a atenção ou diligência exigida na hipótese, deixando de prever os resultados que adviriam de sua conduta por atuar com negligência, imprudência ou imperícia. Ante o teor da Lei 8.429/92, constata-se que apenas os atos que acarretem lesão ao erário público (art.10) admitem a forma culposa, pois somente aqui tem-se a previsão de sancionamento para tal elemento volitivo. Nas hipóteses de enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios administrativos (art. 11), o ato deve ser doloso.

Identificada a violação aos princípios administrativos e o elemento volitivo do agente, deve-se passar ao terceiro passo para a identificação da improbidade, qual seja, a subsunção do ato a um dos três preceptivos legais que elencam os atos de improbidade. Em havendo unicamente inobservância aos princípios regentes da atividade estatal, o ato será enquadrado no art. 11 da Lei 8.429/92. Na hipótese de o ato infringir os princípios e acarretar o enriquecimento ilícito do agente, aplicar-se-á o art. 9º. Importando o ato em violação aos princípios e dano ao erário, consubstanciada estará a figura do art. 10.

Por último, deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade, o qual permitirá verificar se a lesividade do ato, analisada sob uma perspectiva intrínseca e extrínseca, justifica a aplicação da Lei nº 8.429/92. Com isto, tem-se uma verdadeira válvula de escape para a não subsunção dos atos dotados de insignificante potencialidade lesiva à tipologia da Lei nº 8.429/92.

A observância do iter sugerido ensejará a configuração do preceito primário da improbidade administrativa, ao qual estará atrelado o preceito secundário, disciplinado no art. 12 da Lei 8.429/92 e que prevê sanções distintas conforme os efeitos do ato – enriquecimento ilícito, dano ao erário e tão somente violação aos princípios regentes da atividade estatal.

A identificação e ulterior coibição da improbidade somente serão possíveis com uma ampla análise da observância dos princípios constitucionais que regem a atividade estatal. Para tanto, o princípio da separação dos poderes não pode ser erigido à categoria de óbice intransponível à aferição da integral subsunção dos atos do Poder Público aos princípios constantes do art. 37 da Constituição da República, o mesmo ocorrendo com relação aos princípios implícitos nesta e que defluem do sistema. Considerando que todos tem esteio constitucional, sendo os últimos considerados princípios setoriais pertinentes à Administração Pública, e, o primeiro, princípio fundamental da República Federativa do Brasil [27], a interpretação dos mesmos deve ser norteada por critérios lógico-sistemáticos, o que possibilitará sua maior integração e a potencialização de seus fins.

Com contornos semelhantes ao legado de Montesquieu, estabelece o texto constitucional que os Poderes (rectius: funções) da União são independentes e harmônicos entre si (art. 2º da CR/88). Independência e harmonia não são premissas conceituais que se excluem; pelo contrário, integram-se e complementam-se. Nesta linha, às atividades preponderantemente desempenhadas por cada qual são aplicáveis as diretrizes traçadas na Constituição, as quais buscam garantir a integridade dos fins almejados, vedando-se a ingerência externa; a concreção dos objetivos colimados; e a estrita observância dos princípios norteadores do Estado Social e Democrático de Direito. Com o desiderato final de garantir a integridade dos fins do aparato estatal e a pureza dos meios utilizados pelos poderes constituídos, são estabelecidos mecanismos de integração entre os mesmos, permitindo-se a implementação de um sistema de controle recíproco [28] e o legítimo exercício de atividades anômalas, ontologicamente pertencentes a determinada função, mas constitucionalmente outorgadas a outra.

O sistema constitucional pátrio apresenta peculiaridades que o distinguem de outros sistemas ocidentais. Na França, onde as distinções afiguram-se marcantes, a partir da Revolução, salvo expressa autorização legal, era defeso aos Juízes exercer qualquer controle sobre a atividade administrativa. Inicialmente, tal atividade era exercida por autoridades administrativas, consoante critérios de hierarquia; ulteriormente, no ano VIII da Revolução, foi implementada a separação da atividade administrativa ativa e da contenciosa, sendo criado um sistema de Tribunais Administrativos, o qual foi subdividido em duas categorias básicas: o Conselho de Estado e os Conselhos de Prefeitura. Com o romper das décadas o sistema sofreu diversas mutações, mas ainda hoje são identificadas múltiplas vedações quanto à possibilidade de o Judiciário pronunciar-se sobre a atividade administrativa. Esta separação é historicamente justificável em virtude da postura sistematicamente hostil dos tribunais em relação ao Executivo nos últimos anos do antigo regime francês [29]; hodiernamente, em que pese terem cessado os motivos originais, a estrutura é mantida não por razões de desconfiança do Judiciário, mas por auferirem os Tribunais Administrativos resultados satisfatórios; demonstrarem uma capacidade de adaptação mais célere às mutações de ordem administrativa; e por apresentarem um grau de especialização que não convém alterar.

No Brasil, ao Poder Judiciário foi confiada a tarefa de zelar pela estrita obediência dos preceitos contidos na Constituição da República e na legislação infraconstitucional; quer advenham de norma expressa; quer sejam conseqüência da densificação dos princípios exarados pelo sistema. Em razão disto, é defeso ao legislador infraconstitucional excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CR/88). Sendo a lesão ou a ameaça passíveis de serem perpetradas pelos próprios poderes constituídos, tem-se importante instrumento de controle da adequação dos atos destes aos princípios constitucionais, os quais apresentam-se como alicerce do próprio ente estatal. Considerando que todo o poder emana do povo, afigura-se inequívoco que a adequação do obrar do administrador aos referidos princípios erige-se como elemento indissociável da segurança que deve nortear as relações entre o Poder Público e os administrados, apresentando-se como direito destes e consectário lógico do próprio Estado Democrático de Direito. Estabelecidas estas premissas, tem-se que todos os membros da coletividade tem o direito subjetivo público de utilizar-se dos mecanismos pertinentes [30] e exigir que os poderes constituídos observem as diretrizes balizadoras do Estado. Todo o poder emana do povo, sendo exercido consoante os critérios estabelecidos na Constituição, a qual delimita o alcance e a forma de exercício dos poderes outorgados ao agente público, apresentando-se imperativa a utilização dos mesmos em benefício daquele.

Conclui-se que a valoração dos atos dos agentes públicos sob a ótica dos princípios mencionados não importará em qualquer mácula ao princípio da separação dos poderes; pelo contrário, zelará pela efetiva independência dos mesmos, garantindo a primazia dos princípios norteadores do Estado de Direito e implementando a indispensável harmonia entre os poderes, isto porque de nada valeria um comando constitucional em não havendo instrumentos aptos a implementar sua observância [31]. Afora isto, caracteriza-se como direito indisponível do administrado a garantia das liberdades públicas e a observância, por parte dos agentes públicos, dos princípios constitucionais, apresentando-se a inobservância destes insuscetível de ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário, isto sob pena de mácula ao art. 5º, XXXV da CR/88. Identificada a improbidade, está o Ministério Público legitimado [32] a ajuizar as medidas cabíveis [33] para que o Poder Judiciário, sem qualquer mácula ao princípio da separação dos poderes, recomponha a ordem jurídica lesada sempre que o obrar dos poderes constituídos não apresentar-se adstrito aos lindes delimitadores de sua legitimidade. Tal não importará em qualquer ingerência externa na atividade desenvolvida, mas tão somente velará para que a mesma mantenha uma relação de adequação com a ordem jurídica, substrato legitimador de sua existência. Desta forma, não se estará diante de juízo censório ou punitivo à atividade desempenhada por outro poder, mas unicamente de aplicação de eficaz mecanismo previsto no regime democrático, sempre com o desiderato final de garantir o bem estar da coletividade.

A seguir, será realizada uma breve análise dos atos praticados pelos agentes públicos, os quais encontram-se subdivididos consoante a natureza de cada qual e não conforme a atividade preponderante do órgão emissor. Assim, verbi gratia, os atos administrativos, ainda que emanados dos Poderes Legislativo e Judiciário no desempenho de atividades administrativas, serão analisados em conjunto, já que invariáveis os princípios informativos.

6. ATOS ADMINISTRATIVOS.

Consoante a lição de Renato Alessi [34], a atividade administrativa é desenvolvida sob a concepção de função estatal, a qual deve ser entendida como o dever do agente em praticar determinados atos, valendo-se dos poderes que a lei lhe confere, visando a consecução do interesse da coletividade. A partir desta lição, teceremos breves considerações a respeito dos atos administrativos discricionários e dos caracteres delineadores do abuso de poder do administrador, principais veículos condutores da improbidade em sua acepção estritamente administrativa.

Ante a impossibilidade de delimitação precisa de todas as situações fáticas e jurídicas que ensejarão a prática de determinado ato, são comumente previstas em lei situações que admitem um juízo subjetivo do administrador quanto: à valoração da presença de determinada situação fática ou jurídica, em virtude da utilização de conceitos jurídicos indeterminados; à conveniência de agir; à oportunidade de agir; e quanto à escolha da medida adequada à hipótese. Tal liberdade caracteriza a discricionariedade administrativa, a qual visa melhor resguardar o interesse público ao garantir que o administrador, diante de determinada situação, possa agir da forma que melhor se adeqüe à consecução do interesse público. Em razão desta liberdade, encontra-se arraigada dentre a grande maioria dos administrativistas pátrios a concepção de que o denominado "mérito administrativo" [35] fugiria à esfera de valoração do Poder Judiciário, sendo injurídica a intromissão deste na esfera de liberdade outorgada ao administrador pela lei. Não obstante isto e amparados por valiosas lições doutrinárias [36], entendemos que os atos discricionários são passíveis de controle judicial. Partindo-se da noção de função estatal e de forma sintética, deve-se dizer que todo ato administrativo, inclusive o discricionário, deve visar a satisfação do interesse público, sendo certo que este somente será atingido a partir da identificação da solução que melhor se adeqüe à hipótese. Tal concepção tem esteio no próprio princípio da legalidade, já que a regra de competência e os poderes outorgados ao agente visam sempre uma finalidade pública, razão de ser do próprio Estado Democrático de Direito. Assim, sempre que a situação fática ou jurídica motivadora do ato tornar patente, de forma objetiva, que somente uma medida se adeqüe à hipótese, esta deverá ser adotada pelo agente, ainda que outras se apresentem à sua discrição. Em outros momentos, serão divisadas hipóteses em que mais de uma medida afigura-se adequada ao atingimento da finalidade pública; sendo, ainda aqui, admissível o controle judicial. Este será implementado a partir de um critério de razoabilidade, sujeitando o ato a indefectíveis parâmetros de obediência após a identificação de uma zona de certeza negativa – onde é patente a inadequação do ato – e de uma zona de certeza positiva – onde é certa a adequação do ato. Nesta hipótese, vedado será, unicamente, a interferência na zona intermediária, local em que reside a discrição do agente [37]. Com tais critérios de aferição, será possível identificar a validade dos atos discricionários e eventual infração aos princípios administrativos; o que, a partir da valoração da proporcionalidade do ato ante as sanções cominadas, permitirá identificar a consubstanciação da improbidade administrativa.

Ainda com base no alicerce erigido sob a concepção de função administrativa, tem-se que serão inválidos todos os atos praticados com abuso de poder, isto porque os instrumentos (rectius: poderes) outorgados ao agente não foram utilizados no cumprimento do dever de atingir o bem-estar da coletividade. O abuso poderá apresentar-se de duas formas: o excesso e o desvio de poder. Será verificado o excesso de poder quando o agente, servindo-se de uma competência que a lei lhe confere, rompe os limites estabelecidos por esta; bem como quando contorna dissimuladamente tais limites, apossando-se de poderes que não lhe são garantidos pela lei. Estará presente o desvio de poder quando o agente atua nos limites de sua competência, mas pratica o ato visando atender uma finalidade pública que não é aquela correspondente à competência utilizada [38] (v.g.: transferir um funcionário que praticara uma falta visando puni-lo); ou, tem seu obrar embasado em motivos ou fins diversos dos previstos na norma e exigidos pelo interesse público. Nos casos de desvio de poder, comumente o ato apresentará aparente adequação à legalidade, o que faz com que o princípio da moralidade assuma relevância ímpar na identificação do real propósito do agente, na revelação da intenção viciada deste [39] (v.g.: desapropriar um imóvel com o real propósito de prejudicar um adversário político). Deve-se ressaltar que não somente o ato comissivo pode assumir contornos abusivos; também o ato omissivo poderá apresentá-los, inobservando o agente seu dever jurídico em benefício próprio ou alheio. Identificado o abuso de poder e sempre com esteio no já analisado princípio da proporcionalidade, será possível delinear os contornos da improbidade administrativa.

7. ATOS LEGISLATIVOS.

Sendo a lei produto da razão e, consoante a clássica lição de Kelsen, estando a validade da mesma adstrita à observância da norma que lhe é hierarquicamente superior, torna-se certo que o legislador infraconstitucional deve render estrita obediência aos comandos estuídos no texto constitucional, isto sob pena de invalidade das normas que editar. Como se vê, a atividade legislativa não é incontrastável, devendo ser perquirida sua adequação aos comandos constitucionais, o que torna legítima a atuação do Poder Judiciário neste sentido. Em linha de princípio, entendemos que a edição de norma dissonante da Constituição, por si só, não teria o condão de caracterizar a improbidade administrativa. Identificada a inconstitucionalidade da norma, deveria ser perquirido, de acordo com o caso concreto, o elemento volitivo que deflagrou a ação do órgão legislativo e a finalidade almejada com a edição da norma. A partir de tais elementos, seria estabelecido um critério de proporcionalidade na conduta do legislador, o que permitiria a identificação da improbidade sempre que a norma for absolutamente dispensável; dissociada do interesse público; e a situação fática demonstrar que o desiderato final do agente era obter benefício para si ou para outrem com a mesma. Para melhor visualização do tema, seria relevante identificar se a hipótese versa sobre lei em sentido material ou, tão somente, em sua acepção formal. Na primeira hipótese tem-se uma norma de conduta instituída em caráter imperativo e geral, a qual veicula regras eminentemente abstratas; lei formal, por sua vez, é a denominação dada a toda deliberação do órgão legislativo, destituída de abstração e generalidade. Aquela tem natureza impessoal e universal, enquanto que esta em muito se assemelha aos atos administrativos.

Tratando-se de lei em sentido material, o principal parâmetro de verificação de sua adequação ao padrão de probidade que deve reger os atos do agente público consiste na observação do princípio da moralidade; o que permitirá a identificação dos vícios de uma norma aparentemente harmônica com o texto constitucional. Como já foi possível constatar, o princípio da moralidade é amplamente estudado sob a ótica dos atos administrativos, sendo torrencial a jurisprudência sobre a aplicação do mesmo. Em que pese a aparente adstrição do princípio à referida seara, sua observância deve assumir uma amplitude compatível com a unidade do texto constitucional, regendo as atividades das demais funções do Estado de Direito, em especial a legislativa. A normatização expressa e a densificação dos princípios extraídos da Constituição da República erigem-se como alicerce adequado à sustentação da necessária adequação dos atos legislativos ao princípio da moralidade. Se não vejamos: a) a República Federativa do Brasil tem por fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); b) o amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e a utilização da ação popular para anular ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5º, LXXIII) apresentam-se como direitos fundamentais; c) a moralidade administrativa caracteriza-se como princípio setorial da administração pública direta ou indireta, de qualquer dos Poderes, (art. 37, caput); d) a falta de decoro parlamentar apresenta-se como substrato legitimador da perda do mandato dos Deputados e Senadores (art. 55, II); e) os sistemas de controle difuso (art. 97) e concentrado (arts. 102, I, "a" e 125, § 2º) de constitucionalidade permitem a aferição da compatibilidade entre as leis e demais atos normativos com a Constituição da República, aqui incluídos os princípios que defluem do sistema.

Note-se, no entanto, que não se defende um campo de atuação ilimitada para o Judiciário, devendo ser respeitadas e acatadas as opções políticas do legislador. O que se almeja é a perquirição da adequação entre a norma de conduta editada, os princípios constitucionais norteadores da atividade estatal e o real elemento volitivo que deflagrou a atividade legislativa – o que avultará em importância quando se constatar que o legislador recebeu vantagens patrimoniais para defender certos interesses. O Supremo Tribunal Federal tem coibido os desvios éticos do legislador invocando os princípios do devido processo legal (em sua acepção material) e da razoabilidade, sempre visando evitar o excesso ou o desvio de poder legislativo; no entanto, são raras as invocações ao princípio da moralidade, havendo grande resistência em declarar-se a inconstitucionalidade de determinada norma unicamente com fundamento neste. Resistência à parte, é inequívoco que a violação aos deveres de justiça, honestidade e boa-fé que são extraídos do texto constitucional importam em violação à moralidade, a qual, por si só, pode embasar a deflagração do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade. Na lição de Marcelo Figueiredo [40], "constata-se que a violação ao princípio da moralidade surge, essencialmente, quando a autoridade (administrativa, legislativa ou judiciária) desvia-se dos comandos expressos ou implícitos contidos no ordenamento jurídico, notadamente nos princípios constitucionais. Essa a razão por que a constatação da violação ao princípio da moralidade normalmente vem associada à violação a outros princípios constitucionais, como, v.g., a legalidade, a isonomia, a publicidade, a impessoalidade etc. Isso não significa que o princípio da moralidade não possa por si só ser a causa do vício impugnado."

À guisa de ilustração e pinçando unicamente o exemplo mais recente, deve ser mencionada a Lei 9.996 de 14 de agosto de 2000, a qual "dispõe sobre a anistia de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral em 1996 e 1998." Como foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação à época, os ilustres congressistas e principais infratores da legislação eleitoral, visando satisfazer interesses pessoais, aprovaram referido diploma legal com a inqualificável intenção de não arcarem com as sanções que lhes foram aplicadas em razão dos ilícitos praticados por ocasião da campanha eleitoral. Afora isto, é relevante lembrar que o projeto foi vetado pelo Presidente da República, sendo o veto ulteriormente derrubado, em votação secreta, pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, conforme autoriza o art. 66, § 4º, da CR/88. In casu, questiona-se: legislar em causa própria e provocar sérias lesões ao Fundo Partidário, ente destinatário das multas recolhidas, importa em violação ao princípio da moralidade? Em nosso entender, sim. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN 2.306-3 [41], suspendeu, em sede de cognição sumária, a eficácia da Lei 9.996/00 sob o argumento de que a mesma seria inconstitucional por lesar os direitos de uma pessoa jurídica de direito privado, qual seja, o Fundo Partidário. A conduta dos ilustres congressistas, imoral ao extremo, apresentar-se-ia como nítido ato de improbidade, pois utilizaram-se de suas funções para auferir benefícios pessoais, ou mesmo visando a beneficiar a outrem - isto na hipóteses dos condescendentes não devedores.

Em que pese o exposto, à luz do sistema constitucional pátrio, não se afigura possível punir os parlamentares - federais, estaduais e municipais - pelas palavras, opiniões e votos que emitirem no exercício de suas funções, pois tais agentes gozam de imunidade material [42].

8. ATOS JURISDICIONAIS.

Cabe preponderantemente ao Poder Judiciário, mediante um devido processo legal e com eficácia vinculativa, dirimir as lides que lhes sejam submetidas à apreciação, aplicando o direito ao caso concreto; bem como atuar nas hipóteses em que inexista conflito, mas a lei exija sua intervenção. Ante a natureza da atividade desempenhada pelos órgãos jurisdicionais, não é necessário maior esforço intelectivo para se constatar a impossibilidade de realização de um controle da atividade finalística desempenhada pelos mesmos. Deve ser ampla a possibilidade de o órgão jurisdicional valorar os fatos e proferir, consoante as normas vigentes, a decisão que se afigurar mais justa à hipótese. Ao interessado restará a utilização dos mecanismos disponibilizados pelo ordenamento jurídico, fazendo com que a causa seja reexaminada pelo mesmo, ou por outro órgão, nas situações previstas em lei. Justifica-se tal concepção, pois entendimento contrário disseminaria a insegurança e comprometeria a própria atividade jurisdicional, sujeitando os magistrados a severas sanções sempre que suas decisões fossem reformadas sob o argumento de apresentarem dissonância com a lei ou a Constituição, o que seria um grande absurdo. No entanto, afora a perquirição do conteúdo dos atos administrativos praticados pelos membros do Poder Judiciário, duas situações merecem maior reflexão: a) a influência de fatores externos no teor das decisões proferidas; e b) a omissão deliberada na prática dos atos jurisdicionais.

É inconcebível um conceito de Justiça dissociado da idéia de imparcialidade, somente havendo exercício da função jurisdicional em sendo visada a consecução do ideal de Justiça; e esta somente se materializará em havendo eqüidistância entre o julgador e as partes, sem preferências de ordem pessoal. Em razão disto, sempre que for constatada a presença das situações fáticas consubstanciadoras do impedimento ou da suspeição do magistrado -consoante a previsão legal- aliadas ao silêncio deste e ulterior prolação de decisório favorável a uma das partes, ter-se-á um relevante indicador da improbidade do mesmo. Tal ocorrerá com maior intensidade quando haja recebimento de algum tipo de vantagem patrimonial para que a decisão seja favorável a uma das partes. In casu, haverá flagrante violação aos princípios da legalidade e da moralidade; sendo imprescindível, no entanto, que a verificação de tais irregularidades seja feita com grande cautela, inclusive com o manejo da ação rescisória prevista no art. 485, I e II do CPC.

Além de levar a efeito a dialética processual, valorando os interesses contrapostos e proferindo seu decisório final, tem o magistrado o dever de praticar os atos de impulso processual e proferir suas decisões em tempo hábil, observando, sempre que possível, os prazos da lei processual. Não se sustenta, é evidente, que um magistrado responsável pela condução de milhares de feitos deva observar prazos exígüos cuja previsão normativa encontra-se em flagrante dissonância com a realidade fenomênica. Tais situações são extremamente corriqueiras, o que torna impossível que um ser humano, como é o magistrado, corresponda às expectativas de todos que necessitam de um pronunciamento jurisdicional célere. No entanto, em muitos casos, a desídia será clara aos olhos do observador, sendo facilmente vislumbrado o injustificável aumento de processos paralisados em "conclusão", ou mesmo o irrisório volume de sentenças e audiências realizadas, o que pode ser verificado a partir da publicação das pautas e das estatísticas nos órgãos oficiais. Em situações tais, deve o observador ser norteado por um critério de razoabilidade, o que permitirá que a conclusão alcançada assuma contornos de objetiva certeza, tornando-se patente que o magistrado retardou ou deixou de praticar, indevidamente, atos de ofício (art. 11, I, da Lei 8.429/92). Constatada tal situação e independentemente das sanções administrativas e penais que o mesmo será passível de sofrer, configurada estará a improbidade administrativa [43], havendo flagrante violação aos princípios da legalidade e da moralidade.

9. DA CASUÍSTICA.

Consoante a sistemática adotada neste ensaio, a análise casuística das situações configuradoras da improbidade administrativa previstas na Lei 8.429/92 assume caráter eminentemente secundário, já que os ilícitos perpetrados pelos agentes públicos são analisados sob uma perpectiva principiológica. Não obstante isto e visando melhor ilustrar a exposição, procederemos à análise de uma situação comumente divisada no cotidiano dos agentes públicos.

A teor do art. 9º, VII, da Lei 8.429/92, constitui ato de improbidade, importando em enriquecimento ilícito, "adquirir para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público". Em torno deste preceptivo legal foram construídas basicamente três linhas de argumentação. Consoante a primeira, trata-se de nítida hipótese de inversão do ônus da prova, cabendo ao agente provar que os bens de valor desproporcional à sua renda foram adquiridos com numerário de origem lícita [44]. De acordo com a segunda corrente, ao autor caberia o ônus de provar não só a desproporção entre os bens adquiridos e a renda auferida pelo agente, como também a prática de conduta ilícita no exercício da função e o nexo de causalidade existente entre esta e referida aquisição [45]. Esta posição possui os seguintes alicerces: a) a Lei 8.429/92, diferentemente da legislação fiscal, não faz referência a sinais exteriores de riqueza; b) o caput do art. 9º dispõe que os bens devem ter sido adquiridos "em razão do exercício do cargo...", o que é extensivo ao inciso VII, devendo o autor provar o nexo causal; c) o art. 26 do projeto que originou a Lei 8.429/92 previa a inversão do ônus da prova, não tendo sido aprovado. A terceira corrente, que entendemos mais consentânea com o espírito e a letra da lei, sustenta que: a) ao autor incumbe comprovar a desproporção entre os bens e a renda do agente, inexistindo inversão do ônus da prova; b) a lei 8.429/92 refere-se à aquisição de bens de valor desproporcional à renda, o que representa efetivo sinal exterior de riqueza; c) a mens legislatoris não guarda sinonímia com a mens legis, tendo relevância meramente histórica; e d) o caput do art. 9º contém conceito jurídico indeterminado, enquanto que os diversos incisos do referido preceptivo abrangem situações fáticas autônomas e específicas. [46]

Feito um breve resumo das correntes predominantes, resta tecer algumas considerações de ordem suplementar à posição que sufragamos. No incisos VII e VIII, do art. 9º encontram-se elencadas situações fáticas que, consoante as regras de experiência, apresentam-se como consectários lógicos do obrar ilícito do agente público em suas atividades, acarretando uma relação de causa e efeito com as mesmas. O agente que aceita emprego de pessoa física ou jurídica que tenha interesse em sua atividade, por óbvio e independentemente de restar provado qualquer obrar ilícito do mesmo, estará auferindo vantagens indevidas do cargo que exerce. Do mesmo modo, aquele que exerce atividade laborativa perante o Poder Público com dedicação exclusiva e percebe módica remuneração, acaso apresente evolução patrimonial faraônica será induvidosa a origem ilícita de seus bens. Nesta linha, é oportuno trazer à baila a lição do Mestre das Provas, Nicola Framarino Dei Malatesta [47], verbis: "No indício, a coisa que se apresenta como conhecida é sempre diversa da desconhecida, que se faz conhecer. Ora, uma coisa conhecida só nos pode provar uma diversa coisa desconhecida, quando se nos apresente como sua causa ou efeito, porquanto entre coisas diversas não há, conforme demonstrado, senão a relação de causalidade, capaz de conduzir de uma a outra."... "Da força que pode apresentar a relação de causalidade que ocorre entre fato indicante e fato indicado, relação de causalidade que é o trâmite lógico do raciocínio indicativo, deduzimos o valor probatório que pode apresentar o indício." Compete ao autor o ônus de provar a aquisição de bens de valor desproporcional à renda do agente, sendo este o fato indicante; o fato indicado, por sua vez, é o enriquecimento ilícito, o qual é desdobramento lógico do mesmo. Assim, não há que se falar em inversão do ônus da prova, restando ao agente público demandado, unicamente, o ônus de provar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão do autor, o que deflui da própria sistemática vigente (art. 333, II, do CPC). Ademais, entendimento contrário culminaria em coroar a perspicácia de ímprobos cujo patrimônio aumenta em progressão geométrica e que possuem atividade extremamente diversificada, o que inviabilizaria a identificação do momento e da forma em que se operou o ilícito deflagrador de tal prosperidade.


III. DAS SANÇÕES

10. DAS SANÇÕES EM ESPÉCIE.

Após descrever de forma enunciativa as três ordens de atos de improbidade que disciplina, elenca a Lei 8.429/92, nos incisos do art. 12, as sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo. Para melhor visualização, cumpre transcrever referido preceptivo legal, verbis:

"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração recebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente."

Não é necessária uma análise acurada do preceptivo legal retro transcrito para se constatar que os feixes de sanções cominados aos diferentes atos de improbidade apresentam grande similitude entre si, encontrando-se as dissonâncias, em linhas gerais, adstritas à variação de determinadas sanções que os compõem – suspensão dos direitos políticos, multa e proibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público. A seguir, teceremos breves considerações a respeito de cada uma das sanções cominadas, o que possibilitará uma melhor visualização da dimensão das mesmas.

Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio – a sanção de perda de bens tem esteio constitucional (art. 5º, XLVI, "b", da CR/88) e pressupõe a existência de uma evolução patrimonial contemporânea à atividade do agente público, bem como incompatibilidade com a remuneração do mesmo e do extraneus que tenha contribuído para a prática do ato ou auferido benefícios com o mesmo. Nesta linha, somente o acréscimo patrimonial ulterior ao exercício do cargo, emprego ou função poderá ser atingido por provimento cautelar que determine a indisponibilidade dos bens [48], já que os adquiridos anteriormente à investidura não tem correlação com a atividade pública. Tratando-se de enriquecimento ao qual não está atrelada uma causa lícita, afigura-se salutar a perda do que fora indevidamente auferido, evitando-se que a atividade do agente seja direcionada à consecução de interesses privados em detrimento da finalidade pública que lhe é peculiar.

Ressarcimento integral do dano – aquele que causa dano a outrem tem o dever de repará-lo; tal concepção, hodiernamente, encontra-se amplamente difundida e erigida à categoria de princípio geral de direito, sendo integralmente aplicada em se tratando de danos causados ao patrimônio público. Note-se, no entanto, que o texto legal não tem o poder de alterar a essência ou a natureza dos institutos; in casu, observa-se que a reparação dos danos, em essência, não representa uma punição para o ímprobo, pois tão somente visa repor o status quo. Acaso seja insuficiente o quantum fixado a título de reparação, caberá à Fazenda Pública ajuizar as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público (art. 17, § 2º, da Lei 8.429/92). Sob este aspecto, é relevante observar que a independência com a esfera cível foi levada a extremos, já que a pessoa jurídica lesada será instada a integrar o pólo ativo da ação caso não a tenha ajuizado (art. 17, § 3º); terá total liberdade para suprir as falhas e omissões detectadas na inicial; poderá produzir as provas que demonstrem a dimensão do dano; e terá ampla possibilidade de apresentar as irresignações recursais pertinentes; logo, inexiste justificativa para a injurídica possibilidade de renovação da lide. Objetivando harmonizar referido dispositivo com o instituto da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CR/88), entendemos que o ulterior pleito indenizatório somente deve ser admitido quando a Fazenda Pública não houver integrado o pólo ativo; quando a dimensão do dano não tenha sido discutida; ou quando fatos supervenientes, não valorados na lide originária, embasem a lide posterior.

Ainda sob a ótica do ressarcimento do dano, não corroboramos a tese esposada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em 18 de março de 1999, sendo relator o eminente Ministro Garcia Vieira, ocasião em que restou assentado: "Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário. A Lei 8.429/92, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso." [49] Tal decisão, não obstante o brilho do órgão julgador, caminha em norte contrário a séculos de evolução da ciência jurídica, culminando em afastar o princípio de que o patrimônio do devedor responde por seus atos [50], importante conquista da humanidade e que afastou a crueldade das sanções corporais preteritamente impostas ao devedor inadimplente. Toda conduta que causar dano a outrem, ainda que o agente público e o Estado figurem nos pólos ativo e passivo da relação obrigacional, importará na aplicação do referido princípio [51], inexistindo justificativa para que os bens adquiridos anteriormente à investidura sejam excluídos de tal responsabilidade. Ademais, a prevalecer a tese do referido acórdão, ter-se-á a inusitada situação de responsabilizar de forma mais severa aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal - respondendo por seus atos com todo o seu patrimônio – do que aquele que, valendo-se da confiança em si depositada, lesa o patrimônio do ente público que jurou defender. Pelos mesmos fundamentos, a indisponibilidade haverá de recair "sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano", consoante estatui o artigo 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/92, pois qualquer provimento de natureza cautelar visa garantir a eficácia da decisão a ser proferida no processo principal, evitando-se a inocuidade desta – o que certamente ocorreria com a dissipação do patrimônio do ímprobo. Por tais fundamentos, entendemos que o entendimento preconizado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça merece maior reflexão, adequando-o à necessidade social e aos ditames da Justiça.

Perda da função pública [52] – tal sanção somente é passível de aplicação ao agente ímprobo, não ao extraneus que tenha contribuído para a prática do ato ou se beneficiado do mesmo. A sanção deflui da incompatibilidade identificada entre o agente e a gestão da coisa pública, sendo a mesma passível de aplicação a todos aqueles que exerçam cargo ou emprego, e não apenas função, qualquer que seja a forma de investidura. Em que pese ter o resultado desta exegese natureza extensiva, a mesma deflui do sistema, em especial dos arts. 3º e 4º da Lei 8.429/92; assim, não há que se falar em ampliação de efeitos não previstos em norma restritiva.

Suspensão dos direitos políticos – como regra geral, ao cidadão é garantida a plena participação na vida política do Estado, abrangendo a mesma as faces ativa e passiva, vale dizer, o direito de votar (cidadania ativa) e de ser votado (cidadania passiva). Tratando-se de direito fundamental, sua restrição pressupõe expressa previsão constitucional; o que efetivamente foi feito nos arts. 15, V, e 37, § 4º, da CR/88, sendo admitida a suspensão dos direitos políticos quando praticados atos de improbidade. Conforme deflui da própria construção semântica da expressão, a privação ao exercício da cidadania é temporária, sendo esta sanção mais ampla do que as causas de inelegibilidade previstas no texto constitucional (v.g.: art. 14, §§ 5º e 7º, da CR/88) e na legislação infraconstitucional (LC nº 64/90). Estas limitam-se a restringir o exercício da cidadania em sua acepção passiva; naquela a restrição é total.

Pagamento de multa civil – caracteriza-se como sanção de natureza pecuniária imposta ao ímprobo em virtude do ilícito praticado. Considerando a previsão autônoma de ressarcimento do dano, tem natureza eminentemente punitiva, não caracterizando-se como estimativa do dano causado pela infração.

Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário - a exemplo da suspensão dos direitos políticos, apresenta-se como sanção de efeitos temporários e com graves conseqüências de ordem econômica. Os incentivos fiscais ou creditícios caracterizam-se como instrumentos utilizados pelo Poder Público para implementar o desenvolvimento de determinado território ou de certa atividade, bem como para corrigir certas desigualdades ou recompor a ordem econômica e social.

11. NATUREZA JURÍDICA.

Qualquer que seja o compartimento normativo em que esteja armazenada uma norma de conduta e a natureza do núcleo factual empírico previsto na mesma, esta apresenta um componente indispensável, qual seja, uma sanção para a sua inobservância. A sanção será passível de aplicação sempre que for identificada a subsunção de determinada conduta ao preceito proibitivo previsto de forma explícita ou implícita na norma. A sanção, pena ou reprimenda apresenta-se como elo de uma grande cadeia, cujo encadeamento lógico possibilita a concreção do ideal de bem-estar social; caracterizando-se, ainda, como instrumento garantidor da soberania do direito, concebido este não como mero ideal abstrato, mas como fator perpétuo e indissociável da harmonia social, sendo correlato à própria coexistência humana. Como se vê, sob o prisma ôntico, inexiste distinção entre as sanções cominadas nos diferentes ramos do direito, quer tenham natureza penal, civil ou administrativa; pois, em essência, todas visam recompor, coibir ou prevenir um padrão de conduta violado, cuja observância apresenta-se necessária à manutenção do elo de encadeamento das relações sociais. Sob o aspecto axiológico, por sua vez, as sanções apresentarão diferentes dosimetrias conforme a natureza da matéria violada e a importância do interesse tutelado, distinguindo-se igualmente consoante a forma, os critérios, as garantias e os responsáveis pela aplicação. Caberá ao órgão incumbido da produção normativa, direcionado pelos fatores sócio-culturais da época, identificar os interesses que devem ser tutelados e estabelecer as sanções em que incorrerão aqueles que os violarem. Assim, inexiste um elenco apriorístico de sanções cuja aplicação esteja adstrita a determinado ramo do direito.

No direito positivo pátrio, inexistem parâmetros aptos a infirmar a regra geral acima exposta, existindo unicamente sanções que são preponderantemente aplicadas em determinado ramo do direito. À guisa de ilustração, pode-se mencionar: a) o cerceamento da liberdade do cidadão, normalmente sanção de natureza penal (art. 5º, XLVI, CR/88), mas também passível de ser utilizado como sanção contra o depositário infiel e o inadimplente do débito alimentar (art. 5º, LXVII, da CR/88), erigindo-se como eficaz meio de coerção para o cumprimento de tais obrigações; b) a infração aos deveres funcionais pode acarretar para o servidor público a perda do cargo, a qual poderá caracterizar-se como sanção de natureza cível (art. 37, § 4º, da CR/88), administrativa (art. 41, § 1º, II e III, da CR/88) ou penal (art. 5º, XLVI, da CR/88); c) a cassação dos direitos políticos pode apresentar-se como conseqüência de uma sanção penal (art. 15, III, da CR/88) ou de uma sanção política (art. 85 da CR/88 e Lei 1.079/50).

No âmbito específico da improbidade administrativa, tal qual disciplinada na Lei 8.429/92, as sanções serão aplicadas por um órgão jurisdicional, com abstração de qualquer concepção de natureza hierárquica, o que afasta a possibilidade de sua caracterização como sanção administrativa [53]. As sanções de perda de bens ou valores de origem ilícita, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público, previstas no art. 12, são passíveis de aplicação por órgão jurisdicional, restando analisar se possuem natureza penal ou cível (rectius: extra-penal). À luz do direito posto, inclinamo-nos por esta [54], alicerçando-se tal concepção nos seguintes fatores: a) o art. 37, § 4º, in fine, da CR/88, estabelece as sanções para os atos de improbidade e prevê que as mesmas serão aplicadas de acordo com a gradação prevista em lei e "sem prejuízo da ação penal cabível"; b) regulamentando este dispositivo, dispõe o art. 12, caput, da Lei 8.429/92 que as sanções serão aplicadas independentemente de outras de natureza penal; c) as condutas ilícitas elencadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, ante o emprego do vocábulo "notadamente", tem caráter meramente enunciativo, o que apresenta total incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade que rege a seara penal (art. 5º, XXXIX, da CR/88), segundo o qual a norma incriminadora deve conter expressa previsão da conduta criminosa; d) o processo criminal atinge de forma mais incisiva o status dignitates do indivíduo, o que exige expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo relevante frisar que a mesma produzirá variados efeitos secundários; e) a utilização do vocábulo "pena" no art. 12 da Lei 8.429/92 não tem o condão de alterar a essência dos institutos, máxime quando a similitude com o direito penal é meramente semântica. A questão ora analisada, longe de apresentar importância meramente acadêmica, possui grande relevo para a fixação do rito a ser seguido e para a identificação do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a lide, já que parcela considerável dos agentes ímprobos goza de foro por prerrogativa de função nas causas de natureza criminal. [55] Identificada a natureza cível das sanções a serem aplicadas, inafastável será a utilização das regras gerais de competência nas ações que versem sobre improbidade administrativa, o que culminará em atribuir ao Juízo monocrático, verbi gratia, o processo e o julgamento das causas em que Prefeitos [56] e membros dos Tribunais Regionais do Trabalho [57] figurem no pólo passivo.

12. DOSIMETRIA.

Identificados os princípios que devem reger o obrar do agente probo, bem como as sanções passíveis de serem aplicadas ao mesmo em havendo subsunção de sua conduta ao padrão normativo dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, resta analisar os critérios que nortearão o órgão jurisdicional na aplicação de tais sanções. As lacunas da lei, aliadas a uma sistematização inadequada dos preceitos que regulam a matéria, tornam imperativa a fixação de diretrizes para a individualização da pena; a análise da possível discricionariedade do julgador em aplicar somente algumas dentre as sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92; e a identificação das sanções cabíveis em havendo simultânea subsunção do ato ao estatuído nos arts. 9º, 10 e 11, o que, em tese, importaria na aplicação de todas as sanções previstas nos incisos I, II e III do art. 12.

Na seara penal, nos períodos medieval e intermediário, um dos mais graves obstáculos para a consecução do ideal de justiça era o regime arbitrário das penas, as quais eram deixadas à livre decisão dos julgadores; ulteriormente, teve-se um sistema de penas rigorosamente fixas, o qual foi previsto no Código francês de 1791, não sendo permitido ao juiz qualquer discricionariedade em sua fixação [58]; hodiernamente, tem-se uma determinação relativa das penas, permitindo-se que sua gradação varie entre os limites máximo e mínimo, consoante a natureza e as circunstâncias da ação. Nesta linha, encontra-se o disposto no art. 5º, XLVI, da CR/88, segundo o qual "a lei regulará a individualização da pena..."; preceptivo este que erige-se como direito fundamental dos jurisdicionados e que, não obstante a natureza eminentemente cível das sanções cominadas aos atos de improbidade, deve servir de norte ao julgador, o que estará em sintonia com o art. 37, § 4º, da CR/88. Regulamentando o texto constitucional, tem-se o art. 59 do Código Penal, o qual estabelece os critérios a serem seguidos para fixação da pena, sendo também passível de utilização, feitas as adaptações necessárias, na delimitação das sanções a serem aplicadas aos atos de improbidade. Assim, para o estabelecimento da dosimetria das sanções é inafastável a valoração da personalidade do agente, de sua vida pregressa na administração pública, do grau de participação no ilícito e dos reflexos de seus atos na organização desta e na consecução de seu desiderato final, qual seja, o interesse público. Afora tais elementos, deverá o juízo valorar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, únicas diretrizes traçadas pela Lei de Improbidade (art. 12, parágrafo único).

Conforme dispõe o art. 37, § 4º, da CR/88, deveria o legislador infraconstitucional estabelecer os critérios de gradação das sanções a serem aplicadas ao agente ímprobo. Assim, nada impediria que fosse estabelecido um escalonamento das sanções consoante as condições do agente e as conseqüências da infração, cominando, de forma cumulativa ou alternada, aquelas previstas no texto constitucional - suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário – e outras mais. Regulamentando o preceptivo constitucional, estabelece o art. 12 da Lei 8.492/92, em cada um de seus três incisos, as sanções que serão aplicadas às diferentes formas de improbidade; elenco este que encontra-se previsto de forma aglutinativa, separado por virgulas e cuja última sanção cominada encontra-se unida ao todo pela conjuntiva "e". Em razão de tal técnica legislativa, inclinamo-nos, como regra geral, pela imperativa cumulatividade das sanções, restando ao órgão jurisdicional a discricionariedade de delimitar aquelas cuja previsão foi posta em termos relativos, quais sejam: a) suspensão dos direitos políticos – 8 (oito) a 10 (dez) anos, inc. I / 5 (cinco) a 8 (oito) anos, inc. II / 3 (três) a 5 (cinco) anos, inc. III; e b) multa civil – até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial, inc. I / até 2 (duas) vezes o valor do dano, inc. II / até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, inc. III. Além do aspecto gramatical, já que não utilizada a disjuntiva "ou" na cominação das sanções, deve-se acrescer que não caberia ao Poder Judiciário, sob pena de mácula ao princípio da separação dos poderes, deixar de aplicar as reprimendas estabelecidas pelo legislador, de forma cumulativa, consoante expressa autorização constitucional. Releva notar, no entanto, que as sanções de ressarcimento dos danos causados ao erário e perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, conforme deflui da própria redação dos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92, somente serão passíveis de aplicação em estando presentes os pressupostos fáticos que as legitimam, quais sejam, o dano ao erário e o enriquecimento ilícito.

Qualquer que seja a seara, somente se pode falar em liberdade do julgador na fixação da reprimenda em havendo expressa autorização legal, o que deflui dos próprios princípios norteadores do sistema repressivo; isto porque a sanção, a um só tempo, representa eficaz mecanismo de garantia dos direitos do cidadão – o qual somente pode tê-los restringidos com expressa previsão legal – e instrumento de manutenção da paz social, sendo a materialização dos anseios dos cidadãos expressos através de seus representantes. Em razão da própria natureza da conduta perquirida, não haveria que se falar, inclusive, em adstrição do órgão jurisdicional a uma possível delimitação do pedido; pois, tratando-se de direito eminentemente indisponível, não compete ao autor da demanda restringir as conseqüências dos atos de improbidade, restando-lhe unicamente deduzir a pretensão de que sejam aplicadas as sanções condizentes com a causa de pedir que declinara na inicial.

Conforme frisamos, a aplicação cumulativa das sanções apresenta-se como regra geral, a qual, em situações específicas e devidamente fundamentadas, pode sofrer abrandamento, o que permitirá a adequação da Lei 8.429/92 à Constituição da República [59]. Tal posição, longe de macular o equilíbrio constitucional dos poderes e conduzir ao arbítrio judicial [60], viabilizará a formulação de interpretação conforme a Magna Carta e atenuará a dissonância existente entre a tutela dos direitos fundamentais e a severidade das sanções cominadas. O elemento volitivo que informa o ato de improbidade, aliado à possível preservação de parcela considerável do interesse público, pode acarretar uma inadequação das sanções cominadas, ainda que venham a ser fixadas no mínimo legal. À guisa de ilustração, observe-se que a aplicação das sanções de perda da função e suspensão dos direitos políticos ao agente que culposamente dispense a realização de procedimento licitatório apresenta-se em flagrante desproporção com o ilícito praticado. Em situações como esta, entendemos que o órgão jurisdicional deve proceder à verificação da compatibilidade entre as sanções cominadas, o fim visado pelo legislador e o ilícito praticado, o que redundará no estabelecimento de um critério de proporcionalidade. Para auferir tal resultado, a Suprema Corte norte-americana utilizou como cláusula de compatibilização o princípio do devido processual legal, originariamente uma garantia processual, mas ulteriormente utilizado em uma concepção substantiva (substantive due process). Assim, a atuação estatal deveria ser submetida a um teste de racionalidade (rationality test), sendo aferida sua compatibilidade com o comando constitucional a partir de um padrão de razoabilidade (reasonablesse standard). Considerando que a suspensão dos direitos políticos importa em restrição ao exercício da cidadania e a perda da função pública em restrição ao exercício de atividade laborativa lícita, afigura-se clara a desproporção existente entre tais sanções e o ato do agente que, como no exemplo referido, dispense culposamente a realização de um procedimento licitatório. A reprimenda ao ilícito deve ser adequada aos fins da norma [61], resguardando-se a ordem jurídica e as garantias fundamentais do cidadão, o que preservará a estabilidade entre o poder e a liberdade.

A inexistência de preceitos normativos que permitam identificar de forma apriorística as condutas excluídas da regra geral acima enunciada torna imperativo o estabelecimento, ainda que de forma singela, de parâmetros de adequação. Para tanto, torna-se possível identificar a proporcionalidade entre a sanção e o ilícito a partir da análise do elemento volitivo do agente e da possível consecução do interesse público. Ao agente público somente é permitido agir nos limites em que a lei lhe autorize, sendo vasto o elenco de princípios e normas de conduta previstos no ordenamento jurídico. O agente cujos atos sejam informados por um elemento volitivo frontalmente dirigido a fim diverso daquele previsto em lei apresentar-se-á em situação distinta daquele que tiver seu obrar intitulado de ilícito em virtude de uma valoração inadequada dos pressupostos do ato ou dos fins visados. Nesta linha, ao ato culposo poderão ser aplicadas sanções mais brandas, já que o resultado ilícito não fora deliberadamente visado pelo agente; note-se, no entanto, que a culpa grave - entendida como tal aquela ocupante do ápice da curva ascendente de previsibilidade – poderá ter seus efeitos eventualmente assimilados aos do ato doloso. Além do elemento volitivo, deve ser analisada a consecução do interesse público, o qual foi erigido à categoria de princípio fundamental pela Constituição da República (art. 3º, IV). Em sendo parcialmente atingido o interesse público, afigura-se igualmente desproporcional que ao agente sejam aplicadas as mesmas reprimendas destinadas àquele que se afastou integralmente do mesmo; logo, em hipóteses tais, as sanções aplicadas também deverão variar conforme a maior ou menor consecução daquele. Adotando-se tais critérios, será estabelecida uma relação de adequação entre o ato e a sanção; sendo esta suficiente à repressão e à prevenção da improbidade. Ademais, tornará certo que os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) sujeitarão o agente a todas as sanções previstas no art. 12, I, pois referidos atos sempre serão dolosos e dissociados do interesse público. Restará ao órgão jurisdicional, unicamente, a possibilidade de mitigar as sanções cominadas aos atos que importem em prejuízo ao erário (art. 10) e violação aos princípios que regem a atividade estatal (art. 11). Aqueles podem ser dolosos ou culposos, enquanto que estes serão sempre dolosos; podendo ser perquirido, em qualquer caso, o resultado obtido com os mesmos. No mais, é relevante observar que afigura-se inadmissível que ao agente seja aplicada unicamente a sanção de ressarcimento do dano, pois esta, em verdade, não representa uma reprimenda, visando unicamente a recomposição do status quo.

Não raro ocorrerá que a conduta do agente, a um só tempo, importe em enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação aos princípios administrativos; o que, por via reflexa, permitiria a simultânea aplicação de todas as sanções do art. 12 da Lei 8.429/92. Situação parecida será vislumbrada quando múltiplas forem as irregularidades perpetradas pelo agente, ainda que em momentos diversos e apuradas em processos distintos, o que erige-se como interessante complicador, já que nesta seara inexiste previsão de órgão responsável pela unificação e reunião das penas. Ao estatuir as diferentes sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo, estabeleceu o legislador um critério de gradação onde o período de suspensão dos direitos políticos, a multa cominada e a proibição de contratar com o Poder Público variarão consoante os efeitos do ato. Assim, as sanções apresentam-se postas em uma linha decrescente, sendo o ápice ocupado por aquelas cominadas aos atos que importem em enriquecimento ilícito, identificando-se posteriormente as decorrentes de lesão ao erário e violação aos princípios regentes da atividade estatal.

Em linhas gerais, o feixe de sanções, qualquer que seja a natureza do ato e seus efeitos, apresenta-se com consistência e derivação ontológica idênticas, variando unicamente em intensidade. Ao ímprobo serão aplicadas as sanções de perda de bens ou valores, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios deste – tal é o feixe de sanções previsto nos incisos do art. 12 e que se adequará aos efeitos do ato. Identificada a mens legis, diferente será o prisma de análise conforme seja constatada a multiplicidade ou a unicidade do ato.

Tratando-se de ato único, entendemos que um único feixe de sanções deve ser aplicado ao agente, ainda que a conduta do mesmo, a um só tempo, se subsuma ao disposto nos arts. 9º, 10 e 11. Único o ato, único haverá de ser o feixe de sanções (ne bis in eadem). No que concerne à dosimetria, haverão de compor o feixe de sanções os valores relativos de maior severidade, o que possibilitará o estabelecimento de uma relação de adequação com a natureza dos ilícitos; sendo que a pluralidade destes será valorada por ocasião da individualização e fixação de cada uma das sanções que compõem o feixe. Nesta linha, havendo múltipla subsunção, normalmente serão aplicadas as sanções do inciso I do art. 12, cujos valores relativos são mais elevados.

Havendo pluralidade de atos, múltiplos serão os feixes de sanções a serem aplicados. Para melhor compreensão desta proposição, deve-se incialmente observar que não apresentam maior dificuldade as sanções de perda da função pública, ressarcimento do dano e perda de bens de origem ilícita. Tal é justificável, pois, em havendo perda da função pública, impossível será que o agente a perca outra vez -salvo se houver ulterior aquisição de nova função e outros ilícitos sejam perpetrados; as demais sanções, por sua vez, somente poderão ser aplicadas em estando presentes os pressupostos fáticos que as autorizam. Inexistirão, assim, maiores dificuldades na aplicação de tais sanções. No entanto, tratando-se de suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público, maiores controvérsias surgirão.

A suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público são sanções que apresentam delimitação temporal, tornando-se efetiva a primeira, a teor do art. 20 da Lei 8.429/92, com o trânsito em julgado da sentença condenatória; e a segunda, a contrario sensu do referido preceptivo, com a prolação da sentença monocrática. Considerando a delimitação temporal e inexistindo nesta seara norma semelhante àquelas previstas nos arts. 69, 70 e 71 do Código Penal, não há que se falar em soma das sanções aplicadas em diferentes processos; pois, considerando as nefastas conseqüências que daí advirão, podendo culminar com a suspensão dos direitos políticos do cidadão por várias dezenas de anos, somente norma específica poderia amparar tal entendimento, não a analogia. À mingua de lei específica e por ser mais benéfico ao agente, deve-se adotar o denominado sistema da absorção, segundo o qual a sanção mais grave absorve as demais da mesma espécie [62]. Assim, à possibilidade de aplicação de tais sanções em diferentes processos deve-se correlacionar o entendimento de que as mesmas poderão se sobrepor e acarretar a efetividade de somente uma delas; pois, à mingua de lei específica, será inadmissível sua soma. Igual entendimento será aplicado em sendo os diferentes atos de improbidade apurados no mesmo processo, o que, em termos práticos, culminará com a aplicação de uma única sanção de cada espécie, utilizando-se o órgão jurisdicional da maior determinação relativa (limites mínimo e máximo) prevista no art. 12.

No que concerne às sanções de multa, serão as mesmas passíveis de aplicação cumulativa, consoante as delimitações estabelecidas para cada um dos feixes de sanções. Tal cumulatividade apresentar-se-á de forma clara sempre que os ilícitos forem perquiridos em processos distintos. Em sendo os ilícitos apurados em um único processo, ter-se-á, ao final, uma única soma pecuniária, a qual será necessariamente exasperada por comportar as diferentes multas que integram os feixes de sanções a que estava sujeito o agente.


IV. SÍNTESE CONCLUSIVA

1) Os agentes públicos de todos os Poderes devem estrita obediência aos princípios da legalidade e da moralidade.

2) O princípio da legalidade condensa os comandos normativos que traçam as diretrizes da atuação estatal; enquanto que a moralidade aglutina as características do bom administrador, do agente cuja atividade encontra-se direcionada à consecução do bem comum.

3) Da conjunção dos princípios regentes da atividade estatal extrai-se o princípio da probidade.

4) A violação dos princípios regentes da atividade estatal acarretará a aplicação da Lei 8.429/92 sempre que esta apresentar uma relação de proporcionalidade com a natureza e o grau do ilícito praticado.

5) O preceito primário da improbidade será individualizado com a conjunção da violação dos princípios regentes da atividade estatal; da identificação do elemento volitivo do agente; da subsunção da conduta aos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei 8.429/92 – conforme haja, respectivamente, enriquecimento ilícito, dano ao erário ou unicamente violação aos princípios; e da aplicação do princípio da proporcionalidade, o que justificará, à luz da lesividade do ato, que seja aplicada a Lei de Improbidade ao agente..

6) Individualizado o preceito primário, ao agente será aplicado o preceito secundário previsto no art. 12 da Lei 8.429/92.

7) Os atos administrativos discricionários devem visar à consecução da finalidade pública justificadora da regra de competência, o que é passível de controle judicial.

8) O abuso de poder, observada a dimensão e os efeitos do ato, configura a improbidade administrativa.

9) Ainda que seja constatado que o elemento volitivo motivador da atividade legislativa não apresenta adequação com os fins da norma e os princípios constitucionais, não poderá ser perquirida a configuração da improbidade, pois os parlamentares são invioláveis pelas opiniões, palavras e votos que emitirem no exercício da função.

10) Os provimentos jurisdicionais proferidos com comprometimento da imparcialidade do magistrado consubstanciam a improbidade; o mesmo ocorrendo com a omissão indevida e injustificável na prática dos atos processuais.

11) As sanções da Lei 8.429/92 tem natureza cível, o que torna competente o Juízo de primeiro grau de jurisdição para a sua aplicação.

12) Como regra geral, verificada a prática ilícita, devem ser aplicadas ao agente todas as sanções previstas em cada um dos feixes do art. 12 da Lei 8.429/92.

13) Excepcionalmente, a partir da identificação do elemento volitivo do agente e da eventual consecução do interesse público, podem ser aplicadas apenas algumas dentre as sanções componentes de cada um dos feixes do art. 12 da Lei 8.429/92.

14) Em havendo a simultânea subsunção de uma única conduta ao disposto nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, deve ser aplicado um único feixe de sanções, utilizando-se os valores relativos mais elevados.

15) A prática de distintos atos de improbidade importará na aplicação de igual número de feixes de sanções, os quais poderão se sobrepor nas hipóteses de sanções dotadas de delimitação temporal, sendo vedada a soma destas.


NOTAS

01. Les Principes Généraux de Droit, apud Recueil d’Études Sur Les Sources du Droit em l’Honneur de Francoise Geny, vol. II, Paris, p. 69.

02. No mesmo sentido encontra-se o art. 1º, caput, da Lei 8.429/92, segundo o qual "os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei."

03. "A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, RT, 16ª ed., p. 82).

04. Princípios da Legalidade da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo, RDP 84/53.

05. Art. 1º, parágrafo único da CR/88. "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

06. Na Constituição da República, também são manifestações expressas do princípio da legalidade os arts. 5º, II (geral); 5º, XXXIX (matéria penal); 84, IV (adstrição do Executivo à lei); e 150, I (matéria tributária).

07. "A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial." (Súmula 473 do STF).

08. Précis Élémentaire de Droit Administratif, Recueil Sirey, 1938, 4ª ed., p. 232.

09. De acordo com Hauriou, "a legalidade dos atos jurídicos administrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei; mas a conformidade desses atos aos princípios basilares da boa administração, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da moralidade administrativa." (Antônio José Brandão, Moralidade Administrativa, RDA 25/457).

10. Droit Administrative, Éditions Sirey, 1963, 9ª ed., 1963, p. 489.

11. Vide STF, RE nº 160.381-SP, rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 153/1030.

12. O Princípio da Moralidade Administrativa, Genesis Editora, 1993, 2ª ed., p. 20.

13. Op. cit. pp. 56/57.

14. STF, Pleno, MS nº 1748-1, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 14.04.94, DJ de 10.06.94.

15. STF, 2ª T, RE nº 197.888-1, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 13.10.97, DJ de 28.11.97.

16. STF, 2ª T, RE nº 206.889-6, rel. Min. Carlos Velloso, j em 25.03.97, DJ de 13.06.97.

17. STF, 1ª T., RE nº 170.768-2, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 26.03.99, DJ de 13.08.99.

18. TJSP, 7ª CC, AP nº 145.916-1/2, rel Des Campos Mello, j. em 26.06.91, RT 673/61.

19. STJ, 1ª T., REsp. nº 21.156-0, rel. Min. Mílton Pereira, j. em 19.09.94, RSTJ 73/192.

20. Gilmar Ferreira Mendes, A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório IOB de Jurisprudência, nº 23/94, p. 475; e Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 4ª ed., 1993, pp. 314/355.

21. Interpretação e Aplicação da Constituição. Saraiva, 1999, p. 233.

22. "Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ou recebidos para substituição à vista do consumidor, com o pagamento imediato de eventual diferença a menor: argüição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e metrologia), 24 e §, 25 e § 2º, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos: plausibilidade jurídica da argüição que aconselha a suspensão cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-se a inconstitucionalidade: liminar deferida." (STF, Pleno, ADIN nº 855-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 1º.07.93, DJ de 1º.10.93, RDA 194/347).

23. "Administrativo. Responsabilidade de Prefeito. Contratação de pessoal sem concurso público. Ausência de prejuízo. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil. Recurso improvido."(STJ, 1ª T., Resp. nº 213.994, rel. Min. Garcia Vieira, j. em 17.08.99, DJ de 27.09.99). Não obstante o brilho do órgão julgador, esta decisão nega vigência ao art. 11 da Lei 8.429/92. Caracteriza a improbidade a violação de toda ordem de princípios previstos no art. 37 da CR/88; a falta de tratamento isonômico dos cidadãos, impossibilitando-os de ascender ao funcionalismo público; a ausência de seleção daqueles que ocuparão cargos públicos, permitindo que fronteiriços sejam responsáveis pela gestão da coisa pública; e a contratação de apadrinhados, em nítida violação ao princípio da impessoalidade. Afigura-se nítido o dano ao interesse público, sendo injurídico afirmar que a lei somente visa a punir o administrador desonesto, não o incompetente. Que seja desonesto na gestão de seus bens, não na condução do patrimônio público; que viole sua moral individual, não a moralidade administrativa; que presenteie os amigos com seus bens, não com cargos públicos. Enfim, até mesmo para a incompetência deve ser estabelecido um limite.

24. "Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:... "

25. "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:... "

26. "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:..."

27. Luís Roberto Barroso, op. cit., pp. 153/156.

28. O denominado sistema dos freios e contrapesos, ou "checks anda balances"; o qual visa proscrever o arbítrio e a tirania, já que a consecução destes estaria condicionada ao improvável conluio entre autoridades independentes e que apresentam um certo grau de interpenetração em suas atividades, importando em controle mútuo ("Le pouvoir arrête le pouvoir") que visa preservar a harmonia norteadora da coexistência das diferentes funções estatais.

29. "Uma extrema desconfiança frente aos tribunais judiciais: tal foi a razão que provocou esta separação das autoridades administrativas e judiciárias e a interdição feita às últimas de julgar o contencioso administrativo." (Roger Bonard, Précis de Droit Public, 7ª ed. par Maurice Duverger, Recueil Sirey, Paris, 1946).

30. Art. 5º da CR/88: Direito de Petição (XXXIV, "a"); Habeas Corpus (LXVIII); Mandado de Segurança (LXIX); Mandado de injunção (LXXI); e Habeas Data (LXXII).

31. "O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos fundamentais." (Mauro Cappelletti e Bryant Garth, trad. de Ellen Gracie Northfleet, Acesso à Justiça, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 12)

32. Arts. 127 e 129, III, da CR/88; arts. 1º, IV, 3º, II e 13 da Lei 7.347/85; art. 17 da Lei 8.429/92; e arts. 25 e 26 da Lei 8.625/93.

33. Sobre ser a ação civil pública pública instrumento adequado, tem-se: a) contra: as abalizadas lições de Marcelo Figueiredo, in Probidade Administrativa, Malheiros, 3ª ed., p. 92 e de José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Lumen Juris, 2ª ed., 1999, pp. 78/81, os quais entendem ser cabível a ação civil de reparação do dano prevista nos arts. 17 e 18 da Lei 8.429/92; b) a favor: a jurisprudência cristalizada da 1ª Turma do STJ in REsp. nº 167.344, DJ de 19.10.98; REsp. nº 196.932, DJ de 18.03.99; REsp. nº 119.827, DJ de 01.07.99; REsp. nº 213.714, DJ de 06.09.99, todos relatados pelo Min. Garcia Vieira; REsp. nº 154.128, DJ de 18.12.98; e RMS 7.423, j. em 12.06.97, ambos relatados pelo Min. Mílton Pereira.

34. Sistema Istituzionale del Diritto Amnistrativo Italiano, A. Giuffrè Ed, 3ª ed, 1960, p 2.

35. É o aspecto do ato administrativo relativo à liberdade do administrador quanto à valoração da conveniência e oportunidade na prática do ato, diante do interesse público a atingir; sendo noção de aplicação restrita aos atos discricionários.

36. Cáio Tácito, Temas de Direito Público, pp. 315 e ss; Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricionariedade, Forense, 2ª ed., 1991; e Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e Controle Judicial, Malheiros, 2ª ed., 2000.

37. "Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesce ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente." (Celso Antônio, op. cit. p. 48).

38. Nesta hipótese, o desvio de poder estará configurado ainda que o agente não tenha atuado com má-fé, tendo ocorrido mera valoração inadequada da norma.

39. "O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato aparentemente legal." (Hely, op. cit. p. 92). Para Caio Tácito, "a ilegalidade mais grave é a que se oculta sob a aparência da legitimidade. A violação maliciosa encobre os abusos de direito com a capa da virtual pureza." (Op. cit. pp. 71 e ss).

40. O Controle da Moralidade na Constituição, Malheiros Editores, 1999, p. 138.

41. Pleno, rel. Min. Octávio Gallotti, j. em 27.09.00, maioria (6 x 4).

42. Cf. arts. 53, 27, § 1º e 29, VIII, da CR/88.

43. O mesmo ocorrerá em havendo acúmulo injustificável de feitos com os membros do Ministério Público; procedimentos inquisitoriais com os delegados de polícia etc.

44. Neste sentido: Wallace Paiva Martins Júnior, Providências Estruturais na Investigação da Improbidade Administrativa, RT 727/339; Luiz Fabião Guasque, A Responsabilidade da Lei de Enriquecimento Ilícito, Revista de Direito da PGJ-RJ, vol. 1, nº 2, 1995, p. 124; Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed., Malheiros Editores, 1994, p. 424.

45. Marino Pazzaglini Filho et alii, Improbidade Administrativa, Atlas, 4ª ed., 1999, p. 71.

46. Fábio Medina Osório, Improbidade Administrativa, Síntese, 2ª ed., 1998, p. 181.

47. A Lógica das Provas em Matéria Criminal, trad. de Waleska Girotto Silverberg, Conan Editora, 1995, p. 219.

48. Arts. 7º e 16 da Lei 8.429/92.

49. REsp. nº 196.932-SP, unânime, DJ de 10.05.99.

50. Vide arts. 1832 e 1833 do Código Civil francês; arts. 1076-1081 do Código Civil argentino; art. 806 da Consolidação de Teixeira de Freitas; art. 1518 do Código Civil; e arts. 591 e 646 do Código de Processo Civil.

51. Em desnecessária repetição da regra instituída no direito pátrio pelo art. 1587 do CC, estabelece o art. 8º da Lei 8.429/92 que o sucessor do ímprobo só responde às cominações legais até o limite do valor da herança. É o denominado benefício de inventário.

52. Havendo previsão no Estatuto regente da categoria do agente ímprobo, é admissível a aplicação desta sanção em procedimento administrativo, desde que resguardado o contraditório e a ampla defesa (STF, Pleno, MS 21.922-0, j. em 20.06.96, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18.10.96). Também é admissível, sem qualquer mácula ao direito adquirido, a cassação de aposentadoria em razão de improbidade praticada na ativa (STF, Pleno, MS 22.728-1, j. em 22.04.98, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13.11.98).

53. Vide arts. 16 e 20 da Lei 8.429/92. Note-se que as sanções previstas no art. 12 podem ter previsão expressa no estatuto dos servidores públicos, sendo passíveis de aplicação em processo administrativo-disciplinar; isto com exceção da suspensão dos direitos políticos (art. 15 da CR/88), pois, tratando-se de direito fundamental, sua restrição por órgão que não desempenhe atividade jurisdicional dependeria de previsão específica, o que não ocorre (Vide José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivo, RT, 7ª ed., 1991, p. 333).

54. No mesmo sentido: STJ, 6ª Turma, REsp. nº 150.329, rel. Min. Vicente Leal, j. em 02.03.99, DJ de 05.04.99. Na doutrina: Fábio Medina Osório, op. cit., pp. 217/224; Marino Pazaglini Filho et alii, op. cit., p. 135; Marcelo Figueiredo, Probidade..., p. 87. Para Álvaro Lazzarini, in Temas de Direito Administrativo, RT, 1ª ed., 2000, p. 64, tais sanções têm natureza política, com o que não concordamos, ante a natureza do órgão que as aplicará e a necessária fundamentação da decisão a ser proferida (art. 93, IX, da CR/88), o que possibilita seu reexame por outro órgão em havendo irresignação; caracteres estes incompatíveis com uma decisão essecialmente política.

55. CR/88. Art. 29, X – nos crimes comuns o Prefeito será julgado perante o TJ; art. 102, I, "b" – os membros do Congresso Nacional perante o STF; art. 105, I, "a" – Governador e membros dos Tribunais Regionais Federais, Regionais do Trabalho e de Justiça perante o STJ; etc.

56. STJ, 6ª T, RMS nº 6.208, rel Min Anselmo Santiago, j em 10.11.98, DJ de 15.03.99.

57. STJ, C. Especial, Rec. nº 591, rel Min Nílson Naves, j em 1º.12.99, DJ de 15.05.00.

58. Trata-se da normatização da célebre concepção de Montesquieu: "O juiz não é senão a boca que pronuncia as palavras da lei" (in L’Esprit des Lois, Livro XI, 6).

59. "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos." (Art. 18, 2, da Constituição portuguesa).

60. Xavier Philippe, Le Contrôle de Proportionnalité dans les Jurisprudences Constitutionnelle et Administrative Françaises, Aix-Marseille, 1990, p. 4.

61. "Em acórdão no Habeas Corpus nº 45.232, a Suprema Corte rejeitou, por desarrazoada, a aplicação de pena acessória que proibia atividade privada a condenado por crime contra a segurança nacional, declarando a inconstitucionalidade do art. 48 do DL nº 314, de 1967, nos termos do voto vencedor do Ministro Themístocles Cavalcanti (Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 44, pp. 322 e segs.)." (Cáio Tácito, Temas de Direito Público, 1º vol., Renovar, 2ª ed., p. 491).

62. Anibal Bruno, Direito Penal, Tomo 2º, 3ª ed., Forense, 1967, p. 288.

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GARCIA, Emerson. A improbidade administrativa e sua sistematização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 86, 27 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4284. Acesso em: 23 abr. 2024.