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Validade das contratações em condições diversas do edital e da proposta

Validade das contratações em condições diversas do edital e da proposta

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1. O INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO DA LICITAÇÃO
COMO MATRIZ DO CONTRATO

Costumam, os autores, asseverar que em termos básicos ou que, basicamente, o conteúdo do contrato regulado pela Lei federal n° 8.666, de 21 de junho de 1993, chamada de Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, há de ser, quando for o conseqüente de uma licitação, igual ao do instrumento convocatório (edital, carta-convite) e seus anexos e ao da proposta vencedora. Há como que uma coincidência entre os termos desses atos e os do contrato. Em outra oportunidade e a pretexto diverso, fizemos semelhante afirmação (OPEM, n° 1, dezembro de 1990, publicação da Fausto e S/Associados Ltda.), tendo em vista os princípios da igualdade, da moralidade administrativa e da vinculação de todos os interessados na licitação aos termos e condições do instrumento convocatório e seus apensos, embora tenhamos ressalvado dessa identidade o conteúdo do contrato em relação ao da proposta. Desse modo, aquele poderia, em algumas hipóteses, afastar-se dos termos e condições da proposta vencedora.

De fato, se o instrumento convocatório é a matriz do contrato, não se tem, em princípio, como aceitar, legitimamente, discrepâncias entre esses dois atos, sob pena de nulidade do ajuste ou, no mínimo, da cláusula destoante. "Nem seria compreensível", assegura HELY LOPES MEIRELLES (Licitação e Contrato Administrativo, 11ª ed., atualizada por Eurico Andrade Azevedo et alii, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 179), "que a Administração formulasse seu desejo no edital e contratasse em condições diversas do pedido na licitação". Em suma, como regra, nada pode ser feito ou exigido aquém ou além do edital e seus anexos e da proposta, elementos aos quais se vincula o contrato, diz-se freqüentemente.


2. A POSIÇÃO DOS AUTORES

MARÇAL JUSTEN FILHO (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 4ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro, Aide, 1996, p. 346) e JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR (Comentários à Lei das Licitações e Contratos da Administração Pública, 3ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 1995, p. 338), como tantos outros, não fogem a essa inteligência. Com efeito, ensina o primeiro desses comentadores da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública que "Se fosse possível alterar as condições da licitação e (ou) das propostas, a licitação seria inútil. A descoincidência acarreta a nulidade do contrato, sem prejuízo de responsabilização dos envolvidos". O segundo, a seu turno, acentua: "Vale dizer que o ato convocatório e a proposta vinculam o contrato que se lhes seguirá, tanto para a Administração contratante, que não poderá inovar em suas cláusulas, quanto para a empresa contratada, que não se poderá esquivar de atender aos termos da convocação e de sua própria proposta".


3. A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS

Por várias vezes assim também decidiu o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, conforme deixa entrever ANTONIO ROQUE CITADINI (Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, São Paulo, Max Limonad, 1996, p. 310) ao citar, na nota n° 363 de pé de página, jurisprudência dessa Corte de Contas. Com efeito, nos processos TC-674.006/93, TC-675.006/93, TC-676.006/93, e TC-677.006/93, relatados por esse douto Conselheiro, restou assentado que a "Inclusão de cláusula contratual desvinculada do edital, restringe o caráter competitivo e fere o princípio da vinculação - art. 3° da Lei 8.666/93". A condenação pela desatenção a esse princípio também é precisada nos v. Acórdãos do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TC-2.319/93) e do Tribunal de Contas da União (TC-650.076/95-8). Repete-se, desse modo, a clássica afirmação de que o instrumento convocatório é a lei interna da licitação e do contrato, nada podendo ser ajustado longe de seus termos e condições e das condições e termos de seus anexos e da proposta vitoriosa.


4. ATO DE LIBERAÇÃO DA LICITAÇÃO COMO MATRIZ DO CONTRATO

As mesmas afirmações, emboras bem mais raras, são feitas para os casos de contratação direta, isto é, para as ajustadas independentemente de licitação. Nesses casos, o contrato deve atender aos termos e condições do ato de liberação da licitação e da proposta do escolhido para contratar com a Administração Pública, consoante estatui o § 2° do art. 54 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. Esse ato faz as vezes do instrumento convocatório, devendo por essa razão conter, no que couber, as mesmas prescrições que esse ato contém (art. 40, da Lei n° 8.666/93), ou seja, enunciar os termos e condições em que a Administração Pública deseja contratar. Portanto, o futuro contrato fica vinculado aos termos e condições desse ato de liberação da licitação, não podendo em situações normais ser celebrado de modo diverso desse paradigma. É esse ato de autorização, numa quase repetição de clássica afirmação de HELY LOPES MEIRELLES sobre o edital, a lei interna do contrato, nos casos de ajustes celebrados sem licitação. Ademais, dito ajuste deve absoluto respeito aos termos e condições da proposta feita pelo escolhido nesse processo de contratação direta.


5. OS FUNDAMENTOS DA COINCIDÊNCIA ENTRE AS CONDIÇÕES E TERMOS DO ATO DE ABERTURA E DE LIBERAÇÃO DA LICITAÇÃO E OS DO CONTRATO

Dita inteligência, afirmam, encontra sustentação no princípio da vinculação ao instrumento convocatório da licitação e nos expressivos termos do art. 41 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública que lhe dá o correspondente conteúdo. De fato, segundo a prescrição desse dispositivo a Administração Pública não pode descumprir as normas e condições do edital ou carta-convite, aos quais acha-se, conforme o caso, estritamente vinculada, inclusive, é evidente, quanto à contratação. Esta, ainda, vincula-se à minuta do instrumento de contrato, quando por determinação legal estiver apensada ao ato convocatório ou ao ato de liberação da licitação, tanto quanto prende-se, no que couber, aos demais anexos e à proposta. Não se admite possa o contrato divergir das condições e termos fixados no instrumento convocatório ou do ato de contratação direta e seus respectivos apensos, conforme ensina, entre outros, HELY LOPES MEIRELLES (ob. cit., p. 179).

Agregue-se a essas razões a força dispositiva do § 1° do art. 54 dessa Lei, segundo o qual os contratos devem ser celebrados em conformidade com os termos da licitação ou, o que é o mesmo, em conformidade com os termos do instrumento convocatório e seus anexos e do § 2°, desse mesmo artigo, consoante o qual os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta. Essa quase repetição dos termos e condições do ato de abertura ou do ato de liberação da licitação e a reprise da minuta contratual são obrigatórias sob pena da licitação e do contrato resultarem em farsa. Não se deve, portanto, estranhar a regra da conformidade do contrato a ser celebrado aos termos e condições do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação, seus correspondentes anexos, e da proposta vencedora ou escolhida diretamente, acentuam.


6. HIPÓTESES EM QUE ESSA COINCIDÊNCIA PODE SER IGNORADA. COMPATIBILIDADE E CONFORMIDADE

Não obstante decorrerem tais afirmações (a) do art. 3°, instituidor do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que determina aos envolvidos numa licitação estrita obediência aos seus termos e aos de seus anexos, (b) do art. 41, caput, que impõe respeito às normas e condições do edital e da carta-convite, (c) do § 1° do art. 54 que prescreve sejam os contratos celebrados em conformidade com os termos da licitação e do contrato e (d) do § 2° do art. 54 que determina sejam os contratos, quando decorrentes de dispensa ou inexigibilidade, celebrados com atenção aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta, pensamos serem elas rigorosas em demasia e, muitas vezes, contrárias ao interesse público. A regra da absoluta conformidade do contrato a celebrar, com os termos e condições do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação, seus respectivos apensos e da proposta, carece ser revista, dada a legalidade de contratações diversas dos termos e condições desses atos e da proposta, nas hipóteses em que (a) a contratação beneficiaria, de algum modo, a Administração Pública licitante, (b) caberia alteração do contrato se estivesse firmado e (c) caberia reajustamento dos valores propostos se o contrato estivesse vigorando. Nas hipóteses dessas letras, a regra da conformidade transmuda-se em regra da compatibilidade. O contrato celebrado, nesses casos, deve ser compatível com os termos e condições do instrumento convocatório ou com o ato de liberação da licitação, seus correspondentes anexos e com a respectiva proposta, não devendo, portanto, ser conforme com os termos e condições desses atos, como exige-se em outras hipóteses.


7. VALIDADE DAS CONTRATAÇÕES EM CONDIÇÕES E TERMOS DIVERSOS DO INSTRUMENTO DE ABERTURA OU DE LIBERAÇÃO DA LICITAÇÃO

Temos por certo que o contrato, em tais hipóteses, pode ser assinado pelos interessados em condições e termos diversos dos explicitados no instrumento convocatório ou no ato de liberação da licitação, seus respectivos anexos e dos fixados, conforme o caso, na proposta vencedora ou escolhida diretamente, modificando-se, portanto, os termos e condições desses atos e seus apensos ou alterando-se os termos e condições da proposta do licitante vencedor ou do escolhido diretamente. Retira-se-lhes ou acrescenta-se-lhes, sem muita formalidade, pois não se observa o princípio do paralelismo de forma e hierarquia para o desfazimento dos atos jurídicos, uma condição, um prazo, ou ajusta-se vantagem para a Administração Pública, passando o contrato, desse modo, a ter um conteúdo diverso dos contidos por esses atos (edital, carta-convite, liberação de licitação, anexos, proposta). Há, à semelhança do que ocorre com os atos normativos, derrogação de alguns dos termos e condições desses atos quando atingidos pela modificação, cujo procedimento de alteração será visto mais adiante. Vejamos, por ora, cada uma das referidas hipóteses em que a contratação é válida, ainda que em termos diversos dos consignados no instrumento licitatório de convocação ou de contratação direta, seus respectivos anexos e nos constantes da proposta vencedora ou escolhida diretamente.

7.1. CONTRATAÇÃO QUE FAVORECE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATANTE

O contrato pode e deve ser firmado de modo diverso do disposto no instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação e seus respectivos anexos, se as novas condições favorecerem a Administração Pública, a exemplo da diminuição do prazo de entrega do objeto contratado, da oferta de garantia, quando esta não fora prevista no instrumento convocatório ou no ato de liberação da licitação, e da entrega de equipamento de última geração em lugar do licitado não ser assim qualificado, sempre que ditas vantagens forem conseguidas em amigável entendimento com o vencedor do certame ou do escolhido diretamente. Conhecido o proponente vitorioso ou o escolhido diretamente, pode a Administração Pública licitante interceder, na defesa do interesse público, junto a esse licitante para obter uma proposta ainda melhor. Nada há de ilegal ou inconstitucional nesse procedimento. De fato, trata-se, em relação ao vencedor da licitação ou ao escolhido diretamente, de acerto que tem por objeto direitos disponíveis e, no que é pertinente à Administração Pública licitante, do cumprimento do princípio da boa administração, na medida em que está obrigada a buscar o que há de melhor para o interesse público.

Consensualmente, criam-se mais ônus, responsabilidades ou obrigações ao proponente e, ainda, conseguem-se mais vantagens para a Administração Pública licitante. Nessas hipóteses, direito ou interesse algum, seja de quem for, foi violado, pois se todos os participantes licitatórios aceitaram o julgamento dado ser a proposta vencedora a mais vantajosa, não há porque reclamar se com esse procedimento a oferta restará ainda melhor. Nada podem exigir ou reclamar, pois nada lhes foi negado, retirado ou desrespeitado. Melhor sorte não têm os não participantes da licitação, pois se não tinham qualquer direito face à ausência do certame, nada podem reivindicar ante a melhora da proposta feita pelo proponente vitorioso. Atente-se: se seu afastamento do procedimento licitatório era demonstração cabal de seu desinteresse, é certo, lógica e seguramente, afirmar-se que dito desinteresse será ainda maior com a melhora da proposta. Diga-se, mais, que a melhora da proposta sobre não afrontar qualquer norma licitatória, prestigia, às aberta, o princípio da boa administração. Semelhantemente ocorre quando a Administração Pública propugna e consegue amigavelmente melhorar a proposta apresentada pelo escolhido diretamente. Mediante tal acordo a Administração Pública ganha vantagens sem ferir direitos de quem quer que seja. No caso, por cuidar-se de licitação prescindível e de proposta em condições de aceitação, nada há de ilegal ou impediente desse procedimento e da contratação em condições e termos diversos do que se anunciára.

Nessa direção é a lição de ADILSON ABREU DALLARI (Aspectos Jurídicos da Licitação, 4ª ed., revista e atualizada, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 94) ao acentuar que "Na verdade, nada impede que se aumentem os encargos do particular e as vantagens ou garantias da Administração Pública. Isso não viola direitos ou interesses de eventuais licitantes que não apresentaram propostas". Quanto a essa contratação que favorece a Administração Pública, ajustada diversamente do fixado no instrumento convocatório e na minuta de contrato a ele anexada, não há divergência doutrinária, conforme relata MARCIA WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS (Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos, 2ª ed., revista e ampliada, organizada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 152) nestes termos: "Existe, ainda, um consenso entre os doutrinadores no sentido de ser possível efetuar alterações na minuta contratual, desde que sejam para beneficiar a Administração", embora faça a esse entendimento alguma reserva.

7.1.1. Contratação com redução do valor da proposta e o art. 37, XXI da Constituição Federal

Ainda que inclusa na generalidade dos casos de contratações em condições e termos diversos do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação e seus respectivos anexos porque beneficia a Administração Pública, cabe saber: esse entendimento também é aplicável quando o valor oferecido pelo proponente vencedor do certame licitatório ou pelo escolhido nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação é amigavelmente reduzido e assim consignado no contrato, ante a prescrição do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal que determina sejam mantidas as condições efetivas da proposta? Sim, principalmente nessa hipótese, deve ser a resposta, pois no caso há um inequívoco benefício para a Administração Pública licitante, que contrata negócio de seu interesse por preço menor que o selecionado na licitação ou o ajustado diretamente. Embora o contrato, nos termos da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, deva ser firmado segundo os termos da proposta vitoriosa (art. 54, § 1°) ou da escolhida diretamente (art. 54, § 2°) uma vez que a ela se vincula, é inegável que os valores nela consignados não precisam, em todas as situações, ser os mesmos a constar do contrato.

O conteúdo do contrato, nesse particular, não necessita ser idêntico ao da proposta mais vantajosa e, portanto, vencedora do certame ou da proposta selecionada diretamente. A Administração Pública licitante pode discutir, com o vencedor da licitação ou com o escolhido no processo de liberação da obrigação de licitar, a melhora da proposta em favor do interesse público. Qualquer vantagem econômico-financeira outorgada à Administração Pública licitante, consubstanciada, por exemplo, na redução de seu valor ou na oferta de mais fáceis condições de pagamento ou, ainda, na dispensa de juros compensatórios, justificará o desaparecimento dessa absoluta vinculação. Esse comportamento nenhuma nulidade causará ao ajuste, se os termos e condições da proposta forem discutidos e a Administração Pública obtiver uma vantagem econômico-financeira, em relação aos valores originalmente ofertados pelo proponente vencedor ou pelo escolhido diretamente. Esse afastamento do contrato em relação à proposta vencedora ou à escolhida diretamente sempre será possível, sem que se possa taxa-lo de ilegal ou inconstitucional. O que não se permite é o distanciamento entre o contrato e a proposta com prejuízos para a Administração Pública contratante, conforme ensina HELY LOPES MEIRELLES (ob. cit., p. 179).

Não cabe, salvo por exacerbado amor à literalidade do texto do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, imaginar que a locução mantidas as condições efetivas da proposta, nele consignada, veda tal discussão e a celebração do contrato com base nessa proposta melhorada em prol do interesse da Administração Pública contratante, pois seria negar a própria finalidade da licitação, isto é, a busca da melhor oferta, e os princípios da economicidade e da boa administração. Ademais, não há razão lógica ou jurídica a sustentar aquela interpretação, que, sem muito apego, ainda é defendida por alguns estudiosos. Porque, então, essa locução no texto da Lei Maior? A defesa dos interesses do vencedor da licitação, que não pode ser obrigado a reduzir preço ou melhorar as condições de pagamento, é a reposta. A locução em apreço, na verdade, é um anteparo a proteger o licitante vencedor ou o escolhido no processo de liberação de licitação, contra pressões da contratante. Não está ele obrigado a aceitar qualquer imposição em tal sentido, tanto quanto não está proibido de reduzir os valores que propusera. Ainda cabe afirmar que tal dispositivo constitucional veda, mesmo por acordo, a majoração da proposta.

7.1.2. Procedimento da contratação

O contrato em tais casos somente pode ser assinado depois de tomadas ou atendidas certas medidas procedimentais e formalizada a concordância do proponente vencedor da licitação ou do escolhido diretamente. Assim, as partes interessadas devem discutir a alteração desejada pela Administração Pública, lavrando-se dessa reunião a competente ata que consignará o resultado ocorrido e as novas condições e termos da contratação. Esse documento deve ser juntado ao processo de contratação e uma cópia entregue ao proponente vencedor. Não há necessidade alguma de ser promovida qualquer alteração formal, a exemplo da rerratificação do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação ou dos respectivos apensos ou da proposta. Também não cabe falar em publicação do resumo dessa ata. O resumo do contrato que vier a ser celebrado é que deve ser publicado.

Trata-se de debate, discussão, por evidente, amigável. Destarte, o proponente não está obrigado a aceitar as novas condições e termos propostos pela Administração Pública, cabendo-lhe, por essa razão e segundo seu livre convencimento, aceitá-los, rejeitá-los ou formular contraproposta. A rejeição não implica refazimento da licitação. Assim, ainda que haja rejeição, a contratação nos termos e condições do instrumento convocatório ou do ato de dispensa ou inexigibilidade de licitação, seus correspondentes anexos e respectivas propostas será legal, pois era a isso que ambos os procedimentos se propunham. A obtenção da melhora da proposta, no caso, não passou de válida tentativa sem causar ilegalidade ou prejuízo a ninguém.

A iniciativa dessa discussão é da Administração Pública, mas nada impede que seja do proponente vencedor, embora essa atitude possa parecer estranha. Após o assentamento do acordo na ata, deve ser autorizada a contratação segundo os novos termos e condições. Essa autorização cabe à autoridade competente, que varia de uma para outra Administração Pública que deseja o contrato. Em tese, pode-se afirmar: é a mesma a quem caberia autorizar a contratação em condições normais, até porque não se trata senão de contratação. Atente-se que não se cuida de autorização para a celebração de aditamento contratual, pois não se tem contrato para ser aditado por esta ou aquela razão permitida legalmente. É, na verdade, contratação igual a que teria sido formalizada se nada tivesse sido alterado. Uma vez celebrado o contrato, seu resumo deve ser publicado na imprensa oficial para lhe atribuir eficácia, nos termos do art. 61, parágrafo único, da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública.

7.2. Contratação em condições e termos diversos do ato de abertura ou de
liberação da licitação, por motivos que permitiriam a alteração do contrato se firmado

Se a alteração do contrato, com fulcro na Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, por motivo superveniente à sua assinatura é legal, conforme tem sido apregoado pelos autores e disso é exemplo ADILSON ABREU DALLARI (ob. cit., p. 95), a mesma licitude deve ser reconhecida, ainda que não haja autorização legal específica, ao contrato que ao ser celebrado considera as modificações fáticas ocorridas, coincidentes com as hipóteses legais que permitiriam alterações do contrato se firmado. Certo é o resumo a respeito desse tema feito por esse administrativista, em relação à licitação, ao asseverar que "não se pode licitar uma coisa e contratar outra coisa diferente, mas nada impede que o contrato se refira à mesma coisa licitada, mas com alterações ou adaptações destinadas à plena satisfação do interesse público" (ob. cit., p. 96).

Destarte, se o contrato pode, conforme autorização legal (art. 65, I), ser alterado unilateralmente pela Administração Pública nos casos em que (a) "houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos", (b) for "necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto", tanto quanto pode ser modificado por acordo (art. 65, II) quando for (a) "conveniente a substituição da garantia de execução", (b) "necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face da verificação técnica da inaplicabilidade nos termos contratuais originários", (c) "necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obras ou serviços", (d) necessária "para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviços ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipóteses de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual", sem, portanto, incorrer-se em ilegalidade, há de se reconhecer a validade da contratação quando esses fatos, surgidos depois da conclusão da licitação ou após findar-se o processo de escolha direta do contratando, mas, repita-se, antes da assinatura do contrato, foram a razão do ajuste em condições e termos diversos do determinado na licitação ou no processo de dispensa ou inexigibilidade.

Os motivos das alterações são idênticos e estão a exigir o mesmo tratamento em relação ao interesse público. É verdade que o momento do advento de um (depois do contrato assinado) e outro (antes da assinatura do contrato) desses fatos os diferencia, mas esta circunstância é irrelevante. Com efeito, se em qualquer das hipóteses ter-se-á um contrato diverso do delineado pelo instrumento convocatório por razões absolutamente iguais, por que um comportamento seria legal e outro não, se ambos satisfazem ao interesse público? Por que vedar a contratação com base em fatos que permitem, se viessem a correr na vigência do ajuste, sua alteração, tornando o contrato assim modificado diferente dos termos e condições do instrumento convocatório e seus apensos ou do processo de liberação licitatória, se são situações iguais? Os mesmos fatos, há muito se afirma, devem subsumir-se a idêntica disciplina legal. Além do que, as contratações nesses casos atendem aos princípios da economia processual e da boa administração, na medida que é evitada nova licitação ou novo processo de contratação direta.

É indiscutível que a Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública só regula a alteração do contrato, isto é, de ajuste em fase de execução, sem dispor sobre a alteração da proposta. Também é incontroverso que essa Lei somente disciplina, quando necessária, a alteração do instrumento convocatório por impropriedade redacional, omissões e outros vícios que impõem, após o devido conserto, a publicação e reabertura dos prazos para apresentação dos envelopes de habilitação e proposta. Por outro lado, tem-se aceito que fora dessa regulamentação não se legitima qualquer alteração no instrumento convocatório e seus anexos. Tais circunstâncias, no entanto, não têm a importância e o relevo que se costuma imaginar, tampouco gozam de poder genérico para vetar contratação diversa do estabelecido no instrumento convocatório ou do ato de liberação licitatória. Com efeito, o direito deve ser aplicado com bom-senso, inteligência. Sendo assim, fica distante desse comportamento a interpretação que proíbe a contratação em diversidade com os termos e condições do instrumento convocatório ou do ato de contratação direta, de seus correspondentes anexos e da respectiva proposta, nas hipóteses em que os fatos que justificam dita contratação são idênticos aos que autorizariam a modificação do contrato se estivesse em vigor, e obriga, porque outra solução em tese não há, a repetição da licitação.

Nesses casos, decretar a inviabilidade da contratação e, por via de conseqüência, exigir a repetição da licitação seria um excessivo formalismo, incompatível com o interesse da Administração Pública que necessita da obra, do serviço ou do fornecimento para a satisfação do interesse público. Não há interesse a preservar que justificaria um novo processo, nem prejuízo a ser evitado com dito procedimento. O custo e a demora na promoção de novo processo licitatório não se afeiçoam, no caso, com o princípio da boa administração. Ainda, determinar nova licitação seria o mesmo que decretar a extinção do certame aberto, sem observar as exigências do § 3° do art. 49 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. Por fim, a extinção da licitação, como de resto de outros procedimentos, somente deve ser decretada quando sua manutenção causar prejuízo à alguém e esse ônus, no caso, não existe, tanto quanto não há qualquer prejuízo nas alterações contratuais permitidas pela legislação. Oportuna e precisa é, nesse particular, a lição de HELY LOPES MEIRELLES (ob. cit., p. 124) ao asseverar que "Aplica-se, aqui, a regra universal do utile per inutile non vitiatur, que o Direito francês resumiu no pas de nulité sans grief." Melhor será a contratação segundo os casos que entendemos legais, ainda que em termos e condições diversas do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação e da proposta, do que a determinação de nova licitação.

7.2.1. Procedimento da contratação

O contrato em tais casos somente pode ser assinado depois de tomadas ou atendidas certas medidas procedimentais, conforme se trate de alteração unilateral (art. 65, I) ou consensual (art. 65, II). Na primeira hipótese, a iniciativa de desencadear o necessário procedimento de contratação em condições diversas das consignadas no instrumento convocatório ou no ato autorizador da contratação direta, nos seus anexos e na proposta, é da Administração Pública. Esta, ainda, encarregar-se-á de ajustar, em conseqüência, a relação de igualdade encargo-remuneração, resultando, assim, um contrato que também terá valor nominal diferente do fixado na proposta vencedora ou na proposta ofertada pelo escolhido no processo de contratação direta. Tal valor, por certo, poderá ser maior ou menor dado que conseqüente da alteração determinada pela Administração Pública. À proponente vencedora ou ao escolhido diretamente, ainda que lhes caiba o direito de ampla defesa, não se lhes reconhece o direito de recusar as novas condições e termos propostos pela Administração Publica em função do interesse público. Não há, como regra, discussão entre as partes interessadas. Tanto um quanto outro estão obrigados a aceitar as novas condições e termos, ainda que destoantes do ato de abertura da licitação ou do ato de dispensa licitatória, de seus anexos e da proposta. Não obstante seja assim, é evidente que esse poder de alterar unilateralmente as condições da licitação ou do ato de liberação do certame licitatório não é absoluto. Sofre as mesmas limitações que padece a alteração do contrato já firmado. As justificativas, por óbvio não somente são necessárias como devem expressar razões condizentes com os fatos, sob pena de ilegalidade. Também não se concebe qualquer abuso por parte da Administração Pública no exercício dessas prerrogativas, Esses se ocorrem poderão ser obstados pelas medidas administrativas e judiciais pertinentes.

Sem motivo justo, a falta do atendimento à convocação para assinar o contrato em tais termos e condições ou para retirar o instrumento equivalente, caracteriza descumprimento total da obrigação assumida e sujeita o convocado às sanções legais. Aplica-se assim, por analogia, a regra do art. 81 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. De outra parte, recusando-se o proponente, licitatório ou escolhido diretamente, a assinar o termo de contrato segundo as novas condições ou a retirar o instrumento equivalente, está a Administração Pública liberada para contratar com o segundo classificado no procedimento licitatório, nas condições do proponente vencedor alteradas pelas determinações do Poder Público. Não sendo desse modo, está autorizada a instaurar novo processo licitatório ou a contratar diretamente, se criada uma situação que exija para sua solução uma medida urgente, incompatível com o procedimento licitatório. De modo semelhante passa-se nos casos de contratação direta. Com efeito, a Administração Pública contratante convoca o escolhido para, segundo os novos termos e condições, assinar o termo de contrato ou retirar o instrumento equivalente. Caso, sem motivo justo. Esse a tanto recusa-se, aplica-se-lhe a regra do art. 81 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública e escolhe-se novo proponente, observadas, em ambas as situações, as cautelas de estilo.

Ainda que não se reconheça ao proponente vencedor ou ao escolhido diretamente, o direito de se opor aos justos interesses da Administração Pública na modificação dos termos e condições da licitação ou do ato de liberação desse procedimento, cabe-lhe o direito de ver recomposta a equação econômico-financeira. Tal recomposição há de ocorrer simultaneamente à determinação da contração segundo as novas condições e termos, como ocorreria se essas alterações incidissem em contrato já assinado, conforme determinação do § 6° do art. 65 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. Quando assim não for, deve ser pleiteada em seguida, isto é, tão logo concluída a formalização do ajuste. Se houver divergência entre o que determina a Administração Pública contratante e o que pretende o proponente vencedor ou o selecionado diretamente, deve aquela realizar a contratação segundo o que entende ser correto e aguardar pela discussão em juízo da diferença. A discórdia, seja em processo licitatório ou em procedimento de escolha direta do proponente, não autoriza a Administração Pública a, pura e simplesmente, deixar de recompor essa igualdade com o que entende ser o correto. No mínimo essa recomposição deve ser promovida, sob pena de responsabilidade.

Na segunda hipótese, ou seja, naquela em que a alteração do contrato é permitida pela Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública se entabulada consensualmente, a iniciativa para instaurar o indispensável procedimento de contratação em termos e condições diversos dos fixados no instrumento convocatório ou no ato de dispensa ou inexigibilidade da licitação e seus correspondentes anexos e na respectiva proposta é da parte que tem direitos ou interesses a serem satisfeitos pela outra. Assim, é do proponente vencedor se o desejado é a substituição da garantia de execução, por exemplo. É da Administração Pública se o pretendido é a modificação do regime de execução da obra ou serviço, verbi gratia. Não obstante seja assim, é notório, até por determinação legal (art. 65), que a proposta de contratação em condições e termos diversos dos inicialmente fixados deve ser cabalmente justificada.

Instaura-se em qualquer hipótese ampla discussão sobre a desejada alteração das condições e termos do instrumento convocatório ou do ato autorizador de contratação direta, seus correspondentes anexos e proposta. A contratação, nesses casos, há de espelhar, em princípio, o consenso das partes, obtido em reuniões que para tanto se fizerem necessárias. Ocorrendo o acordo, após seu assentamento em ata juntada ao competente processo de contratação, deve ser autorizado o contrato segundo os novos termos e condições. Essa autorização cabe ao agente público competente, que varia de uma para outra Administração Pública. Em tese, pode-se dizer que é a mesmo a quem caberia autorizar a contratação. Atente-se que não se trata de autorização para firmar aditamento contratual, pois ainda não há contrato a ser aditado. Cuida-se de contratação igual a que teria acontecido se nada tivesse sido alterado no mundo da realidade. Uma vez celebrado o contrato, seu resumo deve ser publicado na imprensa oficial para lhe atribuir eficácia, nos termos do art. 61, parágrafo único, da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. Face ao interesse público em jogo não pode qualquer das partes rejeitar, liminarmente, as novas condições propostas pela outra. A rejeição in limine e absoluta impediria a contratação, circunstância que contraria esse interesse. Mesmo assim, se o consenso não imperar a contratação operar-se-á nos termos e condições do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação, seus correspondentes anexos e da respectiva proposta.


8. CONTRATAÇÃO COM VALOR DIVERSO DA PROPOSTA
NOS CASOS EM QUE, SE FIRMADO O CONTRATO, CABERIA REAJUSTE

O contrato também pode ser celebrado, tanto nos casos em que a licitação é obrigatória como naqueles em que esse procedimento é dispensável ou inexigível, com valores diversos dos consignados na proposta, tendo em vista a instabilidade da moeda (art. 65, § 8°) acorrida após a entrega da proposta vencedora ou da escolhida diretamente, antes, porém, da assinatura do ajuste. Certamente, o contrato, nessa hipótese, poderá ser firmado com valores maiores ou menores que os fixados na proposta vencedora ou na escolhida diretamente, consoante esse fato econômico cause essa ou aquela conseqüência. Se a alteração do poder aquisitivo da moeda levar a um aumento do valor nominal do contrato, prestigia-se a proponente, caso contrário favorece-se a Administração Pública. Note-se que esta hipótese diferencia-se da analisada no item 6.1 (melhora econômica, por acordo, da proposta vencedora), pois nesta a Administração Pública tem direito à recomposição, enquanto naquela tem apenas um interesse, cuja satisfação depende da vontade do proponente que no certame licitatório foi vitorioso ou do escolhido diretamente.

Em dito caso, é certo afirmar-se que as condições prescritas pela Administração Pública licitante, via instrumento convocatório ou ato de liberação da obrigação de licitar, e o preço ou valor proposto pelo licitante, compõem uma situação de igualdade, denominada equação econômico-financeira, imodificável a ser levada ao contrato. Em tese, o contrato não é outra coisa senão a reunião formal do consignado no instrumento convocatório da licitação ou no ato de dispensa ou inexigibilidade, seus correspondentes anexos e na respectiva proposta, como expressão de uma realidade econômica que animara os contratantes ao ajuste. Destarte, alterada essa realidade por fato superveniente que permitiria, nos termos da lei, a alteração do ajuste se já assinado pelas partes, nada obsta que se faça a recomposição patrimonial dos interesses envolvidos segundo a nova realidade e, só então, seja celebrado o contrato. O reajuste dos valores consignados na proposta pode ser, por óbvio, para mais ou para menos, o que poderá, sem qualquer ilegalidade, determinar a celebração de um contrato com valor maior ou menor que o previsto na proposta vencedora.

Essa incontroversa possibilidade não se esvaiu com o advento do Plano Real. Ao contrario, revigorou-se pelas próprias características dessa medida econômica e por força de dispositivo legal que faculta a recomposição da equação econômico-financeira do ajuste celebrado, mediante certas condições. Com efeito, essa legislação permite e disciplina o reajuste anual dos contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir (MP n° 1.540-27, de 7/8/97, art. 3°, § 2°). Portanto, se mediar entre a apresentação da proposta vencedora ou a escolhida diretamente e a assinatura do contrato mais de um ano, o contrato pode ser celebrado com os valores da proposta vencedora reajustados, isto é, maiores ou menores que os inicialmente ofertados pelo licitante classificado em primeiro lugar. Se assim não for haverá locupletamento sem motivo por parte de um dos contratantes, ou seja, da Administração Pública nos casos em que houvesse um descompasso na economia majorando os preços e do proponente vencedor na oportunidade em que esse desajuste econômico levasse à sua redução.

Assim também doutrina ADILSON ABREU DALLARI (ob. cit., p. 96) ao acentuar que "Nada impede e tudo se recomenda que o contrato seja celebrado, finalmente, depois do transcurso de largo espaço de tempo, pelo seu exato valor, ou seja, pelo preço constante da proposta devidamente atualizado, devidamente zerado, para que novas atualizações ou reajustes sejam considerados da data da celebração do contrato, e não a partir da data da antiga proposta". No caso, cabe lembrar, há apenas correção do valor proposto, ou seja, simples alteração nominal para mais ou para menos do montante da proposta do licitante vencedor, sem aumento ou redução real do valor do contrato, como foi bem observado por esse administrativista (ob. cit., p. 96) ao afirmar que "correção monetária não é alteração de coisa alguma, mas sim simples manutenção de valor". Aliás, tal entendimento encontra guarida no § 8° do art. 65 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. Esse dispositivo não considera como alteração do contrato a variação do seu valor em razão de reajuste previsto em suas próprias cláusulas.

O contrato nessas hipóteses somente pode ser assinado depois de satisfeitas certas medidas procedimentais, justificados devidamente os fatos, e formalizadas as novas condições e termos da contratação. A iniciativa para instaurar o processo de reajustamento ora é do proponente vencedor da licitação ou do escolhido nos casos de dispensa ou inexigibilidade licitatória, ora é da Administração Pública licitante. É do licitante vitorioso ou do escolhido no processo de liberação da licitação nos casos em que o reajuste da proposta que fizera estiver a beneficiá-lo, já que em termos nominais esse valor aumenta, diminuindo ou eliminando inevitáveis prejuízos. Destarte, fundado na instabilidade da moeda, superveniente à conclusão da licitação ou do processo de liberação do certame licitatório, mas sempre anterior à assinatura do ajuste, que desequilibraria a equação econômico financeira se firmado estivesse o ajuste, formula pedido à Administração Pública para que o contrato seja celebrado segundo as conseqüências advindas desse acontecimento, sob pena de ser firmado contrato em que a equação econômico-financeira não expressará, como deveria, a realidade dos fatos justificadores dos respectivos interesses econômicos e financeiros dos contratantes. Não se trata de debate, discussão, amigável, mas de solicitação reivindicatória, com base, até mesmo, no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal. A Administração Pública, no caso, deve avaliar as razões e o direito de pedir do proponente vencedor ou do selecionado nos casos de dispensa ou inexigibilidade da licitação e concordar com sua solicitação se procedente. Deferido o pedido, celebra-se o ajuste com base na nova situação e publica-se o correspondente resumo para lhes dar eficácia. Se improcedente quanto ao mérito ou à legalidade deve indeferi-lo. O indeferimento do pedido, dado que ilegal, impõe seja a contratação firmada nos termos e condições do instrumento convocatório ou do ato de liberação da licitação, seus correspondentes apensos e da respectiva proposta, sob pena de ser o proponente, nos termos o art. 81 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, considerado inadimplente total da obrigação que se propusera a assumir e de sujeitar-se às penalidade cabíveis.

É da Administração sempre que a instabilidade moeda estiver a prestigiá-la com a redução do valor nominal proposto pelo licitante vencedor do certame ou do selecionado no processo de contratação direta. Esse comportamento pode ser havido, em relação ao proponente vencedor ou ao escolhido no processo de liberação da licitação, como faculdade, dado que se trata de exigir ou dispensar, pelo seu titular, direitos disponíveis, mas não relativamente à Administração Pública. Para esta é obrigatório por força dos princípios da economicidade, da indisponibilidade do interesse público e da boa administração e, ainda, da regra, segundo a qual não é dado a ninguém locupletar-se à custa de outrem. Nesse caso, haveria ganho inadimissível por parte do proponente vencedor ou do selecionado diretamente se não fosse celebrado o ajuste com o valor da proposta devidamente reduzido, situação que não pode ser tolerada pela Administração Pública.

Após o deferimento do pedido do vencedor da licitação ou do escolhido diretamente ou depois da decisão do processo de reajustamento instaurado por determinação da Administração Pública, em que ao proponente vencedor ou ao escolhido diretamente foi respeitado o exercício da ampla defesa, deve ser autorizada a contratação segundo os termos e condições de uma ou outra dessas decisões. Atente-se que não se trata de autorização para firmar aditamento contratual, pois ainda não há contrato para ser aditado. Cuida-se da mesma contratação que teria acontecido se nada tivesse sido alterado no mundo da realidade. Essa autorização cabe à autoridade competente, que varia de uma para outra Administração Pública licitante. Em tese pode-se afirmar que essa autoridade é a mesma a quem caberia autorizar a contratação em condições normais. Uma vez celebrado o contrato, seu resumo deve ser publicado na imprensa oficial para lhe atribuir eficácia, nos termos do art. 61, parágrafo único, da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. É desnecessária qualquer alteração formal do instrumento convocatório ou do ato de dispensa ou inexigibilidade da licitação e dos respectivos anexos e da proposta. Também não cabe discutir, porque desprezível, a necessidade de publicação das atas das reuniões havidas para a obtenção de acordo, embora seja indispensável a publicação do resumo do contrato em qualquer hipótese.


9. ALTERAÇÃO INEXORÁVEL DA MINUTA

A contratação diversa do determinado pelo instrumento convocatório ou pelo ato de liberação da liberação, seus respectivos anexos e pela proposta, leva, inexoravelmente, à celebração de contrato diverso da minuta que, quase sempre, acompanha tanto o ato de abertura da licitação, como o de sua dispensa. Nada de ilegal, diga-se desde logo, há nessa imprescindível conseqüência. De fato, se se admitiu como possível a celebração do contrato em condições diversa das fixadas pelo instrumento convocatório ou pelo ato de contratação direta, seus respectivos anexos e pela correspondente proposta, não se pode, sob pena de absurdo, aceitar a imutabilidade da minuta, ainda que, como acentua MARCIA WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS (ob. cit., p. 151) esse documento deva observar as regras da alterabilidade incidentes sobre o edital, ou seja, somente pode ser modificado se, como e quando a lei autorizar. Se o instrumento convocatório ou o ato de contratação direta, seus correspondentes anexos e respectiva proposta não são óbices para ditas contratações, diversas de seus termos e condições, a minuta também não pode ser, obviamente, obstáculo à formalização de ajustes em tais condições. Se assim não fosse estar-se-ia atribuindo à minuta mais poder que o reconhecido ao instrumento convocatório, isto é, ser "a lei da licitação e do contrato", conforme ensina MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (Direito Administrativo, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 1997, p. 282).

Nesse particular é expressiva a afirmação de ADILSON ABREU DALLARI, (ob. cit., p. 95) ao indagar e responder sobre a possibilidade de se contratar de forma diversa do que estava fixado na minuta de contrato, anexo, na maioria dos casos, indispensável, do instrumento convocatório da licitação ou do ato de dispensa ou inexigibilidade de licitação. De fato, nessa passagem esse administrativista acentua que "A resposta é dada pelo mais simples e elementar bom-senso: desde que não se altere (modificando completamente) o objeto do contrato, as adaptações devem ser feitas de imediato, mantidas as condições da proposta vencedora, com as decorrentes e correspondentes alterações". De fato, não há razão para ser diferente, pois o interesse público, lógica e juridicamente, está a impor esse e não outro comportamento à Administração Pública contratante.


10. O EQUÍVOCO NA ORDENAÇÃO DA CONTRATAÇÃO SEM OBSERVAR
AS ALTERAÇÕES SUPERVENIENTES À CONBCLUSÃO DA LICITAÇÃO,
MAS ANTERIORES À ASSINATURA DO CONTRATO

Tem-se indicado a contratação nos exatos termos do edital ou carta-convite ou do ato de autorização de contratação direta, seus correspondentes apensos e da respectiva proposta, vencedora ou escolhida diretamente, e a posterior alteração do ajuste para as hipóteses em que a razão da alteração tenha ocorrido antes da celebração do contrato, como solução capaz de contornar a falta de disciplina permissiva do ajuste em condições e termos diversos desses atos (edital, carta-convite, ato de liberação da licitação, anexos, proposta). Sugere-se, portanto, o desconhecimento da anterioridade dos fatos e ordena-se a contratação como se nada tivesse acontecido, para, posteriormente, com base nesses acontecimentos, já acorridos mas que continuam a repercutir no contrato, promover a necessária alteração do ajuste.

Seguramente, essa não é a melhor solução e, de outro lado, sequer pode-se garantir sua juridicidade. Não é a melhor solução, dado que engendra uma farsa, pois permite a contratação do que não se quer e facilita o ajuste em termos e condições que não são verdadeiros. Tal comportamento, como é notório, não se afeiçoa com a moralidade administrativa, a cuja obediência toca, em primeiro lugar, à Administração Pública. De reverso, sua ilegalidade decorre do fato de se contratar ignorando o interesse público que está a exigir a assinatura de um contrato diverso do definido no instrumento convocatório ou no ato dispensa ou inexigibilidade de licitação e, conforme o caso, na minuta de contrato, seu anexo. É manifesto que a Administração Pública somente pode agir no interesse público, conforme assinala ODETE MEDAUAR (Direito Administrativo Moderno, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996, p. 156). Com efeito, ressalta essa professora que "A Expressão interesse público tem presença ampla no direito administrativo, em especial como fundamento, fim e limite de atos e medidas" da Administração Pública, acrescentamos nós.

Logo, se a Administração Pública contrata sem atender ao interesse público estará agindo ilegalmente. De fato, o contrato celebrado nos termos do instrumento convocatório ou do ato de liberação da obrigação de licitar, seus correspondentes anexos e da respectiva proposta não atende ao princípio do interesse público, que determinava a contratação segundo os novos termos e condições, não sob a égide dos antigos. A contratação calcada nestas condições e termos, desconhecendo aquelas, as novas, afronta o princípio do interesse público e sujeita-se à nulidade, pois tanto age ilegalmente aquele que desobedece uma norma como o que desatende um princípio de direito, embora este descumprimento seja mais grave. Com efeito, assinala CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (RDP 15:185): "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

Essa contratação, nos exatos termos e condições do instrumento convocatório da licitação ou do ato de sua liberação, dos seus correspondentes anexos e da respectiva proposta, para, logo após sua celebração proceder-se as alterações deve ser evitada, não só pela sua absoluta ilegalidade, como por propiciar uma farsa: faz-se de conta que os fatos motivadores da alteração ocorreram após a assinatura do ajuste, quando, efetivamente, aconteceram antes. Daí, o inconformismo de ADILSON ABREU DALLARI que não só repugna esse procedimento, como insurge-se contra o contrato celebrado nos termos e condições do edital e da minuta que o acompanha para, logo em seguida, ser modificado em razão de acontecimentos ocorridos antes de sua celebração, enfatizando: "Vê-se, portanto, que somente por preconceito, hipocrisia, má-fé ou insensatez o contrato firmado depois de longa data teria de ser redigido nos exatos termos literais (não substanciais) da minuta ou da proposta, para, em seguida, ser alterado mediante aditamento" (ob. cit., p. 97).


11. CONCLUSÕES

Assim, como síntese, cabe asseverar que são válidos:

11.1.- Os contratos assinados de modo diverso com o disposto no instrumento convocatório, nos seus anexos, na proposta vencedora e, quando for o caso, na minuta de contrato anexada a esse ato de abertura da licitação, desde que se tenha a justificar tal comportamento hipóteses em que a Administração Pública contratante seria, de algum modo, favorecida.

11.2.- Os contratos firmados em divergência com o disposto no ato de liberação (dispensa ou inexigibilidade) de licitação, nos seus anexos e na proposta escolhida diretamente e, quando for o caso, na minuta de contrato aprovada, desde que se tenha a justificar tal comportamento hipóteses em que a Administração Pública contratante seria, de alguma maneira, beneficiada.

11.3.- Os contratos assinados de modo diverso com o disposto no instrumento convocatório, nos seus anexos, na proposta e, quando for o caso, na minuta de contrato anexada a esse ato de abertura da licitação, desde que se tenha a justificar tal comportamento hipóteses da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública (art. 65) que permitiriam a modificação do contrato vigente.

11.4.- Os contratos firmados em divergência com o disposto no ato de liberação (dispensa ou inexigibilidade) de licitação, nos seus anexos e na proposta e, quando for o caso, na minuta de contrato aprovada, desde que se tenha a justificar tal comportamento hipóteses da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública (art. 65) que permitiriam a alteração do contrato em vigor

11.5.- Os contratos, decorrentes ou não de licitação, celebrados em contraste com o valor da proposta, desde que as novas importâncias para mais ou para menos sejam decorrentes da variação do poder aquisitivo da moeda, isto é, desde que se configure uma situação de reajustamento (art. 65, § 8°), prevista e regulada no próprio contrato.


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MELLO, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE. Revista de Direito Público, vol. 15.

GASPARINI, DIOGENES. Opem, n ° 1, 1990.;


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GASPARINI, Diogenes. Validade das contratações em condições diversas do edital e da proposta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 28, 1 fev. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/437. Acesso em: 26 abr. 2024.