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O mandado de injunção como mecanismo de efetividade constitucional

O mandado de injunção como mecanismo de efetividade constitucional

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Análise do Mandado de Injunção como mecanismo efetivador de direitos e garantias constitucionais, inviabilizados pela ausência de regulamentação a cargo do Poder Público inerte. Exposição das diferentes correntes sobre os efeitos das decisões.

RESUMO

O presente trabalho visa analisar utilização do Mandado de Injunção como mecanismo tendente a efetivar os direitos e garantias constitucionais inviabilizados pela ausência de regulamentação a cargo do Poder Público inerte. Atuando como verdadeiro mecanismo de efetividade constitucional, existem muitas correntes doutrinárias e jurisprudenciais acerca dos efeitos decorrentes das decisões em sede de Mandando de Injunção. Utilizando-se o método de pesquisa teórica e bibliográfica, o desenvolvimento do trabalho decorreu de minuciosas leituras de obras e decisões judiciais relacionadas à ação constitucional estudada. Partindo-se da análise geral e sistemática do instituto, chega-se ao ponto específico e mais turbulento do Mandado de Injunção, concernente à necessidade de se conferir efeitos concretos aos direitos, liberdades e garantias constitucionais inviabilizados pela inércia do responsável pela regulamentação, tudo com a finalidade de ressaltar a efetividade constitucional. 

Palavras-chave: mandado, injunção, inércia, efetividade, Constituição.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. PROBLEMA DE PESQUISA; 2. OBJETIVO; 3. METODOLOGIA; 4. REFERENCIAL TEÓRICO; 5. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO; 5.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O MANDADO DE INJUNÇÃO; 5.1.1 CONCEITO, OBJETO E PRESSUPOSTOS; 5.1.2 FUNDAMENTOS; 5.1.3 LEGITIMAÇÃO, COMPETÊNCIA E EFEITOS DA DECISÃO; 5.2 DIFERENÇAS ENTRE O MANDADO DE INJUNÇÃO E A AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO; 5.3 ALCANCE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; 5.3.1 CORRENTE NÃO CONCRETISTA; 5.3.2 CORRENTE CONCRETISTA INDIVIDUAL; 5.3.3 CORRENTE CONCRETISTA GERAL; 5.4 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O ALCANCE DAS DECISÕES; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Em um Estado Democrático de Direito, faz-se patente a necessidade de se conferir exequibilidade às respostas judiciais na seara das omissões inconstitucionais, frente ao direito fundamental de se ter efetivada a Constituição, como norma de mais grau hierárquico dentro do sistema jurídico pátrio.

O sentimento de desamparo não se compatibiliza com a nobre função jurisdicional de oferecer respostas, mais que isso, soluções aos anseios dos cidadãos que esperam, do Poder Judiciário, a palavra final sobre o descaso do Poder Público, sob pena de tornar letra morta o texto constitucional pendente de regulamentação.

A inafastabilidade jurisdicional reprime a postura descompromissada do magistrado brasileiro, princípio que exige um retorno eficaz e supridor das lacunas encontradas no exercício da função solucionadora de conflitos e interesses. É justamente por essa razão que se tornam importantes os estudos das formas de resolver as omissões inconstitucionais do Poder Público.

Neste campo, existe diversidade doutrinária e jurisprudencial, sobretudo pelas inúmeras vertentes e posicionamentos científicos existentes, especialmente quando se percebe a adoção de comportamentos díspares sobre o assunto no próprio âmbito da Corte Constitucional brasileira.

Os benefícios decorrentes da evolução das discussões acerca da temática proposta voltam-se a toda a sociedade, pois se pretende aclarar qual a postura exigida do Poder Judiciário quando se deparar com a inviabilização do exercício de um direito ou garantia fundamental, pela falta de norma regulamentadora.

1. PROBLEMA DE PESQUISA

Utilização do Mandado de Injunção como mecanismo tendente a efetivar os direitos e garantias constitucionais inviabilizados pela ausência de regulamentação a cargo do Poder Público inerte.

2. OBJETIVO

Identificar de que modo o Mandado de Injunção pode ser utilizado para que o Poder Judiciário efetive os direitos e garantias constitucionais inviabilizados pela inércia do Poder Público.

3. METODOLOGIA

Por meio de um estudo descritivo, serão expostas as correntes doutrinárias que sustentam a necessidade de se efetivar os direitos e garantias constitucionais, sob o aspecto do direito à efetivação constitucional, utilizando-se, para tanto, dos posicionamentos defendidos pelos estudiosos do tema e pela jurisprudência, combinando-os com a análise dos dispositivos legais e constitucionais relacionados, com especial foco no instituto do Mandado de Injunção.

O estudo em exame pretendeu combinar de modo coerente a realidade fática e a ciência jurídica, de forma a contribuir para o desenvolvimento e amadurecimento do tema, como resultado de constantes pesquisas e leituras inerentes ao assunto, formando-se a base bibliográfica a fundamentar o trabalho em exame.

O planejamento das atividades e o levantamento bibliográfico foram de primordial relevância, destacando-se consultas à doutrina e à jurisprudência, além da análise de textos legais afins.

Depois de realizada a coleta, procedeu-se à análise e interpretação dos dados, com vistas à identificação dos resultados obtidos.

Saliente-se que a natureza descritiva do trabalho implicou no processamento e constante incorporação das referências bibliográficas, à medida que as informações eram colhidas, de acordo com o foco proposto.

4. REFERENCIAL TEÓRICO

Sensível à problemática da eficácia dos direitos fundamentais, o nobre Professor DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR[1] sublinha que “no âmbito de uma dogmática constitucional transformadora e emancipatória, a questão não está mais em discutir se há ou não aplicação imediata dos direitos fundamentais, que é pressuposto, mas, sim, em como realizar e tornar efetiva essa aplicação imediata”.

Reafirmando a imperatividade da Constituição, o autor[2] salienta que a pior das inconstitucionalidades é a decorrente do “não cumprimento das imposições constitucionais”, capaz de frustrar a força normativa da Constituição, expondo-a ao descrédito, só evitado mediante postura ativa do Poder Judiciário.

É nesse contexto que se faz oportuno tratar do “exercício do controle das omissões do poder público”, por meio do qual o “Judiciário interfere inevitavelmente na atividade dos outros Poderes, notadamente na atuação do legislador”[3], assim procedendo para assegurar a supremacia constitucional.

O referido autor defende respostas judiciais mais concretas, tendentes a eliminar as lacunas deixadas pelo Poder Público inerte, seja pela via incidental das ações ordinárias, nos mais diversos níveis de jurisdição, seja por meio das chamadas “ações especiais” destinadas a este fim, onde se incluem o Mandado de Injunção, a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental na modalidade omissiva.

Percebendo a existência de inúmeros elementos para suprir a omissão, PEDRO LENZA[4] visualiza com otimismo a “postura ativista” do Poder Judiciário, na busca pela realização do direito fundamental ameaçado.

O autor alerta, porém, que não se deve incentivar o Judiciário a funcionar como legislador positivo no caso da existência de lei, mas, “havendo falta de lei e sendo a inércia desarrazoada, negligente e desidiosa, dentro dos limites das técnicas de controle das omissões”, deve-se buscar a efetivação dos direitos fundamentais pelos meios jurídicos existentes no ordenamento jurídico nacional.

5. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

5.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O MANDADO DE INJUNÇÃO

5.1.1 CONCEITO, OBJETO E PRESSUPOSTOS

De criação brasileira, surgindo com a promulgação da Constituição da República de 1988, o Mandado de Injunção consiste em uma garantia constitucional destinada a combater situações em que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF/1988, art. 5º, LXXI).

Processualmente, entende-se que o Mandado de Injunção consiste em uma “ação de controle difuso-concreto de constitucionalidade, na qual a pretensão é deduzida em juízo por meio de um processo constitucional subjetivo destinado a assegurar o exercício de direitos subjetivos” (NOVELINO, 2011, p. 323).

O principal objeto do instituto consiste no afastamento de uma omissão inconstitucional ocasionada pela excessiva mora do Poder Público, que deixa de atender à ordem do Constituinte atinente à necessidade de se regulamentar um direito consagrado na Carta Magna, como medida essencial ao exercício de um determinado direito, liberdade ou prerrogativa relacionada à nacionalidade, soberania ou cidadania.

Como leciona NOVELINO (2011, p. 325), dependendo do órgão responsável pela medida, a omissão pode ser “administrativa, quando são tomadas as providências necessárias para a execução dos comandos contidos na norma constitucional; ou, legislativa, no caso da ausência de iniciativa ou de elaboração da norma devida”.

Observe-se que a mora inconstitucional precisa de um prazo razoável para ser caracterizada, de modo que, se o lapso temporal previsto na Constituição ainda não expirou, não há que se falar em omissão. Claro que, para praticamente a totalidade dos direitos, garantias e prerrogativas previstos constitucionalmente, passados vinte e três anos da promulgação da Carta, é praticamente insustentável a escusa do cumprimento do texto constitucional.

5.1.2 FUNDAMENTOS

Sabe-se que as normas constitucionais às quais o Mandado de Injunção visa conferir aplicabilidade tratam-se de normas de eficácia limitada, diferida, mediata ou relativa, conforme lição de BULOS (2009, p. 93). Segundo o autor, as principais características dessas normas são:

[...] as leis editadas para regulá-las podem ampliar o conteúdo delas, aumentando o campo de abrangência dos assuntos que disciplinam; enquanto não advier normatividade para viabilizar o exercício do direito ou benefício que consagram, permanecem inaplicáveis; por isso, são normas de aplicação indireta, mediata ou diferida; e embora não nasçam prontas para ser aplicadas, pois produzem efeitos normativos, vinculando o legislador infraconstitucional aos seus comandos e paralisando os efeitos das leis que as desrespeitarem.

Ao tratar do direito de exigir a concretização desses direitos inviabilizados pela inércia dos órgãos competentes, CUNHA JÚNIOR (2008, p. 265) defende a existência de um direito fundamental à efetivação da Constituição, identificando, pois, uma dimensão objetiva e outra subjetiva, ou seja:

Pela dimensão subjetiva, ele [o direito] investe o cidadão da posição jurídica subjetiva (a) de exigir, até judicialmente, o desfrute imediato de todos os direitos e garantias fundamentais, sendo desnecessária, neste caso, a interpositio legislatoris, e (b) de exigir a emanação de normas ou atos materiais de concretização da Constituição, relativamente às normas não definidoras de direitos de direitos e garantias. Pela dimensão objetiva, ele irradia uma eficácia dirigente, impondo ao Estado o dever jurídico permanente de concretizar e realizar todas as normas constitucionais, incumbindo a todos os órgãos e todas as entidades estatais o dever-poder de efetivá-las.

Na linha de pensamento defendida pelo autor (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 266), o direito fundamental à efetivação da Constituição relaciona-se mais intrinsecamente com a dignidade da pessoa humana e com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. Isto é, trata-se do direito fundamental, a todos atribuído, de ver a Constituição observada em sua plenitude, notadamente aqueles que necessitem de complementação.

Desse modo, o direito fundamental de se ter a Constituição plenamente respeitada exige do Poder Judiciário uma postura ativa, tendente a combater as omissões inconstitucionais existentes no ordenamento jurídico, em virtude do princípio da inafastabilidade jurisdicional (CF/1988, art. 5º, XXXV), que veda ao magistrado eximir-se de resolver os conflitos a si apresentados, uma vez que a prestação jurisdicional é indeclinável e cabe ao juiz conferir respostas concretas às lides enfrentadas no exercício da jurisdição.

5.1.3 LEGITIMAÇÃO, COMPETÊNCIA E EFEITOS DA DECISÃO

No que concerne à legitimidade ativa, o Mandado de Injunção pode ser impetrado por “qualquer pessoa, física ou jurídica, titular de um direito constitucionalmente assegurado, cujo exercício esteja inviabilizado pela ausência de norma regulamentadora” (NOVELINO, 2011, p. 326).

Quanto ao mandado de injunção coletivo, verifica-se, por analogia, a mesma regra aplicável ao mandado de segurança coletivo (CF/1988, art. 5º, LXX), ou seja, têm-se como legitimados partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa de seus membros ou associados.

Existe ainda postura doutrinária que defende a legitimidade ativa do Ministério Público relativamente à defesa de direitos difusos, coletivos e até individuais indisponíveis (CF/1988, art. 129, II e III), como aduz NOVELINO (2011, p. 326).

O polo passivo, por sua vez, cabe ao órgão responsável pela regulamentação do direito buscado. Esse o entendimento prevalente da Corte Suprema, de modo que apenas as “pessoas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção, eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos”[5], não se admitindo, inclusive, o litisconsórcio passivo com titulares ou autoridades[6].

5.2 DIFERENÇAS ENTRE O MANDADO DE INJUNÇÃO E A AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

São dois os principais instrumentos de controle da inconstitucionalidade omissiva: o Mandado de Injunção, destinado ao controle concreto das omissões inconstitucionais – principal objeto desta pesquisa; e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADIN por Omissão, tendente a afastar a inconstitucionalidade por inércia de forma geral, pela via formal e com efeitos amplos.

Apesar de os dois mecanismos possuírem como semelhança principal a vocação para conferir respostas direcionadas a combater a omissão contrária à Constituição, há muitas diferenças, sobretudo em relação aos seguintes aspectos: previsão legal; legitimação; âmbito de incidência; competência; e efeitos (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 98-99).

O Mandado de Injunção encontra-se previsto no art. 5º, LXXI, da CF/1988; aceita como legitimado qualquer pessoa, bem como grupos, partidos, sindicatos e associações; trata de casos concretos, quando a ausência de complemento de uma norma constitucional impede o exercício de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional; compete ao Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Eleitorais, dependendo de que órgão está se omitindo; e possui efeitos variados, a depender das correntes doutrinárias e jurisprudenciais encontrada, o que será objeto de estudo mais específico adiante.

Por sua vez, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão possui previsão constitucional no art. 103, § 2º; apresenta relação estrita dos nove legitimados contida no art. 103 da CF/1988 (Presidente, Mesa do Senado ou da Câmara e outros); cabe em casos abstratos, podendo ser ajuizada em favor de qualquer norma constitucional de eficácia limitada de princípio institutivo; compete ao Supremo Tribunal Federal, por se tratar de controle concentrado – e formal - de constitucionalidade; e tem como efeitos a ordem de suprir a omissão em 30 (trinta) dias – caso a inércia seja de um órgão administrativo – ou apenas a comunicação ao Poder responsável pela adoção da medida exigida pelo texto constitucional – comumente mera recomendação para edição do ato normativo faltante.

É de conhecimento geral que o controle das omissões inconstitucionais engloba diversos instrumentos; entretanto, considerando os efeitos concretos decorrentes das decisões em sede de Mandado de Injunção, e por consistir esse mecanismo em ação constitucional garantidora da exequibilidade da própria Carta Constitucional, o foco do presente trabalho será direcionado ao estudo desse importante instrumento de efetivação constitucional criado pelo Constituinte Originário.

5.3 ALCANCE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ao longo da história dos julgamentos dos Mandados de Injunção levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal, ocorreram muitas discussões acerca do alcance que as decisões poderiam ter.

Dos inúmeros debates travados em nível de doutrina e jurisprudência, surgiram variadas correntes defendendo diferentes alcances para o instituto, com menor ou maior grau de efetividade e concretização dos direitos constitucionalmente garantidos, mas pendentes de regulamentação para possibilitar o exercício pelos cidadãos brasileiros.

Entre as principais teses, constam as correntes não concretista, concretista individual e concretista geral, as quais serão tratadas com maior detalhamento nos próximos tópicos.

5.3.1 CORRENTE NÃO CONCRETISTA

Nos primeiros julgamentos, observou-se o apego da Corte à tese que vedava interferências do Judiciário no processo legislativo de preenchimento das lacunas deixadas pela inação do órgão público competente.

O Supremo limitava-se a reconhecer a inércia na obrigação de legislar, emitindo simples comunicação do Poder Público sobre o descumprimento do mandamento constitucional objeto dos mandados de injunção.

Em crítica ao entendimento prevalente nos primeiros julgados, MENDES (2010, p. 1381) afirma que o apelo doutrinário da época clamava pela edição das normas, sob pena do esvaziamento do significado dos direitos constitucionais buscados pelos impetrantes; entretanto, segundo o autor, “o Tribunal entendeu, e assim firmou sua jurisprudência, no sentido de que deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e a determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas”[7].

Embora tenham decorrido mais de vinte e três anos da promulgação da Carta Maior, ainda sobrevive interpretação no sentido de se conferir simples ciência ao Poder Competente, não obstante a perceptível ineficácia dessa postura. Pelo contrário, esse comportamento alimenta o descrédito do Poder Judiciário, sobretudo quando se fixa prazo para a regulamentação do direito, liberdade ou garantia e, passado o lapso temporal, nada surge de concreto e os cidadãos continuam desamparados.

5.3.2 CORRENTE CONCRETISTA INDIVIDUAL

Visando conferir maior grau de realização dos direitos, garantias e liberdades constitucionais exigidos pela via do Mandado de Injunção, ganhou força a tese que considera insuficiente a simples comunicação ao Poder Público omisso, vez que o instituto possui finalidade mais específica, de nobre papel no afastamento das inércias inconstitucionais.

A corrente concretista individual pode ainda desdobrar-se em direta e intermediária, a depender se a decisão viabilizará de pronto o exercício da faculdade buscada pelo impetrante, ou se haverá concessão de prazo para o órgão proceder à regulamentação do dispositivo constitucional, só havendo resposta concreta do Judiciário no caso de nova inação após este lapso temporal.

Sobre o desdobramento da corrente concretista individual, veja-se o preciso comentário de MENEGATTO (2009, p. 30):

A posição concretista individual, por sua vez, poderá ser direta, se o Poder Judiciário julga procedente o writ, concretizando direta e imediatamente a eficácia da norma constitucional para o autor do mandado de injunção; ou poderá ser concretista individual intermediária, na hipótese do Judiciário julgar procedente a ação, contudo não concretizando imediatamente a eficácia da norma para o autor da ação, mas sim cientificando ao órgão omisso e fixando-lhe um prazo determinado para a expedição da norma regulamentadora. Esgotado o prazo fixado e persistindo a mencionada omissão do respectivo órgão, o Poder Judiciário fixará as condições necessárias ao exercício de tal direito por parte do impetrante.

Percebe-se que, contrariamente à corrente não concretista – limitada ao reconhecimento da mora legislativa, a corrente concretista individual apresenta maior utilidade aos cidadãos brasileiros, além de representar com mais coerência a vontade do Constituinte, consubstanciada neste importante instrumento supridor de inércias contrárias à Carta Magna.

5.3.3 CORRENTE CONCRETISTA GERAL

Ainda na esteira da concretização dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, ganhou força no âmbito do Supremo Tribunal Federal a corrente que defende a ampliação dos efeitos das decisões em sede de Mandado de Injunção.

Enquanto a corrente concretista individual confere resposta judicial efetiva apenas ao indivíduo que busca a tutela jurisdicional numa ação específica, a concretista geral estende os efeitos a todos os jurisdicionados atingidos pela mora do legislador.

Pela lucidez e coerência, digna de destaque é a explanação de MENEGATTO (2009, p. 30):

Destarte, na posição concretista o Poder Judiciário, desde que presentes os requisitos do mandado de injunção, deve reconhecer a existência da omissão legislativa ou administrativa, possibilitando a concretização do exercício do direito até que seja efetivada a regulamentação pelo órgão competente. E tal posição divide-se em concretista geral, quando a decisão judicial tiver eficácia erga omnes, ou seja, seus efeitos abrangerão todos os titulares do direito em epígrafe; e concretista individual, quando a decisão judicial tiver eficácia inter partes, isto é seus efeitos possibilitarão a concretização do exercício do direito apenas para o autor da ação.

Essa tem sido a opinião defendida por grande parte da doutrina atual, sobretudo em razão das recentes decisões do Supremo neste sentido – como no caso do direito de greve dos servidores públicos.

Resta saber se houve, de fato, uma mudança definitiva de postura da Corte Suprema ou se os efeitos das decisões dependerão dos casos concretos levados ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal.

5.4 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O ALCANCE DAS DECISÕES

Expressas as linhas gerais das teorias sobre o alcance das decisões proferidas em sede de Mandado de Injunção pela Corte Maior, resta analisá-las a luz da efetividade constitucional dos direitos, garantias e liberdades.

Inicialmente, cabe trazer à discussão a inegável importância do princípio da inafastabilidade da função jurisdicional, que exige do magistrado pátrio uma resposta supridora de lacunas e capaz de efetivar a mensagem do Constituinte na vida de cada indivíduo, valendo-se dos relevantes instrumentos ofertados pela própria Carta.

Visualizando-se a questão por este precioso aspecto do sistema jurídico nacional, chega-se à conclusão de que se deve reprimir a conduta judicial de simples comunicação ou imposição de prazo ao órgão responsável por legislar matéria constitucional que permanece inerte. Ao se limitar a adotar o caráter declaratório, o Judiciário, ao comportar-se de modo omissivo, torna-se corresponsável pela ausência de substância e aplicabilidade da Constituição.

Resta claro que o Mandado de Injunção é instituto destinado a salvaguardar a ordem constitucional de legislar as matérias mais sensíveis aos jurisdicionados. Se existe um instrumento cujas características e finalidade o identificam como um solucionador da mora legislativa, o magistrado não só pode como deve utilizar-se dessa arma para tornar efetiva a norma pendente de regulamentação.

Se a resposta do Judiciário ocorrerá de modo extensivo e abstrato, só o caso concreto levado ao conhecimento do magistrado é que dirá. O que não se pode aceitar é a subutilização do mecanismo do Mandado de Injunção sob o pretexto de possível burla ou ofensa à Separação dos Poderes. Ora, a mesma Constituição que estabelece a não interferência de um Poder no outro indica as formas de funcionamento harmônico, e o instrumento aqui estudado consiste justamente num dos mais nobres presentes do Constituinte ao cidadão brasileiro, que não precisa mais ficar a mercê do Legislativo ou Executivo para exercer aqueles direitos, liberdades e garantias inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

Desse modo, nota-se um profundo descrédito quanto às teorias não concretistas baseadas no viés declaratório, restrito ao reconhecimento e comunicação da inércia legislativa na regulamentação de dispositivo constitucional. Isso porque o cidadão busca o judiciário como um instrumento de solução de conflitos, sobretudo quando se trata de matéria tão sensível como a regulamentação de preceitos constitucionais. Nesses casos, mais ainda, precisa-se de firmeza na postura judicial.

Portanto, enquanto instrumentos da efetividade constitucional, são dignas de respeito as vertentes teóricas que destacam o viés concretista das decisões em ações de Mandado de Injunção, pois fazem jus à missão conferida a este remédio constitucional pela Carta Brasileira.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O advento da Constituição da República de 1988 trouxe, de imediato, grandes vitórias ao povo brasileiro. Além dos direitos expressamente versados pela Carta Magna, houve a previsão de uma série de outros, a serem regulamentados pelos órgãos públicos definidos no texto constitucional.

Com o objetivo de proteger a exequibilidade de seus dispositivos, a Constituição criou o Mandado de Injunção, tendente a combater a omissão decorrente da inércia das autoridades responsáveis por medidas regulamentares essenciais à concreta fruição dos direitos, liberdades e garantias constitucionais relacionados à nacionalidade, soberania e cidadania.

A evolução das teses relacionadas ao alcance das decisões proferidas nesta ação constitucional ampliou os debates acerca de qual a melhor e mais efetiva corrente a ser adotada pela Corte Suprema. Entre as principais teses, destacam-se a não concretista, a concretista individual (direta ou intermediária) e a concretista geral.

Questiona-se muito sobre qual a melhor interpretação sobre os efeitos decorrentes das respostas judiciais nos mandados de injunção levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por enquanto sem consenso.

Independentemente da posição adotada pela Corte Constitucional, de nada valeria a existência desta importante ação constitucional se não fosse para conferir imediata e concretamente a fruição do direito, liberdade ou garantia constitucional inviabilizada pela mora excessiva do ente público responsável pela regulamentação do dispositivo constitucional.


7. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BULOS, Uadi Lâmmego. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2009.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2010.

MENEGATTO, Cynthia Adriana Rocha Chaves. O Mandado de Injunção e o Novo Entendimento do STF. Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/23138/Mandado_Injun%C3%A7%C3%A3o_Novo.pdf?sequence=1>. Acesso em 10/06/2012.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

NUNUES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Remédios Constitucionais. 3. ed. (Elementos do Direito, v. 13) – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.

STF – MI (AgR) 335/DF, rel. Min. Celso de Mello (DJ 17.06.1994).


[1] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 283.

[2] Idem. p. 366.

[3] Idem. p. 367.

[4] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 955.

[5] STF – MI (AgR) 355/DF, rel. Min. Celso de Mello (DJ 17.06.2007)

[6] STF – MI (MC) 768/SE, rel. Min. Joaquim Barbosa ( DJ 21.08.2007)

[7] MI 107, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 133/33.     


Autor

  • Emerson Victor Hugo Costa de Sá

    Auditor Fiscal do Trabalho, desde 2011, lotado na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Amazonas (SRTE/AM). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera Uniderp (2012). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (2011). Técnico em Informática, pela Fundação Nokia de Ensino (2006), com atuação na área de desenvolvimento de sistemas.

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Informações sobre o texto

Trabalho apresentado como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Direito do Estado, em 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

S, Emerson Victor Hugo Costa de Sá. O mandado de injunção como mecanismo de efetividade constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4548, 14 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45141. Acesso em: 26 abr. 2024.