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A sistemática processual penal sob a ótica garantista

A sistemática processual penal sob a ótica garantista

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Trata-se de monografia ao qual foi estudado alguns dispositivos do Processo Penal, relativamente à formação da justa causa, à luz dos princípios e do garantismo penal.

INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho é o processo penal à luz do garantismo penal de Ferrajoli.

A Constituição Federal de 1988 e o Código de Processo Penal, notadamente no que diz respeito sistema processual, caminham por sentidos opostos, eis que a vigente Constituição traz em seu bojo o sistema acusatório e o também vigente Código de Processo Penal possui caráter inquisitivo.

Assim, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, relativamente ao frequente aumento do contingente carcerário atual do Brasil, em alguns casos com prisões irregulares, frente ao decréscimo de construção de escolas [1], razão pela qual será analisado no presente trabalho a relação de benefícios instalados no bojo do Código de Processo Penal em contraste aos princípios e regras norteadores da Constituição Garantista.

Neste mesmo viés, deve ser salientada a ordem hierárquica entre a norma constitucional e o Código de Processo Penal.

Nos tempos atuais, vive-se um momento “marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 53).

Lado outro, verifica-se que o único instrumento apto da dirigir os processos penais, atualmente, é o Decreto-Lei número 3.689 de 03 de outubro de 1941 e, em que pesem as reformas nele elaboradas, seu projeto original foi pensado para um dado momento histórico do Brasil. Situando o Código de Processo Penal no tempo e espaço, a história mostra que naquela época o mundo assistia a Segunda Grande Guerra Mundial, que se deu entre 1.939 a 1.945. Noutras palavras, o Código em comento é contemporâneo à Segunda Grande Guerra.

Noutro giro, é após o evento Segunda Guerra Mundial que começam a surgir tratados e organizações que visam coibir as atrocidades, poder déspota e tirano, programas e ações governamentais para desenvolvimento sustentável, igualitário e digno para todo homem.

Para que o processo penal se desencadeie, necessário se faz a produção de elementos probatórios mínimos, a chamada justa causa. Em alguns momentos, o próprio magistrado "poderá ele determinar, na fase de inquérito, diligências à produção de provas relevantes" (RANGEL, 2010, pág. 461).

Tome-se, por exemplo, um indivíduo que tem seu ato sexual com uma, até então desconhecida idade, criança com aparência de atraente mulher adulta e tal vídeo tenha sido divulgado na internet.

Algumas questões devem ser analisadas. A primeira é que o dito vídeo será utilizado como elemento de prova. A segunda consiste em que não se aplica as garantias relativas à defesa em sede inquisitorial. A terceira questão dá conta de que o juiz é uma pessoa humana, com percepção do tempo e espaço como qualquer outro. A quarta e derradeira questão consiste em indagar se um indivíduo vendo uma criança com aparência de mulher adulta, no ápice da excitação não irá conferir os documentos dela tampouco fará documento particular.

Assim, instala-se o problema de pesquisa, a saber, se há efeito prejudicial ao acusado as diferenças entre a técnica processual empregada pelo Código de Processo Penal e pela Constituição Federal.

A hipótese está em sede da análise hermenêutica garantista dos princípios e regras lançados pela Constituição Federal e Código de Processo Penal, com fundamento teórico em Luigi Ferrajoli, especialmente em sua obra Direito e Razão.

Isto posto, ao longo do presente trabalho analisaremos os ditames da Constituição e do atual Código de Processo Penal à luz do garantismo penal proposto por Ferrajoli, como sendo este um reforço da Constituição às demais searas do direito. Tal análise tomará como um de seus suportes a historicidade bem como os princípios norteadores do direito e por fim, se encontrará a resposta para a indagação supra.

Com o presente trabalho se quer discutir os efeitos produzidos pelas regras processuais penais contidas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal , à luz do garantismo penal de Luigi Ferrajoli. Também é objetivo do presente trabalho expor doutrina, jurisprudência e casos concretos, na forma de reportagem, que versam sobre o aludido tema.

Trata-se de pesquisa de caráter qualitativo no qual foi feito um levantamento bibliográfico em livros, sítios eletrônicos, em autores clássicos e contemporâneos, especialmente Luigi Ferrajoli, com o objetivo de argumentar a respeito do tema proposto, responder a questão de pesquisa e sustentar hipótese.

Os capítulos se dividem em princípios, justa causa, sistemas processuais e inquérito e conclusão.

 

 

1. PRINCÍPIOS

O processo penal constitucional traz em seu bojo princípios e regras próprios, o que torna um ramo autônomo da ciência do direito, mas dependentes da Constituição Federal. Os princípios são premissas que dão base ao sistema jurídico. "Desta forma, os princípios que regem o direito processual (penal) constituem o marco inicial de construção de toda a dogmática jurídico-processual (penal), sem desmerecer e reconhecer os princípios gerais do direito que lhe antecedem." (RANGEL, 2010, p. 3). Posto isto, cumpre iniciar o presente trabalho com análise de princípios que norteiam este ramo do direito.

Nesse influxo, princípio é "mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele" (MELLO apud NEVES, 2014, p. 12).

 Cumpre destacar que em razão do corte epistemológico do presente trabalho, não serão discutidos conceitos de princípios e regras. Serão ventilados, apenas para fins de resolver o problema de pesquisa, princípios constitucionais e processuais e sua importância em um ordenamento jurídico.

Insta salientar que, modernamente, todo sistema jurídico brasileiro tem se voltado para a Constituição Federal de 1988 (MENDES; BRANCO, 2014), notadamente em razão do efeito do neocostitucionalismo. Vejamos, pois, os ensinamentos de Gilmar Mendes e Paulo Branco (2014, p. 53):

O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis.

O presente trabalho não está fundamentado, para a resolução do problema de pesquisa, no constitucionalismo principialista ou argumentativo, eis que ele "caracteriza-se pela configuração dos direitos fundamentais como valores ou princípios morais estruturalmente diversos das regras" em razão de serem "dotados de uma normatividade mais fraca, confiada não mais à subsunção, mas a ponderação legislativa e judicial" (ROSA; et. al, 2012, p. 18). Vejamos o que leciona Ferrajoli (2012, p. 18):

Caracteriza-se por uma normatividade forte, de tipo regulativo, isto é, pela tese de que a maior parte dos (ainda que não de todos) princípios constitucionais, em especial os direitos fundamentais, comporta-se como regras, uma vez que implica a existência ou impõe a introdução de regras consistentes em proibições de lesão ou obrigações de prestações que são suas respectivas garantias.

Enquanto para o sistema constitucionalista garantista, modelo do presente trabalho, este “poderá ser definido como um sistema jurídico e / ou uma teoria dos direitos que preveem - para a garantia daquilo que vem estipulado constitucionalmente como vinculante e inderrogável” (ROSA; et. al., 2012, p. 18).  

Pelo exposto, justifica-se o estudo dos princípios no presente trabalho.

Serão ventilados os princípios constitucionais que tem incidência sobre o processo penal e, posteriormente, aqueles consagrados pelo sistema processual penal, especificamente neste trabalho, os inseridos no Código de Processo Penal vigente.

1.1 Princípios Constitucionais

Primeiramente, carece salientar que “a democracia se apropriou do Parlamento para ecoar e concretizar a soberania popular, seu principal fundamento ideológico” (MENDES, 2008, p. 21).

Dessa premissa, reforça-se a separação entre os poderes, como leciona Conrado Mendes (2008, p. 2):

O liberalismo [aqui entendido o liberalismo absorvido pelo constitucionalismo moderno, segundo o próprio autor] possui, como técnica de proteção das liberdades fundamentais, um texto normativo com pelo menos dois requisitos: a separação de poderes e uma lista de direitos individuais que conformam a cidadania. Essa norma primeira recebe o nome de Constituição.

Combine o ensinamento supra ao sufrágio universal e obtém-se a democracia constitucional (MENDES, 2008). Assim, “os representantes escolhidos por voto universal fabricam, no interior da instituição liberal por excelência, o Parlamento, a decisão política sobranceira num Estado de Direito: a lei” (MENDES, 2008, p. 2)

E reforça Ferrajoli (2012, p. 23):

Sob este aspecto, podemos falar de um nexo entre democracia e positivismo jurídico que se completa com a democracia constitucional. Este nexo entre democracia e positivismo geralmente é ignorado. Entretanto, devemos reconhecer que somente a rígida disciplina positiva da produção jurídica está em grau de democratizar tanto a sua forma quanto os seus conteúdos.

Não se pode olvidar a atuação do Poder Legislativo na construção das regras de processo, especialmente penal constitucional.

Contudo, a Código de Processo Penal é a única lei instrumental da ação estatal (NUCCI, 2014).

Assim, mostra-se que o legislador atualmente não possui interesse na reforma das Tábuas Processuais Penais, antes no rigor da reprimenda, conforme se denota no projeto de lei que visa a redução da maioridade penal.

Assim, o ordenamento jurídico elege diversos princípios e os mesmo estão espalhados em todo o direito pátrio. E, como salientado anteriormente, em razão do efeito da constitucionalização do direito, os princípios adotados pela Constituição Federal iluminam o ordenamento jurídico e serve como parâmetro para este.

1.1.1 Dignidade da pessoa humana

Trata-se de princípio que nossa Constituição Federal elege como fundamento de nosso Estado Democrático de Direitos. Tal princípio é reconhecido como um expoente dentre os demais que estão em nosso ordenamento jurídico. Vejamos lição de Gilmar Mendes e Paulo Branco (2014, p. 241):

Embora o texto constitucional brasileiro não tenha privilegiado especificamente determinado direito, na fixação das cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), não há dúvida de que, também entre nós, os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana assumem peculiar relevo (CF, art. 1º, III).

Doutrina pátria aponta dois prismas para o princípio em comento, quais sejam o objetivo e subjetivo (NUCCI, 2014). No que diz respeito ao prisma objetivo, o mesmo relaciona ao mínimo existencial, enquanto o subjetivo diz respeito ao que indivíduo pensa sobre si mesmo.

Ferrajoli estabelece quatro critérios que são fundamentos axiológicos dos direitos fundamentais e, dignidade da pessoa humana é o primeiro. Leciona ainda o jurista italiano que a dignidade não se trata apenas de um valor externo relativo, mas assim como acima relatado, de um valor intrínseco. Este valor intrínseco é o que se denomina dignidade (FERRAJOLI, 2011).

Complementa o juspositivista italiano, parafraseando Kant:

E isto que "possui uma dignidade (um valor interior absoluto)", acrescenta Kant, não é outro que "o homem considerado como pessoa", o qual "é elevado além de qualquer preço, porque como tal (homo noumenon) ele deve ser protegido, não como um meio para atingir os fins dos outros e muito menos os seus próprios, mas como um fim em si: vale dizer, ele possui uma dignidade (um valor interior absoluto) por meio do qual constrange ao respeito de si mesmo todas as outras criaturas racionais do mundo. (FERRAJOLI, 2011, pp. 104/105)

Este princípio possui desdobramentos no ordenamento jurídico que deve influenciar a condução de um processo penal. O processo penal é um fardo a ser carregado pelo acusado até provimento jurisdicional final, desde o mero arquivamento por ausência de justa causa ou até sentença; sem adentrar ao conceito de sentença no direito processual penal, por não fazer parte do corte epistemológico do presente trabalho. Por exemplo, quando o juiz recebe a denúncia e em sua decisão determina a citação do acusado da prática de algum fato tido como delituoso, ele não suspende a condição humana do réu.

Sobre isto, merece ser destacado no presente trabalho a influência midiática nos processos criminais em geral. Os comentaristas televisivos são contundentes em fazer prejulgamentos de supostos acusados. E o mais importante para o presente capítulo; tratam o indivíduo que supostamente cometeu um delito como alguém à margem daquilo que conhecemos como ser humano.

Nos noticiários os criminosos, ainda que de fato culpados, são postos como verdadeiros animais.

A prisão, a saber, é ordem de exceção e não a regra. Em sede de instrução, se porventura o magistrado verificar as condições autorizadoras do Código de Processo Penal para determiná-la, o Estado não poderá cerrar o indivíduo em uma cela até o fim de processo. A razão do presente comentário se dá em função da situação irregular dos presídios do Brasil. Segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) existem 298.275 vagas para uma população carcerária de 496.251 presos. Em termos matemáticos, há uma média de 1, 6 presos por vaga, o que demonstra uma superlotação dos presídios.

Para arrematar, dados do CNJ apontam que 30% (trinta por cento) da população carcerária supracitada são de pessoas recolhidas indevidamente [2].

Como já foi exposto acima, o crime não suspende a condição humana do indivíduo. Antes de ser deixado à margem da sociedade, é função social da pena, que virá após um regular e devido processo penal, a ressocialização.

Então, vê-se que não é apenas no processo que o princípio da dignidade da pessoa humana deverá ser aplicado.

E complementa Ferrajoli (2014, p. 105):

Mas o que é que garante a dignidade da pessoa? São aqueles direitos fundamentais que asseguram o "respeito", dos quais fala Kant, da sua identidade de pessoa: por um lado, direitos de identidade, que são todos - da liberdade pessoal à liberdade de consciência, da liberdade de pensamento aos direitos de autonomia civil e política - direito à afirmação, à tutela e à valorização de todas as diferenças de identidade que fazem de cada indivíduo uma pessoal igual a todas as outras; de outro lado, os direitos sociais à sobrevivência que são todos = dos direitos à saúde e à instrução aos direitos à subsistência e à previdência - direitos à redução das desigualdades nas condições de vida, as quais não tem relação com a identidade das pessoas, mas sim com as suas discriminações ou disparidades de caráter econômico ou social.

Isto posto, percebe-se desdobramento lógico da dignidade da pessoa humana ao princípio da igualdade de oportunidades.

1.1.2 Igualdade de oportunidades

O princípio da igualdade de oportunidades, com o advento da Lei 12.288 de 20 de julho de 2.010, insere no ordenamento jurídico pátrio o princípio em comento, na forma do artigo 1º, VI, da Lei supracitada (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015).

Trata-se de um princípio que visa muito mais que igualar indivíduos, equilibrando-os em uma balança de justiça (IHERING, 2014) tampouco em princípio que visa colocar pessoas como iguais perante a Lei (NUCCI, 2014). Antes, cuida-se de um princípio que visa tratar os seres como humanos que são, em suas diversidades antropológicas.  

Em que pese no Brasil haver a mistura de diversos povos por questões históricas, o mundo está em processo de globalização, onde pessoas estão se aproximando mais e mais (REZEK, 2007). A igualdade de oportunidades, então, consiste em verdadeiro respeito à dignidade da pessoa humana, a saber:

O respeito à dignidade humana, no interior de práticas democráticas, tem a ver com este exercício de respeito integral à diversidade humana, de reconhecimento e integração da diversidade antropológica. Trata-se de uma exigência de que as assimetrias antropológicas não sejam a base de um rebaixamento discriminatório da identidade do outro, mas base para o enaltecimento do espaço do humano como o espaço dos muitos, dos vários. (BRITTAR; ALMERIDA, 2015, p. 792).

Bem salienta NUCCI (2014) que tal princípio se concretiza através de ações afirmativas do Estado em favor dos seres humanos, titulares do direito em comento, no sentido de igualá-las no gozo dos direitos fundamentais essenciais.

Contudo, não deve ser haver confusão entre o princípio em analise com o princípio da paridade de armas, uma vez que este está adstrito ao processo unicamente, no sentido de participação de defesa técnica (LOPES JR, 2012).

Noutro influxo está o posicionamento, a saber, o garantismo penal integral ou garantismo penal hiperbólico proposto por Fisher (2013), para quem o garantismo penal teria apenas o viés de igualar as partes dentro de um processo, analisando o postulado de Ferrajoli como fosse uma garantia individualista, o que já foi rechaçado pelo jurista italiano, para quem o garantismo é, senão, a tutela dos inocentes e garantia da sociedade frente a um Estado forte e hipersuficiente.

Lado outro, o princípio ora analisado não vem prestigiar o equilíbrio entre as partes no processo, antes vem para dar ao acusado, no caso concreto, a oportunidade de se defender das acusações formuladas por órgão competente, no caso brasileiro, o Ministério Público, conforme artigo 129, I, da Constituição Federal, cabendo a este, privativamente a função de promover a ação penal, como regra (NUCCI, 2014).

O Ministério Público tem a seu dispôs agentes com capacidade técnica, capacidade investigativa, meios para coerção de testemunhas a fim de obter sua oitiva em sede inquisitiva.

Assim, poderá o Ministério Público, antes de iniciado o processo, formar elementos probatórios, que, à luz da sistemática garantista, não deveriam ser utilizadas como forma de condenação, ainda que de forma oblíqua, como por exemplo, a ratificação do termo de depoimento policial prestado em sede inquisitiva no processo penal em contraditório.

Entendeu o Superior Tribunal de Justiça[3] não ofender ao princípio do contraditório e ampla defesa a ratificação em juízo de depoimento policial, embora haja corrente sustentada por juíza do Espírito Santo, bem como do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais [4], no sentido de depoimento policial isolado gera absolvição do acusado por ausência de provas.

Ante o exposto fica patente a desvantagem do acusado em detrimento  da acusação.

Para tanto, o princípio da igualdade de oportunidades se manifesta em favor do acusado quando este se vale das provas ilícitas para provar sua inocência, e tal conduta está amparada por excludente de ilicitude da legitima defesa e estado de necessidade (NUCCI, 2014), haja vista iminência de condenação. Sobre a prova ilícita em favor da defesa, o mesmo será reforçado quando da análise da justa causa.

Sobre o tema do garantismo penal hiperbólico, o mesmo será trabalhado oportunamente na conclusão.

1.1.3 Ampla defesa

Cuida-se de princípio que está disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015) que confere ao acusado meios exclusivos de defesa. O réu, à luz do princípio em comento poderá se valer de todos os dados e informações as quais tenha acesso, especialmente se considerando sua hipossuficiência natural frente ao Estado muito mais forte (NUCCI, 2014).

Por se tratar de princípio que confere igualdade de oportunidades, no sentido de dar paridade de armas ao acusado, o mesmo poderia relativamente, ao argumento de conquistar a prova de sua inocência, infringir a própria Lei.

Tome-se por exemplo um indivíduo acusado da prática de furto descobre que seu vizinho confessara a prática delituosa por carta a um antigo amigo. Com base nisso, o acusado então subtrai a indigitada correspondência com a caligrafia do indivíduo que verdadeiramente praticou o furto e junta aos autos.

Está-se diante de causa de exclusão da ilicitude (RANGEL, 2010), uma vez que o acusado, com temor de futuramente ter sua liberdade cerceada, valeu-se desse instrumento para então provar sua inocência. Assim, o réu, ao interceptar a correspondência alheia, “sem ordem judicial, com escopo de demonstrar sua inocência, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro estado de necessidade justificante” (RANGEL, 2010, p. 439).

Merece destaque ensinamento de Rangel (2010, p. 439):

Desta forma, é admissível a prova colhida com (aparente) infringência às normas legais, desde que em favor do réu para provar sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas de sua inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da lei.

Em que pesem os argumentos supra, a admissão da prova obtida por intermédio do estado de necessidade não é absoluta, uma vez que devem ser proporcionais e razoáveis. O acusado não poderá se valer, então, de tortura ou outros meios cruéis, que nem o próprio Estado pode se valer, com fincas no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015).

Por fim, deve-se registrar que a ampla defesa se vê mitigada no inquérito policial, senão vejamos:

O mais importante de todos os exemplos diz com a possibilidade de exercício do direito à ampla defesa em sede de inquérito policial que nada mais é do que procedimento administrativo pré-processual. A inexistência do contraditório e da ampla defesa nestes casos, quando não há medida evasiva deferida e executada, demonstra o quão relativo pode ser o presente instituto. (MENDES; BRANCO, 2014, pág. 451)

Contudo, neste diapasão, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao editar a súmula vinculante número 14 (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015) lança o acesso amplo aos elementos de provas já documentados no inquérito policial. O Supremo Tribunal Federal ao posicionar-se e editar súmula vinculante neste sentido acaba por aproximar o inquérito ao modelo garantista.

Em momento oportuno será ventilado sobre a ampla defesa e contraditório no inquérito policial em contraste aos princípios processuais constitucionais garantistas.

 Nesse influxo, merece registro da doutrina sobre posicionamento do próprio Supremo Tribunal Federal em relação a ampla defesa e, inclusive o contraditório, no inquérito policial:

Questão que aflora nestes casos é a da compatibilidade de ambos os princípios [ampla defesa e contraditório] com a existência do inquérito policial ou judicial, que é inquisitório por natureza jurídica, e sobre o qual não vige o princípio em questão. O STF tem entendido que, mesmo não havendo a incidência do princípio do contraditório no inquérito, o direito ao amplo acesso aos autos precisa ser respeitado (MENDES; BRANCO, 2014, p. 453/454).

Como acima foi esclarecido, o garantismo revela uma interpretação harmônica de princípios e leis, na lógica de um ordenamento jurídico.

Pelo exposto, não seria razoável subtrair do indiciado a possibilidade de acompanhar o inquérito para posteriormente formular sua defesa ou até mesmo postular o trancamento do inquérito quando da ausência da justa causa pela via do habeas corpus (NUCCI, 2014)

Assim, passa-se a análise do contraditório.

1.1.4 Contraditório

Assim como a ampla defesa, também está disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015)  o princípio do contraditório, que é concernente à relação processual (NUCCI, 2014). Bem salienta Rangel (2010, pág. 16) que não apenas o Brasil, através da Constituição Federal adotou o princípio em tela, “mas também a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, chamada de Pacto de São José da Costa Rica, aprovada a través do Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992, garante o contraditório”.

O princípio em tela traduz um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, verificada em processo judicial, devidamente previsto em Lei, onde litigam partes opostas, a saber a acusação, que traduz o interesse de punir do Estado (ius puniendi) versus a defesa que expressa o interesse do acusado e da sociedade, esta última no sentido de se evitar acusações sem justa causa, condenações manifestamente equivocadas, sentenças arbitrárias e penas que ultrapassam a pessoa do condenado ou foram dos limites legais (LOPES JR., 2012).

E mais, a “instrução contraditória é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se concebe um processo legal, buscando a verdade processual dos fatos, sem que se dê ao acusado a oportunidade de desdizer as afirmações feitas” (RANGEL, 2010, p. 170) por aquele competente para acusar-lhe.

Lança-se o a ilustração utilizada em romance da lavra de KAFKA (2002), onde Josef K. havia sido detido sem que soubesse a razão de o ser. Atualmente, mostra-se inverso aos princípios garantistas da Constituição Federal e todo sistema nela previsto.

Nesse influxo, o direito ao contraditório se aperfeiçoa com a citação, podendo, contudo, pode surgir com a intimação de eventual decisão. É nesse instante que se dá a informação e abre ao indivíduo o poder de reação (ALMEIDA, apud RANGEL, 2010).

Uma vez citado e quedado inerte ou não localizado para tal ato processual, o magistrado deverá nomear defensor dativo para defesa técnica com fincas no artigo 261 do Código de Processo Penal (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015). Daí percebe-se a extensão do contraditório:

Ademais, no processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do contraditório durante todo o desenrolar da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições  reais de contrariá-los. (ALMEIDA, apud RANGEL, p.  17, 2010)

O direito a reação não se resume a um mero direito de manifestação em um processo, mas sim em direito à resposta à pretensão à tutela jurídica, que se traduz no “direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 452).

Então, arrematam Gilmar Mendes e Paulo Branco (2014, p. 452):

Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:

— direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar às partes os atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes;

— direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura a possibilidade de manifestação, oralmente ou por escrito, sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;

— direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentada

 Assim, percebe-se, inclusive, qual a importância da fundamentação do magistrado em suas decisões e como esta pode afetar a defesa do indivíduo.

Para arrematar, o contraditório ainda deve ser aliado ao princípio da igualdade de oportunidades, manifesto na paridade de armas, senão vejamos:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo Estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciarias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações. (FERRAJOLI, 2014, p. 565)

Uma vez concedida a garantia do contraditório ao acusado estar-se-ia diante de um direito que vai além de proteger um indivíduo de ver seu direito à liberdade cerceado, mas inclusive para a sociedade, da abstenção de ver um inocente punido, quiçá de forma arbitrária (FERRAJOLI, 2014).

1.1.5 Devido Processo Legal

Cuida-se de princípio esculpido no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, 2015), que veda a privação de bens e liberdade sem o devido processo legal.

Importante o registro da doutrina processualista civil que remonta a história do princípio em comento. Na Carta Magna de 1.215, em seu artigo 39, assegurou-se que “só se poderia submeter alguém a julgamento se este fosse realizado pelos pares daquele que estivesse sendo julgado” (CÂMARA, 2007, p. 34).

Relata o civilista que a doutrina pátria passou a traduzir a expressão due processo of law, que versa sobre a evolução da the law of the land da Carta Magna, como devido processo legal (CÂMARA, 2007).

Para RANGEL (2010), o devido processo legal consiste em obediência nas formalidades previstas em lei.

Alerta a doutrina que devido processo legal não é sinônimo de ampla defesa e contraditório, senão vejamos (MENDES; BRANCO, 2014, p. 544):

De fato, é muito comum entre nós  fazer-se referência a uma garantia específica, como a do contraditório e da ampla defesa, ou do juiz natural e do devido processo legal. Ou, ainda, costuma-se fazer referência direta ao devido processo legal em lugar de referir-se a uma das garantias específicas.

É importante salientar que o constitucionalista alerta sobre a distinção do devido processo legal das outras garantias específicas citadas uma vez que:

Cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à ampla defesa, de (2) direito ao juiz natural, de (3) direito a não ser processo e condenado com base em prova ilícita, de (4) direito a não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica (MENDES; BRANCO, 2014, p. 544).

Trata-se de garantia muito mais abrangente que as demais, configurando uma das mais relevantes do direito constitucional e processual penal constitucional (MENDES;D BRANCO 2014).

Como bem observa NUCCI (2014), as garantias processuais penais se justificam em razão do sistema, notadamente garantista, em função do suporte ao princípio da dignidade da pessoa humana, oportunamente acima estudado.

1.1.6 Juiz e promotor natural

Ambos os princípios encontram seu fundamento legal no artigo 5º, XXXVII e LIII, da Constituição Federal (MENDES; BRANCO, 2014), contudo, serão analisados de forma separada. A garantia do juiz natural trata-se de conquista recente do ponto de vista histórico:

Quando Sir Edward Coke negou a Jaime I a concreta potestas iuris dicundi, e os juízes franceses fizeram o mesmo com o rei da França, ou impediram o pároco de Paris de tomar o lugar em seu tribunal, eles expressaram não só uma moção de independência em relação à autoridade delegante, mas também um protesto contra a lesão dos valores de imparcialidade e certeza do juiz (...).” (FERRAJOLI, 2014, p. 543)

Assim, verifica-se que o princípio ora em análise representa não apenas a separação harmônica entre os poderes, mas também uma garantia de que não haverá interferências externas ao julgamento do magistrado, que fica adstrito, contudo, aos ditames da Lei, especialmente da Constituição e os princípios por ela eleitos (FERRAJOLI, 2014).

Salienta a doutrina orientadora do presente trabalho que são três diferentes critérios para definição da garantia do juiz natural, embora intimamente conexas, a saber, “a impossibilidade de derrogação e a indisponibilidade e não constituído post factum” (FERRAJOLI, 2014, p. 543).

Neste mesmo diapasão encontra-se a doutrina pátria, que adota o seguinte tríplice significado: a) só pode exercer jurisdição os órgãos previamente instituídos pela Constituição; b) proibição à criação de juízos de exceção, como o de Nuremberg (RAMOS, 2012) e, por fim; c) taxatividade na competência dos juízes pré-constituídos, a fim de excluir qualquer ação de discricionariedade (LOPES JR., 2012).

Em que pesem as concepções adotadas, elas trazem em seu bojo um sentido único para o princípio em tela, em duas faces. A uma, em favor da independência do Poder Judiciário, a segunda, em favor dos jurisdicionados que não serão submetidos à julgamentos eivado de parcialidade.

Relativamente ao princípio do promotor natural, o mesmo é discutido na seara doutrinária e jurisprudencial sobre sua existência, todavia, o Supremo Tribunal Federal entendeu tratar-se de princípio explícito ao sistema constitucional pátrio (RAMOS, 2012).

Alerta a doutrina que os promotores de justiça possuem autonomia funcional, exemplificando que o promotor pode ofertar denúncia e posteriormente, em sede de alegações finais, postular pela absolvição (GRECO FILHO, 2012)

Em regra, a ação penal é privativa do Ministério Público, nos termos do artigo 129, I, da Constituição Federal, cuja atribuição é definida por Lei, ressalvados os casos de ação penal privada ou privada subsidiária da pública (RANGEL, 2010).

A função de acusar não é típica, esta insere-se em sua função de fiscal da lei. Merece crítica o Manual de Atuação dos Promotores de Justiça de São Paulo, sem seu artigo 47, VI, onde orienta-se que os promotores evitem descrever e capitular na denúncia acusas de aumento e diminuição depena, o que foi seriamente criticado por Rangel (2010)

Tal orientação não se coaduna aos princípios analisados no presente trabalho, haja vista ser o Ministério Público órgão que garante o cumprimento da Lei e da Constituição Federal (MENDES; BRANCO, 2014).

Noutro viés está a Lei de Execuções Penais de 1.984, que prevê, em seu bojo, atuação do Ministério Público como agente com capacidade postulatória e de fiscalização, nos termos dos seus artigos 67 e 68, podendo, requerer, ainda, a progressão de regime do apenado (MARCÃO, 2012).

1.2 Princípios processuais penais

O processo penal, assim como os demais ramos do direito, também possui regras e princípios próprios (NUCCI, 2014). Assim, para apontar a hipótese para o problema de pesquisa do presente trabalho, mister citar princípios processuais penais típicos.

1.2.1 Identidade física do Juiz

Trata-se de princípio que vincula o magistrado que presidiu a instrução, ou seja, colhendo provas, ao julgamento do processo, com esteio no artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal (NUCCI, 2014).

A doutrina salienta que o princípio da identidade física do juiz decorre do princípio da oralidade, uma vez que historicamente se davam através do Tribunal do Júri (NUCCI, 2014).

Com o advento das Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, consagrou-se os princípios da oralidade e seus consectários, a saber, da imediatidade, concentração e, o ora analisado, princípio da identidade física do juiz, nos termos dos artigos 399, §2º, 440, §1º, 411, § 2º, todos do Código de Processo Penal (NUCCI, 2014).

Cuidam-se de princípios que interferem na percepção pessoal do juiz sobre a prova colhida (LOPES JR. 2012).

Daí, a doutrina suscita o debate de pontos positivos e negativos do presente princípio.

De um lado, a doutrina sustenta que o magistrado poderá criar laços psicológicos com as partes e as testemunhas (LOPES JR., 2012), lado outro, o juiz, quando determinar diligências ao final da audiência de instrução, abrirá vista às partes para apresentação de memoriais e, se neste ínterim, o julgador tiver que ser removido daquele órgão jurisdicional, quer por promoção ou aposentadoria, trará atraso ao processo (RANGEL, 2010).

Destarte, conforme salienta LOPES JR. (2012) o princípio ora analisado confere maior benesse que prejuízos aos processos e, neste diapasão, o magistrado poderá confrontar a prova oral colhida em audiência com aquela produzida na fase inquisitiva, podendo, assim, rechaçar a possibilidade de mácula em seu juízo.

Assim, confere-se ao processo penal maior lisura na decisão do magistrado, o que se coaduna ao princípio do juiz natural.

1.2.2 Persuasão racional

O princípio em análise, segundo a doutrina, “regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, p. 73, 2007).

Salienta a doutrina que o princípio em tela consiste em o magistrado apreciar a prova livremente, desde que colacionada aos autos (GRECO FILHO, 2012). Deverá ainda a referida prova ser submetida ao crivo do contraditório (RANGEL, 2010).

Nesse influxo, o princípio em análise, também conhecido como livre convicção motivada, assim o é conhecido em razão da obrigatoriedade do juiz fundamentar sua decisão, com esteio no artigo 93, IX, da Constituição Federal (RANGEL, 2010).

Sobre o tema, FERRAJOLI (2014) faz críticas uma vez que poderá haver critérios discricionários de avaliação da prova e, com um abastado de dizeres, sem nenhum apego à hermenêutica, fundamentar a decisão. Assim, a despeito da convicção do juiz livre, deve evitar que “em mentes já distorcidas e debilitadas [sem apego à hermenêutica], por força de sorites e sofismas, aquilo que seja manifestamente verdadeiro, passando de proposição em proposição, por levíssimas e quase imperceptíveis mutações, produza o falso” (NICOLINI, apud FERRAJOLI, 2014, p. 181).

Oportunamente relatou-se sobre o objetivo do garantismo penal constitucional tratar-se do reforço dos princípios eleitos pela Constituição. Assim, o modelo de apreciação da prova trazido pelo novel Código de Processo Civil, em seu artigo 371, que também influenciará as Tábuas Processuais Penais, coaduna-se com o garantismo, uma vez que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (CURIA; CÉSPEDES; ROCHA, 2015, p. 128).

Para arrematar, verificou-se a íntima relação do princípio da persuasão racional com o sistema de produção de provas.

1.2.3 Verdade real

O processo penal possui caráter instrumental e salienta a teoria base do presente trabalho que “se uma justiça penal integralmente ‘com verdade’ constitui uma utopia, uma justiça penal completamente ‘sem verdade’, equivale a um sistema de arbitrariedade” (FERRAJOLI, 2014, p. 48).

O processo penal tem como escopo alcançar elementos probatórios e lícitos para lançar certeza, dentro dos autos, contudo, não correspondendo a verdade do mundo dos homens (RANGEL, 2010).

Deste raciocínio se depreende o conceito de verdade formal, ou verdade processual, onde vigora o princípio do dispositivo, do processo civil (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007). Neste viés, o magistrado pode “satisfazer-se com a verdade formal (ou seja, aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas carreadas aos autos)” enquanto “no processo penal o juiz deve atender à averiguação e ao descobrimento da verdade real (ou verdade material), como fundamento da sentença” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p; 71).

Relativamente à verdade formal no processo penal, a mesma, excepcionalmente, é aceita no processo penal quando “não disponha de meios para assegurar a verdade real (CPP [Código de Processo Penal], art. 386, inc. VI)”, ilustrando-se com o exemplo de absolvição do réu, “não poderá ser instaurado novo processo criminal pelo mesmo fato [bis in idem], após a coisa julgada, ainda que venham a ser descobertas provas concludentes contra ele” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p; 71).

Nesse influxo, Rangel (2010) faz críticas no caso em que o magistrado, quando verificada ausência total de provas, digna-se a produção de provas ao argumento da busca da verdade real. Salienta o processualista pátrio que o magistrado ao agir desse modo, busca a condenação e não absolvição, uma vez que esta já era patente pela ausência de provas.

Como acima já exposto sobre uma verdade absoluta, “a impossibilidade de formula um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade ‘certa’, ‘objetiva’ ou ‘absoluta’ representa sempre a expressão de um ideal inalcançável” (FERRAJOLI, 2014, p. 52).

Assim, Ferrajoli (2014) traduz a verdade material como sendo uma verdade aproximativa.

Daí abre-se a possibilidade para refutação da prova, o que se dá através da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, princípios oportunamente já estudados.

Com isso, verifica-se que a linha tênue entre a formação da justa causa e o sistema probatório, especialmente o inquérito, e o princípio ora analisado.

 

2. JUSTA CAUSA

 

Em regra, o processo penal só poderá se desencadear quando houverem indícios mínimos de autoria e materialidade da conduta delitiva imputada a algum indivíduo. Não é necessário ser o inquérito policial o principal instrumento para formação da justa causa, contudo, sobre o tema, o mesmo será abordado em momento oportuno, quando da análise do inquérito policial.

Alerta a doutrina tratar-se de uma condição da ação penal (RANGEL, 2010) e esta é conceituado como suporte probatório mínimo.

Não é crível, em um Estado Democrático de Direitos, aceitar uma condenação fundada em acusações sem fundamento. Necessário, então, repisar a doutrina de Ferrajoli (2014) que leciona no sentido de não ser o processo penal máquina de condenações, tampouco tirano e arbitrário, todavia ser a tutela dos inocentes.

Quando verificada a ausência da justa causa, o juiz ao invés de receber a denúncia poderá rejeitá-la de plano, nos termos do artigo 395, III, do CPP. Em sendo o caso de recepção da denúncia, não há previsão no ordenamento jurídico para recurso apto a atacar tal decisão, contudo, a doutrina salienta sobre a possiblidade de combater o recebimento da denúncia, quando houver ausência de justa causa, pelo remédio do habeas corpus, nos termos do artigo 648, I, do CPP (RANGEL, 2010).

Em que pese ser regra, no ordenamento jurídico pátrio, o princípio da presunção da inocência e do favor rei, é possível o magistrado receber a denúncia para, na asserção, verificar a veracidade da conduta imputada ao acusado.

Dessa premissa se extraí a importância do inquérito policial para deslinde da ação penal.

São daqueles elementos contidos na peça de informação que vão dar base ao Ministério Público para sustentar a denúncia.

Se a justa causa nasce a partir dos elementos probatórios mínimos, começa-se a indagar a possibilidade do magistrado participar da formação destes elementos de uma forma proativa.

Faz-se necessário fazer a seguinte linha do tempo: a doutrina (RANGEL, 2010; LOPES JR., 2012 e NUCCI, 2014) aponta que a justa causa é condição da ação penal, que nasce na peça de informação. Salienta-se que o próprio Código de Processo Penal autoriza a intervenção do magistrado na produção da justa causa nos termos do artigo 156 do CPP (RANGEL, 2010).

Assim, deve ser feita acurada análise da legislação processual penal, notadamente seus artigos 155 ao 157, todos do Código de Processo Penal. Em que pesem estarem os dispositivos legais insertos onde o Código trata das provas, a análise é pertinente, nos termos do que se explanará oportunidade.

2.1. Do artigo 155 do CPP

Está disposto, in verbis, o artigo 155 do Código de Processo Penal:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008). (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, p. 651 2015)

As provas são avaliadas por intermédio de três sistemas, a saber: a) livre convicção, onde a valoração da prova vem do íntimo e das experiências pessoais do julgador, dispensando-se a motivação dos votos, conforme se vê na votação dos jurados; b) prova legal, onde a prova teria um valor predeterminado pela lei, restringindo a atividade do julgador; por fim, c) a persuasão racional ou livre convencimento motivado, que trata-se de método misto adotado pelo Código de Processo Penal e, na ótica da doutrina, do art. 93, IX, da Constituição Federal (NUCCI, 2008).

Contudo, a  prova não pode ser apreciada de forma tão livre como a doutrina costuma salientar, pois tal não se alia ao ensinamento supracitado do direito de ver os argumentos considerados, tampouco aos princípios garantistas da Constituição Federal.

Se o Ministério Público lança o argumento “A”, enquanto a defesa lança argumento “B”, todos baseados na mesma prova, quiçá única do processo, não poderá o magistrado apresentar argumento “C” sem antes analisar os pedidos formulados.

Importante buscar melhor fundamento na doutrina processual civil, senão vejamos:

A motivação da decisão é essencial para que se possa verificar se  o juiz prolator da decisão era ou não imparcial. Isto se dá por uma razão. Ao contrário do administrador e do legislador, que recebem sua legitimação antes de exercerem suas atividades (já que tal legitimação provém do voto popular), o juiz não é previamente legítimo. A legitimação do juiz só pode ser verificada a posteriori, através da análise do correto exercício de suas funções. Assim, a fundamentação das decisões é essencial para que se possa realizar o controle difuso da legitimidade da atuação dos magistrados. Trata-se, pois, de mais uma garantia ligada à ideia de processo justo, de devido processo legal. (CÂMARA, 2008, p. 55)

É através da fundamentação que se poderá verificar se o magistrado está contaminado com a produção de provas anterior ao processo com todos os princípios citados no primeiro capítulo. É através dessa indagação que começa a se construir a problemática do presente trabalho, qual seja a sistemática do processo penal vigente frente aos princípios garantistas da Constituição Federal.

Mais a mais, o artigo 155 do CPP proíbe a fundamentação com base exclusiva no inquérito, ressalvadas aquelas provas produzidas antes da ação penal. Alerta a doutrina a especialidade na decisão que condena com base exclusiva em inquérito quando não for possível se repetir a prova ou a mesma se der de forma cautelar (NUCCI, 2008).

2.2. Do artigo 156 do CP

Passa-se, então, a análise ao art. 156, do Código de Processo Penal, in verbis:

 Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

        I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

        II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) (CURIA; CÉSPEDES; NICOLETTI, p. 651 2015)

Neste ponto, torna-se mais visível a participação do magistrado na formação da justa causa, de acordo com a sistemática do Código de Processo Penal vigente.

Antes de explanar sobre o tema, deve ser abordado no presente trabalho, não em capítulo dedicado, sobre a distribuição do ônus da prova.

Mister buscar fundamentos na teoria geral do processo, relativamente ao ônus de provar:

A distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que, visando à vitória na causa, cabe à parte desenvolver perante o juiz e ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu espírito a convicção de julgar favoravelmente. O juiz deve julgar secundum allegata et probata partium e não secundum propriam suam conscientizam – e daí o encargo, que as partes têm no processo, não só de alegar, como também de provar (encargo = ônus). (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p. 373).

Vimos na teoria geral do processo, num primeiro momento, é dificultoso o ônus da prova em desfavor do acusado.

Neste sentido manifestou-se Tornaghi, Tourinho Filho e Camargo Aranha (apud RANGEL, 2010, p. 415/416), senão vejamos:

Conclusão final: à acusação cabe o ônus de provar a existência de um fato penalmente ilícito, a sua realização pelo denunciado e a culpa (stricto sensu); à defesa compete demonstrar a inexistência de dolo, causas extintivas da punibilidade, causas excludentes da antijuridicidade e eventuais excluidoras da culpabilidade.

Resumindo:

a) A cada uma das partes compete o ônus de fornecer as provas das alegações que fizeram.

b) Em regra, ao autor compete a prova dos fatos constitutivos, enquanto ao réu a dos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos.

c) O juiz pode determinar, de ofício, as diligências probatórias que entender necessárias para a apuração da verdade. Em segunda instância tal princípio só prevalece desde que a prova resultante não importe em violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, quando houver recurso exclusivo da acusação.

 Contudo, sustenta Lopes Jr. (2012) tratar-se de dever do Estado, unicamente. Rangel (2010), ao seu turno, sustenta que a regra de divisão do ônus da prova deverá ser observada à luz da Constituição Federal, onde a regra é a liberdade.

Para arrematar, Ferrajoli (2014) salienta que a competência para buscar as provas para fundamentar a acusação é do órgão acusatório, não do juiz, a quem se atribui a função de julgar imparcialmente, tampouco da defesa, que deverá se ocupar com a fundamentação de sua contestação, apenas. Outrossim, complementa o doutrinador italiano que tal deve ser mantido o referido posicionamento em razão da separação dos atores do processo e garantia de um julgamento imparcial.

Para melhor análise desse posicionamento, relativamente a separação dos atores e juiz imparcial, deverá ser analisado o capítulo pertinente ao inquérito e princípios do juiz e promotor natural.

Por fim, num sentido garantista, a doutrina de teoria geral do processo sustenta que o critério atribuição do ônus da prova não pode ser tão rigoroso (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007). Cita-se, neste influxo, exemplo da doutrina, onde “a simples plausibilidade da alegação de uma justificava penal (legítima defesa, estado de necessidade etc.) é suficiente para que o juiz a aceite como provada” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, p. 374, 2007).

No que pertine a atuação de ofício do magistrado na produção antecipada de provas, se manifestou Nucci (2008, p. 346):

Trata-se de decorrência natural dos princípios da verdade real e do impulso oficial. Em homenagem à verdade real, que necessita prevalecer no processo penal, deve o magistrado determinar a produção das provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato criminoso. Não deve ter a preocupação de beneficiar, com isso, a acusação ou a defesa, mas a única e tão-somente atingir a verdade.

Ora, com o estudo dos princípios do juiz natural e da presunção de inocência, vê-se que o estado natural do acusado é de inocente. Mais a mais, compete ao fiscal da Lei, a saber, o Ministério Público, agora como órgão acusador, conforme visto oportunamente, a tarefa de colacionar aos autos provas que corroborem suas alegações.

Como visto acima, o Ministério Público tem ao seu dispor meios e instrumentos capazes de indicar autoria e materialidade da conduta delitiva.

O posicionamento de Nucci (2014) acima relatado não se coaduna os princípios garantistas, uma vez que o juiz abandona sua figura de julgador imparcial, passando à figura do juiz inquisidor.

Esta atuação do juiz-inquisidor foi devidamente combatida por Ferrajoli (2014) quando do estudo dos sistemas de inquérito.

Para arrematar, se o acusado tem naturalmente a condição de inocente, por presunção de índole constitucional, o magistrado deveria absolve-lo quando não houver provas. Se o magistrado, ao argumento de chegar a verdade real, passa a postular, determinando a realização de provas, não tem interesse de absolver, mas de condenar. Essa questão foi resolvida à luz da doutrina de Rangel (2010, p. 414), senão vejamos:

A crença de que o juiz é um ser preocupado com os direitos do réu e, por isso, estaria praticando atos de ofício é falsa. Quando o juiz pratica atos de ofício em busca da prova é para condenar, até porque qualquer neófito sabe que se não há provas ou se há dúvida, o juiz tem que decidir em favor do réu. Todavia, em nome de um princípio (impulso oficial) o juiz sai em busca daquilo que irá justificar o que ele já decidiu: a condenação.

Assim também o foi com o ex-goleiro do maior clube de futebol do país, Clube de Futebol e Regatas do Flamengo, Bruno, onde a juíza, por diversas vezes ironizou a defesa, citando, por exemplo, o deboche contido às folhas 6.086, na lauda número 40, da decisão de pronúncia dos acusados daquele processo.

Nesse mesmo diapasão encontra-se a mídia, que vem deveras sugerindo a condenação dos acusados, o popularmente chamado “datenismo penal”. Trata-se de discurso sensacionalista, cujo objetivo é execrar o acusado, a fim de fomentar a audiência nos telejornais (VIANNA; SARKIS, 2014).

2.3. Do artigo 157 do CPP

 Para pôr termo ao estudo referente à justa causa, brevemente será abordado o artigo 157 do Código de Processo Penal.

Alerta a doutrina que o referido artigo não se opera em desfavor da defesa, uma vez que o acusado está na iminência de ver algum bem jurídico seu ser reduzido, razão pela qual as provas ilícitas lhe são proveitosas, em respeito à ampla defesa e, neste caso, paridade de armas. Mais a mais, alerta, ainda, a doutrina que aquele acusado que se valer da prova ilícita cometendo outro crime, salvo tortura ou outro similar, está-se diante de uma excludente de ilicitude por estado de necessidade, o que gera extinção da punibilidade (RANGEL, 2010).

Outrossim, vale destacar que o Ministério Público possui aparato para diligenciar provas robustas para eventual condenação, conforme já visto quando do estudo do princípio da igualdade de oportunidades no presente trabalho, o que não ocorre com a defesa, que muitas vezes possui um advogado sem meios e, quiçá, recursos financeiros para garimpar muitas provas em seu favor.

Mais a mais, não se pode analisar o garantismo constitucional como sendo uma teoria individualista que visa dar poderes ao réu, como se estivesse enfraquecendo o Ministério Público, havendo postulado no sentido de haver mecanismos legais e constitucionais que forneçam tanto ao Ministério Público, tanto a defesa armas para defenderem suas posições no processo judicial (FISHER, 2013).

A referida teoria do garantismo penal hiperbólico monocular ou garantismo penal integral baseia-se na teoria garantista proposta por Ferrajoli, contudo não se confundi com esta, considerando a posição proposta por Fisher (2013) estar no sentido de conferir mera paridade de armas no processo penal. Ademais, em que pese uma das faces do princípio da igualdade de oportunidades se manifestar na forma de paridades de armas, isto dá-se em razão do indivíduo ser hipossuficiente frente ao Estado hipersuficiente, devendo o Judiciário garantir que o processo penal seja efetivamente a tutela dos inocentes, conforme os postulados de Ferrajoli (2014).

A mídia de forma geral se mostrou favorável ao rigor da lei sobre os criminosos (VIANNA; SARKIS, 2014).

Mais a mais, segundo o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), em pesquisa publicada no ano de 2011, 90% dos entrevistados concordaram total ou parcialmente com a assertiva de que ações sociais que assegurem a igualdade de oportunidades seriam agentes de redução da criminalidade no país e 76% concordaram total ou parcialmente com políticas públicas para reinserção do preso em sociedade.

Lado outro, a mesma pesquisa informa que 83% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a adoção de política criminal de tolerância zero, 79% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com aumento da pena como forma de repressão à criminalidade, 69% são favoráveis à prisão perpétua e 46% concordam total ou parcialmente com a pena de morte.

O viés dessa abordagem não é mostrar alternativas para criminalidade, mas sim apontar o sentimento público. Assim, torna-se viável o reforço dos ensinamentos de Rangel (2010), para quem o momento político, sociológico, econômico, filosófico, etc., vividos no Estado são fatores que apontam as diretrizes penais adotadas por este.

Com base neste sentimento social, não pode se vislumbrar num Estado Democrático de Direitos a condenação a qualquer preço.

Os princípios eleitos pela Constituição Federal não podem ser rechaçados tampouco derrogados em virtude do momento atual vivido no Estado em que a população, embriagada pelo “datenismo penal”, deseja condenações dos indiciados, sem, contudo haja um regular processo em contraditório.

 

3. SISTEMAS PROCESSUAIS E INQUÉRITO

Como bem salientado oportunamente, para deflagrar-se a ação penal mister a colação de elementos com suporte mínimo à justa causa, o que se faz ordinariamente pelo inquérito policial.

Em que pese o inquérito ser dispensável, nos termos do artigo 46, § 1º, do Código de Processo Penal (RANGEL, 2010), este procedimento é usual em matéria de formação da justa causa.

Assim, define Rangel (2010),

Assim, sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para aplicação do direito penal a cada caso concreto.

Destarte, não se confunde sistema processual com inquérito, uma vez que este é “procedimento de índole meramente administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal” (RANGEL, 2010, p. 69), embora haja uma relação entre estes.

Relativamente ao sistema, faremos análise do mesmo, com paralelo ao inquérito.

3.1 Acusatório

A doutrina aponta o sistema ora em análise como patente na seguinte razão:

Tem nítida separação de funções, ou seja, o juiz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação (...), assumindo, segundo nossa posição (...), todo ônus da acusação, e o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. (FERRAJOLI, 2014, p. 520)

Para Rangel (2010), o atual código de processo penal adota o sistema acusatório, ao argumento de haver separação entre funções de acusar, julgar e defender, publicidade dos atos processuais, princípios do contraditório e ampla defesa, livre convencimento motivado, bem como imparcialidade do juiz.

Contudo, Nucci (2014) faz crítica ao referido sistema, alertando que o Código de Processo Penal, de 1941, foi elaborado sob a ótica inquisitiva, ao argumento de os processualistas pátrios se basearem exclusivamente nos princípios constitucionais. Lado outro, o inquérito policial é, por natureza, inquisitivo, sigiloso, desprovido de contraditório e ampla defesa, impossibilidade de recusa do condutor da investigação (NUCCI, 2014) e acompanhará o processo.

Parcela da doutrina ainda visualiza o sistema acusatório como princípio (LOPES JR., 2012), todavia, coaduna com a lição de Nucci acima relatada.

Fundamenta sua posição em princípios notadamente constitucionais, pois, “hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório (cf. art. 129, I, da CRFB), pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular” (RANGEL, 2010, p. 49).

Chama-se “acusatório todo sistema processual que tem o juiz como sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral” (FERRAJOLI, 2014, p. 520) devendo a lide instalada ser resolvida pelo juiz.

Destarte, o conceito acima relatado denota, efetivamente, a separação entre o órgão acusador, defensor e julgador, contudo, o vigente Código de Processo Penal permite, conforme visto oportunamente no capítulo referente à justa causa, que o magistrado determine a produção de provas.

Para arrematar, Lopes JR. (2012) leciona que o vigente Código de Processo Penal, em seu artigo 156, dentre outros, colocam o magistrado como gestor das provas. Assim, trata-se de um juiz-ator, com capacidade de atuar e postular no processo.

Lado outro está o processo civil, que possui um juiz-espectador (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007), o que se espera deste em um sistema acusatório (LOPES JR. 2012), considerando o ônus da prova ser de incumbência da acusação (FERRAJOLI, 2014).

Por tais razões, não há de se falar em adoção de um sistema único, mas evidente hibridismo (NUCCI, 2014).

3.2 Inquisitivo

Muito similar ao inquérito (NUCCI, 2014), o sistema inquisitivo mescla a figura do órgão acusador com a do julgador.

Leciona Ferrajoli (2014, p. 520) a despeito do tema:

Chamarei inquisitório todo sistema processual em que o juiz procede de ofício à procura, à colheita e a avaliação das provas, produzindo um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa.

Assim, torna-se visível a linha tênue entre o sistema inquisitório e o inquérito propriamente dito.

Inquisitivo remete-nos ao “antigo tribunal eclesiástico instituído com o fim de investigar e punir crimes contra a fé católica” (RANGEL, 2010, p. 46). Conceitua Rangel (2010, p. 46) o indigitado sistema como sendo “o próprio órgão que investiga é o mesmo que pune. No sistema inquisitivo, não há separação de funções, pois o juiz inicia a ação, defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.”.

No que pertine ao inquérito, salienta Rangel (2010) a pertinência do mesmo ao argumento de se evitar acusações injustas, contudo, a sistemática garantista, conforme acima relatado, critica seja o inquérito utilizado para condenação, ainda que de forma oblíqua.

Assim, propõe Rangel (2010), com base em anteprojeto de lei do artigo 399 do Código de Processo Penal, fossem os procedimentos investigatórios desapensados do processo quando o juiz recebesse a denúncia, o que não se concretizou.

 CONCLUSÃO

A base para identificar o processo penal, notadamente no bojo do Código de Processo Penal, como sendo de natureza acusatória é que se observem exclusivamente nos princípios constitucionais.

Nesse influxo, verifica-se que até os princípios exclusivamente processuais penais mantém relação com os princípios constitucionais.

Por todo exposto no presente trabalho verificou-se que há prejuízo ao acusado relativamente aos princípios do processo penal haja vista a possibilidade do magistrado interferir no curso do processo como fosse um ator, tarefa esta, dada, em regra, ao Ministério Público. Tal afirmação pode ser constatada ao se analisar o crescente contingente carcerário por aqueles que sequer deveriam estar presos.

Nos anexos encontram-se casos concretos onde foram os acusados absolvidos por não haverem provas robustas a fim de sustentar o édito condenatório. Todavia, a regra do Código de Processo Penal autoriza o magistrado condenar com base nas provas colhidas em sede inquérito, onde não há o devido processo legal e seus consectários.

O garantismo penal não pode ser analisado apenas do ponto de vista de uma mera paridade de armas. Se um gigante lutar contra um adolescente e ambos usam a mesma arma e armadura, facilmente o gigante vencerá o duelo. Se, contudo, o mancebo utilizar-se de um simples estilingue terá mais chances de vencer a batalha por ter maior habilidade com esta arma. 

Esta é a narrativa bíblica para a batalha entre Davi e o gigante Golias e torna-se adequada analogia para entender o processo penal, quando o Estado, representado pela figura de Golias digladia com o pequeno e frágil Davi, que é o indivíduo.

A proposta do garantismo penal vem para reforçar os princípios elencados pela Constituição, senão vejamos o que diz Ferrajoli (2012, p. 45):

Os princípios constitucionais – em especial aqueles que enunciam direitos – são normas prescritivas, que não podem ser neutralizadas por princípios ético-políticos de criação legislativa e, muito menos, jurisprudencial, mas vinculante para todos os poderes públicos.

Assim, fica patente que a solução para promoção dos princípios acima relatados, na relação processual, mister apego dos juízes à hermenêutica e à lei, especialmente a Constituição Federal.

Daí denota-se que o garantismo constitucional rechaça de seu bojo a invenção de princípios sequer reconhecidos implicitamente no texto constitucional, devendo o magistrado balizar sua decisão com os princípios, especialmente os constitucionais.

Mais a mais, o garantismo visa ser nova fonte de interpretação do ordenamento jurídico, pautando-se nos princípios e regras eleitos pela Constituição.

A preocupação de um ilibado garantismo está intimamente ligada no princípio que serve como fundamento da República do Brasil, a saber, a dignidade da pessoa humana.

Por todo conjunto aqui exposto, percebeu-se que para haver real separação entre o órgão julgador e acusador, assim como sugerido pelo garantismo, deve ser ignorada a aplicação de regras do Código de Processo Penal que sugerem um juiz-ator, ou seja, juiz-inquisidor, especialmente àquelas relativas à formação da justa causa, conforme visto acima.

Portanto, confere-se maior responsabilidade ao órgão acusador em diligenciar provas suficientes para sustentar eventual acusação, sem participação do órgão julgador.

Trata-se de interpretação garantista do Código de Processo Penal, haja vista a adoção de princípios do sistema acusatório taxados na Constituição Federal.

Assim, se conclui que os princípios nada mais são senão um reforço dos ideais, objetivos, princípios e regras abraçados pela Constituição Federal, norma maior do país.

 

REFERÊNCIAS

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ANEXO A

 

PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO - IMAGENS CAPTURADAS POR FILMAGEM - BAIXA QUALIDADE E RESOLUÇÃO - DEPOIMENTOS POLICIAIS ISOLADOS. 1. AINDA QUE O DEPOIMENTO PRESTADO POR POLICIAIS SE REVISTA DO MAIS ALTO GRAU DE CONFIABILIDADE, UMA VEZ QUE SE TRATA DE AGENTE PÚBLICO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES E POR ISSO SUAS DECLARAÇÕES GOZAM DA PRESUNÇÃO DE VERACIDADE, IN CASU O TEOR DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS NÃO COMPARECEM SUFICIENTES PARA ALICERÇAR O DECRETO CONDENATÓRIO, POIS SE ENCONTRAM DISSOCIADOS DOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. 2. NÃO POSSUINDO O JUIZ PROVAS SÓLIDAS PARA A FORMAÇÃO DO SEU CONVENCIMENTO, SEM PODER INDICÁ-LAS NA FUNDAMENTAÇÃO DA SUA SENTENÇA, HÁ DE PREVALECER O PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO, MÁXIME QUANDO POR OCASIÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE NÃO SE TENHA APURADO QUALQUER ELEMENTO QUE FIZESSE PRESUMIR ESTIVESSE O RÉU A COMETER A GRAVE CONDUTA TÍPICA QUE LHE FOI ATRIBUÍDA, SENDO AINDA CERTO QUE AS IMAGENS CAPTURADAS POR FILMAGEM EM NADA COMPROMETEM O RÉU. 3. RECURSO IMPROVIDO. TJ-DF - APR: 932870420078070001 DF 0093287-04.2007.807.0001, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 10/09/2009, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 30/09/2009, DJ-e Pág. 114.

Disponível em <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5427964/apr-apr-932870420078070001-df-0093287-0420078070001> , visto em 05/12/2015 às 15:16 horas.

 

ANEXO B

 

APELAÇÃO - FURTO QUALIFICADO - PROVAS INSUFICIENTES A DEMONSTRAR A AUTORIA - DEPOIMENTO ISOLADO DE TESTEMUNHA PRESTADO SOMENTE NA FASE POLICIAL - ABSOLVIÇÃO - NECESSIDADE. A interpretação pretérita do princípio da livre apreciação da prova, norteava a faculdade do Julgador em constituir um édito condenatório avalizado tão somente pelo conteúdo probatório angariado no Inquérito Policial, contudo, vigendo a Lei 11.690/2008, essa visão mudou, conquanto, pela dicção do artigo 155 do Código de Processo Penal, com nova redação dada pela mencionada lei, é vedado ao Julgador se escoltar em exclusiva prova encartada na fase policial, ou seja, a necessária valoração desta se dará, porém, se for revigorada sob a indispensável projeção do contraditório e ampla defesa. O Julgador não pode se amantar apenas por "indícios", posto que as consequências de uma carga condenatória gera distintivos extremamente negativos e perpetuamente indeléveis à pessoa do condenado. Recurso provido.

TJ-MG - APR: 10145084709230001 MG , Relator: Amauri Pinto Ferreira (JD CONVOCADO), Data de Julgamento: 05/12/2013, Câmaras Criminais / 7ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 13/12/2013 disponível em <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/118513402/apelacao-criminal-apr-10145084709230001-mg> , visto em 05/12/2015 às 15:16 horas.

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO - ABSOLVIÇÃO - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - DEPOIMENTO POLICIAL ISOLADO NOS AUTOS - AUSÊNCIA DE PROVA JUDICIALIZADA ACERCA DOS FATOS - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO" - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. - Se a prova judicializada consiste no depoimento de apenas um policial, quando poderia a acusação diligenciar na produção de outras provas, o melhor é manter a absolvição abraçada na sentença, com base no princípio "in dúbio pro reo". (TJ-MG - APR: 10570120003233001 MG , Relator: Amauri Pinto Ferreira (JD CONVOCADO), Data de Julgamento: 20/05/2015, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 27/05/2015.)

ANEXO C

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. INSTAURAÇÃO. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. TESTEMUNHA. RATIFICAÇÃO DO DEPOIMENTO PRESTADO NO INQUÉRITO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA FICTA. NÃO EQUIPARAÇÃO AO CRIME HEDIONDO. REGIME INICIAL. I - O pedido de instauração de incidente de insanidade mental, se formulado apenas após o julgamento de recurso pelo Tribunal, deve ser feito pela via da revisão criminal, e não diretamente ao juízo de primeira instância, que, ao indeferi-lo, não submeteu o condenado a constrangimento ilegal. II - A eventual nulidade verificada na oitiva das testemunhas, mediante a simples leitura do depoimento prestado na fase de inquérito, indagando-se, em seguida, pela confirmação da versão inicial dos fatos, é relativa. Se o defensor do réu, presente na audiência, nada reperguntou, nem levantou qualquer objeção, não há como reconhecer qualquer vício (Precedentes). III - A violência ficta, tanto no atentado violento ao pudor como no estupro, não está arrolada no art. 1º da Lei nº 8.072/90. (Precedentes do STJ). IV - Na determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve-se considerar, além da quantidade de pena aplicada (§ 2º do art. 33 do CP), também as condições pessoais do réu (§ 3º do art. 33 c/c art. 59 do CP). V - Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se a quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto e as circunstâncias judiciais, na determinação da pena base, foram consideradas na r. sentença condenatória como favoráveis ao réu (Precedentes). Writ parcialmente deferido. (STJ - HC: 15385 MG 2000/0142503-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 22/05/2001, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/08/2001 p. 186 LEXSTJ vol. 147 p. 384 RSTJ vol. 150 p. 473)

ANEXO D

Processo : 0006620-40.2012.8.08.0024 (024.12.006620-4)
Petição Inicial : 201200199270
Situação: Tramitando
Ação : Penal Pública Comum
Natureza : Toxicos
Data de Ajuizamento: 23/02/2012
Vara: VITÓRIA - 4ª VARA CRIMINAL 
Distribuição Data: 27/02/2012 17:08
Motivo: Redistribuição por Sorteio
Partes do Processo
Autor MINISTERIO PUBLICO
Réu V. M. J.
999981/ES - DEFENSOR PUBLICO
Vítima AS
Juiz: ROSA ELENA SILVEROL

PROCESSO Nº 024.12.006620-4

S E N T E N Ç A

Vistos etc...

O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de V. M. J., qualificado nos autos, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, da Lei 11.343/06 e art. 244-B, da Lei 8.069/90, na forma do art. 70, do Código Penal.

Narra a denúncia que:

[...] no dia 10 de fevereiro de 2012, por volta das 22 horas e 30 minutos, no beco 05, bairro Ilha do Príncipe, Vitória – ES, o denunciado V. forneceu drogas conhecidas como crack e cocaína (auto de apreensão de fls. 15 e auto de constatação provisório de substância tóxica de fls. 06) a uma adolescente, quando foi visto por Policiais Militares.

Emerge dos autos que Policiais Militares, se dirigiram ao mencionado local, por ser conhecido como onde há imenso tráfico de drogas, pararam em um terreno baldio e ficaram observando a movimentação, escondidos por um muro.

Consta que os Policiais viram o momento em que o denunciado V. forneceu treze pedras da droga conhecida como crack à adolescente Jennifer e esta lhe entregou a quantia de noventa reais em dinheiro, oportunidade em que os abordaram, procederam a busca pessoal e apreenderam a droga em poder da adolescente e o dinheiro em poder do denunciado V., conforme auto de apreensão de fls. 15. [...]”

No Inquérito Policial, iniciado por auto de prisão em flagrante, constam: declarações; Auto de Constatação Provisória de Substância Tóxica (fls. 06); Auto de Apreensão de 12 (doze) pedras de substância similar a crack, 01 (um) papelote de substância similar a cocaína e a quantia de R$ 165,00 (cento e sessenta e cinco reais) em espécie (fls. 15); Boletim Unificado (fls. 18/19); decisão convertendo a prisão em flagrante em preventiva (fls. 47/49).

Oferecida a denúncia (fls. 02), foram determinadas a notificação do acusado para os fins do art. 55 da Lei 11.343/06, a destruição das drogas apreendidas, bem como a requisição dos Laudos Toxicológico, de Lesões Corporais e de Exame Clínico, mantida a prisão cautelar (fls. 04).

Certidão com registro em desfavor do acusado do processo nº 024.110.162.971, desta 4ª Vara Criminal, que o condenou à pena de dois anos e seis meses de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade (fls. 03 e 36).

Laudo de Exame de Lesões Corporais do acusado (fls. 11).

Notificado (fls. 12v.), o acusado apresentou defesa preliminar (fls. 21/28).

Laudo de Exame Químico (fls. 17/19).

A denúncia foi recebida em 17/05/2012 (fls. 30/31) e o acusado citado pessoalmente (fls. 37v.).

Realizada a audiência de instrução e julgamento, o acusado foi interrogado e ouvida 01 (uma) testemunha arrolada pelo Ministério Público e 01 (uma) arrolada pela defesa. O Ministério Público apresentou alegações finais orais, requerendo a condenação do acusado nas iras do art. 33, caput, c/c art. 40, inc. VI, ambos da Lei 11.343/06, com a incidência da agravante de pena da reincidência (fls. 38/40 e 54/60).

A defesa apresentou alegações finais na forma de memoriais, discorrendo de forma pormenorizada acerca das provas existentes nos autos, aduzindo que existem contradições entre elas. Que o depoimento do único policial ouvido em Juízo não é firme o suficiente para a condenação do acusado no tráfico de drogas e, por isso, deve ser aplicado o princípio do In Dubio Pro Reo (fls. 64/71).

É o breve relatório. Fundamento e decido.

Finalizada a instrução, o Ministério Público apresentou alegações finais requerendo a condenação do acusado nas iras do art. 33, caput, com a incidência da causa de aumento do art. 40, inc. VI, da Lei 11.343/06, além da agravante da reincidência.

A defesa, por sua vez, requereu absolvição do acusado com supedâneo no princípio do In Dubio Pro Reo, sustentando que as provas produzidas nos autos não são suficientes à ensejar o édito condenatório pretendido pelo Ministério Público.

A materialidade do tráfico de drogas encontra-se demonstrada no Inquérito Policial pelos Autos de Apreensão (fls. 15), de Constatação Provisória de Substância Tóxica (fls. 06) e de Exame Químico (fls. 17/19), onde os Senhores Peritos atestaram que as substâncias apreendidas contêm benzoilmetilecgonina, conhecida como crack.

Quanto à autoria, vejamos:

Ao ser ouvido pela autoridade policial, o acusado V. negou os fatos, dizendo que os noventa reais que trazia consigo lhe foram entregues pela mãe (fls. 04, do IP). Em Juízo, o acusado V. deu a mesma versão. Vejamos (fls. 39/40):

[...] foi preso perto de sua casa; não conhece a adolescente J. e não viu quando a polícia a apreendeu; estava com R$ 90,00 que sua mãe havia lhe dado para passar o carnaval; não viu apreensão de drogas nesse dia; não sofreu nenhum constrangimento quando prestou depoimento na polícia; confirma o depoimento prestado na fase policial, constante de fls. 04 do IP e esclarece que já viu J. algumas vezes no bairro. […] na ocasião que foi preso estava indo para o carnaval do Sambão do Povo, local onde vários de seus amigos e conhecidos também se encontravam. [...]” (grifei).

Em poder do acusado V., foram apreendidos somente os noventa reais em dinheiro e nada mais, conforme consta do Auto de Apreensão nº 264/2012 (fls. 15, do IP).

Às fls. 61 foi juntada declaração firmada pela genitora do acusado, R. C. M., afirmando que havia dado ao acusado a quantia de noventa reais para ele ir ao carnaval, pois é trabalhador, não é traficante e estava prestando serviços em uma peixaria na Vila Rubim.

A testemunha B. C. R., que acompanhava o acusado no momento da abordagem e prisão, não foi ouvida pela autoridade policial, não se sabe porquê, como ressaltado pela defesa. Ouvida em Juízo, declarou o seguinte (fls. 59/60):

[...] na época dos fatos trabalhava como motoboy; no dia dos fatos tinha acabado de sair da casa de seu irmão e se dirigia ao ponto da Vila Rubim, objetivando ir para a sua casa; encontrou com o acusado na descida do beco da Rua Jurema Barroso; no momento que desciam juntos o beco, foram abordados por uma guarnição da policia; logo após ser abordado o depoente foi liberado, mas não sabe dizer porque o acusado V. ficou preso, podendo afirmar, com certeza, que os dois foram abordados juntos e na mesma ocasião, mas revistados por policias diferentes; apenas o depoente e o acusado estavam andando em conjunto; primeiramente ocorreu a abordagem dos adolescentes logo após foi efetuada a abordagem em relação ao depoente e o acusado; conhece somente uma adolescente moreninha de vista; não tem relacionamento com nenhuma das adolescentes; não viu o acusado portando nenhuma droga; o acusado falou ao depoente que estava indo para o carnaval; o acusado estava de calça jeans e camisa, com roupa normal; o depoente não foi conduzido ao DPJ sendo liberado no mesmo instante da abordagem; presenciou a abordagem em relação ao acusado; conhece o acusado há vários anos; sabe que a mãe do acusado é dona de casa e seu pai pedreiro; não pode afirmar se a mãe do acusado também trabalhava como diarista; o beco onde ocorreu a abordagem é pouco iluminado; não se recorda de quantos policiais era formada a guarnição, podendo somente afirmar que eram mais de dois policiais. […] entre a abordagem do depoente e do acusado e a abordagem das adolescentes, ocorreu um intervalo de dez a quinze segundos, pois foi tudo muito rápido; as primeiras a serem revistadas foram as adolescentes que estavam a uma distância de quatro a cinco metros do depoente e do acusado e depois dessa revista é que o depoente e acusado foram revistados; o depoente não foi colocado junto com as adolescentes para a revista; tem conhecimento que o acusado já foi condenado e cumpriu pena por tráfico de drogas.[...]” (grifei)

No local onde foi feita a abordagem, encontravam-se duas adolescentes, também não ouvidas em Juízo. É certo que as provas indiciárias não têm o mesmo valor probatório daquelas produzidas em Juízo. Apesar disso, em homenagem à busca da verdade real, creio ser interessante transcrever os depoimentos das adolescentes. Vejamos:

... afirma ser usuária de crack há seis meses, informando que na noite de sexta-feira, dia 10/02/2012, por volta das 22 horas, encontrava no bairro Ilha do Príncipe, e no momento em que foi abordada por policiais militares estava andando na companhia de mais três meninas do bairro, e após ter sido revistada foi encontrada escondido em seu bolso da bermuda 12 pedras de crack e 01 papelote de cocaína; que segundo esclarece que o dinheiro apreendido, oitenta reais, era de sua amiga B., e noventa reais, do seu amigo V. M. J.. Que no momento em que foi “enquadrada” pela polícia militar, tinha outras pessoas próximo à declarante, as quais foram dispensadas, ficando apreendida a declarante, que tem 14 anos de idade, e B., também tem 14 anos de idade. Que a droga apreendida pertence à declarante, sendo que B. e V. não levavam drogas consigo; que a declarante não recebeu das mãos de V. drogas e dinheiro, e não entregou dinheiro a V.; que a adolescente infratora nega o fato de ter vendido pedras de crack para a pessoa que encontra-se detida de nome V. M. J..” (declarações da adolescente J. S., fls. 16, do IP).

... na noite de sexta-feira, dia 10/02/2012, por volta das 22 horas, encontrava no bairro estava andando na companhia de mais três meninas do bairro, , e após ter sido revistada nada foi encontrado; que ao revistarem J., no bolso da bermuda dela foi encontrado 12 pedras de crack e 01 papelote de cocaína; que segundo esclarece que o dinheiro apreendido, oitenta reais, era seu, e noventa reais, do seu amigo V. M. J.. Que no momento em que foi “enquadrada” pela polícia militar, tinha outras pessoas próximo a declarante, as quais foram dispensadas, ficando apreendida a declarante, que tem 14 anos de idade, e J., que também tem 14 anos de idade. Que a droga apreendida pertence a J., sendo que a declarante e V. não levava drogas consigo; que não é verdade que J. entregou dinheiro a V..” (declarações da adolescente B. C. S., fls. 17, do IP).

A negativa de autoria do acusado V. tem apoio nas declarações prestadas pela testemunha presencial, B. C., ouvida sob o princípio do contraditório e da ampla defesa. De igual teor, são as informações prestadas pelas duas adolescentes que estavam em companhia do acusado V. no momento da abordagem.

Ditas provas me convenceram que as drogas apreendidas encontravam-se no bolso da adolescente J.. Não existe contradição quanto à isso.

A acusação está sustentada única e exclusivamente no depoimento prestado pelo policial militar J. J. O. J., única testemunha ouvida a requerimento do Ministério Público. Em Juízo, referido policial declarou o seguinte (fls. 57/58):

[...] reconhece o acusado e se recorda dos fatos; estava em patrulhamento de rotina e se dirigiram ao local narrado na denúncia que é conhecido pelo tráfico de drogas; viram grande movimentação de pessoas no local e se esconderam em um terreno baldio para observação; o depoente presenciou quando a adolescente J., uma moreninha, que estava comercializando entorpecentes, se dirigir ao acusado e pegar drogas com ele, também presenciou J. entregando o dinheiro proveniente da venda de drogas para o acusado; além de J. havia outras duas ou três jovens no beco, parecendo que exerciam a função de "olheiras" mas nada de ilícito foi encontrando com elas, que também eram adolescentes; o acusado nunca havia sido abordado pelo depoente; quando houve a transação entre J. e o acusado a policia fez a abordagem, apreendendo a droga em poder de J. e o dinheiro com o acusado; não se recorda se o dinheiro estava em notas trocadas; no momento da abordagem o acusado e a adolescente tentaram despistar dizendo que não estavam cometendo tráfico mas tal situação ficou muito clara para a polícia diante do flagrante; confirma as declarações na fase policial, constante de fls. 02 do IP. […]se recorda que no momento o depoente viu um rapaz passando, salvo engano ele era namorado de uma das adolescentes, fez a abordagem ao tal rapaz mas nada de ilícito foi encontrado em seu poder; que as diligências foram feitas após às dez horas da noite, sendo que o beco onde os fatos aconteceram tinha uma iluminação um pouco fraca; não se recorda se o acusado estava trajando alguma fantasia de carnaval, mas acredita que não, mas se lembra que era noite de carnaval e havia desfile de escolas de samba no Sambão do Povo. […] o depoente estava do outro lado do muro de um terreno baldio, o acusado e as adolescentes estavam no beco, há uma distância de menos de dois metros e viu quando o acusado entregou alguma coisa para a adolescente J. e também viu quando ela entregou o dinheiro ao acusado, mas só foram constatar que era droga, quando abordaram a J. e encontraram as pedras de crack que estavam guardadas no bolso da bermuda que ela usava; e viu quando ela guardou as drogas no bolso da bermuda; dada a curta distância que o depoente encontrava-se das pessoas envolvidas não tinha como não ter certeza do que ocorreu [...]”

É bem verdade que os depoimentos de policiais nos processos criminais são prestigiados pela doutrina e jurisprudência. No entanto, tal prova deve ser analisada à luz das demais produzidas nos autos, uma vez que a simples condição de policial não traz garantia se ser o mesmo considerado infalível em suas ações, especialmente naquelas decorrentes da sua função, exercida, quase sempre, em situação de intenso estresse.

Segundo o policial militar JOEL JOSÉ, o local onde aconteceram os fatos era um beco com iluminação um pouco fraca. Ao mesmo tempo em que disse ter presenciado J. “...se dirigir ao acusado e pegar drogas com ele, também presenciou J. entregando o dinheiro proveniente da venda de drogas para o acusado...” , disse ainda, no mesmo momento em que foi ouvido em Juízo, que “... viu quando o acusado entregou alguma coisa para a adolescente J. e também viu quando ela entregou o dinheiro ao acusado, mas só foram constatar que era droga, quando abordaram J. e encontraram as pedras de crack que estavam guardadas no bolso da bermuda...”.

Como já dito, apesar da credibilidade que deve ser dada ao depoimento de policiais, as declarações prestadas por um único policial ouvido judicialmente neste processo, não são firmes, incontroversas e indenes de dúvidas para sustentar a condenação do acusado V., pois a prova baseada neste depoimento é frágil quanto à autoria. Condenação anterior do réu não interfere nas provas de autoria e materialidade de processo posterior.

É certo que existe uma probabilidade de que os fatos ocorreram como sustentado pelo Ministério Público. Entretanto, no processo criminal tudo deve ser cabalmente provado, sem nenhuma sombra de dúvida, os fatos devem ser realmente esclarecidos, em todos os seus detalhes e circunstâncias, nada pode ser presumido.

Não ausência de certeza quanto à acusação, vigora o princípio do in dubio pro reo.

Acerca da hipótese, o renomado mestre Guilherme de Souza Nucci, na obra Código de Processo Penal Comentado, 7ª edição, pág. 672, recomenda:

Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu – in dubio pro reo. Se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição.”

E assim concluo porque o Código de Processo Penal adota o sistema do livre convencimento motivado do juiz, exceto nos crimes sujeitos ao Tribunal do Júri.

Uma vez que não estou plenamente convencida que o acusado V. estava comercializando drogas ilícitas no momento em que foi abordado e preso, acolho as razões expendidas pela douta defesa porque, como já dito, a dúvida deve sempre beneficiar o réu. Vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - PROVA INSUFICIENTE - ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA PELO APELADO - DEPOIMENTO DE POLICIAIS - INCONCLUSIVOS - DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DA PROPRIEDADE DO ENTORPECENTE - MEROS INDÍCIOS PARA CONDENAÇÃO - INSUFICIENTE - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - MANUTENÇÃO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - RECURSO DESPROVIDO. 1. Em que pese a materialidade do delito restar comprovada, a autoria se mostra duvidosa, diante dos inconclusivos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação e da negativa apresentada pelo apelado e pelo menor que o acompanhava. 2. Muito embora existam sérios indícios da ocorrência do delito, o mesmo não se pode afirmar no que concerne à autoria, tendo em vista que o conjunto probatório se mostra precário em se a droga ¿dispensada¿ da motocicleta pertencia exclusivamente ao apelado ou se este tinha conhecimento de que o menor que o acompanhava a portava. 3. No Processo Penal vigora o princípio segundo o qual, para alicerçar um decreto condenatório, a prova deve ser clara, positiva e indiscutível, não bastando a mera possibilidade acerca do delito e da autoria fundada em indícios. 4. Sendo a prova insuficiente para a demonstração do crime, pois não permite o contexto probatório esclarecer se o réu praticou, ou não, a atividade ilícita, deve militar em seu favor o princípio do in dubio pro reo. 5. Recurso a que se nega provimento.

 

 

DISPOSITIVO

EM FACE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL para ABSOLVER o acusado V. M. J., qualificado nos autos, na forma do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, da imputações que lhe são feitas neste processo.

Expeça-se, imediatamente, ALVARÁ DE SOLTURA.

AUTORIZO a devolução de R$ 90,00 ao V., mediante termo. Os valores apreendidos em poder da B., se depositados à disposição deste Juízo, deverão ser transferidos ao Juízo da Vara da Infância e Juventude.

Sem custas. Após o trânsito em julgado, PROCEDAM-SE às comunicações e ARQUIVEM-SE.

P.R.I.-se.

Vitória, 15 de agosto de 2012

TJES, Classe: Apelação Criminal, 11110058358, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 27/06/2012, Data da Publicação no Diário: 05/07/2012


[1] Vide referências acerca de dados estatísticos.

[2]{C} Vide referências acerca de dados do CNJ.

[3] O aresto aqui referido encontra-se nos anexos do presente trabalho.

[4] A sentença proferida pela juíza do Espírito Santo e arestos aqui referidos encontra-se nos anexos.



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