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Possibilidade jurídica de alimentos no concubinato consentido

Possibilidade jurídica de alimentos no concubinato consentido

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O presente trabalho tem como escopo tratar da possibilidade jurídica de alimentos no concubinato consentido, tendo em vista ser comum essas relações no cotidiano, ao passo que é um tema cada vez mais discutido na jurisprudência.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo o estudo da possibilidade jurídica de alimentos no concubinato consentido. Antes de tudo, é fundamental relatar que o concubinato está previsto no artigo 1727 do Código Civil, sendo que este o define como as relações não eventuais, entre o homem e mulher, impedidos de casar. O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, não reconhece o concubinato como entidade familiar, contudo, verifica-se que relações concubinárias sempre estiveram presentes na sociedade brasileira. Assim sendo, é discutível que a concubina venha receber seu devido reconhecimento, bem como seus direitos. Nesse sentido, este trabalho também procurou enfatizar os requisitos para a concessão de alimentos, visualizando a possibilidade de pensão alimentícia à concubina. Destarte, busca-se analisar a possibilidade de alimentos à concubina, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como do vínculo afetivo e econômico existente entre esta e seu companheiro.

PALAVRAS-CHAVES: Família; Concubinato; Alimentos; Dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT: This article aims to study the legal possibility of food in concubinage consented. First of all, it is imperative to report that concubinage is laid down in article 1727, of the Civil Code, which defines how the relationships between the non-events man and wife, prevented from marrying. The Brazilian legal system, in turn, does not recognize the concubinage as family entity however, it turns out that concubinárias relations have always been present in the Brazilian society. Therefore, it is arguable that the concubine come receive its due recognition, as well as their rights. In this sense, this work also sought to emphasize the requirements for the provision of food, you will see the possibility of alimony to the concubine. Thus, we seek to examine the possibility of food to concubine, on grounds of principle of dignity of the human person, as well as affective and economic link exists between this and his companion.

KEY-WORDS: Family; Concubinage; Food; Human dignity.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Origem da família; 1.1. Espécies; 1.1.1. Família paralela ou simultânea; 1.2. Princípios; 1.2.1. A monogamia na civilização ocidental; 1.2.2. A monogamia para o direito das famílias contemporâneo: princípio ou norma de conduta? 1.2.3. O pluralismo familiar em face da dignidade da pessoa humana; 2. Concubinato no Direito das Famílias: significado e características; 2.1. O concubinato no âmbito jurisprudencial; 2.2. O concubinato no âmbito civil: estudos de casos; 3. Alimentos: requisitos para concessão; 3.1. A dependência econômica e afetiva no concubinato consentido; 3.2. Ruptura do vínculo afetivo x Pensão alimentícia x Prestação compensatória de alimentos; 4. A Posição do STJ; 4.1. Considerações Críticas; 5. Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

     A família é considerada a base da sociedade, eis que a própria Constituição Federal de 1988 a protege, conforme o seu artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

     Nesse raciocínio necessário se faz a compreensão do que seria a família. Consoante entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

        

“Sendo assim, a família é, inegavelmente, a instituição social primária, podendo ser considerada um regime de relações interpessoais e sociais, com, ou sem, a presença da sexualidade humana, com o desiderato de colaborar para a realização das pessoas humanas que compõem um determinado núcleo.” (FARIAS e ROSENVALD, 2008, pág. 9).

     A princípio todo núcleo familiar só poderia ser constituído mediante o matrimônio. Contudo, essa realidade foi se modificando, vez que os casais passaram a se separar, as pessoas começaram a se unirem por outros meios além do casamento. Destarte, o Direito de Família precisou se adequar a essa nova realidade.

     Diante das mudanças nas estruturas familiares da sociedade, a Constituição Federal de 1988 precisou também reconhecer outras entidades familiares, além daquelas já construídas pelo casamento.

Daí ser necessário o reconhecimento das novas entidades, pois é preciso se amoldar a nova estrutura familiar, de acordo com o que a sociedade proporciona e vivencia.

Nessa esteira, surge à figura do concubinato, fenômeno este conceituado pelo Código Civil, em seu artigo 1727: “As relações não eventuais, entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.

Assim sendo, o concubinato é tema de grande repercussão atualmente, pois é constituído por pessoas que são impedidas de casar e ainda assim mantém uma relação estável.

É importante ressaltar que vem sendo discutidos alguns direitos, como pensão alimentícia à concubina, momento em que esta divide direitos com a esposa, o que é indagável se realmente é cabível devida divisão. Com efeito, Tribunais vêm se posicionando quanto ao assunto.

Cumpre ressaltar que o Cartório de Notas de Tupã situado em São Paulo regularizou a união estável de um homem com duas mulheres, visto que este era o desejo das partes. Verifica-se que devida Escritura visou assegurar os direitos desta relação conhecida como união poliafetiva. Assim sendo, segue trecho da referida Escritura:

                                  

"Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade." (2012)[1].

                       

De acordo com a citação supra é perceptível que novas entidades familiares estão cada vez mais presentes na sociedade brasileira e estas requerem seu reconhecimento, bem como a concessão dos seus direitos, respaldando-se, inclusive, pelos princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana. Salienta-se, portanto, a afirmação: “Temos que respeitar a natureza privada dos relacionamentos e aprender a viver nessa sociedade plural reconhecendo os diferentes desejos”. (DIAS, 2012).

Por todo exposto, é de suma importância à análise do concubinato, seu conceito e efeitos jurídicos, assim como é relevante o estudo do direito da pensão alimentícia à concubina, verificando, pois os requisitos necessários, inclusive, a possibilidade da concessão desse direito.

           

1.ORIGEM DA FAMÍLIA

A composição da família antigamente era feita com o desiderato de adquirir patrimônio, ao passo que o vínculo afetivo entre o casal era insignificante. Todavia, esse padrão familiar foi se transformando ao longo do tempo.

Destarte, a família passou a ter novos valores, dando importância, por exemplo, a afetividade de um casal. A família contemporânea visou proteger a dignidade da pessoa humana, e para almejar tal objetivo acolheu a solidariedade e o afeto.

Nesse sentido, a família tradicional que era aquela formada tão somente pelo casamento foi perdendo seu valor e dando espaço à constituição de outras entidades familiares.

1.1. Espécies 

Insta esclarecer primeiramente que o Direito de Família reconhece como espécies familiares: a matrimonial, união estável, homoafetiva, monoparental, parental, pluriparental e eudemonista. Partindo dessa premissa passa-se a analisar cada categoria de família.

     A família matrimonial se caracteriza pela celebração do casamento. É a união do homem e da mulher e, posteriormente o surgimento da prole.

     Essa espécie de família era marcada pelo tipo patriarcal, de modo que o homem era a figura dominante no núcleo familiar. Sendo assim, a mulher era submissa ao seu marido. O casamento era, portanto, algo sublime para a sociedade, sua dissolução era impraticável, ao passo que só era anulado mediante o desquite.

     Contudo, entende-se que o desquite ainda obrigava o casal para com os deveres matrimoniais, sendo proibida a celebração de um novo casamento. Logo, verifica-se a resistência forte do Estado em permitir outros meios de união de um casal a não ser através do matrimônio.

     Embora o Estado combatesse a existência de outras espécies de famílias, tal luta foi em vão, uma vez que as pessoas passaram a se unir sem o vínculo matrimonial, sendo necessária, inclusive, a Lei do Divórcio para controlar a dissolução da sociedade conjugal.

     Nesse sentido, no momento em que a Constituição de 1988 entrou em vigor outras entidades familiares foram admitidas pela Carta Magna, pois esta procurou se adequar ao modo como a sociedade estava vivendo, permitindo, desta forma, as famílias pluralizadas.

     Em razão da necessidade de cumprir as normas e princípios previstos na Constituição Federal de 1988, o Estado passou a reconhecer e, consequentemente proteger outras entidades familiares, como a união estável.            

     Nesse diapasão a união estável corresponde a uma relação entre o homem e a mulher de forma contínua, duradoura, de convivência pública e com animus de constituir família, conforme artigo 1723, do Código Civil. Ademais, deve a lei facilitar sua conversão em casamento. É o que preleciona o artigo 226, §3º, da Carta Magna, “in verbis”:

                                              

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

     Vale ressaltar que na medida em que se tutela a união estável respeita-se o princípio da dignidade da pessoa humana, afinal família está vinculada ao afeto e não somente a relação que advém do casamento. Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald aduz que:

                                

“Por isso, exige-se do ordenamento jurídico o mínimo de coerência para respeitar o elemento afetivo que marca as relações de Direito de Família, conferindo proteção jurídica a todo aquele que compõe uma família, através de qualquer modelo, previsto ou não em lei.” (FARIAS e ROSENVALD, 2008, pág. 377).

        

     Diante da citação supra é inquestionável que as famílias não oriundas do casamento também merecem gozar de proteção estatal, pois um dos valores a serem analisados é o da afetividade do casal e não a maneira pela qual se uniram.

     No que diz respeito à união homoafetiva a problemática era grande, uma vez que o preconceito era marcante perante a sociedade, de modo que não se reconhecia essa união como uma entidade familiar. Contudo, as relações entre pessoas do mesmo sexo também merece guarida. É o que leciona Maria Berenice Dias, nos termos abaixo:

        

“A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (1º,III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana”. (DIAS, 2011, pág. 47).

                                              

     Ora, não resta dúvida quanto à necessidade do reconhecimento das uniões homoafetivas, pois o padrão familiar contemporâneo é também marcado pelas relações entre pessoas do mesmo sexo e estas não podem e nem devem ficar desamparadas.

Assim sendo, o próprio STF já se posicionou acerca do assunto através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277, reconhecendo, portanto, a união homoafetiva como entidade familiar.

A família monoparental, por conseguinte, é aquela constituída pelo pai ou pela mãe e seus descendentes. Possui previsão no artigo 226,§4º, da Constituição Federal, conforme abaixo:

                                  

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

                                              

     É notória a existência da família monoparental nos dias atuais, pois é bastante comum a formação da entidade familiar por uma mãe e seus filhos, bem como do pai e seus filhos, já que há o divórcio, a morte que proporciona o (a) viúvo (a), adoção, fertilização assistida. Todos esses fatores contribuem para estrutura desta família.

A família parental, por sua vez, diz respeito à união entre pessoas com parentesco ou não, sendo a intenção de constituir família, ao passo que também há a comunhão dos esforços. Assim, é bem cabível seu reconhecimento como entidade familiar.

A título de exemplo pode ser considerada como família parental aquela constituída por dois irmãos, que nesse caso, embora sejam parentes, não o são pela linha de descendentes ou ascendentes. Pode-se ainda ser apontada como padrão desta espécie familiar a convivência entre primos.

     Comumente presentes são as famílias pluriparentais na sociedade, vez que é nitidamente real a separação de casais, e, por conseguinte a junção destes com outras pessoas. De forma clara, geralmente o casal que se separa possui filhos, posteriormente o homem ou a mulher se uni com outra pessoa que também já possui filhos. Toda essa união considera-se família pluriparental.

     Nesse diapasão é o entendimento de Maria Berenice Dias quanto a esta espécie de família: “As famílias pluriparentais são caracterizadas pela estrutura complexa decorrente da multiplicidade de vínculos, ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de interdependência”. (2011, pág. 50).

     Assim, a família pluriparental corresponde à quebra de um laço familiar, formando, posteriormente, um novo vínculo.

     Por fim, a família eudemonista está atrelada a afetividade. É nesse sentido que a douta Maria Berenice Dias afirma que: “A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca”. (2011, pág. 55).

1.1.1. Paralela u simultânea 

                                     

     A família paralela é definida pela presença de um dos cônjuges em mais de uma família, ou seja, uma pessoa casada que mantém relação com outra pessoa. Esses relacionamentos paralelos sofrem repúdio perante a sociedade. Contudo, a sua existência é enorme e, portanto, merece proteção pelo Direito Civil.

     Consoante entendimento de Maria Berenice Dias: “Negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade”. (2011, pág. 51).

     Ora, como bem salientou Maria Berenice a família paralela faz a jus ao seu reconhecimento, pois negar a sua existência é não se condizer com a sociedade brasileira, é também impedir a concessão de possíveis direitos.

     Entende-se que a família paralela confronta o princípio da monogamia, visto que há a presença, por exemplo, de um casamento paralelo à união estável. Nesse diapasão, surge o concubinato, este que é considerado como uma família paralela. 

     Assim, o entendimento do TJ/RS foi no sentido de reconhecer a união estável paralela ao casamento. Conforme os autos, o réu mantinha dois relacionamentos, um era o casamento e o outro era uma união estável, sendo que esta era consentida pela esposa. Segue abaixo a ementa:

           

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. Se mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente caracterizada nos autos, procede o reconhecimento da sua existência, paralela ao casamento. Sobre os bens dos companheiros, sendo um casado, não há meação da autora, mas sim, devem ser divididos em três partes, cabendo à companheira uma das partes. Precedentes. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70029112687, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 02/07/2009).

                       

     Além disso, no inteiro teor do processo acima, o desembargador responsável pelo julgamento aduz que:

                           

“A prova dos autos, portanto, é favorável à pretensão da autora, e é suficiente para a configuração da união estável pretendida, ainda que paralela ao casamento do companheiro, porque na verdade, está-se diante de uma entidade familiar concomitante ao casamento que merece proteção do Estado, porque o falecido publicamente convivia maritalmente também com a companheira, a qual também apresentava como esposa perante a sociedade”. (Apelação Cível Nº 70029112687, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 02/07/2009).

     Desta forma, resta clara a possibilidade de relações paralelas, visto que um membro de uma família consegue manter vínculo afetivo com outra pessoa e, esta nova relação também merece reconhecimento.

1.2. Princípios 

Os princípios são imprescindíveis no ordenamento jurídico brasileiro, visto que são alicerces nas decisões proferidas pelos Tribunais, da mesma maneira que são utilizados nos posicionamentos doutrinários.  

Deste modo, é relevante destacar os princípios para Ronald Dworkin citado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco: “Os princípios, como delineados por Dworkin, captam valores morais da comunidade e os tornam elementos próprios de um discurso jurídico”. (2011, pág.85).  

Corroborando o entendimento acima, é patente a utilização dos princípios, visto que estes são dotados de valores e em sua maioria estão presentes na Constituição Federal de 1988, devendo ser respeitados e cumpridos.  

Ressalta-se, ainda, que os princípios são “a chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais”, conforme a concepção de Robert Alexy citado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. (2011, pág. 85).

Destarte, verifica-se que os princípios devem ser aplicados, uma vez que possuem o condão de solucionar os problemas sociais, concedendo, desta maneira, direitos aos indivíduos.

1.2.1A monogamia na civilização ocidental  

 A monogamia é traço marcante da civilização ocidental. Antigamente a estrutura familiar da sociedade era a existência de um homem, uma mulher e seus filhos. O casamento, portanto, estava associado à monogamia. Todavia, como já foi visto esse padrão foi se modificando ao longo do tempo, se adaptando com as necessidades da sociedade em cada época.

Na medida em que se discutem direitos da concubina, indaga-se a presença neste momento da violação ao princípio da monogamia.

A monogamia remete a ideia de que o individuo só pode ser casado com uma única pessoa. Deste modo, a bigamia é considerada crime nos termos do artigo 235, do Código Penal, de modo que se uma pessoa já casada contrair matrimônio novamente como outra, nulo será o casamento.

Assim, o concubinato em tese estaria violando a monogamia, pois a pessoa já é casada e está mantendo uma relação amorosa com outra, que de forma pejorativa é considerada amante.

Conforme o entendimento de Maria Berenice Dias: “A monogamia é considerada função ordenadora da família. [...]. Mas a uniconjugalidade não passa de um sistema de regras morais, de interesses antropológicos e psicológicos, embora disponha de valor jurídico.” (2011, pág. 60).

     Ao esmiuçar a citação acima, se verifica que doutrinadores, como Maria Berenice, criticam a monogamia, demonstrando, que esse princípio está vinculado tão somente a um conjunto de regras, mas é levado em consideração devido ao conteúdo jurídico que possui. Ademais, devida doutrinadora aduz que a monogamia não é em si um princípio, mas sim um organizador da sociedade. 

Por isso mesmo, afirma Engels acerca da monogamia que:

                                  

“Quanto à mulher legítima, exige-se dela que tolere tudo isso e, por sua vez, guarde uma castidade e uma fidelidade conjugal rigorosa. É certo que a mulher grega da época heroica é mais respeitada que a do período civilizado; todavia, para o homem, não passa, afinal de contas, da mãe de seus filhos legítimos, seus herdeiros, aquela que governa a casa e vigia as escravas - escravas que ele pode transformar (e transforma) em concubinas, à sua vontade. A existência da escravidão junto á monogamia, a presença de jovens e belas cativas que pertencem de corpo e alma, ao homem, é o que imprime desde a origem um caráter específico à monogamia que é monogamia só para a mulher, e não para o homem. E, na atualidade, conserva-se esse caráter”. (ENGELS, 1984, pág.67)

                                  

     Corroborando o entendimento acima estaria o concubinato violando realmente o princípio da monogamia? A monogamia não seria apenas uma regra que almeja ser seguida em razão da civilização ocidental?

Ao longo do trabalho serão discutidas as indagações acima apresentadas.

1.2.2 A monogamia para o Direito das Famílias contemporãneo: princípio ou norma de conduta?

Prima face essencial é a compreensão do que sejam princípio e norma de conduta.

Assim, os princípios para Robert Alexy citado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco: “Princípios são normas que ordenam algo seja realizado na maior medida, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Os princípios são por isso mesmo, comandos de otimização”. (2011, pág. 85).

Na mesma senda, as normas na percepção de José Afonso da Silva:

                                  

“Normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem”. (SILVA, 2010, pág.91)

Entende-se que a monogamia já foi superada como um princípio do Direito de Família, visto que é tão somente um valor oriundo das civilizações ocidentais. Diante dos novos paradigmas das entidades familiares reconhecidas pela Constituição Federal de 1988, a monogamia não pode ser um embate para aquisição dos direitos.

O advogado Marcos Alves da Silva defendeu como tese de doutorado a superação do princípio da monogamia, afirmando, inclusive, que: “A monogamia se justifica como norma protetora da conjugalidade matrimonializada e institucionalizada na qual o viés da dominação masculina é inegável”. (2012).

Dessa forma, a monogamia vislumbra a ideia de uma norma cujo intuito é preservar as entidades familiares e não necessariamente um princípio que deve ser seguido.

Assim sendo, Maria Berenice Dias afirma que:

                       

“Pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos. Por exemplo, quando há simultaneidade de relações, simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou, pior, a ambos os relacionamentos, sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel.” (DIAS, 2011, pág. 61).

Diante o exposto, é notória que a monogamia é tão somente uma norma de conduta, de modo que sua existência é um meio de direcionar as estruturas da família, impossibilitando, desta forma, a constituição de outras entidades familiares.

1.2.3 O pluralismo familiar em face da dignidade da pessoa humana 

O pluralismo familiar é marcado pela existência de diversas entidades familiares, sejam elas formadas ou não pelo casamento. Como já exposto, o pluralismo tem ampla proteção estatal, uma vez que a Constituição Federal de 1988 já disciplinou acerca do assunto.

Nesse passo, relevante é o entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, que se posicionam com o seguinte: “Ademais, ao reservar “especial proteção do Estado” ao núcleo familiar, o Texto Constitucional deixa antever que o pano de fundo da tutela que lhe foi emprestada é a própria afirmação da dignidade da pessoa humana”. (2008, pág. 79).

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal. A dignidade da pessoa humana é algo sublime, sendo sua proteção de forma máxima pelo Estado.  

Segundo Maria Berenice Dias:

                       

“O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território.” (DIAS, 2011, pág. 63).

                                  

     Isto posto verifica-se que a dignidade da pessoa humana deve ser sempre respeitada, como foi exposto na citação acima o Estado deve agir de forma positiva e negativa, concedendo sempre uma vida digna aos seus cidadãos.

     Assim sustenta Ingo Sarlet, conforme citação por Hélida Crosara:

                                  

“A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (CROSARA, 2005).

Nesse contexto, necessário o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ocorrer à atribuição também de direitos que proporcionem a sobrevivência e uma vida digna a qualquer pessoa, até mesmo quando se tratar de concubina. Seres humanos não podem ficar desamparados, vez que a sua dignidade é eminente perante a Constituição Federal, esta que visa atender as necessidades da sociedade e, por excelência consentir o respeito aos seus princípios.  

Para concluir, pertinente considerar a posição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

                                  

“Ou seja, a proteção do núcleo familiar deverá estar atrelada, necessariamente à tutela da pessoa humana, através dos (democráticos) princípios gerais da Carta Magna. Por isso, a proteção ao núcleo familiar tem como ponto de partida e de chegada a tutela da própria pessoa humana, sendo descabida (e inconstitucional!) toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem, sob o pretexto de garantir proteção à família”. (FARIAS e ROSENVALD, 2013, pág.780).

                       

Desta forma, é manifesto que ao proteger a família deve-se o respeito à dignidade da pessoa humana. Logo, a violação a este princípio é também deixar de resguardar uma entidade familiar, pois a proteção desta vincula-se ao próprio individuo.

2. CONCUBINATO NO DIREITO DAS FAMÍLIAS: SIGNIFICADO E CARACTERÍSTICAS

Imprescindível se faz conceituar o concubinato. “Etimologicamente, concubinato significa comunhão de leito. É de origem latina cum(com), cubare(dormir), concubinatus, significando o estado de mancebia, a companhia da cama”. (FARIAS e ROSENVALD, 2008, pág.388).  

Devido fenômeno está previsto no artigo 1727, do Código Civil. “O concubinato, assim, diz respeito à união, de índole afetiva, entre um homem e uma mulher, sem casamento”. (FARIAS e ROSENVALD, 2013, pág. 521).

A doutrina anteriormente a Constituição Federal de 1988 classificava o concubinato como puro e impuro. O puro era considerado aquele em que o casal tinha a opção de casar, mas não realizava o matrimônio. Enquanto o impuro abarcava as pessoas impedidas de casar. O impedimento encontrado na relação de concubinato é em razão de um dos indivíduos já ser casado.

Todavia, com o advento da Carta Magna o concubinato puro já não era mais assim considerado, já que restava claro a sua classificação como união estável. Destarte, o concubinato passou a ser denominado apenas como impuro. 

Ademais, importante definir o concubinato consentido, este é compreendido pelo conhecimento da pessoa casada no que diz respeito ao seu parceiro manter uma relação estável com outra. Logo, há o consentimento das partes sobre as relações existentes.

Embora o concubinato não tenha proteção expressa pelo Código Civil, são notórios os efeitos jurídicos que devida relação poderá ocasionar. No entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:                             

“Tais efeitos patrimoniais do concubinato, por óbvio, dependem da prova efetiva pelo interessado da existência de colaboração recíproca e da aquisição patrimonial e decorrerão mesmo quando um dos concubinos é casado e convive com o seu cônjuge”. (FARIAS e ROSENVALD, 2008, pág. 389).

                                  

A problemática é justamente essa. É viável que a concubina que tem uma relação duradoura, assim como o laço afetivo e econômico tenha os mesmos direitos que a cônjuge? Como enquadrar o concubinato no Direito de Família se não há proteção pelo Código Civil? Não estaria violando o princípio da monogamia?

Entende-se que embora haja um desprezo ao concubinato não se pode negar a sua existência. Eis que Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald lecionam:

                                              

“Realmente, vivenciamos uma fase de necessária reflexão (imparcial e não passional) sobre o concubinato, com uma visão menos preconceituosa e mais técnica. Levando em conta o caráter afetivo das relações familiares, não se pode renegar efeitos jurídicos a uma realidade fática afetiva, envolvendo pessoas humanas”. (FARIAS e ROSENVALD, 2013, pág. 525).

                                              

Ademais, o concubinato sempre esteve presente na história da humanidade. Verifica-se que estas relações sempre existiram e a tendência é ainda permanecerem na sociedade. Desde a colonização há o concubinato em detrimento da estada dos índios no Brasil, que a depender da tribo permitia a poligamia. Mas não é só, durante o período da Idade Média também havia o concubinato, vez que os senhores renomados podiam praticar a poligamia.

Ora, resta clara a presença do concubinato durante a história, bem como na sociedade contemporânea, sendo preciso, portanto, uma devida regulamentação para essas uniões. Assim, a visão em relação ao concubinato vem atualmente se alterando, vez que já se discute nos Tribunais a questão da possibilidade da pensão alimentícia à concubina.

2.1. O concubinato no âmbito jurisprudencial 

Diante o exposto, conclui-se que como não há pela legislação brasileira soluções acerca do concubinato consentido e, por conseguinte os direitos inerentes à concubina são de preocupação dos Tribunais, cabendo a estes decidir e prestar a tutela necessária.

Nesse sentido, diversos julgados reconhecem a relação do concubinato. Como exemplo tem-se a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2008 – Apelação cível n° 1.0017.05.016882-6/003, relatora a Desembargadora Maria Elza. Segue abaixo a ementa:

“DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro.” (TJ/MG, Ac.unân.5ªCâm.Cív., ApCív. 1.0017.05.016882-6/003 – comarca de Almenara, rel. Des. Maria Elza, j.20.11.08, DJMG 10.12.08).

Assim,  de acordo com o caso contreto, resta clara que a jurisprudência vem se posicionando de forma a reconhecer as uniões dúplices. O julgado em questão demonstrou a afetividade do casal, a relação duradoura e, por isso a relação, mesmo que de concubinato, merece o devido reconhecimento, assim como é cabível à concubina pleitear pelos seus direitos após o término da união estável.

Ademais, a Súmula 159, do Superior Tribunal de Justiça alude que: “É legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos”.

Mais uma vez está configurada a possibilidade de reconhecimento da relação paralela ao casamento, de modo que a Súmula acima exibida permite a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira.

Ora, por mais que haja um embate quanto à proteção do concubinato, percebe-se que os Tribunais vêm decidindo acerca do assunto de forma favorável. As decisões proferidas pelos Tribunais visam demonstrar a necessidade do reconhecimento da união estável paralela ao casamento, ou seja, da existência do mesmo cônjuge em duas famílias.

Ademais, as decisões estão no sentido de certificar que devidas uniões são oriundas de relações de amor, cuidado, dedicação, presenciando, desta forma, o afeto, este que é elemento fundamental para a admissão do concubinato. Diversos julgados[2] reconhecem a relação paralela, àquela concomitante ao casamento, existindo um vínculo familiar.

Assim é a sabedoria do TJ/RS:

    

Ementa: EMBARGOS INFRINGENTES. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. RECONHECIMENTO. Ainda que o falecido não tenha se separado de fato e nem formalmente da esposa, existindo a convivência pública, contínua, duradoura e o objetivo de constituir família com a companheira, há que se reconhecer a existência da união estável paralela ao casamento. O aparente óbice legal representado pelo § 1º do art. 1723 do Código Civil fica superado diante dos princípios fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, principalmente os da dignidade e da igualdade. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA.(SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70020816831, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator Vencido: Ruy Ruben Ruschel, Redator para Acordão: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 14/09/2007).

Partindo de tal premissa, negar o direito à concubina é, sem dúvidas, prejudicá-la, pois de acordo com o julgado acima, embora haja o casamento, a união estável também estava presente, tendo em vista o cumprimento dos requisitos. E como bem salientou o julgado, é preciso também obedecer aos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana.

Mas não é só. De forma sábia são as palavras de Luciano Figueiredo: “Ocorre que, faticamente, as relações extraconjugais persistem, muitas das vezes com estabilidade e afetos comprovados, demandando estudo pelos operadores do direito acerca de seus efeitos”. (s/d).

Desta forma, devem ser considerados os aspectos da estabilidade e do afeto supracitados na relação do concubinato para que esta união seja protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Isto posto é perceptível o reconhecimento pelos Tribunais acerca da união estável paralela ao casamento, como foi exposto nos julgados acima.

2.2. O concubinato no âmbito civil: estudo de casos

A questão do concubinato é por muito controvertida. O Código Civil não o resguarda, não o considera como entidade familiar. Sendo assim, o concubinato não possui a proteção pelo Direito de Família.

Contudo, o Código Civil é omisso, vez que a realidade familiar atualmente vive com a presença do concubinato. Pessoas que são casadas, mas que possuem relação fora do matrimônio faz parte do cotidiano.

A relação de concubinato sempre se manifestou de forma proeminente no Brasil, embora antigamente houvesse o casamento como requisito essencial para reconhecimento da entidade familiar e a impossibilidade de divorciar dificultasse essas relações. 

Nesse sentido, diversos casos chegam aos Tribunais constatando o quanto comum é a relação do concubinato, conforme os termos abaixo:

"Namorar homem casado pode render indenização devida pelo período do relacionamento. Durante 12 anos, a concubina dividiu o parceiro com a sua mulher ‘oficial’. Separado da mulher, o parceiro passou a ter com a ex-concubina uma relação estável. Na separação, cinco anos depois, ela entrou com pedido de indenização. Foi atendida por ter provado que no período do concubinato ajudou o homem a ampliar seu patrimônio. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fixou indenização de R$ 10 mil. Para o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, relator da matéria, deve haver a possibilidade do concubino ganhar indenização pela vida em comum. ‘Não se trata de monetarizar a relação afetiva, mas cumprir o dever de solidariedade, evitando o enriquecimento indevido de um sobre o outro, à custa da entrega de um dos parceiros’, justificou. O casal viveu junto de 1975 a 1987, enquanto o parceiro foi casado com outra pessoa. Depois, mantiveram união estável de 1987 a 1992. Com o fim da união, ela ajuizou ação pedindo indenização pelo período em que ele manteve outro casamento. A mulher alegou que trabalhou durante os doze anos para auxiliar o parceiro no aumento de seu patrimônio e, por isso, reivindicou a indenização por serviços prestados. O desembargador José Carlos Teixeira Giorgis entendeu que a mulher deveria ser indenizada por ter investido dinheiro na relação. Participaram do julgamento os desembargadores Luis Felipe Brasil Santos e Maria Berenice Dias". (STOLZE, 2008).


 

     Conforme exposto no caso acima, os desembargadores alegaram a existência da relação dupla e, por conseguinte o esforço comum que proporcionou o crescimento do patrimônio do casal. Destarte, a concubina como também contribuiu para o enriquecimento do seu companheiro, o Tribunal, de forma acertada decidiu pelo reconhecimento da relação, bem como da indenização à concubina, em nome da solidariedade.

Assim também é o entendimento do TJ/RS:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO PARALELO AO CASAMENTO. As provas carreadas aos autos dão conta que o de cujus, mesmo não estando separado da esposa, manteve união estável com a autora por mais de quarenta anos. Assim, demonstrada a constituição, publicidade e concomitância de ambas as relações familiares, não há como deixar de reconhecer a união estável paralela ao casamento. APELOS NÃO PROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70024936122, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 04/09/2008).

     No mesmo diapasão, é a decisão do desembargador Ricardo Raupp Ruschel do TJ/RS:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AUTORIZA O RECONHECIMENTO. SENTENÇA QUE MERECE MANTIDA. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. PEDIDO DA AUTORA PARA SER NOMEADA COMO ADMINISTRADORA DOS BENS DO ESPÓLIO. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO. O PEDIDO DA AUTORA ENVOLVE QUESTÕES QUE DEVEM SER LEVANTADAS, DISCUTIDAS E DECIDIDAS NOS AUTOS DO INVENTÁRIO DOS BENS DEIXADOS PELO FALECIDO. Demonstrado que, mesmo não estando separado de fato da esposa, o falecido viveu por mais de cinqüenta anos em união afetiva com a autora, resta configurada a união estável paralela ao matrimônio, com todos os requisitos legais pertinentes. Agravo retido e Recurso de apelação desprovidos. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70028251171, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 14/10/2009).

           

     Ora, mais decisões de Tribunais que reconhecem a união estável paralela ao casamento. No presente caso, embora exista um casamento, o falecido manteve uma relação extramatrimonial, esta não poderia deixar de ser reconhecida, pois os requisitos para sua concessão estavam presentes.

3. ALIMENTOS: REQUISITOS PARA CONCESSÃO

Alimentos são proventos adquiridos em razão da necessidade de manter a dignidade da pessoa humana, ou seja, o alimentando recebe os alimentos para que destes possa ter sua própria subsistência.

É o que preleciona o artigo 1695, do Código Civil, “in verbis”:

“Artigo 1695. São devidos os alimentos quando quem os prende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

Ademais, os alimentos impõe uma obrigação, de modo que o alimentante não pode deixar o alimentando ao ermo, pois este depende daquele para realizar o essencial à vida de um ser humano, como alimentação, vestuário, assistência médica, educação, moradia, entre outros.

Insta esclarecer que o Estado possui o dever de alimentar. Contudo, não é racional que apenas o ente estatal tenha essa obrigação, até mesmo porque não conseguiria suprir todas as necessidades dos seres humanos. Nesse sentido, cabe aos familiares também o dever de proporcionar os alimentos.

Destarte, compreende-se que em um término de qualquer entidade familiar haverá o ônus de alimentar. Assim, Maria Berenice Dias afirma que:

           

“O encargo alimentar decorrente do casamento e da união estável tem origem no dever de mútua assistência, que existe durante a convivência e persiste mesmo depois de rompida a união. Cessada a vida em comum, a obrigação de assistência cristaliza-se a modalidade de pensão alimentícia”. (DIAS, 2011, pág. 514).

     Nesse passo, para a concessão dos alimentos é necessário cumprir os seguintes requisitos: necessidade, possibilidade, proporcionalidade e reciprocidade.

Verifica-se que para a concessão dos alimentos é preciso que o alimentando comprove sua necessidade em recebê-los, ao passo que também é necessário a análise sobre a situação financeira do alimentante. Nessa esteira, há um equilíbrio, de modo que a fixação dos alimentos será realizada com base na necessidade daquele que precisa e as condições financeiras daquele que irá prestar os alimentos.

Além disso, também é preciso averiguar a proporcionalidade, momento em que devem ser levadas em consideração as necessidades do alimentando, cabendo a este receber os alimentos de acordo com o que é essencial, evitando, assim, o enriquecimento ilícito.

Por fim, tem-se a reciprocidade, requisito este que possibilita o alimentante, se um dia precisar receber também alimentos. Tudo dependerá da condição financeira de cada qual, em nome da solidariedade, aquele que dispor de mais recursos deve ajudar aquele que não tem meios suficientes para sua sobrevivência.

     Deste modo, é o entendimento de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald nos termos abaixo: “Em qualquer hipótese, os alimentos devem viabilizar para o credor uma vida digna, compatível com sua condição social, em conformidade com a possibilidade do devedor de atender ao encargo.” (2008, pág. 635).

3.1. A dependência econômica e afetiva no concubinato consentido

Como já mencionado no presente trabalho, o concubinato é a relação de uma pessoa com outra que já é membro de uma família, logo é casado. Assim, o preconceito para com a concubina é exorbitante e, o repúdio diante da sociedade é tamanho. À vista disso, a concubina fica praticamente sem direitos. Contudo, este tipo de relacionamento é constante e por isso merece proteção do ordenamento jurídico. 

É notório que a concubina, apesar de manter um relacionamento com uma pessoa casada, dedica anos de sua vida em função do seu companheiro, muitas vezes depende financeiramente deste. Mas não é só, há também o elo afetivo entre o casal. Todos esses fatores precisam ser levados em consideração, de forma a conceder os devidos direitos à concubina.

Além disso, é manifesto que o afeto também produz efeitos jurídicos. Na lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: “Dessa forma, afirma-se a importância do afeto para a compreensão da própria pessoa humana, integrando o seu “eu”, sendo fundamental compreender a possibilidade de que dele (do afeto) decorram efeitos jurídicos, dos mais diversos possíveis.” (2013, pág.71).

É bem verdade que a fidelidade é tutelada pelo Direito, vez que o artigo 1566, do Código Civil menciona como dever dos cônjuges a fidelidade recíproca. Todavia, são conhecidos os inúmeros casos de infidelidade no Brasil. Assim, é a notícia extraída do site da Rede Globo:

“As mulheres avançam, é verdade. Mas homens ainda reinam absolutos. A traição é em dobro: para cada mulher que trai, há dois homens sendo infiéis. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que um dos índices menores é o do Paraná, mas é onde 43% dos homens já traíram. Em São Paulo, 44%. Em Minas Gerais, 52%. No Rio Grande do Sul, 60%. No Ceará, 61%. Mas os baianos são os campeões: 64% dos homens se dizem infiéis”. (s/d).

Partindo dessa premissa é que se abre oportunidade para as relações de concubinato.

Isto posto o concubinato, ainda que consentido, ou seja, aquele que tem consciência do impedimento da devida relação, também faz jus a um relacionamento afetivo e de dependência econômica. Ora, o vínculo entre o casal pode ser tão intenso, que a dedicação amorosa, bem como a contribuição patrimonial estão presentes, havendo, portanto, o esforço comum.

Nesse raciocínio é o entendimento de Flávio Tartuce citado por Valeria Silva Galdino e Maria de Paula Barreto “Mesmo o afeto não estando previsto literalmente na Constituição Federal de 1988, decorre do próprio principio da dignidade da pessoa humana”. (s/d).

Desta maneira, seria racional deixar a concubina, esta que prestou cuidados, tempo, carinho ao seu companheiro ficar desprotegida?  Não estaria violando o princípio da dignidade humana?  

Neste ponto relevante considerar a percepção de Luciano Figueiredo quando aduz que:

“O concubinato é capaz de gerar grandes laços de afeto, dos quais decorrem filhos e patrimônio como frutos da sócioafetividade. Não reconhecer os efeitos familiares a tais entidades, lastreando seu posicionamento apenas sobre a sociedade de fato para fins obrigacionais, equivale, para aqueles que advogam esta idéia, negar dignidade aos entes desta família, levando a indevida exclusão jurídica”. (FIGUEIREDO, s/d).

Desta maneira, coerente é a citação supramencionada, pois é imprescindível a observação do concubinato pelo viés da afetividade e dos laços patrimoniais, com intuito de não violar a dignidade da pessoa, permitindo, assim sua proteção jurídica.

3.2. Ruptura do vínculo afetivo x Pensão alimentícia x Prestação compensatória de alimentos

O vínculo afetivo é um dos fatores que merecem relevância para o reconhecimento de uma relação dúplice, visto que a união estável paralela a um casamento, por exemplo, pode ter sido formada em razão da afetividade do casal.

Contudo, é de extrema clareza a possibilidade da ruptura do vínculo afetivo, momento em que, muitas vezes, a concubina ajuíza ação no Judiciário requerendo pensão alimentícia. Mas, será a pensão alimentícia devida? Ou nesses casos é cabível a prestação compensatória de alimentos?

Insta salientar que a prestação compensatória de alimentos é aplicável entre pais e filhos, recaindo sobre os ascendentes, conforme exposto no artigo 1696, do Código Civil: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo à obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.

     Todavia, Maria Berenice Dias leciona que: “No âmbito das relações de família, os alimentos comportam classificações segundo diversos critérios. São devidos por vínculos de parentalidade, afinidade e até por dever de solidariedade”. (2011, pág.516).

     Segundo concepção da autora acima, os alimentos possuem um caráter mais amplo, de modo a permitir sua concessão não apenas pelo critério de ascendência e descendência, sendo possível, por exemplo, aos tios, visando, portanto, à afinidade.

     A pensão alimentícia, por sua vez, está prevista no artigo 1702, do Código Civil que aduz: “Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art.1694”.

     Assim, também é o artigo 1704, do Código Civil: “Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-lo mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial”.

     Ora, de acordo com os artigos supracitados fica evidente a impossibilidade de prestação de alimentos em caso de ruptura do vínculo afetivo entre o companheiro e a concubina, pois esta relação não possui a descendência nem a ascendência. Relações de cônjuges enquadram-se no recebimento de pensão alimentícia.

     Relevante considerar o entendimento do TJ/RS:

                                              

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONCUBINATO. ART. 1.727 DO CC/02. DIREITO A ALIMENTOS. ART. 1.694 DO CC/02. Ainda que o relacionamento mantido entre os litigantes seja tido como um concubinato, na forma do art. 1.727 do CC/02, também este se enquadra na categoria de entidade familiar a ensejar o direito de alimentos entre os concubinos, se presente a afetividade entre o casal, enquanto tal relacionamento perdurou. E a afetividade, no caso, existia entre os litigantes, devendo ser mantida a pensão alimentícia na forma como fixada na sentença. A omissão contida no art. 1.694 do CC/02 não afasta a concessão do direito em discussão. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70032101727, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 12/11/2009).

     Ademais, o concubinato é uma relação que vem recebendo reconhecimento perante a jurisprudência, esta que possibilita a existência de relações paralelas. Assim sendo, é possível que a concubina ajuíze ação requerendo a pensão alimentícia, demonstrando, pois, sua dependência econômica para tanto, necessidade, portanto, de adquirir a pensão para a subsistência, contraindo uma vida digna.

 4. A POSIÇÃO DO STJ

     Por ser muito discutido, o concubinato chegou à análise do Superior Tribunal de Justiça.

     O caso diz respeito a uma mulher que manteve uma relação estável com um homem casado durante 30 anos. Sendo abandonada, a concubina recorreu ao Poder Judiciário requerendo pensão alimentícia. A mulher afirmou ser sustentada pelo companheiro, de modo que deixou comprovada sua dependência econômica. Assim, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu favoravelmente a concubina, fixando a pensão em 20% dos rendimentos do ex-companheiro.

      Todavia, seu ex-companheiro não se conformou com a decisão e interpôs Recurso Especial ao STJ requerendo a reforma da presente decisão.

     Será que a concubina realmente merece a pensão alimentícia do ex-companheiro, mesmo sabendo que ele era casado? A dependência econômica deve ser analisada em razão de a concubina adquirir a pensão?

     O referente caso estava para ser julgado pelo STJ no dia 08 de outubro de 2013, às 14h. Todavia, o julgamento foi suspenso em detrimento de ser necessária uma diligência. Como a concubina faleceu em 2008, foi fixado um prazo de 20 dias para que ocorra a habilitação de um substituto processual da autora da ação[3].

     Como ainda não foi houve o julgamento pelo STJ do processo acima elencado, verifica-se a necessidade de abordar os posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça até o presente momento.

     Conforme exposto abaixo a 4ª Turma do STJ, em 2003, decidiu a favor da indenização pelos serviços prestados pela concubina:

                                              

"Em decisão da 4ª Turma, do ano de 2003, o ministro Aldir Passarinho Júnior, relator de um recurso (REsp 303.604), destacou que é pacífica a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de o morto ser casado. No caso em análise, foi identificada a existência de dupla vida em comum, com a mulher legítima e a concubina, por 36 anos. O relacionamento constituiria uma sociedade de fato. O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou incabível indenização à concubina. Mas para o ministro relator, é coerente o pagamento de pensão, que foi estabelecida em meio salário mínimo mensal, no período de duração do relacionamento". (STOLZE, 2008).

     A vista disso resta configurada o reconhecimento de relações paralelas ao casamento pelo STJ, a partir do momento em que este permite que a concubina seja indenizada pelos serviços domésticos por todo período que viveu com o seu ex-companheiro.

     Assim também foi o entendimento do Ministro Aldir Passarinho Junior:

                                              

                 CIVIL E PROCESSUAL. SEGURO DE VIDA REALIZADO EM FAVOR DE CONCUBINA. HOMEM CASADO.       SITUAÇÃO PEC ULIAR, DE COEXISTÊNCIA DURADOURA DO DE CUJUS COM DUAS FAMÍLIAS E PROLE CONCOMITANTE ADVINDA DE AMBAS AS RELAÇÕES. INDICAÇÃO DA CONCUBINA COMO BENEFICIÁRIA DO BENEFÍCIO. FRACIONAMENTO. CC, ARTS. 1.474, 1.177 E 248, IV. PROCURAÇÃO. RECONHECIMENTO DE FIRMA. FALTA SUPRÍVEL PELA RATIFICAÇÃO ULTERIOR DOS PODERES.

I. Não acarreta a nulidade dos atos processuais a falta de reconhecimento de firma na procuração outorgada ao advogado, se a sucessão dos atos praticados ao longo do processo confirmam a existência do mandato.

II. Inobstante a regra protetora da família, consubstanciada nos arts. 1.474, 1.177 e 248, IV, da lei substantiva civil, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra espécie de "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família legítima e concubinária, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do Direito.

III. Recurso conhecido e provido em parte, para determinar o fracionamento, por igual, da indenização securitária. (STJ, 4ª T., REsp 100.888/BA, rel. Min.Aldir Passarinho Junior, j. 14/12/2000).

                                             

            Na mesma senda, é a compreensão do Ministro José Arnaldo da Fonseca:

RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA.                               COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA. CONCUBINATO IMPURO DE                     LONGA DURAÇÃO.

"Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo". Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime, no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido. (STJ, 4ª T., Resp 742685/RJ, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 04/08/2005).

                                                            

     Em ambos os casos, o STJ decidiu pelo direito da concubina, no primeiro o seguro de vida e no segundo caso a partilha de pensão previdenciária com a esposa viúva. A partir disso observa-se que o STJ vem aceitando as uniões dúplices e, concedendo direitos à concubina, quando se comprova a relação íntima e duradoura.

     Contudo, o entendimento não é pacífico. Ainda se discute muito a possibilidade de pensão alimentícia à concubina. O que se espera, portanto, desse julgamento que está por vir é uma decisão justa e digna capaz de torna-lá vinculante aos demais Tribunais, uniformizando a situação da concubina no que diz respeito à aquisição da pensão alimentícia. 

4.1. Considerações críticas 

     É relevante, ainda, considerar que o concubinato não possui a devida proteção jurídica. Sendo a lei omissa quanto ao assunto.  

     Contudo, não se pode deixar de avaliar a situação da concubina. Verifica-se, primeiramente, que conquanto a concubina saiba que seu companheiro seja casado, isso não a faz ser somente uma “amante”, por muito se sabe, que relações como essas também envolvem sentimento, dedicação e afeto.

     Há também que se averiguar a boa-fé da concubina, a questão de está se envolvendo com um homem casado, por si só, não configura o interesse econômico ou a intenção de destruir um casamento.

Confere-se, neste momento, que o companheiro também deve se responsabilizar perante devida situação. Ora, o companheiro é tão culpado quanto, ao não possibilitar a pensão alimentícia à concubina é perceptível o benefício proporcionado a aquele, vez que ocorrerá o enriquecimento ilícito.

 Como se sabe, ao manter um relacionamento de concubinato, o casal se apresenta como tal à sociedade, além da afetividade, há o esforço comum para a construção do patrimônio. Sendo assim, não permitir que à concubina ganhe o que lhe é cabível é por demais injusto.

Nesse sentido, Pablo Stolze aduz que:

               

 “Pondo um pouco de lado o aspecto eminentemente moral que permeia o tema, é forçoso convir que a infidelidade e os amores paralelos fazem parte da trajetória da própria humanidade, acompanhando de perto a história do casamento”.  (STOLZE, 2008).

Esmiuçando a citação acima são notórias as relações de concubinato, estas existem há muito tempo, fazem parte da história da humanidade, é mais que merecido seu reconhecimento, é uma conquista.

      Vale ressaltar que a monogamia foi um princípio que perpetuou na sociedade por muito tempo, todavia, a realidade condiz com a presença de relações paralelas, dando espaço, assim, ao respeito da dignidade da pessoa humana. Por mais que relações como estas sejam discriminadas, ainda, pela sociedade, o Judiciário não deve deixar de tutelar o concubinato, vez que estaria “fechando os olhos” para a realidade.

     Na mesma linha Pablo Stolze afirma que: “No entanto, por vezes, este paralelismo se alonga no tempo, criando sólidas raízes de convivência, de maneira que, desconhecê-lo, é negar a própria realidade”. (2008).

5. CONCLUSÕES

Por essa razão é que a concubina não pode ficar completamente desamparada se restar clara à relação estável, a dependência desta para com o seu companheiro, bem como a afetividade.  

Por mais discriminação que exista nessa união, a amante, como assim é considerada, também tem os seus direitos, pois devido laço foi construído a base de afeto e de dependência financeira, sendo estes fatores importantes para o reconhecimento da relação e a concessão de pensão alimentícia.

Destarte, há neste momento o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, visando manter uma vida íntegra à concubina. Afinal, o não reconhecimento da possibilidade de pensão alimentícia, por exemplo, estaria, sem dúvidas, causando enriquecimento ilícito ao companheiro, este que detém de culpa, vez que era compromissado e, ainda assim mantinha outro relacionamento.

Ademais, é razoável e justo que Tribunais, assim como o STJ decidam em favor da possibilidade jurídica de alimentos no concubinato consentido. Ora, devida relação possui o conhecimento dos cônjuges e ainda assim há por parte de um deles uma relação estável com outra pessoa.

Assim, injusto seria para concubina diante desta situação não ser acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro. A discriminação, por vez, precisa ser superada em prol de disponibilizar direitos à concubina e, consequentemente respeitar o imperioso princípio da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha de raciocínio relevante considerar que:

                                  

“Ressalte-se que, a despeito da nítida reprovabilidade às uniões concubinárias manifestadas pela doutrina, suscita-se ser possível a partilha do acervo patrimonial do cônjuge com o concubino bem como o pensionamento previdenciário, caso reste comprovado que um dos cônjuges tinha conhecimento do concubinato do outro e se quedou inerte, sem requerer a separação, denotando que admitira a situação, ainda que indiretamente”. (JALES, 2012).

                                  

     Por fim, racional é a divisão da pensão alimentícia entre a esposa e a concubina, embora aquela esteja efetivamente protegida pela legislação brasileira por ser casada, esta não merece recusa na sua proteção, uma vez que assim como na relação com a esposa, o concubinato em comento também há afeto e dependência econômica, não havendo razão, portanto, para o indeferimento de direitos.            

REFERÊNCIAS

                       

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Código Civil Brasileiro (Lei n° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002), Brasília: Senado, 2002.

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[1]Conforme notícia do IBDFAM sobre a Escritura Pública Declaratória de União Poliafetiva.

[2] Nesse sentido é a notícia divulgada pelo IBDFAM acerca do reconhecimento da união estável paralela ao casamento pelo Tribunal de Justiça de Goiás. A juíza que proferiu a decisão foi Sirlei Martins da Costa, conforme a magistrada: “Deixar de reconhecer a repercussão jurídica e os direitos de tais pessoas não muda essa realidade e normalmente desampara aquele que é mais fraco na relação”. (2013).

[3] De acordo com a notícia divulgada no site do Superior Tribunal de Justiça.



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