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Regime jurídico da efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro

Regime jurídico da efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro

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A forma pela qual deve ocorrer a efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, foi definida com essa nova redação do art. 273, §3º, do CPC, dada pela Lei nº 10.444/2002?

1 INTRODUÇÃO

A antecipação dos efeitos da tutela condenatória tornou-se expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro com a nova redação dada ao art. 273 do Código de Processo Civil pela Lei 8.952/94. [1]

Com a criação desse instituto, coube à doutrina e à jurisprudência tentarem uma sistematização de como os efeitos antecipados da tutela condenatória seriam de fato obtidos pelo autor. O motivo é que a redação original do § 3° do art. 273 do CPC previa a aplicação parcial do regime da execução provisória para a "execução" da tutela antecipada. O primeiro motivo de discussão foi o emprego da palavra "execução" – se se tratava ou não de verdadeira execução. Quanto à "execução" em si, a polêmica instalada girava em torno de três possibilidades: a) aplicação integral do procedimento expropriatório do Livro II do CPC, já que a execução provisória ocorre da mesma forma que a definitiva ou porque o princípio do devido processo legal deve ser observado; b) utilização das regras de expropriação como "parâmetro operativo" [2] e a c) "execução" por meios atípicos, concebidos pelo juiz para satisfação do autor.

Inaugurando uma nova fase no instituto da antecipação da tutela, a Lei 10.444/02 modificou a redação do § 3° do art. 273 do CPC, substituindo o termo "execução" por "efetivação", tornando possível a aplicação integral das regras da execução provisória.

Entretanto, o principal motivo de polêmica, a forma pela qual deve ocorrer a efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, foi definida com essa nova redação do § 3° do art. 273?

É a essa questão que se procurará responder por meio do presente estudo, com a análise do regime jurídico da efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro.


2 EFETIVAÇÃO E EXECUÇÃO

Primeiramente, deve ser esclarecido se se trata realmente de "efetivação" ou de "execução" da tutela antecipada, ou seja, se está correta a substituição do termo "execução" por "efetivação", feita pela Lei 10.444/02 no § 3° do art. 273 do Código de Processo Civil.

A antiga redação desse parágrafo empregava o termo "execução" e fazia referência somente aos incisos II e III do art. 588 do CPC, que trata da execução provisória: "A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588".

Com a inovação trazida pela Lei 10.444/02, o parágrafo passou a ter a seguinte redação: "A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4° e 5° e 461-A".

O termo "execução" é usado em várias acepções pela doutrina e no dia-a-dia do foro.

A utilização mais ampla é a de que "execução" seria o cumprimento da decisão judicial, a tomada de medidas práticas para realizar o que restou consignado na decisão. É a chamada execução "imprópria". Essas medidas práticas ou "atividades", segundo Cândido Rangel DINAMARCO, consistem ordinariamente em "mera documentação como no registro de sentença declaratória de paternidade ou anulatória de escritura". [3]

Outra acepção utilizada é a de "técnica para a obtenção do resultado executivo através do adimplemento do próprio devedor", conforme assinala Ovídio A. Baptista da SILVA. [4] É denominada comumente de execução "indireta" ou execução por coação.

Nela são utilizadas medidas coercitivas, como pressão psicológica, podendo ser patrimoniais ou pessoais, a fim de induzir o réu a satisfazer o direito do autor. Medida coercitiva patrimonial é a imposição de multa em razão do descumprimento da ordem. Medida coercitiva pessoal é o emprego da prisão civil, como nos casos de devedor de alimentos e de depositário infiel (art. 5° , LIV, CF).

Finalmente, tem-se o emprego correto, com sentido autêntico de execução, chamada por parte da doutrina de execução "forçada" ou execução "direta".

Para Ovídio A. Baptista da SILVA, execução, em seu sentido técnico-processual, "é o ato final de transferência de um bem jurídico do patrimônio do executado para patrimônio do credor". Especificamente em relação ao ato executivo, o autor, pautado em PONTES DE MIRANDA, entende o seguinte:

O ato executivo, que é o resultado final a que tende todo o processo de execução, corresponda ele a uma execução por créditos ou a uma forma de execução lato sensu, pode ser definido como o ato por meio do qual o Estado, através de seus órgãos jurisdicionais, transfere algum valor jurídico do patrimônio do demandado para o patrimônio do demandante, para satisfação de uma pretensão a este reconhecida e declarada legítima pela ordem jurídica. [5]

Abrange, portanto, de acordo com a doutrina de Ovídio A. Baptista da SILVA, tanto a execução por crédito (ou obrigacional), decorrente de relação obrigacional, quanto a execução real, fundada em pretensão real.

Desse modo, consoante a lição desse jurista, as sentenças que comportam execução são as condenatórias, por meio da execução forçada (direta) em processo autônomo, que é o processo de execução regulado pelo Livro II do Código de Processo Civil; e as executivas (lato sensu), em que a execução ocorre após a sentença de mérito, "na mesma relação processual, como resposta jurisdicional a uma pretensão inclusa na petição inicial". [6] Para Ovídio A. Baptista da SILVA, as sentenças mandamentais "não contêm execução, em sentido técnico", seja porque ora não contemplam satisfatividade ou transferência de valor de um patrimônio a outro (sentenças cautelares de arresto, seqüestro ou busca e apreensão), seja porque ora não são realizadas diretamente por intermédio do Estado-juiz (sentenças em mandado de segurança). [7]

Para LIEBMAN, "a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atuação à sanção recebe o nome de execução; em especial, execução civil é aquela que tem por finalidade conseguir por meio do processo, e sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida". [8]

Cândido Rangel DINAMARCO, com base em LIEBMAN, conceitua execução como "uma cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material". [9]

Araken de ASSIS, preferindo utilizar o termo "meio executório", e enquadrando a execução (forçada ou direta) na classe dos meios sub-rogatórios (da vontade do devedor), entende-a como aquela "que despreza e prescinde da participação efetiva do devedor". [10]

Depreende-se, portanto, que a verdadeira execução, denominada forçada ou direta, compreende a satisfação do direito do autor, mediante atividade desempenhada pelo Estado, por meio de medidas sub-rogatórias, sem a participação do réu. Apresenta, também, caráter satisfativo, pois acresce valor ao patrimônio do autor. [11]

Examinadas rapidamente as acepções do termo execução, cumpre analisar em qual sentido era empregado na antiga redação do § 3° do art. 273 e o porquê de sua substituição pelo termo "efetivação".

Para a doutrina tradicional, que ainda adota a classificação trinária das ações e sentenças, somente a eficácia condenatória comporta a realização de execução em sentido técnico. Partindo desse pressuposto, a antiga redação do dispositivo em exame, ao empregar a expressão "execução da tutela antecipada", poderia levar à conclusão de que a eficácia da antecipação da tutela haveria de ser necessariamente condenatória. No entanto, a eficácia condenatória, assim como a declaratória ou constitutiva, por necessitar da produção de coisa julgada material, não tem cabimento na decisão que concede a antecipação da tutela, que deverá ter eficácia executiva lato sensu ou mandamental.

Esse descompasso entre o emprego do termo "execução", que pressupõe, de acordo com a classificação trinaria, a formação de título executivo por meio de eficácia condenatória, e as eficácias das quais deve se revestir a antecipação da tutela, explica-se pela ausência de apuro técnico, o que viria a ser corrigido pela Lei 10.444/02, com a substituição pelo termo "efetivação".

De fato, consoante observa Ovídio A. Baptista da SILVA, o legislador, ao criar o instituto da antecipação da tutela, "estendeu o campo reservado à tutela executiva não-obrigacional e à tutela mandamental, com a correspondente redução da área antes atribuída à tutela condenatória", sendo que "esta conseqüência não esteve sempre presente na intenção do legislador, tanto que, ao conceber o art. 273, prescreveu ele, como modelo para a efetivação das medidas antecipatórias, o regime da execução provisória do art. 588 do CPC". [12]

Prossegue o autor:

Arriscamo-nos a dizer que os autores da reforma provavelmente não tivessem uma visão segura do alcance dos preceitos inseridos nos dispositivos indicados, por haverem, num deles (art. 273), acenado com a execução (obrigacional) provisória do art. 588 do CPC, como instrumento para a efetivação das medidas antecipatórias, a sugerir que esses provimentos teriam natureza condenatória; e no outro (art. 461), embora houvessem prometido uma antecipação não dos efeitos, mas da própria tutela, não se desligou do princípio da execução obrigacional, como se todas as pretensões, ao ingressarem no processo, se transformassem numa relação débito-crédito, como afirmava Chiovenda (...). [13]

Além de Ovídio A. Baptista da SILVA, autores como Luiz FUX e J. E. Carreira ALVIM, [14] ao comentarem o então recente instituto da tutela antecipatória, já anotavam que o termo correto a ser utilizado deveria ser "efetivação", e não execução. Luiz FUX assim advertia: "A lei utiliza-se de forma promíscua do vocábulo ‘execução’, em vez de efetivação. É que o sistema exige sentença condenatória para execução e a tutela antecipada liminar encerra a figura de uma interlocutória". [15]

A utilização do termo "execução" não está de todo incorreta. Como a decisão que antecipa os efeitos da tutela pode ter eficácia executiva lato sensu, ela comportaria, em tese, execução: haveria satisfação do autor, transferência de valores de um patrimônio a outro, por atividade do Estado. Todavia, a decisão concessiva da antecipação da tutela também pode se revestir de eficácia mandamental, que não tem execução em sentido técnico. Além disso, para se distanciar da correlação direta feita por grande parte dos operadores do direito entre execução e o Livro II do CPC, sem se aperceber da execução lato sensu, que dispensa novo processo para execução, é que se mostra pertinente o emprego do termo "efetivação".

A palavra "efetivação" significa "ação ou efeito de efetivar", sendo que "efetivo" tem o significado de "capaz de produzir um efeito real", que "realmente atinge o seu objetivo", derivado do latim effectiuo, "relativo a exercício, a prática; prático; que exprime um efeito". [16]

Assim, o termo "efetivação" guarda significado mais profundo, que também deve ser extraído da interpretação do § 3° do art. 273: a efetivação é a realização concreta do provimento judicial, guardando correlação com a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva.

A substituição do termo efetivação por execução, na nova redação desse § 3° , pretende também justamente isso: a realização concreta, efetiva do provimento judicial antecipatório e em específico para pagamento de soma em dinheiro, não poderá sempre ocorrer por meio da aplicação do procedimento de execução por expropriação regulado no Capítulo IV do Livro II do Código de Processo Civil, mas observará, "no que couber, e conforme sua natureza", as normas que regulam a execução provisória, além do disposto nos artigos 461, §§ 4º e 5º, e 461-A, CPC.


3 UTILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE EXPROPRIAÇÃO DO CAPÍTULO IV DO LIVRO II DO CPC PARA EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Araken de ASSIS, escrevendo antes da vigência da Lei 10.444/02, sustentava o seguinte posicionamento: se o bem pretendido pelo autor na "execução" da tutela antecipada já se encontrar individualizado, como ocorre nas "ações que produzirão sentenças executivas, e não só exeqüíveis (condenatórias)", a execução será imediata, pois "a penetração na esfera jurídica do réu visa a bem individualizado, que lá se encontra de maneira já reconhecida como ilegítima, e, conseqüentemente, a tarefa do meio executório se reduz a procurar, encontrar, tomar e entregá-lo ao autor". Aponta como exemplo o caso de antecipação do despejo, cuja execução será conforme o disposto no art. 65 da Lei n° 8.245/91. [17]

No caso de decisão antecipatória com força mandamental, ainda segundo Araken de ASSIS, "o cumprimento compulsório do mandado, ante a simplicidade e o caráter indireto dos mecanismos de pressão, ocorrerá no processo que originou a resolução antecipatória". [18]

Todavia, tratando-se de direitos de crédito, prossegue o autor, "a incursão do meio executório incide no patrimônio legítimo do devedor, exigindo rigoroso controle de sua atuação – e, por tal motivo, a constrição recairá sobre ‘tantos bens quantos bastem para o pagamento’ (art. 659, caput)". Aqui, o efeito executivo seria "diferido", por não objetivar a bem já individualizado. [19]

A conseqüência disso seria que a execução de créditos haveria de obedecer "aos meios executórios legal e antecipadamente instituídos", [20] não gozando o juiz de ampla discrição, como defendido por Luiz Guilherme MARINONI, em decorrência do princípio constitucional do devido processo legal, previsto no art. 5° , inciso LIV, da Constituição Federal: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Assim, de acordo com Araken de ASSIS, "o réu tem o inequívoco direito de ver seu patrimônio, composto de bens materiais ou imateriais, retirado de sua esfera jurídica com a estrita observância das prescrições do procedimento antecipadamente previsto em lei", de tal modo que seria "ilegítimo criar um ‘processo civil do autor’, a partir da antecipação do art. 273, negando toda e qualquer tutela ao executado", pois seria uma ofensa ao devido processo legal "negar meios de reação ao executado contra a execução injusta ou abusiva, transferindo-os, vagamente, ‘para depois’, ou subsumindo-os na possibilidade de requerer a revogação ou a modificação do pronunciamento". [21]

A posição do autor, a princípio, mostra-se acertada. A possibilidade de execução na mesma relação processual, própria da ação executiva lato sensu, decorre do fato de que o bem da vida pretendido pelo autor é, desde o início do processo, determinado e específico. A sentença (executiva) de procedência, reconhece a ilegalidade de sua permanência no patrimônio do réu e torna legítima a expropriação direta por parte do Estado, sem a necessidade de formação de nova relação processual. É justamente essa, de acordo com Ovídio A. Baptista da SILVA, uma das características que diferencia a eficácia executiva lato sensu da eficácia condenatória. [22]

Em relação à tutela antecipatória, tem-se a possibilidade de antecipação em todos os tipos de ações, inclusive nas declaratórias e constitutivas, desde que se possa retirar delas alguma medida prática. Invariavelmente, essas medidas práticas, tratando-se de ações declaratórias e constitutivas, importarão ordem do juiz, tal como ocorre nos pedidos de antecipação para retirada do nome do devedor dos órgãos de proteção ao crédito. Nesses casos, a efetivação poderá ocorrer na mesma relação processual originária e nos mesmos autos. Não há que se falar em execução, pelo menos em sentido técnico, pois se tratam de ações declaratórias ou constitutivas e a eficácia mandamental não importa execução propriamente dita.

O mesmo vale para a ação mandamental, em que não existe atividade sub-rogatória do Estado.

Do mesmo modo, tratando-se de ações declaratórias ou constitutivas em que a decisão que concede a antecipação da tutela tem eficácia executiva lato sensu, a efetivação também se dará na mesma relação processual e, desde que não implique tumulto processual, nos mesmos autos.

A polêmica existe em relação à antecipação de título executivo, cabível nas ações condenatórias, a fim de que o réu pague quantia certa em dinheiro. O fato de também ser possível o emprego de eficácia mandamental ou executiva lato sensu não resolve imediatamente o problema. É que, tratando-se de ação condenatória, a sentença de procedência e seus efeitos acarretam execução, a qual, como dito por Araken de ASSIS, é "diferida". Os atos de expropriação recairão sobre bens que integram legitimamente o patrimônio do réu e que são protegidos pela cláusula do devido processo legal, como acima afirmado por Araken de ASSIS.

De acordo com Nelson NERY JÚNIOR, "o princípio do ‘due process of law’ caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico." [23]

O autor continua: "Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do ‘due process of law’ para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies." [24]

Portanto, a observância do devido processo legal é imperativa. Embora não haja previsão expressa no § 3° do art. 273 do Código de Processo Civil, dever-se-á, em regra, ser seguido o procedimento expropriatório do Livro II do CPC, quando se tratar de tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, justamente em razão da imperatividade do princípio do devido processo legal. O réu tem direito, em um primeiro momento, a que seus bens sejam-lhe expropriados da forma que regularmente o seriam caso houvesse sentença de condenação e instalação da execução para pagamento de soma contra devedor solvente (Capítulo IV, Livro II, CPC).

O juiz, nesse caso, antecipará os efeitos da tutela condenatória e intimará o réu para que pague em 24 horas ou nomeie bens à penhora. Não há ordem, eficácia mandamental, apenas exortação ao pagamento, sem a imposição de multa caso não haja pagamento ou a nomeação de bens.

A imposição de embargos é possível, desde que haja bem penhorado, com a suspensão da efetivação.

Portanto, a efetivação segue o procedimento expropriatório de execução por quantia certa contra devedor solvente (Capítulo IV, Livro II do CPC), tal como se fosse uma execução provisória.

Tratando-se de efetivação de tutela antecipada para pagamento de alimentos, não há empecilho para aplicação dos procedimentos previstos no Capítulo V do Livro II do CPC e da Lei 5.478/68, pois são de maior celeridade, inclusive com a possibilidade de emprego de coerção pessoal consistente na prisão civil.

Todavia, há casos em que a antecipação é de urgência. É quando se verifica que a antecipação da tutela assim concedida assenta-se em fundamentos diferentes dos da execução por expropriação. O modo pelo qual deve se dar a realização da tutela antecipada há que estar em direta correspondência com o fundamento desta: havendo urgência na concessão dos efeitos da sentença condenatória de procedência, a efetivação também deverá ser rápida.

Para tanto, é o § 3° do art. 273 que prevê a forma de efetivação da tutela antecipada. Naturalmente, esse modo de efetivação é o adequado para os casos de urgência (dano irreparável ou de difícil reparação).

Nessas circunstâncias, não há que se falar em aplicação do procedimento de execução do Capítulo IV do Livro II do CPC, pois este foi concebido para uma realidade diferente, em que não há urgência. O processo de execução não tem como fim prover a situações de urgência. Já a antecipação da tutela e seu modo de efetivação sim.

Assim, quando a antecipação é concedida em caráter de urgência para evitar ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, inciso I, CPC), tratando-se de pagamento de soma em dinheiro (o bem pretendido pelo autor não é individualizado e é necessário invadir o patrimônio legítimo do devedor), não poderá a efetivação da tutela antecipada, a princípio, observar o procedimento para execução de quantia certa contra devedor solvente. Caso assim fosse, restaria inócua a antecipação concedida, posto que o direito do autor não seria satisfeito, como a urgência que embasou o deferimento exige. Haveria somente uma antecipação da execução, sem a produção do resultado prático necessitado pelo autor.

Nesse sentido, Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR sustenta que "se as tutelas antecipatórias são providências de natureza emergenciais, satisfativas e interinais, as suas técnicas haverão de adequar-se ao objeto litigioso (o bem da vida) e às necessidades prementes do autor, sob pena de frustrar-se em termos práticos". [25]

Portanto, tratando-se de possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, a efetivação da tutela antecipatória de soma em dinheiro não poderá observar o procedimento da execução forçada, com citação do devedor, penhora de bens (com propositura de embargos à execução, suspendo-a), avaliação, designação de leilão ou praça etc. Nesses casos, o autor necessita imediatamente do bem da vida antecipado pela decisão (soma em dinheiro).

A mesma solução não pode valer para quando a antecipação da tutela que objetiva pagamento de soma em dinheiro é concedida com base exclusivamente no inciso II (abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu) ou no § 6° (incontrovérsia de pedidos cumulados ou de parcela de um deles) do art. 273 do Código de Processo Civil, posto que não há a urgência autorizadora do não seguimento das regras da execução forçada.

O problema, como se observa, reside no conflito entre o direito fundamental do autor à vida, saúde, educação, etc., derivado da proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1° , inciso III, CF), e a necessidade de observância do devido processo legal para privar o réu de seus bens (art. 5° , LIV, CF).

Em casos de conflitos entre direitos fundamentais, há que se utilizar o princípio da proporcionalidade, a fim de se racionalizar a compatibilização entre eles, evitando-se a acolhida integral de um e a desconsideração completa do outro, conforme ensina Marcelo Lima GUERRA: "Com efeito, reconhece-se que a importância e a utilidade do princípio da proporcionalidade crescem, exatamente, naquelas situações em que direitos fundamentais se revelem em conflito, surgindo a necessidade de se realizar a concordância prática entre eles." [26]

Assim, note-se que a efetivação da tutela antecipada será sempre provisória e reversível, quer seja pelo retorno ao estado anterior, quer seja pela reparação pecuniária, por incidência das regras da execução provisória (art. 588 do CPC). O contraditório e a ampla defesa sempre deverão ser franqueados ao réu. Ainda, o que é de fundamental importância, a efetivação de acordo com o § 3° do art. 273 é que é a forma prevista em lei para efetivação da tutela antecipada em razão de urgência. Dessa forma, existe observância do devido processo legal. [27]

Somente em quando houver dispensa da caução exigível (art. 588, § 2° , CPC) é que o réu correrá o risco de ser efetivamente lesado em decorrência da efetivação da tutela antecipada sem a observância do procedimento expropriatório anteriormente previsto em lei (processo de execução forçada).

De qualquer modo, nessa hipótese, o juiz estará escolhendo o direito do autor, que goza de probabilidade (verossimilhança das alegações e prova inequívoca), em detrimento do direito do réu.


4 O REGIME DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Estabelecido que não se trata de execução em sentido técnico, mas de efetivação, realização fática da tutela antecipada, e que o procedimento expropriatório previsto no Capítulo IV do Livro II do CPC nem sempre será observado para efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, deve ser compatibilizada com essas conclusões a previsão legal de observância da execução provisória para efetivação da tutela antecipada, especialmente no caso de pagamento de soma em dinheiro em que o procedimento expropriatório não deve ser seguido.

Para tanto, a análise, mesmo que breve, da execução provisória, é necessária para compreensão do regime da efetivação da tutela antecipada.

Segundo a lição de Humberto THEODORO JÚNIOR, a execução provisória "é a que se passa, nas hipóteses previstas em lei, quando a situação do credor é passível de ulteriores modificações, pela razão de que a sentença que reconheceu seu crédito não se tornou ainda definitiva, dada a inexistência de res judicata". [28]

O art. 588 do CPC, em sua redação anterior à Lei 10.444/02, assim dispunha:

Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observados os seguintes princípios:

I - corre por conta e responsabilidade do credor, que prestará caução, obrigando-se a reparar os danos causados ao devedor;

II - não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro;

III - fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.

Parágrafo único. No caso do nº IlI, deste artigo, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

Como ensina Luiz Guilherme MARINONI, a execução não é provisória, mas sim o título executivo (sentença). Uma vez transitada em julgado a sentença, a execução que tinha seguido até a penhora e parado, aguardando-se o julgamento final do recurso, retoma seu curso final, pois, como dispõe o caput, a execução provisória faz-se do mesmo modo que a definitiva.

Com a Lei 10.444/02, a execução provisória ganhou contornos de maior efetividade. Agora, a alienação de bens é permitida. Também o momento de prestação da caução foi modificado, não sendo mais exigível para início da execução provisória. Outra novidade é a criação de hipótese de dispensa da caução.

A nova redação é a seguinte:

Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

I - corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer;

II - o levantamento de depósito em dinheiro, e a prática de atos que importem alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução idônea, requerida e prestada nos próprios autos da execução;

III - fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior;

IV - eventuais prejuízos serão liquidados no mesmo processo.

§ 1º No caso do inciso III, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

§ 2º A caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza alimentar, até o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar em estado de necessidade.

Observa-se, portanto, que a execução provisória agora permite maior possibilidade de satisfatividade à parte, especialmente nos casos de crédito de natureza alimentar até o valor de sessenta vezes o salário mínimo, estando o autor em estado de necessidade, hipótese em que, certamente, incidirá considerável parte dos requerimentos de antecipação da tutela (hipótese do inciso I do art. 273: possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação).

Entendido que a realização da tutela antecipada não é execução, e que a execução provisória ocorre da mesma forma que a execução definitiva, poder-se-ia questionar se não existe contradição no § 3° do art. 273, pois ora prevê efetivação e em seguida prevê a aplicação do art. 588, i.e., da execução provisória.

A resposta está no próprio § 3° do art. 273: a efetivação da tutela antecipada observará no que couber e conforme sua natureza os dispositivos nele mencionados. A aplicação é feita com as devidas adaptações e não de forma direta.

Portanto, como não se trata de execução, o que é aplicável à efetivação da tutela antecipada são as regras da execução provisória, previstas nos incisos I a III e parágrafos: responsabilidade objetiva do autor, retorno ao estado anterior, liquidação dos danos nos mesmos autos e prestação de caução e sua hipótese de dispensa. Vale dizer, o que não é aplicável é o caput do art. 588.

Note-se que, na redação anterior, essas regras recebiam a denominação de princípios, denotando o caráter de diretriz dessas regras e certo grau de generalidade, o que reforça a possibilidade de aplicação para casos de efetivação da tutela antecipada.

De fato, a aplicação dessas regras mostra-se pertinente, posto que tanto a execução provisória quanto a efetivação da tutela antecipada têm como fundamento um "título" provisório, uma decisão provisória, que pode vir a ser modificada. No caso da execução provisória, é a sentença condenatória que não transitou em julgado. Já a antecipação da tutela é concedida por decisão interlocutória, que sempre é provisória, pois pode ser revogada ou modificada por decisão final.

Segundo Humberto THEODORO JÚNIOR, embora a execução, em regra, deva ser baseada em decisão definitiva, o legislador, em circunstâncias especiais, atribui eficácia a certas decisões, mesmo antes de se tornarem imutáveis: "São questões de ordem prática que levam o legislador a tal orientação, já que, em algumas ocasiões, seria mais prejudicial o retardamento da execução do que o risco de se alterar o conteúdo da sentença com o reflexo sobre a situação de fato decorrente dos atos executivos." [29]

Nesse sentido também se verifica a proximidade entre as circunstâncias que dão ensejo à execução provisória e à antecipação da tutela.

De acordo com o art. 520 do Código de Processo Civil, dentre as sentenças que dão ensejo à apelação recebida somente no efeito devolutivo, encontram-se a que condenar à prestação de alimentos (inciso II), a que decidir o processo cautelar (inciso IV) e a que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela (inciso VII). Todas têm, em regra, caráter de certa urgência, tal como a antecipação da tutela concedida na hipótese do inciso I do art. 273 do CPC (possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação).

Teori Albino ZAVASCKI, a respeito, esclarece:

Esse adiantamento de execução, que não deixa de ser medida de cunho antecipatório, visa a conciliar interesses contrapostos: de um lado, os do credor, que já dispõe de um provimento jurisdicional favorável, embora ainda sujeito a confirmação, e que busca vê-lo cumprido imediatamente; de outro os do devedor, que, diante da real possibilidade de ver revertida a situação jurídica, tem interesse em que se protele, até o julgamento do seu recurso, o desencadeamento dos atos de agressão ao seu patrimônio. [30]

Conclui-se, portanto, que a execução provisória e a efetivação da tutela antecipada, além de ocorrerem, em regra, em situações de urgência, possuem a mesma característica: ausência de coisa julgada material, não definitividade das decisões que as embasam.

Em razão desse aspecto, a aplicação das regras da execução provisória, na realidade, sempre deverá ser observada para efetivação da tutela antecipada. O mesmo fundamento aplicado para observância das regras da execução provisória, falta de res iudicata, existe na antecipação da tutela. Como conseqüência, a aplicação dessas mesmas regras deverá ocorrer.

Luiz Guilherme MARINONI, antes da vigência da Lei 10.444/02, defendia que a execução provisória não era compatível com a efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro: "Aquele que pede tutela antecipatória não pode se contentar com a execução provisória (com penhora), pois necessita imediatamente da soma em dinheiro. A suspensão da execução, própria da execução provisória, não traz prejuízo àquele que teme a execução possa ser frustrada, mas sim àquele que precisa imediatamente da soma em dinheiro para não sofrer dano irreparável."

O jurista, por fim, afirma: "Admitir, pura e simplesmente, que a tutela antecipatória de soma se subordina aos limites da execução provisória é transformar a tutela antecipatória em execução provisória." [31]

Contudo, com a Lei 10.444/02, a execução provisória não fica mais condicionada à suspensão quando da penhora, pois, pela nova redação do inciso II do art. 588 do CPC, a alienação de bens agora é possível, em que pese depender de caução. A execução provisória não é mais sempre mero adiantamento da execução, pois a satisfação fática do credor é possível. Ainda, pelo novo § 2° do art. 588, existe hipótese de dispensa da caução.

Assim, não mais subsistem os motivos que de fato incompatibilizavam a execução provisória com a efetivação para pagamento de soma em dinheiro, pois a execução provisória agora possibilita a satisfação do autor (credor).

Desse modo, conclui-se que a aplicação das regras da execução provisória à efetivação da tutela antecipada mostra-se cabível e necessária.


5 APLICAÇÃO DOS §§ 4° E 5° DO ART. 461 DO CPC

A possibilidade de emprego das medidas necessárias previstas nos §§ 4° e 5° do art. 461 do Código de Processo Civil era anteriormente limitada às ações que objetivavam o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer (executivas lato sensu ou mandamentais, portanto). Por força da nova redação feita pela Lei 10.444/02 no art. 273, § 3° , do Código de Processo Civil, passaram essas medidas a serem aplicáveis, em sede de antecipação da tutela, também no âmbito das ações declaratórias, constitutivas e condenatórias para pagamento de soma em dinheiro quando não seguido o procedimento do Capítulo IV do Livro II do CPC. [32]

O § 5° do art. 461 do CPC, com as alterações produzidas pela Lei 10.444/02, assim dispõe:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. 

Depreende-se de sua leitura que as medidas nele enumeradas são exemplificativas. O rol não é exaustivo, em razão do emprego da locução conjuntiva "tais como", [33] podendo o juiz determinar, além das medidas nominadas, outras inominadas, necessárias à efetivação do provimento judicial. [34]

A possibilidade de o juiz determinar as medidas necessárias para a efetivação, na forma disposta nesse dispositivo, objetiva assegurar o direito constitucional à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Por isso, a enumeração do § 5° do art. 461 do CPC não poderia ser exaustiva, pois implicaria a limitação da busca da tutela jurisdicional adequada e efetiva. [35]

Essas medidas não são medidas cautelares, mas instrumentos para a efetivação da tutela pretendida no pedido, ou de seus efeitos, tratando-se de antecipação da tutela. Segundo Eduardo TALAMINI, tratam-se de "mecanismos ‘para a efetivação’ do resultado específico (com ou sem colaboração do réu) – e não meras medidas conservativas", sendo, a rigor, "tendencialmente satisfativas." [36]

Não se confundem, portanto, com as medidas cautelares previstas no Livro III do Código de Processo Civil.

As medidas necessárias, tanto as nominadas quanto as inominadas, podem revestir-se de caráter coercitivo (para cumprimento pelo próprio réu), a exemplo da previsão de aplicação de multa, ou de caráter sub-rogatório, sem a participação do réu, como a apreensão de valores depositados em conta bancária. [37]

Em relação à conjugação de medidas sub-rogatórias com as coercitivas, como existe a possibilidade de emprego simultâneo ou sucessivo das eficácias mandamental e executiva lato sensu, conseqüentemente há de ser cabível a utilização de medida coercitiva para a eficácia mandamental e de medida sub-rogatória para a eficácia executiva lato sensu.

Se o juiz vislumbrar que a tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro poderá ser efetivada com menor custo e em menos tempo pelo próprio réu, ainda que a decisão possa ser, em tese, cumprida por terceiro, poderá utilizar-se da eficácia mandamental (ordem ao réu) e determinar a medida coercitiva que considerar necessária e adequada.

Caso o réu não cumpra o ordenado, caberá ao juiz determinar medidas sub-rogatórias (cumprimento pelo próprio Estado). O contrário também é possível: se a medida sub-rogatória inicialmente empreendida não obtiver êxito, não há impedimento de emprego, então, de medida coercitiva.

Há a possibilidade, ainda, de determinação simultânea de medidas coercitivas e sub-rogatórias, em que o juiz ordena ao réu que cumpra, com imposição de medida coercitiva (multa, por exemplo), determinando, desde já, medidas sub-rogatórias hábeis a efetivar o provimento antecipatório. [38]

Para a determinação e aplicação dessas medidas, deverá o juiz observar certos parâmetros e princípios, para não sacrificar injustificadamente o réu ou tornar impossível a efetivação.

Eduardo TALAMINI destaca a impossibilidade de utilização de medida vedada pelo ordenamento jurídico, tal como a prisão civil (exceção feita quando se tratar de antecipação de tutela para pagamento de alimentos). Quanto às medidas em tese admissíveis, deverão ser seguidos os princípios gerais da proporcionalidade e razoabilidade, "que norteiam toda a atuação estatal", devendo as medidas "guardar relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior do que o necessário." [39]

Especialmente a respeito das medidas coercitivas atípicas (inominadas), o referido autor destaca duas diretrizes a serem seguidas pelo juiz, nas quais se verifica a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A primeira, de que "o meio de coerção não pode inviabilizar o cumprimento, pelo réu, do dever de fazer ou de não fazer." A segunda diretriz, é a de que "a medida coercitiva não pode sacrificar bem jurídico substancialmente mais relevante, do ponto de vista axiológico, do que o bem protegido". Exemplificativamente, a ameaça de fechamento de empresa caso ela não pague em determinado prazo, o que poderia resultar em graves conseqüências sociais. [40]

Para Luiz Guilherme MARINONI, o juiz deve observar o princípio da necessidade, ou à denominada "proibição de excesso", que, ao remeter às idéias de "equilíbrio" e "justa medida", objetiva "evitar que o direito do autor seja tutelado mediante a imposição de conseqüências ‘desmedidas’ ao demandado." [41]

Nessa linha, sendo permitida a alienação de bens (inciso II do art. 588, CPC) e consistindo ela em uma medida necessária para a efetivação (por sub-rogação), o bem a ser alienado não poderá ser impenhorável ou sua alienação não poderá importar sacrifício maior para o réu do que para o autor.

Cândido Rangel DINAMARCO entende que, em se tratando de sentença não transitada em julgado, ou de antecipação da tutela, deve o juiz agir com maior prudência, em face da provisoriedade dessas decisões e do risco de irreversibilidade da efetivação. [42]

Deve-se ressaltar que em relação a esse aspecto valem as regras da execução provisória (art. 588, CPC), com a aplicação da responsabilidade objetiva e o retorno ao estado anterior.

Marcelo Lima GUERRA, por sua vez, faz a seguinte advertência:

É quase intuitivo, e dispensa maiores considerações, o entendimento de que, devido à sua atuação como fator de pressão psicológica sobre a vontade do devedor (mesmo quando as ameaças situem-se no plano patrimonial), as medidas coercitivas podem ferir a dignidade da pessoa do mesmo devedor, a cuja pretensão convergem todos os direitos fundamentais. [43]

De fato, o juiz, ao determinar as medidas necessárias para a efetivação dos provimentos, deverá levar em consideração o respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro (art. 1° , inciso III, da Constituição da República). Por vezes, a adoção de medida coercitiva poderá implicar desrespeito à dignidade da pessoa do réu. Em outros casos, o descumprimento da decisão judicial poderá importar desrespeito à dignidade da pessoa do autor.

Podem apresentar-se, portanto, conflitos entre diversos princípios constitucionais, principalmente entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o do devido processo legal.

Para esses casos, de conflito entre direitos fundamentais, caberá ao juiz, como afirma Marcelo Lima GUERRA, observar o princípio da proporcionalidade, a fim de chegar à "concordância prática" entre eles. [44]

Assim conclui esse autor:

Conforma-se, portanto, a aplicação do princípio da proporcionalidade como critério justificativo da decisão do juiz quanto ao cabimento e a escolha de medida coercitiva. Aqui também os valores pelos quais deve o juiz guiar-se já estão todos: ou ele atende à efetividade da tutela jurisdicional, ou a algum direito fundamental do devedor derivado da proteção da dignidade da pessoa humana. Ao princípio da proporcionalidade cabe a tarefa de racionalizar a compatibilização entre esses dois valores, quando em conflito. [45]


6 EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA PARA PAGAMENTO DE SOMA EM DINHEIRO SEM OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO DO LIVRO II DO CPC: APLICAÇÃO CONJUGADA DO ARTIGO 588 E §§ 4° E 5° DO ART. 461 DO CPC

Tratando-se de caso de urgência, em que o juiz vislumbra que a observância do procedimento expropriatório do Livro II do CPC importará a inefetividade da tutela antecipada, sua efetivação deverá ser feita com a aplicação do § 3° do art. 273 do CPC, ou seja, com a aplicação do artigo 588 e §§ 4° e 5° do art. 461.

Evidentemente, mesmo que a efetivação por meio da aplicação conjugada desses dispositivos possa implicar uma maior celeridade e efetivadade para satisfação do autor, ela não produzirá milagres.

A aplicação conjugada desses dispositivos significa que o juiz pode determinar ao réu que pague em determinado prazo, sob pena de multa. Não havendo pagamento, ou simultaneamente à ordem, pode determinar medidas necessárias de sub-rogação, como a apreensão de rendimentos do réu ou a alienação de bens, por força do inciso II do art. 588 do CPC. Durante todo o procedimento, são aplicáveis as regras da execução provisória: se a tutela antecipada for revogada, o autor responde objetivamente pelos danos causados, com retorno ao estado anterior.

A respeito, Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR apresenta o seguinte exemplo: o autor, pai de família, propõe ação indenizatória decorrente de acidente de trânsito, alegando estar impossibilitado de exercer sua profissão, e que necessita realizar cirurgia urgente, bem como de recursos para sustentar sua família. Faz requerimento de antecipação da tutela, com robusta prova pré-constituída instruindo a petição inicial.

O juiz, segundo Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR, verificando a existência de prova inequívoca e diante da manifesta urgência, concede a antecipação da tutela, ordenando ao réu que, em determinado prazo, "deposite em juízo a importância relativa aos custos da cirurgia e, mensalmente, três salários mínimos, sob pena de incidir em multa diária de tantos reais, na hipótese de inadimplemento, sem prejuízo de se verificar o bloqueio judicial de seus bens e, em face da recalcitrância injustificada, ser preso em flagrante por desobediência e responder a processo criminal". [46]

Ressalte-se que, nesse exemplo, também seria possível a efetivação com aplicação do procedimento expropriatório típico dos alimentos (Capítulo IV do Livro II do CPC e Lei 5.478/68), com desconto em folha de pagamento, percepção de rendimentos (usufruto) ou imposição de prisão civil, caso o juiz entenda que os alimentos indenizativos possam ser efetivados dessa maneira, o que normalmente só é reconhecido aos alimentos próprios do Direito de Família.


7 CONCLUSÃO

A antecipação da tutela existe para, antes do momento normal (sentença), satisfazer o autor que demonstra a probabilidade de seu direito.

Uma das hipóteses para sua concessão é a possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação ao autor, em razão da espera pela produção de uma decisão final.

Concedida a antecipação da tutela nesses casos, é imperiosa a produção de efeitos concretos. Para tanto, o § 3° do art. 273 dispõe que para a efetivação da tutela antecipada é aplicável o disposto nos artigos 588, 461, §§ 4° e 5° , e 461-ª

Não existe, pela natureza da antecipação da tutela, processo de execução para seu cumprimento, e sim efetivação de acordo com os dispositivos acima citados.

Contudo, tratando-se de tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, não existindo urgência, há de ser observado o procedimento expropriatório previsto no Capítulo IV do Livro II do CPC. O que impõe tal conclusão é o dever de observância do devido processo legal para a retirada de bens legitimamente integrados ao patrimônio do réu.

Por outro lado, havendo urgência, não é somente o devido processo legal que deverá ser considerado, mas também os direots básicos do autor, como a dignidade de sua pessoa e o direito constitucional a uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.

Em razão disso, o procedimento de execução por quantia certa não há que ser seguido, sob pena de tornar inócua a tutela antecipada. Aqui, o mode defetivação previsto legalmente é o do art. 273, § 3° , do CPC: aplicação conjugada das regras da execução provisória, como garantia dos direitos do réu (art. 588), e das medidas necessárias previstas nos §§ 4° e 5° do art. 461 e 461-A.

Caso o pagamento a ser feito tiver natureza alimentar, é possível a efetivação de acord o com o procedimento previsto no Capítulo V do Livro II do CPC e na Lei 5.478/98 (Ação de Alimentos). Esse procedimento, em regra, garante uma efetivação célere.

Verifica-se, portanto, que a nota predominante no regime jurídico para efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, é a necessidade de concordância prática, a aplicação proporcional e simultânea das garantias constitucionais do devido processo legal e da tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.


NOTAS

01. Anteriormente a essa lei, a obtenção de antecipação de tutela para pagamento de soma em dinheiro era possível de ser obtida por meio do poder geral de cautela, art. 798 do CPC. No entanto, tratava-se, então, de típica antecipação dos efeitos da tutela, posto que as medidas, ainda que concedidas sob o nome de "cautelares", tinham verdadeira natureza satisfativa, pois o valor era entregue à parte.

02. MARINONI, L. G., ARENHART, S.C. Manual do processo de conhecimento. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003, p. 268.

03. DINAMARCO, C. R. Execução civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 107.

04. SILVA, O. A. B. Curso de processo civil. vol. 2. 5. ed. rev. São Paulo: RT, 2002, p. 25.

05. Id., ibid., p. 25.

06. Id., ibid., pp. 24-25.

07. Id., ibid., pp. 354-355.

08. LIEBMAN, E. T. Processo de execução. 5. ed. São Paulo: RT, 1986, p. 04.

09. DINAMARCO, C. R. Op. cit., pp. 120-121.

10. ASSIS, A. Manual do processo de execução. 8. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002, pp.126 a 128.

11. Por seu turno, Araken de ASSIS considera a execução indireta como autêntica execução, classificando-a dentre os meios executórios – "reunião de atos executivos endereçada, dentro do processo, à obtenção do bem pretendido pelo exeqüente" – de coerção pessoal ou patrimonial (ASSIS, A. Manual..., pp. 125 a 127).

12. SILVA, O. A. B. O processo civil e sua recente reforma. In: WAMBIER, T. A. A. Op. cit., p. 415.

13. Id., ibid., pp. 417-418.

14. ALVIM, J. E. C. Ação monitória e temas polêmicos da reforma processual. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 191.

15. FUX, L. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 357.

16. HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1.102.

17. ASSIS, A. Execução da tutela antecipada. In: SHIMURA, S.; WAMBIER, T. A. A. (Coord.) Processo de execução e assuntos afins. vol. 2. São Paulo: RT, 2001, p. 56.

18. Id., ibid., p. 60.

19. Id., ibid., p. 61.

20. Id., ibid., p. 62.

21. Id., ibid., pp.61-62.

22. SILVA, O. A. B. Op. cit., pp. 195-196.

23. NERY JÚNIOR, N. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2002, p. 35.

24. Id., ibid., p. 32.

25. FIGUEIRA JÚNIOR, J. D. Comentários à novíssima reforma do CPC: Lei 10.444, de 07 de maio de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 44.

26. GUERRA, M. L. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999, p. 174.

27. A propósito, a advertência de Arruda ALVIM a respeito da necessidade de reversibilidade da antecipação da tutela, também serve para elucidar a questão do respeito ao devido processo legal: "A preocupação resta enormemente diminuída, porque a tutela antecipatória ocorre num processo, perante um juiz imparcial, em face de contraditório, não havendo referências mais extensas quanto à inconstitucionalidade dessa antecipação, ou situações similares no direito comparado. O ângulo mais correto de equacionamento é o de verificar-se se o réu teve a oportunidade para demonstrar a inocorrência dos pressupostos para a concessão." (ALVIM, A. Manual de direito processual civil. vol. 2. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 403).

28. THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. vol. 2. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 20.

29. Id., ibid., p. 20.

30. ZAVASCKI, T. A. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 8: do processo de execução, arts. 566 a 645. São Paulo: RT, 2000, p. 251.

31. MARINONI, L. G. Questões do novo direito processual civil brasileiro. Curitiba: Juruá, 2002, p. 53.

32. Também como decorrência da Lei 10.444/02, ao criar o art. 461-A, o emprego de medidas necessárias é aplicável à ação cujo objeto é a entrega de coisa.

33. TALAMINI, E. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. São Paulo: RT, 2001, p. 264.

34. No mesmo sentido: FIGUEIRA JÚNIOR, J. D. Op. cit., p. 198; GUERRA, M. L. Op. cit., p. 62; MARINONI, L. G. Tutela..., p. 187; ZAVASCKI, T. A. Op. cit., p. 465.

35. Dessa forma, Marcelo Lima GUERRA preleciona: "De outra parte, a interpretação do § 5° do art. 461 como norma de encerramento é também conforme à Constituição, no sentido de permitir o máximo de concretização do direito fundamental diretamente relacionado, ou seja, aquele relativo à tutela jurisdicional efetiva." (GUERRA, M. L. Op. cit., p. 63).

36. TALAMINI, E. Tutela..., p. 264.

37. Cândido Rangel DINAMARCO apresenta a seguinte constatação: "É inegável que, não-obstante carregadas de eficácia suficiente para produzir resultados sem contar com a colaboração do obrigado (daí seu caráter sub-rogatório e não coercitivo), as medidas constritivas têm também seu poder de persuasão: uma vez concedidas e diante da iminência de sua concreta efetivação, é menos provável que o obrigado renitente prossiga em sua obstinação por não adimplir." (DINAMARCO, C. R. A Reforma..., p. 245).

38. Nesse sentido, GUERRA, M. L. Op. cit., pp. 183-184, e TALAMINI, E. Op. cit., pp. 279-282. A multa, então, incidiria até a efetivação da tutela antecipada, quer tenha sido por cumprimento pelo próprio réu, quer tenha sido pelo sucesso da medida sub-rogatória empregada.

39. TALAMINI, E. Op. cit., p. 265.

40. Id., ibid., p. 267. O autor, no entanto, ressalva: "(…) semelhante expediente, tal como o lacre de maquinário, torna-se eventualmente justificável, caso o interesse tutelado pela providência diga respeito ao meio ambiente ou à saúde pública."

41. MARINOI, L. G. Tutela..., p. 188.

42. DINAMARCO, C. R. A Reforma..., p. 245.

43. GUERRA, M. L. op. cit., p. 167.

44. Id., ibid., p. 174.

45. Id., ibid., p. 178.

46. Id., ibid., p. 46.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Alexandre. Regime jurídico da efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 207, 29 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4781. Acesso em: 26 abr. 2024.