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A inelegibilidade decorrente da reprovação de contas pelos tribunais de contas

A inelegibilidade decorrente da reprovação de contas pelos tribunais de contas

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A análise feita pelo Tribunal de Contas, sobre as contas dos administradores públicos, é restrita à correta ou incorreta aplicação do dinheiro público, ficando a cargo dos órgãos judiciários a aplicação de futuras penalidades concernentes à inelegibilidade.

INTRODUÇÃO

As inelegibilidades são circunstâncias (constitucionais ou previstas em lei complementar) que impedem o cidadão do exercício total ou parcial da capacidade eleitoral passiva, ou seja, da possibilidade de ser eleito. Desse modo, tal instituto visa restringir a capacidade do cidadão no tocante à elegibilidade. 

Em suma, dizemos serem inelegíveis as pessoas que, embora em pleno exercício de seus direitos políticos, estão impedidas de exercer temporariamente o direito de ser votado, em razão de algum motivo relevante. 

As causas geradoras da inelegibilidade são várias, iremos neste estudo citar algumas, dentre as quais estão a inelegibilidade como perda da capacidade de participar do pleito eleitoral, como ausência de requisitos que preencham o passaporte para o direito de votar e ser votado e ainda as decorrentes do desequilíbrio nas disputas eleitorais. 

Conforme o art. 14, § 9°, da Constituição Federal, a inelegibilidade tem o condão de proteger a Administração Pública contra atos que venham a ferir os princípios da moralidade e da probidade Administrativa. 

As causas de inelegibilidade estão fundamentadas principalmente na Constituição Cidadã, contudo houve a necessidade de regulamentação por meio de lei infraconstitucional.

Foi através de Lei Complementar que a matéria foi abordada com mais precisão, ampliando seu grau de incidência, como será observado no desenvolvimento do trabalho, com a Lei Complementar n° 64/90, que prevê uma vasta lista de casos onde o gestor público poderá se tornar inelegível.

Por outra via, serão ainda mencionadas algumas peculiaridades acerca da lei de improbidade administrativa, lei n° 8.429/92, em sua função de regular as sanções passíveis de aplicação aos atos de improbidade, observando os casos de inelegibilidade.

O estudo versará também, a respeito das principais modificações trazidas pela nova Lei Complementar nº 135/10, mais conhecida como “lei da ficha limpa”, de iniciativa popular e apoiada pelo movimento de combate à corrupção eleitoral.

Adiante, se abordarão as alterações que a Lei Complementar nº 135/10 promoveu, modificando dispositivos da Lei Complementar nº 64/90, no que se refere à sua aplicabilidade.

Nesse sentido, o desenvolvimento do presente estudo foi organizado em três etapas. Inicialmente se apresentarão as situações que caracterizam a aquisição da elegibilidade, expondo seus principais aspectos, além de como o indivíduo pode se tornar inelegível. 

Na seqüência se traçará um breve histórico, apontando as causas geradoras das inelegibilidades, bem como o entendimento atual do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas acerca do assunto.

Destaque-se que a pesquisa sobre o tema se deu por meio de interpretação jurídico-teórica, utilizando-se de consulta a fontes bibliográficas, jurisprudenciais e artigos virtuais. Os métodos de abordagem seguidos foram o indutivo e o dedutivo, e a técnica utilizada na organização dos dados foi a ficha de leitura.

Ressalte-se, por conseguinte, que a pesquisa jurisprudencial é imprescindível ao presente estudo, razão pela qual foi dedicado todo um capítulo apenas para a análise de casos práticos, de modo a observar como os juristas vêm se portando diante do conflito que a recente Lei Complementar nº 135/10 tem provocando, tanto na prática forense quanto entre os estudiosos do Direito. 

Por fim, serão apresentadas as conclusões obtidas a partir do estudo da temática analisada, de modo contribuir, ainda que sutilmente, na formação de opiniões acerca do tema em deslinde.


1 – O ESTUDO DA INELEGIBILIDADE, ANALISANDO OS ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E DOUTRINÁRIOS

1.1 Exercício da Cidadania: direito de votar e ser votado 

Como aspecto geral da elegibilidade a cidadania, no Direito Constitucional Brasileiro, emerge com a soberania popular, esta exercida por cada indivíduo que cumpre com todos os requisitos e obrigações necessárias para torna-se um cidadão e, a seguir, participar de maneira ativa na construção de um Poder. 

Nessa oportunidade, destacam-se os estudos do ilustre constitucionalista Paulo Bonavides (2005, p. 77), para o qual:  

“O status covitates ou estado de cidadania define basicamente a capacidade Pública do indivíduo, a soma dos direitos políticos e deveres que ele tem perante o Estado. Da cidadania que é uma esfera de capacidade, derivam direitos, quais o direito de votar e ser votado(status activae civitates) ou deveres, como os de fidelidade à pátria, prestação de serviço militar e observância das leis do Estado. Sendo a cidadania um círculo de capacidade conferido pelo Estado aos cidadãos.”

Ante o exposto, entende-se que a cidadania e soberania popular devem andar juntas, pois é a partir dessa união que surge o direito à participação política, de exercício do sufrágio universal e de elegibilidade, como conseqüente lógico. 

1.2. Da capacidade eleitoral ativa 

Pode-se conceituar a elegibilidade, de forma simples e objetiva, como sendo o direito subjetivo pertencente a todo cidadão, de acumular as capacidades eleitorais ativa e passiva. 

Analisando, inicialmente a capacidade eleitoral ativa, ou seja, a capacidade de votar, de eleger seus candidatos no respectivo pleito eleitoral, devem ser observados alguns requisitos obrigatórios, sob pena de posterior cassação do registro. 

O primeiro deles é a idade mínima de 16 anos. A esse respeito, todavia, o Tribunal Superior Eleitoral, no art. 14 da Resolução 21.538 de 2003, normatizou o entendimento de que são alistáveis os menores que completarem 16 anos até a data do pleito, desde que obedecidos os demais requisitos. 

Outro requisito indispensável, para a plenitude da capacidade eleitoral ativa, é o domicilio eleitoral na circunscrição, vez que o individuo somente pode ser registrado como eleitor, no cartório eleitoral da cidade onde tenha algum tipo de vinculação, seja ela laboral, afetiva ou ate mesmo de residência, com animus definitivo ou não. O Código Eleitoral, em seu art. 42, traz o seguinte conceito de domicilio: “[...] o lugar de residência ou moradia do requerente e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer uma delas” (grifos nossos).

Em matéria eleitoral, o conceito de domicilio é mais abrangente do que o expressado pelo novo Código Civil (arts. 70 a 74). A amplitude do conceito decorre exatamente do caráter político, que envolve a questão, razão pela qual a jurisprudência admite que vínculos patrimoniais, afetivos, profissionais, comerciais, funcionais, justifiquem a livre escolha, pelo cidadão, de um domicílio diverso do lugar de sua residência ou moradia.

Por último, tem-se um dos requisitos mais importantes, o responsável pela fixação da capacidade eleitoral ativa, que é o alistamento eleitoral, o qual deve ser requerido pelo alistando até 150 dias antes da data marcada para a realização das eleições (prazo modificado pela Lei nº 9.504/97). 

No entanto, o interessado deverá apresentar ao Cartório Eleitoral, no momento do registro, qualquer dos documentos abaixo elencados, a fim de comprovar sua identidade e formalizar seu alistamento eleitoral. São eles: carteira de identidade; carteira emitida pelos órgãos criados por lei federal, controladores do exercício profissional (exemplo: OAB, CREA, CRM etc.); certificado de quitação do serviço militar; certidão de nascimento; certidão de casamento; instrumento público do qual se infira, por direito, ter o requerente a idade mínima de 16 anos e do qual constem, também, os demais elementos necessários à sua qualificação.

É de se observar que, para a efetivação da inscrição eleitoral originária, ou seja, para aqueles alistandos que ainda não possuem título em quaisquer circunscrição eleitoral, a prova do cumprimento das obrigações relativas ao serviço militar é obrigatória, para os maiores de 18 anos, do sexo masculino.

Importa ressaltar, ainda, que o alistamento eleitoral é facultativo para os analfabetos; maiores de 70 anos e para os que tenham idade entre 16 e 18 anos de idade. Sendo, por sua vez, obrigatório para os que tenham idade inferior a 70 anos e superior a 18 anos de idade. 

Algumas pessoas, contudo, não podem de forma alguma se tornar eleitores, pois não obedecem o regramento constitucional e legal para o registro, são os denominados inalistáveis. É o caso dos estrangeiros e, durante o serviço militar obrigatório, do conscrito, conforme dispõe o art. 14, § 1° e § 2°, da Constituição Federal de 1988. Senão vejamos:

“Art. 14 (...)

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:a) os analfabetos;b) os maiores de setenta anos;c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. (...) (grifos nossos)”

1.3. Da capacidade eleitoral passiva

A capacidade eleitoral passiva, por seu turno, trata da possibilidade do cidadão vir a ser candidato, para cargo eletivo majoritário ou proporcional. Para tanto, também são exigidos o cumprimento de alguns requisitos, os quais serão tratados a seguir.

 Para titularizar a possibilidade de ser candidato a cargo eletivo será indispensável, para o eleitor a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos; o alistamento eleitoral; o domicílio eleitoral na circunscrição; a filiação partidária, além da idade mínima exigida para o cargo.

O primeiro requisito, necessário para se adquirir a capacidade eleitoral passiva, é possuir a nacionalidade brasileira. Logo, se conclui que poderá ser candidato a cargo eletivo o brasileiro nato ou naturalizado, excluindo-se apenas os estrangeiros (art. 14, § 2°, CF). 

Em decorrência do principio da isonomia é vedado, pela Constituição Federal, tratamento diferenciado entre brasileiros, seja ele nato ou naturalizado, salvo quando a Constituição expressamente o indicar. 

Ademais, no ordenamento jurídico-constitucional pátrio, existem algumas restrições, como se observa quanto à impossibilidade inclusive de brasileiro naturalizado ocupar alguns cargos, como ocorre em relação aos de Presidente e Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal, Ministro do Supremo Tribunal Federal, carreira diplomática, oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estado da Defesa, como está previsto expressamente no art. 12, § 3°, da Constituição Federal.

Outra exigência, para ser candidato, é a plenitude dos direitos políticos, os quais somente poderão ser mitigados caso ocorra algumas das causas do art. 15, da Constituição Federal de 1988, senão vejamos:

“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.”Mais dois requisitos necessários para a aquisição da capacidade eleitoral passiva são o alistamento eleitoral e o domicilio na circunscrição, requisitos lógicos e de fácil entendimento, pois seria inconcebível uma pessoa que tenha o desejo de se candidatar a determinado cargo eletivo, não estar registrada como eleitora no respectivo cartório da comarca na qual visa concorrer ao cargo ou, ainda pior, registrado em determinada comarca, pleitear cargo eletivo em outra na qual não tem nenhum vinculo. 

Essa possibilidade é completamente descabida, além de contrariar disposições constitucionais e legais, pois se tem notícia de manobras de pretensos candidatos, no intuito de verdadeiramente violar os limites da razoabilidade, caracterizadas pela candidatura, a cada pleito, em cidades diferentes, de modo a se perpetuar no poder por anos, ainda que por via obliqua, através de parentes. 

Na seqüência, outra exigência para que o indivíduo se torne elegível é estar filiado a partido político, ou seja, ter filiação partidária. Esta consistente no ato formal que vincula o político ao seu partido, que se caracteriza essencialmente pelo registro de determinada pessoa no assentamento funcional do partido, ficando, dessa forma, vinculado à agremiação partidária. Destaque-se, contudo, que somente poderá filiar-se a partido político quem esteja em pleno gozo dos direitos políticos.

1.4. Da inelegibilidade

Para falar sobre o tema inelegibilidade, como bem ensina o Professor Adriano Costa (2006), é oportuno fazer uma relação estrita com o já estudado tema da elegibilidade,  de modo a que o entendimento a respeito do assunto abordado se torne mais palpável e didático.

Ao partir da idéia de que para possuir a elegibilidade é indispensável que o cidadão esteja de acordo com todas as condições necessárias para adquirir a capacidade eleitoral ativa - de votar, e passiva - de ser votado, se conclui que a inelegibilidade será entendida, desde logo, como a perda dessa capacidade, ou a ausência dela. Neste caso, por não deter ainda as condições mínimas de exercer o direito subjetivo público de ser votado, ou seja, de concorrer a algum cargo. 

É oportuno, nesse instante, colacionar o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, na consulta de nº 1.147/DF, cujo relator foi o Ministro Arnaldo Versiani, julgado em 17 (dezessete) de julho de 2010:

“A inelegibilidade, assim como falta de qualquer condição de elegibilidade, nada mais é do que uma restrição temporária à possibilidade de qualquer pessoa se candidatar, ou melhor, de exercer algum mandato. Isso pode ocorrer por eventual influência no eleitorado, ou por sua condição pessoal, ou pela categoria a que pertença, ou, ainda, por incidir em qualquer outra causa de inelegibilidade.” 

Tem-se, dessa forma, que a temática da inelegibilidade, em se destacando a sua importância para o estudo do Direito Eleitoral, ocupa lugar de destaque no estado democrático de direito, pois, a partir do entendimento de que a capacidade passiva que o cidadão adquire é pressuposto lógico do dever de votar, levando em conta a seguinte indagação de que para que haja a imposição deste dever, é sem dúvida imperioso que exista anteriormente o direito de concorrer a algum cargo eletivo.

E, como bem enfatiza a boa doutrina, a inelegibilidade é um óbice à capacidade eleitoral passiva e, sem dúvida, um obstáculo jurídico ao pleno exercício do direito de ser votado.

1.5 Causas geradoras de inelegibilidade 

A impossibilidade jurídica de disputar as eleições é o que se denomina inelegibilidade. Faz-se necessário, aqui, expor o posicionamento do renomado Costa (1998, p. 148-152), que propõe a distinção entre o que ele denomina inelegibilidade inata e inelegibilidade cominada, como as formas de perda do direito de ser votado.

No presente estudo, se utilizará a nomenclatura sugerida pelo doutrinador referido, se apresentando a subdivisão da inelegibilidade, como ausência de requisitos de elegibilidade e como decorrente da perda de elegibilidade. 

No que tange à inelegibilidade, que surge da ausência de requisitos necessários, os quais garantem o direito subjetivo ativo e de participar do pleito eleitoral, nessa hipótese o não preenchimento de tais exigências acarreta a negação, tanto do direito de votar, quanto de ser votado.

Já em relação à inelegibilidade decorrente da falta do registro de candidatura, se constata que esse registro consiste em requisito, exigido a qualquer cidadão comum que, após cumpridas todas as obrigações a ele impostas, somado ao desejo de participar do pleito eleitoral, fará nascer o direito de ser participar do processo eleitoral ativamente, como candidato. Frustrado algum dos requisitos exigidos, dentre os quais se encontra o registro da candidatura, instaura-se a situação de inelegibilidade. 

Há, ainda, a inelegibilidade, como perda da elegibilidade, que seria aquela decorrente da prática de fatos ilícitos, descritos na norma jurídica como tal, visando ilegalmente conseguir beneficio para a sua candidatura e, geralmente, são cometidos por aquelas pessoas que já tem o direito de concorrer às eleições, mas perdem essa capacidade quando cometem os atos de abuso de poder econômico, político, ou uso indevido dos meios de comunicação. Esses desvios são praticados, no geral, pelo detentor do poder, ou por aqueles investidos em cargos diretamente ligados à Administração Pública.

Nesse contexto pode-se tecer um oportuno comentário, do já referido Costa (1998, p.153), que tão bem aduz:

“A inelegibilidade cominada é a sanção imposta pelo ordenamento jurídico, em virtude da prática de algum ato ilícito eleitoral – ou de benefício dele advindo -, consistente na perda da elegibilidade ou na impossibilidade de obtê-la.”  Podem ainda, estas pessoas que cometeram algumas dessas irregularidades, virem a ser processadas, através da ação de impugnação de registro de candidatura, de ação de investigação judicial eleitoral ou de ação de impugnação de mandato eletivo, gerando em decorrência dos atos praticados por eles, a perda de sua elegibilidade, com a conseqüente cassação do registro de sua candidatura.

Tem-se, também, a inelegibilidade que decorre do desequilíbrio nas disputas eleitorais, por possuir o candidato à cargo eletivo, parentesco, com o atual representante do poder, fazendo com que este tenha vantagens no embate político, por estar o domínio do poder nas mãos de um mesmo clã, tendo como conseqüência, a desvantagem dos adversários que venham a disputar o pleito eleitoral. 

A esse respeito, Da Costa (2006, p. 221) exemplifica: “Se alguém possui laços de sangue com um mandatário do poder executivo municipal e deseja se candidatar pela vez primeira a vereador, não poderá obter o registro de sua candidatura, sendo inelegível. Ao fato do parentesco, que não é ilícito, acompanhado de outras circunstâncias (espacial: estar na mesma circunscrição eleitoral do parente; normativa: não desincompatibilização; temporal: antes do período de seis meses que antecedem à eleição), gera a impossibilidade de obtenção do registro de candidatura.”  Portanto, deve-se esclarecer, que a previsão de inelegibilidade, nesses casos, tem razão de ser, vez que visa impedir que os concorrentes, que estão participando da disputa eleitoral, não venham a ser prejudicados na corrida por uma vaga. 

Sendo assim, mais uma vez, o autor já citado, Da Costa (1998, p. 147), refere que: “Da mesma forma, a inelegibilidade decorrente de relações de parentesco não tem conteúdo de castigo pela prática de ilícito, mas apenas tem por fim proporcionar maios de equilíbrio na disputa eleitoral”.

Dessa maneira, a existência de parentesco com alguém que possui cargo político não gera fato ilícito, no entanto poderá o pretenso candidato ser impedido de participar do pleito eleitoral, de forma passiva, mas irá depender de qual mandato político o parente já exerça.  


2 – INELEGIBILIDADE DECORRENTE DA REPROVAÇÃO DE CONTAS

2.1. Evolução histórica

Ao tratar do tema em deslinde, se torna necessária a apresentação da sua evolução. Percebe-se, assim, que as discussões sobre o assunto das inelegibilidades a cada ano vem evoluindo, principalmente no período eleitoral, quando gera inúmeros questionamentos e preocupações para aqueles que, de alguma maneira, participam do pleito eleitoral, seja na disputa por mandato político, seja na árdua tarefa de eleitor consciente.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os legisladores trouxeram, no bojo da Carta Magna, mais especificamente em seu art.14, os requisitos necessários para caracterizar a capacidade eleitoral ativa e passiva, a saber: a nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e idade mínima, dependendo do cargo concorrido.

Estabeleceu, ainda, as causas de inelegibilidade, descrevendo como tais os inalistáveis e os analfabetos (art. 14, § 4° da CF/88), os inelegíveis, de acordo com o art. 14, § 7°, da Constituição Federal de 1988, deixando, também, uma porta aberta para que o assunto em análise seja regulado através de Lei Complementar futura, como observado no texto da Constituição, em seu art. 14, § 9º, já com a redação inserida pela Emenda Constitucional de revisão nº, 4, de 7 de junho de 1994, como observado abaixo:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

Dessa maneira, o parágrafo citado, deixa expresso o cabimento de outros preceitos infraconstitucionais, pelos quais seria possível a elaboração de regramentos, que viessem  regulamentar e ampliar as causas decorrentes de inelegibilidade. 

Como é cediço, a Constituição Federal outorgou, à Lei Complementar, a função de criar outras espécies de inelegibilidades, além das já proclamadas no texto constitucional que são consideradas taxativas. 

No entanto, somente por meio de Lei Complementar, que possui sua estrutura inicial retirada de uma norma superior, responsável pela regulamentação de toda a sua criação, é que a Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990, mais conhecida como “lei das inelegibilidades”, foi editada, em obediência a um regulamento supremo que no presente caso, foi o § 9º do art. 14 da Constituição Federal.  

A partir de então é que se pode perceber, concretamente, que a Constituição Federal resguardou a possibilidade de que leis infraconstitucionais viessem a regular outras causas de inelegibilidade, que não estão inseridos no texto constitucional, fazendo com que se alargue ainda mais o leque de abrangência, no intuito de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato político, considerando a vida pregressa do candidato, de modo a resguardar a integridade das eleições, contra as influencias daquelas pessoas que já detém algum poder político, e o usufrui em interesse próprio.  

2.2 Aplicabilidade da Lei Complementar 64/90, em sua alínea “g”, inciso i, do art.1º

A inelegibilidade descrita na alínea “g”, inciso I, do art. 1º da Lei Complementar 64/90, é uma das causas mais aplicáveis dentre as descritas pela referida Lei, e até mesmo entre as contidas na Constituição da República.

Não poderia ser diferente a sua aplicabilidade, tendo em vista o dever de fiscalização efetuada pelos Tribunais de Contas, a respeito daquelas pessoas que estão exercendo cargo ou função pública, seja na Administração direta ou indireta e, que de alguma forma, são gestores de recursos oriundos do Poder Público.

Dessa maneira devem, os Conselhos de Contas, tornar disponível à Justiça Eleitoral, a relação de todos os agentes que tiverem as contas rejeitadas relativas ao exercício de suas atividades, por motivo de irregularidade insanável ou por decisão irrecorrível do órgão regulador.

É de ser observado, ainda, o prazo contido no § 5º, do art. 11 da lei nº 9504/97, referente à data em que os Tribunais de Contas possuem para enviar todas as contas relativas ao período em que aquele gestor, futuro candidato, passou em poder do cargo ou função, como descrito abaixo: 

“Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.

§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.”

Faz-se necessário, nesse instante, traçar um esboço a respeito do funcionamento e atuação dos Tribunais de Contas, na fiscalização daquelas pessoas que exercem cargo político, principalmente no Poder Executivo.

Estes agentes possuem um orçamento público, aprovado por lei específica destinado ao próximo ano, tendo como objetivo cumprir com todos os gastos, seja na educação, saúde, pagamento do funcionalismo público etc. 

No decorrer do ano, na proporção em que o gestor for executando a distribuição dos recursos para as diversas Secretarias ou Ministérios, ele deverá seguir fielmente o orçamento ao qual está adstrito, cumprindo a lei manifestada pelo legislador, quando da aprovação orçamentária.

Não cumprindo o que ficou estabelecido na lei, mais especificamente no que se refere à distribuição do orçamento, o agente político, estará submetido à fiscalização, pelo Tribunal de Contas, que poderá, caso haja necessidade, emitir um parecer prévio ao órgão julgador competente, como bem orienta o art. 71, inciso I da Constituição Federal, adiante trascrito, o qual irá decidir se o administrador se tornará inelegível ou não, no que diz respeito à alínea “g”, do inciso I, do art.1º, da lei complementar nº 64 de 1990. Nesse sentido:

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento.”

Destarte, é certo que a Corte de Contas, analisará os gastos públicos no que se refere à realização de despesas efetuadas pelo administrador público, além das casas legislativas correspondentes, procederem a averiguações acerca das regularidades ou irregularidades quanto à execução orçamentária.

Dessa maneira, é necessário observar a existência da possibilidade de julgamento, e possível rejeição de contas pelos dois órgãos acima mencionados, possuindo eles a competência de decidir, administrativamente, de forma definitiva, se reprovam ou não as contas, tornando o agente impedido de exercer atividade política por determinado espaço de tempo. 

Acerca das decisões dos Tribunais de Contas, Cândido (1999, p.188), ensina que:

“Embora órgãos constitucionalmente autônomos, sua atividade é técnico-administrativa – e não jurisdicional – e, assim, “administrativamente” suas decisões torna-se irrecorríveis, após esgotadas todas as instâncias que compõem o órgão.”

Sendo assim, as decisões exaradas pelos Tribunais de Contas, quando não existir mais recursos cabíveis na mesma esfera, são consideradas definitivas e irrecorríveis.

É importante ainda, se atentar ao conteúdo da referida alínea “g”, em sua íntegra:

“Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição. (grifo nosso)”

Note-se que, parece ser insanável a irregularidade que gera a reprovação de contas do agente político, o tornando inelegível. Atente-se também, que a insanabilidade, a qual se faz referência, é a decorrente de improbidade administrativa, tendo em vista ser ela a principal causadora de prejuízo ao patrimônio público, indo dessa forma, de encontro dos princípios basilares da Administração.  Ratificando o que foi exposto, mais uma vez é pertinente se recorrer dos ensinamentos do jurista Cândido (1999, p.185), que caracteriza a irregularidade insanável:

“Irregularidade insanável é aquela que, cometida, definitivamente não pode mais ser corrigida. Ela é insuprível e acarreta uma situação de irreversibilidade na administração pública e seus interesses, além de se caracterizar como improbidade administrativa.” É necessário, à conclusão do raciocínio, perceber que cabe ainda à Justiça Eleitoral, ao apreciar o registro de candidatura, quando do pedido efetuado pelo pretenso candidato, verificar se é insanável a irregularidade e, sendo, analisar se já decorreu o prazo da inelegibilidade, que é de 8 anos ou, se a decisão que rejeitou as contas por irregularidade irreversível foi questionada ao Poder Judiciário, no intuito de rebater os pontos apresentados pelo Tribunal de Contas, na tentativa de suspender a inelegibilidade, trazendo de volta o direito à participação do pleito eleitoral.  

Outrossim, cabe a propositura de ação anulatória, ao Poder Judiciário, na busca de suspender a decisão que rejeitou as contas do agente público, no sentido de contestar alguma formalidade não cumprida, no decorrer do julgamento que recusou as contas, suspendendo a determinação e trazendo de volta o direito à elegibilidade.           

2.3 Diferença entre Inelegibilidade e Improbidade Administrativa

Como já mencionado, inelegibilidade nada mais é do que a impossibilidade, restrição ou até mesmo a incapacidade de candidatar-se a cargo eletivo, seja por mandamento constitucional, seja por mandamento infra-constitucional, como por exemplo a inelegibilidade que decorre da reprovação das contas dos titulares da mandatos eletivos, tipificadas na Lei Complementar nº 64/90.

Adotando o conceito de inelegibilidade Costa (1998, p. 145), leciona que, para chegar à idéia central desse instituto deve-se pôr, o mesmo, em confronto com outro instituto, qual seja a elegibilidade, vejamos o que diz o professor:

“Assim como o conceito jurídico de incapacidade civil apenas tem densidade semântica quando confrontado com o conceito de capacidade civil, idêntica forma a inelegibilidade apenas pode ser profundamente conhecida se vista em confronto como conceito de elegibilidade. Sendo a elegibilidade o direito subjetivo de ser votado (= direito de concorrer a mandato eletivo), a inelegibilidade é o estado jurídico negativo de quem não possui tal direito subjetivo – seja porque nunca teve, seja porque perdeu”. 

No que se refere à Lei Complementar n° 64/90, prevalecerá a idéia de que os Administradores Públicos, responsáveis por quantias, verbas ou bens públicos, devem prestar contas de sua administração junto ao órgão competente, sob pena de sanções administrativas, civis e penais.

É importante destacar a noção ampla de Administradores Públicos, uma vez que o dever de prestar contas não envolve somente os chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governador do Estado ou Prefeito do Município), mas também os demais responsáveis por administrar qualquer entidade mantida pelo Poder Público, incluídas aqui as entidades da Administração Pública Indireta como as autarquias e fundações públicas.

Superada essa discussão, destaque-se o que prescreve o artigo 1°, I, “h”, da Lei Complementar n° 64/90, com as devidas alterações da Lei complementar nº 135/ 2010:

“Art. 1º (...)

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”

A lei de Improbidade Administrativa (lei n° 8429/92), dentre outras funções, regula as sanções passiveis de serem aplicadas aos atos de improbidade administrativa.

Paulo e Alexandrino (2007, p. 73), conceitua agente público como sendo: “Todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função pública”. 

Complementando essa definição, o art. 2°, em sua parte final, enquadra como agente público, no que se refere à prática de atos de improbidade, aqueles que exerçam cargo, mandato ou emprego nas empresas incorporadas ao patrimônio público, nas entidades para cuja criação ou custeio o Poder Público tenha concorrido ou ainda concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita atual, nas entidades que recebem subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício do Poder Público, ou nas entidades para cuja criação ou custeio o Poder Público concorra, ou haja concorrido, com menos de 50% do patrimônio ou receita bruta anual. 

Ressalva deve ser feita ao art. 1° parágrafo único, nesse sentido:

“Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. (grifos nossos)”

Da leitura do artigo, tem-se que as entidades que recebem subvenção, beneficio ou incentivo fiscal ou creditício do Poder Público, além das entidades para cuja criação ou custeio o Poder Público concorra ou haja concorrido com menos de 50% do patrimônio ou receita bruta anual, estarão limitadas nas sanções patrimoniais à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos, ou seja, tais entidades terão que se valer de outros instrumentos, para obter o ressarcimento do dano causado por ato de improbidade. 

Por outro lado, Agentes Políticos na lição dos eminentes Professores Paulo e Alexandrino (2007, p. 76), são os chefes do Poder Executivo (Presidente, Governador e Prefeito), seus auxiliares imediatos (Ministros, Secretários Estaduais e Municipais) e ainda  os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores): “Os agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, as quais incubem as funções de dirigir, orientar e estabelecer diretrizes para o poder público” (grifo não contido no original).

A lei em tela, ao estabelecer quais são os atos de improbidade administrativa, os divide em três grandes grupos: atos de improbidade que causem enriquecimento ilícito (art. 9°); ato de improbidade que causam lesão ao patrimônio público (art.10) e atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Vale ressaltar, por oportuno, que no conceito acima descrito de agente públicos, não se enquadram os agentes políticos. Trata-se de tema bastante discutido pela doutrina e jurisprudência, parte dela acredita que os agentes políticos por possuírem imunidades parlamentares, concernente ao foro, não estão sujeitos a lei de improbidade administrativa (Lei n° 8429/92), pois são regidos de forma especial pela lei de responsabilidade, qual seja Lei n° 1.079/50. Corroborando com esse entendimento o STF proferiu na Reclamação nº 2138/DF (Informativo 471 do STF) a seguinte decisão: 

“Após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade (...).”

Com isso, infere-se que a improbidade administrativa é um pressuposto antecedente lógico para a formalização da inelegibilidade do agente público, e com esta não se confunde, pois é apenas uma das condições (stritum sensu) que impede a concorrência no pleito eleitoral.  

No que diz respeito à análise das contas, esta exige um trâmite especial, que vai depender da esfera governamental a ser analisada. Dessa forma, o processamento ocorre da seguinte maneira: o Congresso Nacional, por determinação constitucional, analisa e julga as contas do Presidente da República, porém após parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), ou seja, inicialmente, as contas presidenciais serão analisadas pelo TCU, que deve emitir parecer valorativo, de sua análise e, em seguida, encaminhar o mesmo ao Congresso Nacional, a quem compete o julgamento, segundo dispõem o art. 49, IX e o art. 71, I da Constituição Federal:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República (...)

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento”

Pelo principio da simetria, as constituições estaduais adotam o mesmo procedimento, ou seja, a Assembléia Legislativa será o órgão competente para o julgamento das contas dos Governadores, depois de analisadas, e emitido o respectivo parecer pelo Tribunal de Contas do Estado.

No âmbito municipal o procedimento é um pouco diferenciado, pois, conforme o art. 31, § 1° e § 2° da CF/88, o controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxilio dos Tribunais de Contas do Estado, ou onde houver, dos Tribunais de Contas dos Municípios e dos Conselhos de Contas Municipal, cabendo-lhes emitir parecer sobre as contas dos respectivos prefeitos, que somente será desprovido por 2/3 dos membros da Câmara de Vereadores.

Diferentemente do que ocorre com o parecer elaborado pelo TCU, em análise das contas presidenciais, e do próprio TCE, em análise de contas governamental, o parecer do TCE ou do TCM ganha mais força na esfera municipal, somente poderá deixar de prevalecer por decisão de 2/3 de seus membros. Aliás, quorum bastante elevado, pois em se tratando dos Municípios do Estado de Alagoas, onde a maioria deles têm 9 (nove) vereadores, somente seria derrubado o parecer do TCE ou TCM por 6 dos vereadores.

Mesmo necessitando de quorum bastante elevado para desconsiderar o parecer emitido pelo TCE ou TCM, a Câmara municipal por 2/3 de seus membros poderá rejeitá-lo. Dessa forma, não há o que se falar em parecer com efeito vinculante. Sendo assim, a análise das contas feitas pelo TCE ou TCM, também não podem por si só condenar o agente político, ao passo que se isso ocorresse se estaria suprimindo uma fase do processo de prestação de contas, qual seja, aprovação ou desaprovação do parecer, emitido pelo órgão de contas, junto a Câmara Municipal.

Por fim faz necessário destacar o teor do art. 71, II da Constituição federal, vejamos:

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.”

Conforme o artigo supracitado, é competência do Tribunal de Contas da União, na esfera federal, a análise e julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro ou bens públicos de propriedade da Administração Pública Direta e Indireta, incluídas todas as entidades federais mantidas pela União. Já na esfera Estadual, compete ao Tribunal de Contas do Estado. 

É relevante mencionar, que os Administradores Públicos, que não prestem contas de sua administração, estarão praticando ato de improbidade administrativa que atenta aos princípios basilares da Administração Pública, sendo penalizados com a suspensão de seus direito políticos e posterior perda da função pública que desempenha, como prescrevem o art. 11, VI e art. 12, III, da lei 8.429/92.

2.4 Lei Complementar nº 135/2010 e suas alterações

A Lei Complementar 135/10, mais conhecida como “lei da ficha limpa”, surgiu através da iniciativa popular e pelo movimento de combate à corrupção eleitoral, e teve a sua aprovação nas duas casas do Congresso Nacional, ocorrendo em seguida a publicação no diário oficial do dia de 7 (sete) de junho de 2010, após sanção do Presidente da República, entrando imediatamente em vigor. Tem como principal objetivo modificar alguns dispositivos da Lei Complementar nº 64/90. 

As mudanças mais significativas, trazidas pela redação da nova Lei Complementar 135/10, como bem menciona Bruno Barata Magalhães, no artigo intitulado “Lei das inelegibilidades deve fazer prevalecer princípios legais”, dizem respeito aos seguintes aspectos: 1) o aumento do lapso temporal em que o agente, que se tornou inelegível, irá permanecer impedido de participar do pleito eleitoral de forma passiva; 2) e a possibilidade de apenas uma decisão, sendo ela expressa por um órgão colegiado, impedir o candidato de concorrer a um mandato político.

Assim, com a nova redação introduzida pela Lei Complementar nº 135/10, o prazo da sanção àquele que cometeu crime eleitoral descrito na norma em estudo, passou de 3 (três) para 8 (oito) anos, além de não ser mais analisado se houve, ou não, o trânsito em julgado.

O que importa, nesse instante, é saber se já existe decisão proferida por órgão colegiado, não bastando apenas a sentença de primeiro grau, necessitando também a expedição de uma decisão colegiada exarada por um Tribunal, mesmo que não seja definitiva de mérito cabendo, neste caso, recurso aos Tribunais Superiores.  

A nova redação da Lei Complementar nº 64/90, introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010, modificou e ampliou alguns regramentos referentes à inelegibilidade, como observado no texto original da lei modificada em comparação com a atual escrita dada pela Lei Complementar nº 135/2010, em sua alínea “g”, inciso I, do art.1º, a seguir expostas.

A grafia original da Lei Complementar nº 64/90:

“Art. 1º - São inelegíveis:

I- Para qualquer cargo”:

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade   insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo   submetida à   apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 anos seguintes, contados a partir da data da decisão.”

Com a alteração inserida pela Lei Complementar nº 135/2010:

“g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.”

Nesse sentido, ao analisar a alínea “g”, fica claro a alteração a regra da inelegibilidade decorrente de reprovação de contas. Antes da Lei Complementar nº 135/2010 era necessário que as contas do agente público fossem rejeitadas por inelegibilidade insanável, para o pretenso candidato se tornar inelegível. 

Agora, após as mudanças, resta claro o entendimento de que será inelegível aquele que estiver com as contas rejeitadas, por irregularidade insanável e, que por ato doloso, configure a improbidade administrativa. 

Então, as conseqüências geradas por culpa do agente público, decorrentes de negligência, imprudência e imperícia, não serão consideradas fato gerador da inelegibilidade, sendo assim consideradas apenas as de ato intencional e caracterizadoras de atos de improbidade administrativa.


3 – ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS DO TRIBUNAL REGIONAL DE ALAGOAS

3.1. Entendimento do TRE-AL antes da lei complementar n° 135/2010

Diante da dimensão do assunto ora tratado, e pela didática apresentada, elegeram-se algumas decisões do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, consideradas as mas paradigmáticas, a fim de servirem como suporte à presente análise, de modo a corroborar com a melhor compreensão prática do tema em deslinde.

Importa salientar, que estas decisões não são as únicas existentes, contudo as que foram elegidas como mais adequadas para tratar do assunto em exame. Na oportunidade, serão apresentados os posicionamentos do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas anteriores e posteriores a Lei Complementar n° 135/2010.

No que se refere à inelegibilidade decorrente da desaprovação das contas junto ao Tribunal de Contas (Estadual ou da União), é importante salientar que a justiça eleitoral não tem competência para julgar como correta ou incorreta a análise ou decisão do órgão de contas, mas sim de verificar os requisitos do art. 1°, I, alínea “g” da Lei Complementar nº 64/90, que determinará a inelegibilidade do postulante a cargo eletivo.

Com base nesse entendimento, o Tribunal Regional Eleitoral no acórdão n° 5.281 de 28 de agosto de 2008, com relatoria da Excelentíssima Doutora Juíza Ana Florinda Mendonça da Silva Dantas, que tratou de Recurso eleitoral interposto pelo Sr. Roberto Sapucaia dos Santos, candidato ao cargo de Prefeito do Município de Maribondo – AL, com objetivo de alterar a sentença que determinou o indeferimento de registro de sua candidatura, em conseqüência da desaprovação das contas pelo Tribunal de Contas da União e pela Câmara de Vereadores do Município, quando o mesmo era chefe do poder executivo municipal. 

No recurso eleitoral acima referido, o postulante alega, em sua tese inicial, que a inelegibilidade decorrente da rejeição de contas pelo órgão competente somente ocorreria nos casos em que a questão não fosse submetida à apreciação do Poder Judiciário, baseando-se na literal disposição do art.1°, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/90, alega ainda, que não caberia a Justiça Eleitoral ampliar o entendimento do dispositivo supra mencionado, vez que não seria o espírito da norma. 

No entendimento do postulante somente caberia a Justiça Eleitoral aplicar de forma restrita o enunciado da Lei Complementar, pois tratam-se de limitações ao direito constitucional da elegibilidade, garantidos a todos os cidadãos que preencham alguns requisitos. Alega, por fim, que não teria sido convocado para a sessão na Câmara dos Vereadores em que foram rejeitadas as suas contas. Diante desses fatos, o postulante solicitava que o recurso fosse conhecido e deferido. 

Importa salientar que o Ministério Público Eleitoral, na pessoa da Douta Procuradora Regional Eleitoral, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

A relatora, Juíza Ana Florinda, de início conheceu o recurso, após a verificação do preenchimento de todos os requisitos formais, adentrando posteriormente, na análise do mérito.

Ao contrário da tese argüida pelo recorrente, a relatora se posicionou no seguinte sentido:

“A ressalva contida na parte final da letra g do inciso I do seu Art. 1° da lei Complementar n° 64/90 há de ser entendida como a possibilidade, sim, de suspensão de inelegibilidade mediante ingresso em juízo, porém, dês que a ação verse temas de índole meramente processual, uma vez que não cabe ao poder judiciário substituir-se à Corte de contas em sua atividade fim, e que haja um provimento cautelar suspendendo os feitos da decisão contra a qual irresigne o recorrente.”

Diferindo da opinião do recorrente, no que concerne a parte final da letra “g” do inciso I do seu art. 1° da Lei Complementar 64/90, a relatora identificou a possibilidade de suspensão da inelegibilidade, mediante o ingresso em Juízo, sendo necessários dois requisitos, quais sejam: 1) que a ação verse sobre tema meramente processual; 2) e que exista provimento cautelar suspendendo os efeitos da decisão contrária ao recorrente.

Sobre o primeiro requisito, acerca da ação versar sobre matéria processual, como já referido, não cabe ao Poder Judiciário decidir se está ou não correta a análise das contas, feita pela Corte de Contas, pois é exclusiva deste órgão a competência para tratar sobre o tema. 

O Poder Judiciário, por sua vez, está adstrito, somente, à análise dos requisitos ensejadores da inelegibilidade, contida no mencionado dispositivo, ou seja, decisão irrecorrível e vícios decorrentes de irregularidades insanáveis.   

Sobre o segundo requisito, inferido pela ilustre relatora, destaque-se ser necessária, para a suspensão da inelegibilidade, a existência de provimento cautelar decidido pelo Poder Judiciário, afastando a inelegibilidade decretada anteriormente, ou seja, ao contrário do entendimento utilizado pelo recorrente, a mera interposição, junto ao Poder Judiciário, não tem o condão de suspender a inelegibilidade, sendo condição necessária e suficiente a decisão, na esfera judicial, favorável ao pleito.

Ademais, foi muito feliz a relatora ao fundamentar os requisitos intrínsecos da letra “g”, inciso I, do art. 1°, da Lei Complementar nº 64/90. Segundo a mesma:

“No presente caso, verifico que os ministros do TCU julgaram irregulares, por decisão irrecorrível (trânsito em julgado em 13/12/2006), as contas do Sr. Roberto Sapucaia dos Santos, ex-prefeito do Municipio de Maribondo, referente ao convênio n° 687/97, celebrado entre o Fundo Nacional de Saúde e a Prefeitura Municipal. (grifos contido no original)

Acrescente-se, demais disso, que a insanalibidade das contas é visível, pois, consoante daquela corte de contas, apesar da liberação dos valores, não haveria comprovação de sua boa e regular aplicação, o que, ao menos em tese configurariam atos de improbidade administrativa e / ou penal, contrários ao interesse publico. (grifos não contidos no original)”

Diante disso, a nobre julgadora, baseada na inexistência de provimento cautelar para suspender a inelegibilidade, e ainda fundamentada na decisão irrecorrível proferida pelo TCU, além da insanabilidade do vício acarretado pela má aplicação do erário publico, decidiu, em seu voto, negar provimento ao recurso, mantendo o indeferimento do registro da candidatura, com base na letra “g” inciso I, art.1°, da Lei Complementar nº 64/90.

Outrossim, decidiu o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, no caso em tela, por unanimidade, negar provimento ao recurso mantendo o indeferimento do registro da candidatura, bem como a inelegibilidade, nos termos do voto em comento.  

Por conseguinte, vale destacar o entendimento da Corte Eleitoral de Alagoas, no que concerne à omissão na prestação de contas e posterior interposição de recurso junto ao TCU, conforme se infere da ementa:

RECURSO INOMINADO. ELEIÇÕES 2008. CARGO. PREFEITO. REGISTRO. CANDIDATURA. DEFERIMENTO. VIDA PREGRESSA. ADPF Nº 144/DF. DECISÃO. STF. EFEITO VINCULANTE. REJEIÇÃO. CONTAS PREFEITO. TCU. RECURSO DE REVISÃO PROVIDO. EXISTÊNCIA. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, "g", DA LC Nº 64/90 DESCARACTERIZADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Embora haja o fechamento da interpretação, considerando o disposto na decisão do STF, no que respeita a ausência de auto-aplicabilidade do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, é possível aplicar outras normas da Constituição para exigir a idoneidade moral quanto ao exercício de cargo eletivo. 2. Tendo em vista que a decisão da ADPF tem efeito vinculante, ressalvo o meu entendimento, mas me curvo à decisão do STF para desconsiderar a vida pregressa maculada como apta ao indeferimento do registro. 3. Havendo provas nos autos de que foi interposto recurso de revisão, devidamente conhecido e provido, para aprovar com ressalvas as contas julgadas e dar quitação ao gestor público, não há de incidir a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, letra "g" , da Lei Complementar nº 64/90. 4. Manutenção do deferimento do registro de candidatura. 5. Recurso desprovido.

No presente caso, o acórdão n° 5283 de 28 de agosto de 2008, o TRE de Alagoas, com relatoria do Juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, tratou do recurso interposto pelas coligações “A FORÇA QUE VEM DO POVO” e “RENOVAR PARA EVOLUIR”, com objetivo de alterar a sentença que acolheu a tese argumentativa do Sr. José Pacheco Filho, onde foi conferido o registro de candidatura ao cargo de Prefeito Municipal.

Ocorre que, no juízo de 1° grau, o Sr. José Pacheco Filho teve sentença favorável ao seu registro. Diante disso, as coligações acima referidas interpuseram recurso, com o intuito de reformar tal decisão, utilizando-se da tese de que o Sr. José Pacheco Filho, candidato ao cargo de Prefeito de São Sebastião, estaria sendo processado, o que obrigaria a Justiça Eleitoral analisar a vida pregressa do candidato, e ainda enquadrá-lo na causa de inelegibilidade contida na letra “g”, I, do art. 1° da Lei Complementar n° 64/90.

O Ministério Público Eleitoral, por seu turno, concordou com a tese levantada pela acusação e opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

Em primeira análise, o relator conheceu do recurso, por entender estarem presentes todos os requisitos formais necessários à sua propositura, passando para segunda fase, a análise do mérito.

Somente por critério ilustrativo, por não ser alvo de discussão nesse trabalho, o relator afastou de início a primeira tese apresentada pela acusação, que foi acerca da análise da vida pregressa, ao passo que não existia, até a data do julgamento, nenhuma decisão transitada em julgado contra o recorrido, mas tão somente inquéritos investigativos.

Ademais, adentrando na seara do presente estudo, inelegibilidade decorrente da reprovação de contas, como já analisado em outras oportunidades, deve acumular, para a sua caracterização, os requisitos da decisão irrecorrível e do vício insanável. 

No caso em tela, não existia decisão irrecorrível, pois o próprio Tribunal de Contas conheceu do recurso de revisão apresentado pelo Sr. José Pacheco Filho, sendo assim, data máxima vênia, não se pode restringir um direito garantido constitucionalmente apenas pelo juízo de verossimilhança, sendo necessário, para tanto, o juízo de certeza, que no caso será obtido pela decisão em que não caiba mais recurso.   

O ilustre relator, em seu voto aduz:

“Em que pese o recurso de revisão ter sido proposto transcorrido quase dois anos desde a prolação do acórdão n° 1038/2006 da 2ª câmara, observo que o mesmo foi conhecido e provido, tornando insubsistente o referido acórdão, e julgando as contas regulares com ressalva, dando quitação ao Sr. José Pacheco Filho.”

Sendo assim, no julgado colacionado o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, conheceu e negou provimento ao recurso, contrariando a opinião do Ministério Público Eleitoral, bem como as teses levantadas pelas coligações. 

Após a análise desses julgados, resta claro o posicionamento da Corte Eleitoral de Alagoas, no sentido de que a Justiça Eleitoral não poderá julgar como correta ou incorreta, a decisão emitida pelos tribunais ou conselhos de contas, sendo sua análise restrita aos requisitos, já mencionados acima, da letra “g”, inciso I, art. 1° da Lei Complementar nº 64/90.

3.2 Posicionamento atual do TRE-AL, após a Lei Complementar Nº 135/2010

Neste momento, serão tecidas considerações acerca do atual posicionamento do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, depois das inovações trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010, no que diz respeito à nova sistemática a ser aplicada aos casos de inelegibilidade. O acórdão nº 7.122, de 05 de agosto de 2010, refere-se ao pedido de registro de candidatura formulado pela coligação renova alagoas II, em que tinha por candidato o Sr. Paulo Roberto Pereira de Araújo, cuja ementa será transcrita:

REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2010. PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LC 135/10. REJEIÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE REGISTRO. PROCEDENCIA. DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. REJEIÇÃO DE CONTAS. DECISÕES DEFINITIVAS. INELEGIBILIDADE. ART.1º, INCISO I, ALÍNEA “G”, LC 64/90, COM A REDAÇÃO DA LC 135/2010. CONSTITUCIONALIDADE. INCIDÊNCIA. INDEFERIMENTO DO REGISTRO DA CANDIDATURA.

No caso em comento, o Ministério Público Eleitoral, por meio do Procurador Regional Eleitoral, o Dr. Rodrigo Antônio Tenório Correia da Silva, ofereceu impugnação ao registro de candidatura do pretenso candidato mencionado, sustentando a tese de que o mesmo seria inelegível, tendo em vista que o Tribunal de Contas da União julgou improcedentes, suas contas, com relação à gestão em que exerceu o mandato de prefeito do Município de São José da Laje- AL.      

Essa inelegibilidade, a qual o Ministério Público Eleitoral aduz, é a prevista no art. 1º, inciso I, letra “g” da Lei Complementar nº 64/90, considerando reprovadas as contas, por ter o agente público recebido recursos de um convênio federal, com um fim específico, porém os valores não tiveram a devida destinação, o que caracteriza o desvio de finalidade.

Apresenta também, como forma de exemplificar, o caso do convênio nº 45/99, em que deveria o “Sr. Neno da Laje” ter construído um muro de contenção naquela cidade, quando na verdade o pretenso candidato utilizou parte dos valores para pagamento do funcionalismo público da prefeitura de São José da Laje, realização da obra de extensão menor e em local diverso do previsto do “plano de trabalho”, indevida utilização de documentos na prestação de contas, ausência da contrapartida da municipalidade na realização da obra e não devolução do saldo do convênio.  

Nesse contexto, o membro do parquet Eleitoral pediu o indeferimento da candidatura do impugnado, entendendo que existiu vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa.

No entanto, na defesa apresentada pelo requerente, o mesmo alegou que não seria inelegível, por não serem as decisões exaradas pelo Tribunal de Contas da União irrecorríveis, insistindo no argumento de que não teriam as decisões transitadas em julgado, o que não existia assim a presença de dolo específico e de improbidade administrativa.

Relata também, que não poderiam ser consideradas as suas contas rejeitadas por omissão parcial na prestação de contas, pelo motivo da não apresentação de um documento, o que levou a compreender que este fato causaria somente a irregularidade sanável.

O ora impugnado justifica ainda, em sua defesa, e pede ao Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas que reveja as suas decisões, em casos similares ao seu, no sentido de haver sido estes combatidos por meio de recurso de reconsideração de contas, sendo o pedido julgado favorável pelos Tribunais de Contas, e a inelegibilidade decorrente de reprovação de contas automaticamente afastada. 

Foram também levantadas pelo requerido, algumas prejudiciais de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 135/2010.

Na seqüência, o Juiz relator decidiu no sentido de que a LC nº 135/10 tem aplicabilidade imediata e alcança os fatos ocorridos antes de sua vigência e, em atenção ao princípio da precaução, art.14, §9º da Constituição Federal de 1988, entendeu não ofender aos art.16 (anulabilidade), art.5º, inciso LVII (presunção de não culpabilidade), art.5º, inciso XXXVI (impossibilidade de lei nova retroagir para alcançar ato jurídico perfeito e coisa julgada), e art.15, inciso III (restrição a direitos políticos), todos da Carta Federal de 1988, em face das características da inelegibilidade proveniente da incidência do art.14, §9º, Constituição Federal de 1988.

Relata o Dr. Juiz Raimundo Alves de Campos Júnior, que o exame de constitucionalidade dos dispositivos atacados, já foram analisados, nas casas legislativas do congresso nacional, quando da aprovação da Lei Complementar nº 135/2010 e bem como, na ocasião da sanção presidencial, tendo sido inclusive submetido à análise do Tribunal Superior Eleitoral, nas consultas de nº 1120/DF e nº 1147/DF, não existindo até o presente momento a identificação de nenhum vício, o que não vem a contrariar, portanto, os artigos acima mencionados.  

 Fez menção também, à nova redação do art. 1º, I, alínea “g”, da LC 64/90, dada pela LC nº 135/10 que prevê, ainda, o aumento do período em que o gestor ficará inelegível, passando de 5 (cinco) para 8 (oito) anos, agora.

Nessa oportunidade, entendendo a presença da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g” da LC 64/90, com as alterações da LC 135/10, vota o juiz relator e concordam os juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, em sua unanimidade, pela procedência da impugnação. Eis o que prescreve o Acórdão:

“Procedência da impugnação do ministério público eleitoral, considerando presente a inelegibilidade do Sr. Paulo Robert Pereira de Araújo, descrita no inciso I, letra “g”, do Art. 1º da LC 64/90; impedindo-o de concorrer ao cargo de Deputado Estadual, no pleito de 03/10/2010, pela coligação renova alagoas II, integrada pelos partidos PTN, PRTB/PV.”     Diante do exposto, ficou clara a posição do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, no que concerne a aplicação imediata da Lei Complementar n° 135/2010, que alterou alguns dispositivos da Lei Complementar n° 64/90 onde, no caso em tela, foi aplicada inclusive o prazo de inelegibilidade mais gravoso ao réu, qual seja 8 (oito) anos, levando em consideração o entendimento de que a irregularidade era insanável, a decisão irrecorrível, o ato doloso de improbidade administrativa e o parecer do Tribunal de Contas, desaprovando as contas do antigo prefeito do Município de São José da Laje-AL.


CONCLUSÃO

Diante da explanação realizada no trabalho, se conclui que a discussão, acerca das alterações trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010, certamente ainda perdurará por um bom tempo, vez que o diploma legal traz disposições relacionadas não apenas ao tema objeto do presente estudo – a inelegibilidade – mas também vem causando polêmica acerca no seu momento de produção de efeitos, ou seja, da sua eficácia. 

Estabeleceu-se, por meio das análises e conceituações realizadas, que as pessoas possuidoras de capacidade eleitoral, seja ativa ou passiva, estão vinculadas de forma intrínseca ao tema desenvolvido.

Tratou-se também, dos aspectos geradores da elegibilidade, titularizando quem pode se dispor a participar do pleito eleitoral, possuindo capacidade de votar e ser votado e, quais os requisitos indispensáveis aos futuros eleitores ou candidatos.

Importante ainda salientar a palavra chave deste trabalho, que é a inelegibilidade, fazendo uma relação comparativa com a elegibilidade tratada no decorrer do desenvolvimento, indicando as causas geradoras da perda do direito de participação do pleito eleitoral de forma passiva.

Ressalta-se também, a inelegibilidade descrita na Lei Complementar nº 64/90, em sua alínea “g”, inciso I, do art. 1º, que trata das causas mais aplicáveis dentre as descritas na lei em comento, o que não poderia ser diferente, tendo em vista a fiscalização efetuada pelos Tribunais de Contas.

Dessa maneira, recentemente a Lei Complementar nº 64/90, sofreu algumas alterações trazidas pela Lei Complementar nº 135/10, mais conhecida como “lei da ficha limpa”, gerando assim, importantes debates acerca da aplicabilidade da norma, do momento de produção da sua eficácia.

As mudanças introduzidas pela nova Lei Complementar nº 135/10, estão descritas em dois aspectos principais. O primeiro encontra-se no tempo em que o agente permanecerá impedido de participar de forma passiva do pleito eleitoral, e a segunda é a possibilidade de apenas uma decisão emanada por um órgão colegiado, impeça o candidato de concorrer a mandato eletivo.

Diante do exposto, é necessário observar que a parte teórica divulgada nos dois primeiros capítulos, tratou principalmente em dar prioridade ao desenvolvimento da parte histórica, do tema inelegibilidade e das mudanças na Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela nova lei nº 135/10.

E por fim, no terceiro capítulo passamos a analisar as decisões proferidas pelo Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, no que se refere à inelegibilidade decorrente da reprovação de contas junto ao Tribunal de Contas Estadual ou da União, onde buscamos expressar o entendimento existente antes da lei complementar nº 135/10 e após a vigência da mesma.

Diante do exposto, conclui-se ser incorreta a inelegibilidade ocorrida com a reprovação das contas dos Administradores Públicos, como mencionado acima. O parecer emitido pelo Tribunal de Contas seja na esfera Federal, Estadual ou Municipal, não vincula a decisão definitiva de concretamente reprovar as contas e, muito menos, de determinar a inelegibilidade de futuro candidato a cargo eletivo.

No que concerne ao parecer, destinado à futura reprovação de contas, emitido pelo órgão competente, não se poderia de forma alguma tornar essa decisão definitiva, pois estaríamos violando dispositivos constitucionais e até mesmo o princípio do devido processo legal, tendo em vista que após o parecer emitido pelo Tribunal de Contas, da respectiva esfera, faz-se necessário a análise pelo órgão legislativo competente, com a devida ressalva para o órgão legislativo municipal que somente poderá desconsiderar o parecer emitido pelo TCE ou pelo TCM, com o quorum de 2/3 de seus membros.

No tocante a inelegibilidade, não seria cabível falar em decretação pelo Tribunal de Contas, pois somente poderíamos chegar a essa possibilidade, com devida decisão de órgão do Poder Judiciário.

Importa salientar, que a análise feita pelo Tribunal de Contas, sobre as contas dos Administradores Públicos, é restrita à correta ou incorreta aplicação do dinheiro público, ficando a cargo dos órgãos judiciários a aplicação de futuras penalidades concernentes a inelegibilidade. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, Neilton Queiroz de; FILHO, Alberto Tenorio Cavalcante. A inelegibilidade decorrente da reprovação de contas pelos tribunais de contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4658, 2 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47846. Acesso em: 23 abr. 2024.