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Lavagem de capitais (Lei 9.613/98):do crime e das técnicas de investigação

Lavagem de capitais (Lei 9.613/98):do crime e das técnicas de investigação

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A evolução das técnicas utilizadas para mascarar a origem ilícita de dinheiro e bens oriundos de crimes reclama resposta à altura por parte do Legislador. Nesse sentido, a Lei 12.683/12 veio para facilitar a descoberta e punição destes delitos.

INTRODUÇÃO

Previsto na lei 9613/98, o crime de lavagem de capitais está cada vez mais presente na mídia brasileira em função das investigações envolvendo membros de poderes constituídos da União, Estados e Municípios. O objetivo do presente artigo é explicar quais os requisitos ensejadores do tipo penal, bem como as técnicas investigatórias em crimes desta natureza.


1.       SIGNIFICADO DO TERMO 

Na década de 1920, na cidade de Chicago / EUA, lavanderias eram usadas por mafiosos para dar aparência lícita ao dinheiro obtido com o tráfico de drogas e bebidas. No Brasil foi adotada a nomenclatura “crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores" (Exposição de Motivos 692, de 18/12/1996).

Renato Brasileiro de Lima, citando Marco Antônio Barros, doutrina que  a expressão "lavagem" não constitui o ato de lavar o dinheiro utilizando-se água e produtos químicos. A metáfora simboliza, na verdade, a necessidade de o dinheiro sujo, cuja origem corresponde ao produto de determinada infração penal, ser lavado por várias formas, na ordem econômico-financeira, com o objetivo de conferir a ele uma aparência lícita (limpa), sem deixar rastro de sua origem espúria (Legislação Especial Criminal Comentada, 3ª Ed., Editora Juspodivm, p.288).

O Crime de Lavagem possui três fases:

Colocação (Placement): É a introdução do montante no mercado financeiro. Pode se dar até mesmo pelo fracionamento de grande quantia de dinheiro em outras pequenas quantias (Smurfin).

Dissimulação (Layering): Realização de movimentações financeiras ou negócios para mascarar a origem espúria dos bens ou valores.

Integração (Integration): Os valores, aparentemente lícitos, voltam na forma de reinvestimento no mercado.

Para o STF não é necessária a ocorrência destas três fases para que o delito reste consumado, isso porque, segundo o Pretório Excelso, tais fases são modelos doutrinários e didáticos, não exigindo a ocorrência obrigatória.

Neste sentido:

LAVAGEM DE DINHEIRO: L. 9.613/98: CARACTERIZAÇÃO.

O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a literatura. (STF - RHC: 80816 SP, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 18/06/2001,  Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 18-06-2001)


2. DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS

O delito em tela encontra previsão legal na Lei nº 9.613/98. No ano de 2012 foi sancionada a lei nº  12.683/12, que trouxe significantes modificações na Lei de Lavagem de Capitais. A antiga redação trouxe um rol de crimes considerados antecedentes. Em outras palavras, caso o crime antecedente não estivesse neste rol, não haveria falar-se em Lavagem de Capitais:

Vejamos:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II - de terrorismo;

II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua

produção;

(...)

IV - de extorsão mediante seqüestro;

V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, com condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

VI - contra o sistema financeiro nacional;

VII - praticado por organização criminosa.

Pena. Reclusão de 03 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

Conforme se verá mais adiante, atualmente os recursos oriundos de qualquer infração penal podem dar ensejo à Lavagem de Capitais.  A nova redação da lei diz que caracteriza o crime a conduta de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Art. 1º). É importante destacar que a infração penal antecedente deve ser Produtora, ou seja, deve ser capaz de produzir bens, direitos ou valores que possam ser objeto de lavagem. À título de exemplo, o crime de Prevaricação não pode ser considerado delito antecedente do Crime de Lavagem.

A doutrina diverge acerca do bem jurídico tutelado por esta lei. Uma primeira corrente prega que o bem jurídico tutelado é o mesmo da infração penal antecedente. Um segundo entendimento diz que  o bem jurídico tutelado é a administração da justiça, eis que o crime de lavagem se assemelha ao crime de favorecimento real (Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa).

Um terceiro posicionamento declara que o bem jurídico tutelado é a Ordem Econômica e Financeira. Por fim, Alberto Silva Franco entende que o bem jurídico tutelado é tanto a ordem econômica e financeira quanto o bem jurídico tutelado pela infração antecedente.

Devemos destacar que prevalece o terceiro posicionamento.

Trata-se de delito acessório, ou seja, está condicionado à existência de uma infração penal antecedente. Tal infração deve ser típica e ilícita, dispensando a culpabilidade (Teoria da Acessoriedade Limitada). Em havendo excludente de tipicidade ou ilicitude do crime antecedente, não restará caracterizado o crime de lavagem de capitais.

A Ação Penal relativamente ao delito de lavagem é autônoma em relação àquela da infração penal antecedente, mas poderá haver a reunião dos dois processos de modo a evitar decisões conflitantes (Art. 76, III, CPP), conforme dispõe o art. 2º da Lei 9.613/98:

Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:

(...)

II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; 

A nova redação dada pela Lei 12.683/2012 assim dispõe:

Art. 1º OCULTAR ou DISSIMULAR a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de BENS, DIREITOS OU VALORES provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (DOLO EVENTUAL)

§ 1º Incorre na mesma pena quem, PARA OCULTAR OU DISSIMULAR a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (DOLO DIRETO OU EVENTUAL)

I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

(...)

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) (Dolo Direto ou Eventual)

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. (DOLO DIRETO)

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal. (...)

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

(...)

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Trata-se de crime material (exige-se resultado), eis que para sua caracterização é necessária a ocultação ou dissimulação. Neste sentido:

LAVAGEM DE DINHEIRO: L. 9.613/98: CARACTERIZAÇÃO.

O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a literatura. (STF - RHC: 80816 SP , Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 18/06/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 18-06-2001 PP-00013 EMENT VOL-02035-02 PP-00249)

O objeto material do crime é o produto direto ou indireto. Direto é o resultado imediato da operação delinquencial (Ex: os bens da vítima, no caso de roubo). Produto Indireto é a transformação econômica do produto direto. Ex: investimento de R$ 500.000,00 (produto direto) em veículos de luxo (produto indireto).


3. DOS RESPONSAVEIS PELA COMUNICAÇÃO DE OPERAÇÕES SUSPEITAS

O Artigo 9º determina que as  pessoas físicas e jurídicas ali descritas são responsáveis por identificar, manter cadastro e comunicar operações financeiras suspeitas (Art. 10 e 11). Trata-se de medida administrativa, e não penal, in verbis

Art. 9o  Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: 

I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;

II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;

III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; 

II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;

III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;

IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;

V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);

VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;

VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;

VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;

IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;

X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; 

XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades.

XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie

XIII - as juntas comerciais e os registros públicos;  

XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: 

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; 

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; 

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; 

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; 

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e 

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; 

XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares

XVI - as empresas de transporte e guarda de valores; 

XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e

XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País

Uma questão importante é a aplicação do Princípio da Insignificância.  Considerando que o bem jurídico tutelado é a ordem econômica e financeira, o patamar é o mesmo utilizado para os crimes tributários:

Art. 20Lei 10.522/02. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$10.000,00 (dez mil reais).

Em que pese o patamar fixado pela referida lei, a Portaria MF 75/2012 fixou o valor em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).


4.       RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO

Ponto bastante interessante refere-se ao questionamento de que o advogado é ou não obrigado a denunciar operações suspeitas de que tiver conhecimento por ocasião do exercício da profissão:

Na redação do já citado artigo 9º:

Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas  jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:  

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;  

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;  

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e  

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;  

Os advogados que militam no contencioso (atuam na defesa de seus clientes em processo judicial) não seriam obrigados a denunciar operações suspeitas, eis que acobertados pelo dever de sigilo.

O mesmo não se aplicaria ao Advogado que atua na consultoria jurídica não processual (Advogado de Operações). Estes profissionais orientam o cliente a adotar ou realizar certas operações. Neste caso haveria obrigação de comunicar operações suspeitas. No famoso caso da “Operação Monte Eden”, deflagrada pela Polícia Federal em conjunto com o MPF e a Receita Federal em Campinas/SP, investigou-se escritórios de advocacia que prestavam assessoria na abertura de off shores.

Um dos causídicos impetrou Habeas Corpus no STJ, assim ementado:

HABEAS CORPUS. ADVOGADO. OPERAÇÃO "MONTE ÉDEN". CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ARGÜIDA INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. 1. A extensa inicial acusatória, que conta com 163 laudas, aponta, essencialmente, para a participação de liderança do ora Paciente em complexa organização criminosa, desenvolvida por meio do seu escritório de advocacia, cuja finalidade precípua seria a de promover a chamada "blindagem patrimonial" a diversos "clientes", o que se fazia por meio de empresas fictícias no exterior, abertas em nome de "laranjas", para ocultação, proteção e lavagem de dinheiro. 2. A denúncia descreve, suficientemente, as dezenas de ilícitos em tese perpetrados pelos agentes denunciados, relacionando-os com um vasto conjunto de provas constituído principalmente de objetos e documentos apreendidos, interceptações telefônicas, interrogatórios dos réus, depoimentos das testemunhas etc., em perfeita consonância com às exigências do art. 41 do CPP, permitindo ao Paciente ter clara ciência das condutas ilícitas que lhe são imputadas, garantindo-se-lhe o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. Não há falar, assim, em inépcia da peça acusatória. 3. É verdade que este Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de aderir à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reformulada a partir do julgamento plenário do HC n.º 81.611/DF, relatado pelo ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, para considerar que não há justa causa para a persecução penal do crime de sonegação fiscal, quando o suposto crédito tributário ainda pende de lançamento definitivo, sendo este condição objetiva de punibilidade. 4. Não obstante, considerando as peculiaridades concretas do caso, verifica-se que a hipótese sob exame em muito se diferencia daquelas outras que inspiraram os referidos precedentes. De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime contra ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de empresas "fantasmas" ou de "laranjas" em operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber sequer que houve valores sonegados. 5. Apurar a existência desses crimes contra a ordem tributária, cometidos mediante fraudes, é tarefa que incumbe ao Juízo Criminal; saber o montante exato de tributos que deixaram de ser pagos em decorrência de tais subterfúgios para viabilizar futura cobrança é tarefa precípua da autoridade administrativo-fiscal. Dizer que os delitos tributários, perpetrados nessas circunstâncias, não estão constituídos e que dependem de a Administração buscar saber como, onde, quando e quanto foi usurpado dos cofres públicos para, só então, estar o Poder Judiciário autorizado a instaurar a persecução penal equivale, na prática, a erigir obstáculos para desbaratar esquemas engendrados com alta complexidade e requintes de malícia, permitindo a seus agentes, inclusive, agirem livremente no sentido de esvaziar todo tipo de elemento indiciário que possa comprometê-los, mormente porque a autoridade administrativa não possui os mesmos instrumentos coercitivos de que dispõe o Juiz Criminal. 6. Tendo em conta que a denúncia descreve, com todos os elementos indispensáveis, a existência de crimes em tese, sustentando o eventual envolvimento do Paciente com a indicação de vasto material probatório, a persecução criminal deflagrada não se constitui em constrangimento ilegal, mormente porque não há como, em juízo sumário e sem o devido processo legal, inocentar o Paciente das acusações, antecipando prematuramente o mérito. 7. Embora os numerosos delitos em apuração sejam, em boa parte, de altíssima complexidade, foram satisfatoriamente descritos na inicial acusatória. E a estreita via do habeas corpus, que não admite dilação probatória, exigindo prova pré-constituída das alegações, não é sede própria para discutir teses defensivas que, substancialmente contrariadas pelo órgão acusador, dependam de aprofundada incursão na seara fático-probatória. 8. Ordem denegada. (STJ   , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/08/2006, T5 - QUINTA TURMA)

No caso da Operação Monte Éden, as invasões foram consideradas abusivas pela Ordem dos Advogados do Brasil, o que culminou na edição da Lei nº 11.767/2008, que alterou o Estatuto da Advocacia e garantiu a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.

Por fim, editou-se a Resolução 24/2013 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, que diz que Advogados são excluídos da obrigação de comunicar ao referido órgão informações confidenciais de seus clientes, eis que os causídicos se submetem ao mecanismo de controle do Código de Ética da OAB. A regra da comunicação obriga apenas pessoas que não sejam reguladas por estatuto próprio.

No entanto, se demonstrado que o advogado tinha conhecimento da origem ilícita dos honorários recebidos, tais poderão ser confiscados. É o que defende Renato Brasileiro de Lima:

“A atividade de consultoria jurídica não processual (empresarial, tributária) encontra-se abrangida pelos deveres inerentes ao "Know your customer", sem que se possa arguir qualquer inconstitucionalidade. Por conseguinte, se a consultoria for prestada pelo advogado no sentido de se indicar a melhor e mais eficaz forma de se ocultar valores obtidos a partir de uma infração penal, é perfeitamente possível que o advogado venha a responder criminalmente pelo delito de lavagem de capitais”

E Continua:

"Como o tipo penal da lavagem de capitais traz como elementar a infração penal antecedente, depreende-se que, na hipótese de o agente desconhecer a procedência ilícita dos bens, faltar-lhe-á o dolo de lavagem, com a consequente atipicidade de sua conduta, ainda que o erro de tipo seja evitável, porquanto não se admite a punição da lavagem a título culposo. Por isso, é extremamente comum que o terceiro responsável pela lavagem de capitais procure, deliberadamente, evitar a consciência quanto à origem ilícita dos valores por ele mascarados. Afinal, assim agindo, se acaso vier a ser responsabilizado pelo crime de lavagem de capitais, poderá sustentar a ausência do elemento cognitivo do dolo, o que pode dar ensejo a eventual decreto absolutório em virtude da atipicidade da conduta. Daí a importância da denominada teoria da cegueira deliberada (willful blindness) – também conhecida como doutrina das instruções da avestruz (ostrich instructions) ou da evitação da consciência (conscious avoidance doctrine) -, a ser aplicada nas hipóteses em que o agente tem consciência da possível origem ilícita dos bens por ele ocultados ou dissimulados, mas, mesmo assim, deliberadamente cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua representação acerca dos fatos." (Legislação Criminal Comentada, p. 309, Ed. Juspodivm, 3ª Ed.)


5.       SUJEITOS DO CRIME

Por tratar-se de crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa.  Parcela da doutrina advoga que até mesmo a Pessoa Jurídica  pode ser sujeito ativo do crime, eis que a Constituição Federal teria autorizado a responsabilidade penal da pessoa jurídica por  crimes contra a ordem econômica.

O sujeito passivo do crime será determinado de acordo com o bem jurídico tutelado. Se tal for a ordem econômica e financeira, o sujeito passivo será a sociedade. Se o bem jurídico tutelado for a administração da justiça, o sujeito passivo é o Estado.

A maioria da doutrina entende que, caso o sujeito seja responsável tanto pelo crime antecedente quanto pela lavagem (Autolavagem), responderá pelos dois crimes. Defendem que não há que falar-se em absorção de um delito pelo outro, pois a lavagem de capitais é delito autônomo e lesa bem jurídico distinto. A regra do nemo tenetur se detegere (não obrigatoriedade produção de provas contra si mesmo) é incabível pois não é dado ao sujeito ativo cometer crimes para ocultar um crime anteriormente praticado.

Neste sentido, no julgamento do RE 640.139, o STF decidiu que a apresentação de identidade falsa perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes é crime previsto no Código Penal (artigo 307) e a conduta não está protegida pelo princípio constitucional da autodefesa (artigo 5º, inciso LXIII, da CF/88).

No entender de Delmanto, a autolavagem não é passível de punição no Brasil eis que a Lavagem seria mero exaurimento da infração antecedente,  vez que é natural que o agente pratique atos que visem a lavagem (Princípio da Consunção). Ainda, não é possível exigir do agente outra conduta senão a ocultação, em face do princípio do nemo tenetur si detegere (Produção de Provas contra si mesmo).


6.       DA COLABORAÇÃO PREMIADA

A lei trouxe a Colaboração Premiada, que é a técnica especial de investigação por meio da qual o acusado, em troca de determinado prêmio legal, não só confessa o delito como também presta informações relevantes sobre o fato delituoso.

Art. 1º (...)

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la (Independentemente da observância do art. 44 CP), a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, OU à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Em que pese a lei mencionar a colaboração não precisa ser necessariamente espontânea, bastando que seja voluntária. Não há necessidade de que a colaboração permita a identificação dos autores, conduzam à apuração dos crimes e localização de bens. Basta que ocorra apenas uma dessas possibilidades para que o indivíduo seja beneficiado pela colaboração premiada. 


7.       DA  AÇÃO CONTROLADA

Nos termos do art. 4º-B da Lei 9.613/98, o magistrado poderá suspender ordem de prisão de pessoas ou das medidas assecuratórias quando  das medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações.

Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações.

A Ação controlada tem por função permitir o magistrado identificar outros criminosos ou outros crimes que dificilmente seriam descobertos caso a ordem de prisão ou de medidas acautelatórias fossem cumpridas de plano.


8. DAS MEDIDAS ACAUTELATÓRIAS 

O Artigo 4º da nova lei trouxe um rol de medidas assecuratórias que possibilitam assegurar futuro confisco do produto ou proveito do crime, reparação ao ofendido (incluindo o próprio Estado), penas pecuniárias, custas e despesas processuais. Podem ser decretadas ex officio, a requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, durante a investigação ou da Ação Penal. Para tanto, deve haver indícios suficientes da ocorrência de qualquer crime antecedente de lavagem de dinheiro. Vejamos o que diz o texto legal:

Art. 4º O juiz, de ofícioa requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 1o  Proceder-se-á à ALIENAÇÃO ANTECIPADA para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.  

§ 2o  O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.  

§ 3o  Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1o.

§ 4o  Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.  

Até mesmo a indisponibilidade de bens poderá ser decretada para viabilizar a reparação dos danos, conforme já decidiu o STF:

 “O Tribunal, resolvendo questão de ordem, indeferiu pedido de substituição de numerário apreendido por garantia real, formulado em inquérito no qual se apura a suposta prática dos crimes de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), contra a ordem tributária e econômica (Lei 8.137/90), e contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/86). Tendo em conta que o dinheiro apreendido constitui, em tese, a própria materialidade do crime de lavagem – visto que dentre as cédulas apreendidas algumas possuem numeração sequencial e outras foram atestadas como falsas – entendeu-se aplicável o art. 4.º da Lei 9.613/98, que admite o bloqueio cautelar de bens, direitos ou valores, na forma dos arts. 125 e 144 do CPP, desde que reputados como o próprio objeto do crime de lavagem. Asseverou-se, também, que a medida acautelatória que se decreta no curso de procedimento penal pelo crime de lavagem de dinheiro não se restringe a assegurar o direito dos lesados, de terceiros ou da própria União (Lei 9.613/98, art. 7.º, I), mas tem por finalidade essencial coibir a própria continuidade delitiva. Ressaltou-se, ademais, que, em se tratando de inquéritos policiais e instruções criminais da espécie, o numerário retido perde sua condição usual de bem fungível, e que a Lei 9.613/98 não prevê a substituição dos bens, direitos ou valores apreendidos. Por fim, considerou-se não vencido o prazo de 120 dias de que trata o § 1.º do art. 4.º da mesma lei, já que, por estarem inconclusas as diligências requeridas pela Procuradoria-Geral da República, não se poderia iniciar a contagem do lapso temporal” (Inq 2248 QO/DF, Pleno, rel. Carlos Britto, 25.05.2006, Informativo 428, grifamos)


9. DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO

À luz do artigo 109, IV, da Constituição Federal, compete aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

Já o art. 2º da Lei 9.613/98 diz que:

Art. 2º (...)

III – são da competência da Justiça Federal:

a) Quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;

b) Quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal.


CONCLUSÃO

A evolução das técnicas utilizadas pela criminalidade para esconder a origem ilícita de dinheiro e bens oriundos de crimes reclama resposta à altura por parte do Legislador. A nova lei 12.683/12 facilitou a descoberta e punição destes delitos, notadamente pela obrigação de pessoas físicas e jurídicas colaborarem com a Justiça identificando e denunciando operações suspeitas às autoridades.

Ponto bastante polêmico é a obrigatoriedade de comunicação pelos advogados de operações suspeitas de seus próprios clientes. Em que pese o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil conferir o direito de sigilo ao advogado, se os serviços advocatícios forem prestados pelo advogado no sentido de se indicar a melhor e mais eficaz forma de se ocultar valores obtidos a partir de uma infração penal, é perfeitamente possível que o advogado venha a responder criminalmente pelo delito de lavagem de capitais.   Em nome da “Teoria da Cegueira Deliberada”, ainda, o indivíduo não poderá se furtar à responsabilidade criminal fazendo questão de desconhecer a origem dos valores ou bens por ele mascarados.

Por fim, a nova lei trouxe técnicas de investigação bastante úteis, como a Ação Controlada, que consiste no retardamento deliberado da execução de prisões para identificar o maior número de criminosos bem como outros crimes. Ainda, as medidas acautelatórias visam garantir a responsabilidade patrimonial pelos prejuízos sofridos pelo sujeito passivo do crime.


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