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A discriminação contra empregados de empresas terceirizadas com restrições nos cadastros de proteção ao crédito

A discriminação contra empregados de empresas terceirizadas com restrições nos cadastros de proteção ao crédito

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É possível que tomadores de serviços adentrem na autonomia dos empregadores (empresas terceirizadas) negando aceitação a trabalhadores com restrições nos cadastros de proteção ao crédito?

No momento da contratação de terceirizados, muitos empresários entendem que a vida pregressa de determinada pessoa deve ser considerada, de forma desproporcional, no momento da contratação. Contudo, caso o empresário não seja bem orientado, esse tipo de comportamento poderá vir a ensejar ações indenizatórias contra a pessoa jurídica da qual é proprietário.

O problema também ocorre no caso de terceirizações de atividades. Nesse caso, a empresa terceirizada não está obrigada a disponibilizar esse ou aquele trabalhador para a tomadora de serviços, pois o que se contrata é a própria prestação de serviços, independentemente de quem sejam os trabalhadores disponibilizados pela terceirizada. Isso porque a relação de pessoalidade inexiste entre a tomadora e o trabalhador, e se dá entre este e a empresa terceirizada.

Contudo, há situações em que a tomadora de serviços opta por rejeitar determinado trabalhador por conta de fatos pretéritos de sua vida, seja de origem criminosa ou não.

Algumas funções laborais (como trabalhadores do ramo de empresas de segurança) têm suas atribuições reguladas em lei, a qual proíbe a contratação de pessoas com antecedentes criminais.

A lei 7.102/83 exige que, para exercer a atividade de vigilante, o trabalhador não tenha antecedentes criminais, mas há quem sustente que, em razão da sua atividade, o vigilante não deve possuir restrição financeira, embora a questão aparentemente não esteja pacificada nos Tribunais.

Analisando especificamente o sentido do termo “antecedentes criminais”, já se vislumbram diversos questionamentos, como: (i) “o que seriam antecedentes criminais?”; (ii) “um crime sem trânsito em julgado configura antecedentes?”; (iii) “e uma mera imputação criminal?”; (iv) “e um inquérito policial?”; (v) “e caso uma condenação com trânsito em julgado ocorrido há mais de 5, 10 anos?”. São questões específicas relacionadas ao direito penal e que, por si sós, já podem produzir diversos questionamentos, mas que estão relacionadas especificamente aos trabalhadores de empresas de segurança.

Nesse caso, entendemos que antecedentes criminais devem ser entendidos como condenações com trânsito em julgado ocorrido há menos de 5 anos, pois não é válido, no direito brasileiro, o princípio da perpetuidade da condenação, não podendo um cidadão sofrer os efeitos de uma condenação até o final de sua vida.

Assim como o Código Penal dispõe que as condenações ocorridas há mais de 5 anos não devem ser configuradas para efeito de reincidência[1], aplica-se o brocado “onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito”. Na realidade, a reincidência possui implicação mais séria do que os maus antecedentes, portanto, se ela (a reincidência) não pode ser considerada em desfavor do condenado, muito menos relevantes devem ser os maus antecedentes.

Situação mais complicada ocorre quando há restrições à contratação de terceirizados que possuem restrições em seus cadastros de proteção ao crédito. A terceirização de serviços, como a denominação já denota, implica contratação de um serviço, e não de uma de algumas pessoas físicas. O que importa para a contratante é que o serviço seja prestado a contento, em respeito ao que está determinado no objeto contratual.

O artigo 5º, X, da CF/88 expõe que são invioláveis a intimidade, honra e imagem das pessoas, mesclando perfeitamente com o caso aqui debatido, tendo em vista que os dados constantes nos sistemas de proteção ao crédito podem prejudicar a honra da pessoa, bem como a sua imagem.

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; "

De todo modo, existe na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho raciocínio no sentido de caracterizar como ato ilícito e critério discriminatório a não efetivação da contratação de empregado em decorrência de seu nome estar inscrito nos sistemas de restrição de crédito.

RECURSO DE REVISTA DO BANCO HSBC BANK BRASIL S.A. [...] "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROCESSO SELETIVO - PESQUISA PRÉVIA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DOS CANDIDATOS AO EMPREGO - SPC E SERASA - OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - EFICÁCIA ERGA OMNES - LIMITES TERRITORIAIS DO ACÓRDÃO PROFERIDO (violação aos artigos 86, 113, § 2º, 301, II, 128, 293, 460, todos do CPC, 16, da Lei nº 7.347/85, 93, I, da Lei 8078/90, 5º, LIII e LIV, da CF/88, contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 130 da SBDI-2 desta Corte, e divergência jurisprudencial). [...]" "PROCESSO SELETIVO - PESQUISA PRÉVIA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DOS CANDIDATOS AO EMPREGO - SPC E SERASA - OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER ([...] RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PROCESSO SELETIVO - PESQUISA PRÉVIA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DOS CANDIDATOS AO EMPREGO - SPC E SERASA - OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - DANO MORAL COLETIVO. O Tribunal Regional convalidou a sentença da Vara do Trabalho na parte em que se concedera a antecipação de tutela pretendida pelo Ministério Público do Trabalho nos autos da ação civil pública, por considerar ilícita a conduta do réu de proceder à pesquisa, em cadastro de proteção ao crédito, dos antecedentes creditícios de candidatos a emprego, de forma a restringir-lhes o acesso a vagas de emprego, em razão de seu nome constar em uma das listas de empresas de proteção ao crédito, como Serasa e SPC, em virtude de entender tratar-se de ato discriminatório e violador da esfera íntima e privada do trabalhador.  (TST   , Data de Julgamento: 09/12/2014)

"I) AGRAVO DE INSTRUMENTO - VIOLAÇÃO DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL CONFIGURADA - PROVIMENTO. - Diante da possível constatação de violação do art. 186 do Código Civil quanto à indenização por danos morais decorrentes da não efetivação da contratação da Reclamante em face da sua restrição de crédito junto ao SCPC, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista . Agravo de instrumento provido.-[...] 3 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CONTRATAÇÃO DA RECLAMANTE. RESTRIÇÃO DE CRÉDITO JUNTO AO SERVIÇO CENTRAL DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - SCPC. DISCRIMINAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DE ATO ILÍCITO. [...] O critério de seleção adotado pela reclamada para seleção de pessoal, que exigiu um requisito completamente desvinculado da sua atividade fim, constitui fator arbitrário, e não um requisito legítimo derivado do poder de escolha do empregador. Trata-se, portanto, de critério discriminatório, inadmissível diante do nosso ordenamento jurídico. Dessa forma, não há como vislumbrar ofensa arts. 1.º, III, 5.º, X, da Constituição Federal, 186 e 188 do Código Civil. Recurso de revista não conhecido. 4 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO. A revisão do quantum indenizatório por esta Corte somente é possível quando a importância se mostrar nitidamente exorbitante ou irrisória, o que não se observou nos autos, em que a indenização por danos morais foi moderadamente arbitrada em R$ 5.000,00, considerando a gravidade do dano, bem como as condições da vítima e do ofensor (empresa de pequeno porte), de modo a atingir sua dupla função: reparatória e penalizante. Óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. 5 - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. No tema, o recurso se encontra desfundamentado, porquanto a parte recorrente não se reporta aos pressupostos específicos do recurso de revista, nos termos do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido.

(TST   , Data de Julgamento: 25/04/2012)"

A utilização das informações de órgãos de proteção ao crédito de forma alheia ao objetivo a que se destinam, ou seja, com o fim de preterir candidatos a certa vaga de trabalho em processos seletivos, configura-se má-fé e abuso de direito, nos termos do atual Código Civil, em seu artigo 187.

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. "

Através da leitura percebe-se a ocorrência de discriminação no ato da não contratação de empregado em virtude de possuir o nome inscrito em sistemas de serviços de proteção ao crédito, além de a empresa incorrer no perigo de pagamento de indenização por danos morais.

Ressalta-se que, por mais que o empregado possua seu nome inscrito em sistemas de proteção ao crédito, esse fato não possui relação direta com o cargo que ele executa (vigilância).

Nas obrigações contratuais das empresas de segurança, costuma constar que a terceirizada deverá executar os serviços contratados de acordo com as especificações previstas no contrato" e que a contratada deverá fazer com que seu pessoal cumpra todas as instruções determinantes para o perfeito cumprimento do objeto contratual.

É certo que pode haver limites à contratação de pessoal pelas terceirizadas contratadas, mormente no serviço público, pois o ordenamento jurídico brasileiro veda o nepotismo, inclusive com entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito, texto vinculante para a Administração Pública, a qual a BR integra, sendo subsidiária integral de sociedade de economia mista.

Contudo, fora aqueles casos, a regra é pela liberdade de a contratada/terceirizada utilizar empregados que entender melhores e mais bem capacitados para a consecução do objeto do contrato.

Inclusive, a não ingerência da tomadora de serviços na nomeação dos empregados da terceirizada impõe-se, pois, caso a tomadora decidisse por eleger os empregados da terceirizada, poder-se-ia alegar haver subordinação, com possibilidade de futura alegação de vínculo trabalhista.


CONCLUSÃO

Assim, a terceirizada poderá escolher livremente os empregados que irão prestar os serviços, contanto que sejam respeitados os limites contratuais. É possível, ainda, que a tomadora solicite à contratada a substituição de determinado empregado em virtude de condutas erradas cometidas por ele. Contudo, o afastamento exclusivamente em virtude de a pessoa estar com "nome sujo" no comércio, ou seja, com restrições comerciais, é ato ilícito e critério discriminatório, conforme decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho.


Nota

[1] Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMALHO, Vitor. A discriminação contra empregados de empresas terceirizadas com restrições nos cadastros de proteção ao crédito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4679, 23 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48052. Acesso em: 23 abr. 2024.