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Reembolso de despesas administrativas em convênios, contratos de gestão e demais parcerias

Necessidade de regulamentação pelo TCESP em face da inexistência de ato normativo no Estado de São Paulo

Reembolso de despesas administrativas em convênios, contratos de gestão e demais parcerias: Necessidade de regulamentação pelo TCESP em face da inexistência de ato normativo no Estado de São Paulo

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A inexistência de um ato normativo que regulamente de maneira clara o ressarcimento das despesas administrativas das entidades privadas sem finalidade lucrativa, ensejará na manutenção de um cenário de conflito desnecessário e que configura o enriquecimento sem causa do Estado.

Resumo

1.Breves considerações sobre orçamento e despesas da administração pública; 2. Competência legislativa material para as contratações públicas e instrumentos jurídicos de relacionamento com o terceiro setor; 3. A necessidade de reembolso com vistas ao não enriquecimento sem causa do Estado e da ausência de norma no âmbito do estado de São Paulo; 4. Da necessidade imperiosa do TCESP adotar a legislação federal que rege a matéria. Princípio da Simetria Constitucional; 5.Conclusão; 6. Referências e notas.


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ORÇAMENTO E DESPESAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No Brasil as finanças públicas são disciplinadas pela Constituição Federal, pela Lei nº 4.320/64 e pela Lei Complementar n° 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal. Esses normativos definem as linhas de atuação dos governos federal, estadual, distrital e municipal, principalmente quanto ao planejamento das receitas e despesas públicas que constituem o orçamento público que se compõem, obrigatoriamente, por três instrumentos legais: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

A despesa pública, classificada em corrente e de capital, corresponde à aplicação de recursos financeiros ou ao reconhecimento de dívida por parte da autoridade ou agente público competente, consoante autorização legislativa (orçamento) para atingir finalidade de interesse público. Nas despesas correntes são lançadas despesas de custeio de manutenção das atividades dos órgãos da administração pública, como por exemplo: despesas com pessoal, juros da dívida, aquisição de bens de consumo, serviços de terceiros, repasses a convênios, manutenção de equipamentos, despesas com água, energia, telefone etc. As despesas de capital estão relacionadas com aquisição de máquinas equipamentos, realização de obras, aquisição de participações acionárias de empresas, aquisição de imóveis, concessão de empréstimos para investimento.

Uma vez aprovado o orçamento anual pelo Poder Legislativo, com a consequente sanção da respectiva lei pelo Poder Executivo, iniciam-se, na forma prevista na Lei Federal nº 4.320/64, os estágios da execução da despesa orçamentária, que são representados pela licitação/contratação e, posteriormente, com as fases internas do empenhamento da despesa, da liquidação e o consequente pagamento da obrigação assumida pela Administração Pública, valendo-se da legislação infraconstitucional já citada.


COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MATERIAL PARA AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS E INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE RELACIONAMENTO COM O TERCEIRO SETOR

Segundo as lições de Bulos[1] (2015, p. 975),

[...] as competências federativas são parcelas de poder atribuídas, pela soberania do Estado Federal, aos entes políticos, permitindo-lhes tomar decisões, no exercício regular de suas atividades, dentro do circulo pré-traçado pela Constituição da República.

Em face do que dispõe a Carta Magna, cada ente político desempenha tarefas distintas e agrupadas em diversas classes, surgindo daí as competências exclusiva, privativa, comum, concorrente, suplementar etc. (BULOS, 2015). E, ainda:

Precisamente para evitar invasão de competências, a Constituição da República determina quais as matérias inerentes a cada uma das entidades federativas. Ora centraliza o poder na União e nos Estados, ora no Distrito Federal e nos Municípios, repartindo as competências federativas entre eles. (BULOS, 2015, p. 975).

Assim é que, no Art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, encontra-se estabelecida como competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, a serem utilizadas pelo Poder Público:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III. (grifos nossos).

A União, nessa matéria, inovou em nosso ordenamento jurídico por meio das seguintes leis: Lei nº 8.666/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e, dispõe sobre normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; Lei 9.790/99, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações Sociais de Interesse Público; a Lei nº 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, e a recente Lei nº 13.019/14, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco.

Todas estas normas legais citadas disciplinam as formas de relacionamento do Poder Público com os próprios órgãos e entidades da administração pública e, principalmente, o relacionamento com o mundo privado representado pelas sociedades empresárias com a realização do procedimento licitatório em todas as suas modalidades e, para com o terceiro setor, que se constitui foco de nosso trabalho.

Os instrumentos jurídicos instituídos pelo legislador e que se encontram à disposição da administração pública são: Convênio, Termo de Parceria, Contrato de Gestão, Termo de Colaboração e Termo de Fomento. Cabendo ainda ressaltar que a Lei nº 13.019/14, define também o Acordo de Cooperação, por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolva a transferência de recursos financeiros.

Com efeito, o instrumento de convênio entendido como gênero das formas de repasse de recursos públicos do Poder Público para si próprio ou para o terceiro setor, tendo como espécies o próprio termo de convênio, termo de parceria, contrato de gestão, termo de colaboração e termo de fomento, está previsto na norma de regência das contratações do Poder Público, representada pela Lei nº 8.666/93, que no art. 116, caput, estabelece que:

Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.

José dos Santos Carvalho Filho[2] (2016), conceitua convênio como o “ajuste firmado por pessoas administrativas entre si, ou entre estas e entidades particulares, com vistas a ser alcançado determinado objetivo de interesse público”. O autor traz também a lição de Meirelles:

Como bem registra a clássica lição de HELY LOPES MEIRELLES, convênio e contrato não se confundem, embora tenham em comum a existência de vínculo jurídico fundado na manifestação de vontade dos participantes. A rigor, pode admitir-se que ambos os ajustes se enquadram na categoria dos contratos lato sensu, vez que neles estão presentes os elementos essenciais dos negócios consensuais. (CARVALHO FILHO, 2016, p. 233, grifo nosso).

Reforça o entendimento do doutrinador o decidido pela Suprema Corte, exposto no julgamento da ADI nº 1.923/DF, acerca do Contrato de Gestão. Conforme consta no item 12 do Acórdão, que teve como Relator o Ministro Ayres Britto e na qualidade de Redator o Ministro Luiz Fux, ficou esclarecida a verdadeira natureza jurídica desse instrumento jurídico, entendido como convênio, vejamos:

12. A figura do contrato de gestão configura hipótese de convênio, por consubstanciar a conjugação de esforços com plena harmonia entre as posições subjetivas, que buscam um negócio verdadeiramente associativo, e não comutativo, para o atingimento de um objetivo comum aos interessados: a realização de serviços de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, meio ambiente e ciência e tecnologia, razão pela qual se encontram fora do âmbito de incidência do art. 37, XXI, da CF.

Com a sapiência de Carvalho Filho (2016), discorrendo sobre a similaridade entre consórcios e convênios que em sua opinião possuem a mesma finalidade, leciona com os nossos destaques:

Pensamos, pois, que o termo convênio atualmente é o adequado para os regimes de cooperação entre pessoas, só cabendo distingui-los, como se fez acima, da figura tradicional dos contratos. Por tal motivo, o fator que deve remarcar essa modalidade de ajustes, repetimos, é o intuito cooperativo dos participantes, sendo, pois, irrelevante distinguir a natureza jurídica deles. (CARVALHO FILHO, 2016, p. 235, grifos nossos).

Na verdade, estamos diante de miscelânea jurídica envolvendo inúmeros instrumentos destinados ao mesmo fim e que foram criados em decorrência da exaustão do modelo estatal vigente até o final do século passado. Não restam dúvidas de que convivemos hodiernamente com Estado hipertrofiado e inoperante.

O estabelecimento de parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos para a execução de programas e projetos de interesse público na área de saúde, principalmente, constitui-se na sistemática mais efetiva para se atingir esses objetivos. Sobre a diversidade dos instrumentos de parceria, assim preleciona o doutrinador:

Mais importante que o rótulo, porém, é o seu conteúdo, caracterizado pelo intuito dos pactuantes de recíproca cooperação, em ordem a ser alcançado determinado fim de seu interesse comum. (CARVALHO FILHO, 2016, p. 234, grifos nossos).


A NECESSIDADE DE REEMBOLSO COM VISTAS AO NÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ESTADO E DA AUSÊNCIA DE NORMA NO ÂMBITO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Passamos agora a abordar a forma de remuneração das entidades privadas sem fins lucrativos que atuam em parceria com a administração pública, posto que inadmitir essa possibilidade legal, equivale ao mesmo que validar o enriquecimento sem causa do Estado.

As entidades sem fins lucrativos que fazem parte do terceiro setor não recebem recursos do Estado para sua manutenção. Para isso devem contar com eventuais saldos na gestão de recursos de origem privada, em geral limitadas. A impossibilidade de serem ressarcidas pelas despesas resultantes das ações que poderiam realizar em conjunto com o primeiro setor limita o alcance dessas instituições. A atuação das entidades em parcerias com o Estado torna-se forçosamente limitada à sua capacidade de cobrir, com recursos próprios, as despesas necessárias à realização das atividades previstas na parceria, que tem foco no interesse público.

Ilustra este estudo trecho do artigo de Tavares[3] (2016, p. 328, grifos nossos), no qual consta histórico detalhado dos atos normativos que regem a matéria em nosso ordenamento jurídico:

Importante registrar que inexiste no Estado de São Paulo legislação que regulamente essa matéria, razão pela qual e a exemplo do que ocorria quando da vigência da IN STN nº 01/1997 – a qual hodiernamente ainda é citada nas decisões da Corte de Contas paulista, em que pese tenha sido derrogada pela Portaria Interministerial MP/MF/MCT nº 127, de 29.5.2008 e servia de regulamento para a Administração Pública Estadual, atualmente encontra-se em vigor a Portaria Interministerial CGU/MF/MP nº 507/2011 que, de igual modo, veda o pagamento de taxa de administração, contudo, no parágrafo único do art. 52, dispõe que:

Os convênios celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos, poderão acolher despesas administrativas até o limite de 15 % (quinze porcento) do valor do objeto, desde que expressamente autorizadas e demonstradas no respectivo instrumento e no plano de trabalho.

No estado de São Paulo vigora atualmente o Decreto n° 59.215, de 21/05/2013, que, infelizmente, não reproduziu a possibilidade legal de ressarcimento de despesas administrativas já de longa data prevista no âmbito federal. Tal situação vem prejudicando a fruição das parcerias, pois o TCESP também não incorporou em seus julgados as novas inovações jurídicas ocorridas na matéria e vem rotineiramente condenando entidades a devolverem recursos aos cofres públicos, quando estas com muita justiça apropriam corretamente as respectivas despesas, ocasionando com esse comportamento o enriquecimento sem causa do Estado.

Pois bem, consoante o dispositivo constitucional – art. 22, XXVII, a competência para legislar sobre as formas de contratações do Poder Público é privativa da União, tendo ela cumprido sua missão, editando as Leis 8.666/93, 9.790/99, 9.637/98 e 13.019/14. Com efeito, na matéria específica dos convênios, a União editou o Decreto nº 6.170/07, o qual, com as alterações trazidas pelo Decreto nº 8.244, de 23 de maio de 2014, contempla a possibilidade de ressarcimento de despesas administrativas das entidades privadas sem fins lucrativos e parceiras do Poder Público, na seguinte forma:

Art. 11-A. Nos convênios e contratos de repasse firmados com entidades privadas sem fins lucrativos, poderão ser realizadas despesas administrativas, com recursos transferidos pela União, até o limite fixado pelo órgão público, desde que:

I - estejam previstas no programa de trabalho;

II - não ultrapassem quinze porcento do valor do objeto; e

III - sejam necessárias e proporcionais ao cumprimento do objeto.

§ 1º Consideram-se despesas administrativas as despesas com internet, transporte, aluguel, telefone, luz, água e outras similares.

§ 2º Quando a despesa administrativa for paga com recursos do convênio ou do contrato de repasse e de outras fontes, a entidade privada sem fins lucrativos deverá apresentar a memória de cálculo do rateio da despesa, vedada a duplicidade ou a sobreposição de fontes de recursos no custeio de uma mesma parcela da despesa. 

As despesas administrativas, que são imprescindíveis para a sobrevivência das entidades e para a execução do projeto devem, obrigatoriamente, estar discriminadas no plano de trabalho e não podem ultrapassar o limite de 15% (quinze porcento) do valor do objeto e devem ser necessárias e proporcionais ao seu cumprimento. Dessa forma, as despesas não podem ser calculadas pela incidência automática de um percentual sobre o valor do convênio, devendo, como exige o Decreto, serem rateadas entre as diversas despesas próprias das entidades, sendo que atualmente nos convênios federais são aceitas as seguintes:

Serviço de limpeza; Conservação e manutenção; Locação de equipamentos (informática, som, elétricos etc.); Energia elétrica; Água e esgoto; Despesa com locação de imóvel (IPTU e condomínio se for o caso); Equipe de apoio administrativo; Aluguel de veículos; Vale transporte; Vale alimentação; Diárias pessoa física; Serviços de telefonia e internet; Estagiários; Consultorias; Correios, transportadoras e serviço de mudança; Material de escritório, informática, limpeza e alimentação; Peças para máquinas e veículos; Combustível e lubrificantes; Material esportivo, material para iluminação, material médico e odontológico; Material para reforma; Serviços de impressões e gráfica; Treinamento de pessoal; Assessoria contábil, jurídica, auditorias; Conservação de bens imóveis, moveis e reparação; Outros serviços de terceiros pessoa física e jurídica. (MPOG, 2010, p. 170-71).[4]

É importante registrar que essa possibilidade de acolhimento de despesas administrativas, até o limite de 15% (quinze porcento) do valor do objeto, no caso de convênios celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos, está expressamente permitida pela legislação atual aplicável à espécie, desde que esteja expressamente autorizado e demonstrado no respectivo instrumento e no plano de trabalho, com a comprovação na prestação de contas a ser analisada pelo órgão público repassador dos recursos.


DA NECESSIDADE DO TCESP ADOTAR A LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE REGE A MATÉRIA. PRINCÍPIO DA SIMETRIA CONSTITUCIONAL

Em relação à Corte de Contas paulista, infelizmente, tem-se assistido a institucionalização de um “Fundo Financeiro”, sem respaldo na lei, e, infelizmente, para somente algumas organizações sociais, estabelecendo tratamento diferenciado em relação às demais em que o órgão inadmite qualquer tipo de ressarcimento.

Em que pese o respeito que se nutre por essa Corte de Contas, não se pode concordar com essa prática, posto que desprovida de fundamentação legal, porém, o fato de inexistir lei ou regulamento no Estado não pode servir de pretexto para a não aprovação do ressarcimento das despesas administrativas, considerando que existe solução prevista na legislação e que garantirá tratamento isonômico a todas as entidades parceiras, bastando simplesmente que o TCESP cumpra a sua própria Lei Orgânica, que, como se sabe trata-se de norma legal de caráter imperativo[5].

O artigo 116 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São PauloLei Complementar nº 709, de 14 de janeiro de 1993, determina o procedimento a ser seguido:

Artigo 116 – Na falta de lei ou regulamento estadual, aplicar-se-á, supletivamente, às matérias disciplinadas por esta lei, a legislação federal pertinente.                                                                                                                          

Diante desse cenário, vê-se que estão presentes os instrumentos jurídicos necessários para que o próprio TCESP, em face da omissão do regulamento, regulamente, no âmbito do Estado do Estado de São Paulo, regulamente a matéria  tendo como fundamentos o Decreto Federal nº 6.170/2007; Portaria Interministerial nº 507/11; art. 22, XXVII, c/c art. 75, ambos da Constituição Federal.

Importa registrar que a edição da Resolução TCESP nº 02/2016, que aprovou as Instruções nº 01/2016, concentrando a fiscalização no órgão repassador dos recursos, seguindo o procedimento prescrito pela legislação aplicável e, praticado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) há mais de vinte anos, além dos outros Tribunais de Contas estaduais.

Diante dessa importante mudança de procedimento, resta agora aprovar a aplicação do regulamento federal sobre o ressarcimento das despesas administrativas até o limite de 15% (quinze porcento) do valor do projeto, bem como a forma de provisionamento das despesas com os encargos sociais e rescisórias do pessoal contratado para o desenvolvimento dos objetos previstos nas parcerias, exatamente nos termos do que dispõe o Decreto nº 6.170/07 e Portaria Interministerial nº 507, de 24 de Novembro de 2011, e, permitidas nos convênios federais.

Como demonstramos no estudo de Tavares (2016), o TCU há tempos vem aprovando o ressarcimento das despesas administrativas e, consoante comando insculpido no art. 75, da CF/88, também deve, compulsoriamente, ser adotado pelos Tribunais de Contas Estaduais, conforme reiterada, mansa e pacífica jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Federal (STF). Precedentes: ADI 847, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11/02/1999, Plenário, DJ 23/04/1999; ADI 916, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 2/2/2009, Plenário, DJE de 6/3/2009; ADI 3715, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21/08/2014, Plenário, DJE 30/10/2014.

É oportuno também trazer a Súmula 222 do Egrégio TCU, que entendemos ser também aplicável ao TCESP, em respeito à simetria constitucional:

SÚMULA Nº 222:

As Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Fundamento legal:- Constituição Federal, arts. 22, inc. XXVII, 37, ”caput” e inc. XXI, 71, inc. II e 73; Lei nº 8.443, de 16-07-1992, art. 4º; Lei nº 8.666, de 21-06-1993, art. 1º, Parágrafo Único. (grifos nossos).

A propósito da necessidade das Cortes de Contas estaduais seguirem, compulsoriamente, o modelo federal, novamente recorremos à lição de Carvalho Filho (2016, p. 1068):

É mister acentuar, neste ponto, que as funções básicas dos Tribunais de Contas em geral são exatamente as que constam do art. 71 da CF, muito embora as normas sejam aplicáveis diretamente à Corte de Contas federal. Significa dizer que, pelo princípio da simetria constitucional, os demais Tribunais de Contas não podem inserir, em sua competência, funções não mencionadas na Constituição Federal. Referidos Tribunais devem adotar, como modelo de competência, as funções constantes do art. 71 da CF. Esse entendimento, aliás, já expressamente abraçado pelo Supremo Tribunal Federal, de forma irreparável, a nosso ver.

Nos âmbitos estadual e municipal, as normas sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária aplicam-se aos respectivos Tribunais e Conselhos Municipais, conforme artigo 75. (Di Pietro[6], 2016, p. 899). Apenas como exemplo dentre os muitos julgados da Suprema Corte que comprovam a compulsoriedade da submissão das Cortes Estaduais ao modelo federal, citamos trecho do Acórdão da ADI 3.715 – TO, publicado recentemente, em que o Ministro Gilmar Mendes, assevera que “A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-membros”.

A título de exemplo, citamos o Decreto n.º 44.879 de 15 de julho de 2014, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que no art. 11, estabelece:

Art. 11 - Nos convênios e contratos de repasse firmados com entidades privadas sem fins lucrativos, poderão ser realizadas despesas administrativas, com recursos transferidos pelo Estado, até o limite fixado pelo órgão público, desde que:

 I - estejam previstas no programa de trabalho;

 II - não ultrapassem quinze por cento do valor do objeto; e

 III - sejam necessárias e proporcionais ao cumprimento do objeto.

Nessa mesma toada também seguiram os Estados da Paraíba – Art. 48, Parágrafo Único do Decreto nº 33.884, de 03/05/13 e de Pernambuco – Art. 6º, § 2º do Decreto nº 39.376, de 06/05/13, que estabelecem em uníssono que “Os convênios celebrados com entidades privadas poderão acolher despesas administrativas até o limite de 15% (quinze porcento) do valor do objeto, desde que expressamente autorizadas e demonstradas no respectivo instrumento e no plano de trabalho”.

Assim, como vimos, além da União Federal, pelo menos três estados-membros já atualizaram os respectivos regulamentos, dando um exemplo para país do respeito ao princípio da simetria constitucional, que é o princípio federativo que exige uma relação simétrica em face da competência privativa da União para legislar sobre as normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.


CONCLUSÃO

Neste trabalho não estamos propondo a criação de novas normas, somente a aplicação da legislação vigente e, ainda, almeja-se a criação de um ambiente de segurança jurídica para o estabelecimento de parcerias públicas no estado de São Paulo, tendo como objetivo o interesse público para melhor atender a sociedade.

Temos consciência de que não esgotamos a matéria, contudo, entendemos estarem nela contidos os elementos que permitirão ao estado de São Paulo, principalmente ao Egrégio Tribunal de Contas, ajustar o regulamento interno para trazer segurança jurídica no relacionamento com o Terceiro Setor, harmonizando-se com o art. 75 da Constituição Federal. Além disso, a incorporação da legislação federal aplicável aos convênios, conforme determina o art. 116 da sua Lei Orgânica, também proporcionará tratamento isonômico e transparente, garantindo às entidades o ressarcimento das despesas administrativas, distencionando o relacionamento e, certamente, vindo ao encontro da premente necessidade de modernização dos mecanismos de fiscalização e controle, não representando qualquer prejuízo à transparência dos gastos e à eficiência.

É fato que o modelo atual constitui-se na fonte de muitos problemas enfrentados pelas entidades parceiras no Estado. A edição da Resolução TCESP nº 02/2016 representa um enorme avanço, contudo, a inexistência de um ato normativo que regulamente de maneira clara o ressarcimento das despesas administrativas das entidades privadas sem finalidade lucrativa, ensejará na manutenção de um cenário de conflito desnecessário e que configura o enriquecimento sem causa do estado. Nesse sentido, julgamos oportuna a eterna lição de Rui Barbosa, patrono dos Tribunais de Contas: "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação."


REFERÊNCIAS E NOTAS

[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2016.

[3] TAVARES, João Batista. Organizações sociais: importante mecanismo no atendimento das necessidades da população, mitigado pelo controle externo de alguns Estados que comprometem a efetividade do modelo, em face de leis parcialmente inconstitucionais. BLC – Boletim de Licitações e Contratos, São Paulo, ano 29, n. 4, p. 318-331, abr. 2016.

[4] MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO [MPOG]. Secretaria Geral da Presidência da República. Manual para usuários entidades privadas sem fins lucrativos. Brasília: Portal dos Convênios, 2010. Disponível em: <http://goo.gl/6m1Bpt>. Acesso em: 12 maio 2016.

[5] Norma Imperativa é a coativa. É a norma obrigatória, cujo mando ninguém se pode furtar. As normas imperativas representam o jus cogens. E se dizem normas preceptivas, opondo-se às permissivas e facultativas. Na norma imperativa há sempre uma ordem ou um preceito, de forma rígida. (DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídico. 29. ed. São Paulo: Editora Forense, 2012.).

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.


Autor

  • João Batista Tavares

    Advogado. Procurador Jurídico de Fundações. Áreas de atuação: Direito Administrativo, Civil, Fundacional, Legislação de Ensino Superior. Formado em Ciências Econômicas. Pós graduando no programa lato sensu de especialização em Direito Administrativo - PUC/SP- COGEAE. Possui experiência em administração pública, gestão de ensino superior e organizações sociais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, João Batista. Reembolso de despesas administrativas em convênios, contratos de gestão e demais parcerias: Necessidade de regulamentação pelo TCESP em face da inexistência de ato normativo no Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4751, 4 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50221. Acesso em: 25 abr. 2024.