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Argüição de descumprimento de preceito fundamental

Argüição de descumprimento de preceito fundamental

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Matéria de alto grau de complexidade e "perplexidade" por parte de seus críticos, a ADPF veio incrementar as possibilidades de discussão por parte do STF em face do descumprimento de um preceito constitucional fundamental.

I- INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, na seção que trata do Supremo Tribunal Federal, ao descrever sua competência, trouxe (através do acréscimo do parágrafo 1º. do art. 102, pela Emenda Constitucional nº 3/93) inovador instrumento de discussão acerca do tema do controle de constitucionalidade, a chamada Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Tardiamente, veio a edição da Lei nº 9.882, em 03-12-1999, que, conforme previsto na Carta Magna, era o meio legislativo próprio para a regulamentação do tema.

Matéria de alto grau de complexidade e "perplexidade" por parte de seus críticos, a ADPF veio, sobremaneira, incrementar as possibilidades de discussão por parte da Suprema Corte, de matérias que possam ter sua constitucionalidade analisada e julgada pelo STF, em face do descumprimento não de um dispositivo constitucional, mas de um preceito constitucional fundamental.

Contudo, o assunto ainda é repleto de pontos de extremo inconformismo por parte daqueles que combatem a possibilidade jurídica da medida, e de satisfação, por aqueles que a defendem ferrenhamente e vêem, na ADPF, uma solução eficiente para o impedimento ou reparação dos danos causados por atos provenientes do Poder Público.

As discussões pairam em torno de vários aspectos contidos na Lei n º. 9.882/99, dentre os quais podemos citar as espécies de argüição possíveis - se preventiva, para "evitar lesão", ou repressiva, para "reparar lesão" -, ainda, sobre a natureza concentrada ou difusa da ADPF ou seu caráter abstrato ou concreto.

Muito se discute, também, acerca da precisa acepção do termo "preceito fundamental". Como se observa, tanto na Carta Magna, quanto na Lei n º. 9.882/99, o legislador propositalmente optou por não definir nem tampouco enumerar os chamados princípios constitucionais fundamentais. Durante nossa discussão, trataremos do assunto com a seriedade que ao tema se reserva.

O diploma legal regulamentador da ADPF refere-se aos chamados objetos sindicáveis (aqueles que podem ser a própria matéria da argüição) como atos do Poder Público. Mas que atos são estes? Veremos que estes atos podem ser tanto atos normativos, regulamentadores, constitutivos e até emanados por particulares, desde que no exercício de atividades próprias da administração pública. Ainda, como grande inovação, foi regulamentada a possibilidade do STF analisar atos provenientes da administração pública municipal, e mais, tanto nesta quanto nas demais esferas de atuação pública, daqueles dimanados antes da própria promulgação da Carta de 1988, criando um enorme conflito com o já estratificado instituto da recepção constitucional.

Quanto aos legitimados à propositura da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, estabeleceu o legislador ordinário o mesmo rol dos legitimados à propor a ação direta de inconstitucionalidade. Muito se discute em torno do veto presidencial ao inciso II do art. 2º. da Lei n º. 9.882/99, que, em sua redação original, previa a possibilidade de qualquer pessoa lesada ou ameaçada de lesão propor à Corte Constitucional a apreciação de descumprimento de preceito fundamental, a exemplo do que prevê a Verfassungsbeschwerde germânica ou o Direito de Amparo espanhol.

Através da apreciação do descumprimento de preceito fundamental pela Corte Máxima, e sua respectiva decisão, o sujeito lesado ou ameaçado de lesão terá, se comprovada esta situação, uma decisão erga omnes e dotada de efeito vinculante, conforme ditame do art. 10, § 3º. da Lei n º. 9.882/99. Este eventual julgado do STF, entre outros efeitos, tem caráter irreformável, cabendo apenas, como se verá, embargos de declaração para a elucidação de obscuridades ou imprecisões inerentes ao próprio dispositivo da sentença.

Como se observa após uma leitura introdutória, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental é um tema repleto de alternativas e possibilidades. Tal assertiva se comprova se lembrarmos que o Conselho Federal da OAB, por meio da ADIN n º. 2.231-8, propôs o questionamento em bloco pelo Pretório Excelso, da constitucionalidade da Lei nº. 9.882/99.

Tema de infinitas possibilidades, merece a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental uma profunda discussão em relação aos seus aspectos filosófico-jurídicos para que, ao final deste trabalho, sejam elucidadas as dúvidas existentes sobre o tema.


II-O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

2.1.Aspectos históricos

No curso da história do constitucionalismo brasileiro, pode-se observar que houveram várias experiências acerca do controle de constitucionalidade, desde a utilização do sistema exclusivamente difuso, realizado por qualquer juízo ou tribunal – diga-se de passagem por influência norte-americana, após a célebre ocorrência do caso Marbury vs. Madison [1], mas também se adotando o sistema misto, onde tanto pelo método difuso quanto pelo concentrado, pode-se limitar a aplicação de normas infraconstitucionais em desacordo com o direito magno positivado.

No entanto, percebe-se claramente a tendência da utilização majoritária do sistema europeu de controle de constitucionalidade, qual seja, o controle concentrado. Neste modelo, cabe à Corte Constitucional (no caso brasileiro, ao Supremo Tribunal Federal) o julgamento do controle de constitucionalidade de normas, inclusive atos concretos do poder público.

2.1.1.A Constituição de 1824

A história constitucional brasileira teve seu início após a proclamação da Independência da colônia em relação a Portugal, e já em meados de 1822, o Brasil contava com um governo próprio, tendente a incrementar suas relações internacionais sem qualquer influência lusitana.

Já em junho daquele ano, foi instalada a primeira Assembléia Geral Constituinte, realçando um forte sentimento separatista revelado no processo de independência. Contudo, é inegável que a futura Constituição fundar-se-ia num certo compromisso liberal, mesmo jamais tendo sido encarada pelo Imperador como fonte legítima do poder que exercia.

Curiosamente, mais tarde a Assembléia Constituinte foi dissolvida pelo Imperador que, ato contínuo, outorgou a primeira Carta Constitucional pátria, a chamada "Constituição Política do Império do Brasil" [2].

Nesta carta, cabia ao Imperador, figura máxima da política nacional, a autoridade plena pelos poderes constituídos, inclusive o seu próprio, o Moderador. Conforme disposição da Constituição de 1824, o quarto poder "é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo na Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vale sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos Poderes Políticos". E, ainda, a possibilidade de dissolução da "Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente outra, que a substitua", podendo haver também a suspensão dos magistrados, na forma prevista pela lei.

Tendo como pressuposto do controle de constitucionalidade a defesa da Constituição por parte do Poder Judiciário, observa-se o quão engessada estaria esta modalidade de proteção constitucional face ao amplíssimo e quase total poder do Imperador nas razões do país.

Ainda que houvesse uma lacuna por parte do Poder Moderador, praticar o controle judicial de constitucionalidade, interferindo o judiciário em um dos demais poderes, isso representaria o descumprimento do dogma revolucionário da separação de poderes, conforme amplamente difundido pela doutrina francesa à época.

Coube ao Poder Legislativo de então a função de guardar a Constituição. Pimenta Bueno lembra que "Só o poder que faz a lei é o único competente para declarar por via de autoridade ou por disposição geral obrigatória o pensamento, o preceito dela. Só ele e exclusivamente ele é que tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder tem o direito de interpretar por igual modo, já porque nenhuma lei lhe deu essa faculdade, já porque seria absurda a que lhe desse..." [3].

2.1.2.A Constituição de 1891

A crise política instalada, somada a uma passeata militar que proclamara a República, teve como resultado a ruína do Segundo Reinado. Nascia a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Junto com este panorama político-social, surgiram novos fatores na vida política brasileira, como o sistema federalista, a democracia, a república, garantindo assim a segurança dos direitos humanos fundamentais.

A presença dos ideais constitucionalistas norte-americanos é evidenciada pela adoção do modelo político daquele país, inclusive pela instalação de um poder judiciário constituído por uma Suprema Corte e pela justiça federal.

Surge pela primeira vez o controle de constitucionalidade da história do Brasil, estando expresso na Carta Magna a competência do STF: "Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o STF quando se contestar a validade de leis ou actos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses actos, ou essas leis impugnadas". Importa ressaltar que, apesar da influência norte-americana, lá o controle de constitucionalidade iniciou seu curso devido a coragem da Suprema Corte de fazer valer com que a Constituição se sobrepusesse às normas ou atos incongruentes com ela, diferentemente do Brasil, que foi necessária a normatização de matéria tão importante.

2.1.3.A Constituição de 1934

A década de trinta inicia-se trazendo consigo muita turbulência na área política e social. Resultado disso foi a queda da Primeira República, levando Getúlio Vargas ao poder.

Após uma espera injustificada, tendo o novo presidente convocado a Assembléia constituinte para a elaboração da nova Carta Constitucional, finalmente, em 1932 é fixado para o ano seguinte o início dos trabalhos da nova comissão, que, em julho de 1934 promulgou a "Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil". Essa Constituição trouxe novidades no sistema de controle de constitucionalidade, apesar de manter os métodos difuso, concentrado, incidental e sucessivo.

Das novidades trazidas pela nova Constituição em relação à matéria do controle de constitucionalidade, podemos citar as seguintes:

a)a inconstitucionalidade passou a poder ser declarada somente pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal, como já acontecia no direito americano, com as decisões da Suprema Corte;

b)preocupou-se, também, o constituinte de 1934 em proporcionar meios para suspender, no todo ou em parte, a execução de lei ou ato governamental declarado inconstitucional pela Corte Máxima. A competência para realizar a suspensão foi atribuída ao Senado, órgão incumbido de coordenar os Poderes da República entre si;

c)o mandado de segurança é arrolado entre os direitos e garantias individuais, sendo remédio concernente à defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade;

d)atribuiu importantes competências ao Procurador Geral da República, como a comunicação da decisão de inconstitucionalidade da Corte Suprema ao Senado Federal e a participação ativa na provocação da intervenção federal em Estados-membros que não observassem, na elaboração de suas Constituições e leis, determinados princípios, por meio da representação interventiva.

2.1.4.A Constituição de 1937

Surge, três anos após a promulgação da Carta anterior, o Estado Novo de Getúlio Vargas, e com ele, a "Constituição dos Estados Unidos do Brasil". Segundo comentários de Paes de Andrade e Paulo Bonavides [4], o cenário demonstrava o surgimento de uma nação burocraticamente emperrada, de um Poder Executivo centralizado e extremamente forte, além de um Legislativo pulverizado e transformado em mero Conselho Administrativo. Segundo os mestres, "A Constituição de 37 não respeitou nem mesmo seu próprio texto, concentrando direitos numa única pessoa (o Presidente). Ela foi o biombo de uma ditadura que sequer tinha preocupações com o disfarce".

O grande responsável e idealizador de tamanha irresponsabilidade, Francisco Campos, Ministro da Justiça, insistia em defender sua "obra" afirmando que a Nação seria beneficiada com o ganho em substância, em consciência de si mesma, em tranqüilidade, bem-estar e segurança.

Em relação ao controle de constitucionalidade, houve o retrocesso da situação já em vigor, para os mesmos moldes observados à época da Carta de 1891. Assim, observou-se a suspensão, pelo Senado, da execução de leis declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema, além da possibilidade de aplicação do instituto da representação interventiva. Permaneceu, no entanto, a necessidade de votos da totalidade dos juízes dos tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Presidente da República.

Inovação, no entanto, foi trazida com a redação do parágrafo único do art. 96 da Constituição:

No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou à defesa do interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da república submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

Convém ressaltar que, com a utilização de expressões de baixa densidade jurídica, ficou aberta a possibilidade da interpretação que melhor atendesse os interesses do Executivo, ainda mais porque, caso não fosse o legislativo convocado a atuar neste processo de verificação de inconstitucionalidade, caberia ao próprio Presidente da República, através de decreto-lei regular a matéria.

2.1.5.A Constituição de 1946

Com eleições gerais marcadas para 1945, surge um movimento nacionalista de repúdio ao Estado Novo. Após o pleito, os parlamentares, investidos de poderes constituintes, escrevem a nova Carta, elaborada sob sensíveis influências das Constituições de 1891 e 1934.

Mantêm-se nela, os sistemas de controle difuso, concreto, incidental e sucessivo. Volta o Judiciário a exercer o controle sobre o julgamento da inconstitucionalidade de Leis e atos normativos, restando aos demais poderes a execução destas normas sem a menor possibilidade de discussão.

Também o Senado volta a poder exercer o mandamus de suspender a execução de atos do poder público declarados inconstitucionais por decisão final do STF.

Há aqui uma inovação. Poderia o Procurador-Geral da República, de ofício ou a pedido de terceiro, argüir a inconstitucionalidade de normas perante o STF, cabendo ao Congresso, com o deferimento daquele pedido, suspender a execução da norma eivada de inconstitucionalidade.

a)A Emenda Constitucional 16/65

Já sob um regime totalitário, mas ainda na vigência da Carta de 46, surgem novidades no espectro do controle de constitucionalidade com a vigência da EC 16. Observou-se por primeiro, a verificação da influência do sistema de controle de constitucionalidade europeu, com o surgimento do controle abstrato, não havendo alterações em relação aos demais modelos adotados anteriormente.

Além dessa inovação, houve a possibilidade de apreciação, por parte da Justiça Estadual, da inconstitucionalidade de leis municipais em desacordo com a Constituição vigente.

2.1.6.A Constituição de 1967

A reunião dos constituintes de 1967 não tinha o aval do povo para a elaboração da nova Carta. Resultado: uma Constituição que apenas reforçava o poder do Executivo e da autoridade do Presidente da República. A proposta apresentada pela ditadura militar era a de devolver ao povo a democracia que os havia sido retirada, com a conseqüente ascensão do país ao cenário internacional.

Em relação ao controle de constitucionalidade, foram mantidos, em sua maioria, os padrões verificados na vigência da Constituição anterior, havendo apenas sido retirada a possibilidade de representação de inconstitucionalidade genérica no âmbito estadual.

a)A Emenda Constitucional 01/69

Com apenas dois anos de vigência, a Constituição de 1967 fora praticamente revogada, passando a nação a ser orientada pelo contido na EC 01/69. Sob a presidência dos Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, a nação foi assolada pelos Atos Institucionais, entre eles o nº. 5, que determinou o fim do princípio da independência e da harmonia dos Poderes, deixando ao bel-prazer do Presidente da República os destinos da Nação.

No tocante à fiscalização da constitucionalidade das normas, apenas volta a possibilidade de representação interventiva de inconstitucionalidade dos Estados em face da legislação municipal relativamente a infringência dos princípios constitucionais sensíveis observados na Constituição estadual.

b)A Emenda Constitucional 07/77

Ainda sob o período de ditadura, foi editada a EC 07, que trouxe como alterações no sistema de controle de constitucionalidade a possibilidade do STF processar e julgar originariamente a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou por interpretação de Lei ou ato normativo federal ou estadual e o pedido de medida cautelar nas representações oferecidas também pelo Procurador-Geral da República.

c)A Emenda Constitucional 16/85

Esta, que foi considerada mais um ato político do que uma Emenda Constitucional propriamente dita, foi a medida que convocou a Assembléia Nacional Constituinte que iria elaborar a Carta Magna que iria mudar os destinos do país, responsável pela transição de um poder ditatorial para um estado democrático de direito. Não trouxe, entretanto, nenhuma alteração no sistema de controle de constitucionalidade.

2.1.7.A Constituição de 1988

A Constituição nacional vigente, promulgada em 5 de outubro de 1988 manteve os sistemas difuso e concentrado de controle de constitucionalidade pátrio.

No entanto, acrescentou novos mecanismos de controle, inclusive, com grande influência européia, de transformar a Corte Máxima em Tribunal Constitucional. Podemos observar a seguir as alterações advindas com o novo texto:

1.alteração da nomenclatura do instrumento da representação de inconstitucionalidade para Ação Direta de Inconstitucionalidade, mantendo como objeto sindicável lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a, da CF), ficando o seu procedimento definitivamente regulamentado através da edição da Lei nº 9.868/99;

2.ampliou o rol dos legitimados para proporem a Ação Direta, que anteriormente previa apenas o Procurador-Geral da República, incluindo também o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara Federal, a Assembléia Legislativa, Governadores de Estado, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, além de confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103, da CF);

3.admitiu a instituição da representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, voltando a atribuir a legitimação para agir em um único órgão (art. 125, § 2º., da CF);

4.trouxe a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º., da CF) e o Mandado de Injunção (art. 5º., LXXI, da CF) para controlar a inoperância do Poder Público;

5.encarregou o Advogado-Geral da União de defender ato impugnado por inconstitucional nas ações diretas;

6.instituiu, através de norma de eficácia limitada, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental em face da Constituição Federal (inicialmente no art. 102, § único, renumerado para § 1º., da CF, através da EC 03/93).

a)A Emenda Constitucional 03/93

Com a edição da Emenda Constitucional nº 03/93, o STF teve ampliada sua competência de Tribunal Constitucional, graças à inclusão no sistema de controle de constitucionalidade, da Ação Direta de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

Embora toda lei tenha por princípio a presunção de constitucionalidade, esta ação direta teve por objetivo garantir a segurança jurídica e o afastar estado de incerteza sobre a validade de uma lei ou ato normativo federal. Acrescenta esta emenda a eficácia erga omnes dos efeitos desta ação, além de efeitos vinculantes relativamente aos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

b)A Lei 9.882/99

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mesmo antes da edição da EC 03/93, a Norma Constitucional já previa o instituto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Contudo, carecia este importante e inovador instrumento de controle de constitucionalidade de regulamentação própria, estabelecendo seus contornos e delimitações para que sua operacionalidade pudesse ser posta em prática. Em 3 de dezembro de 1999, foi então, tardiamente, publicada a lei que regulamentaria o instituto da ADPF.

2.2.Do controle de constitucionalidade

Desde o período colonial, a Coroa via em sua colônia na América uma realidade

assentada sobre a base dos grandes latifúndios, numerosa, rica, orgulhosa esclarecida pelas idéias novas, que revolucionavam os centros cultos do Rio e de Pernambuco. [5]

Nesse diapasão, na Europa, já se difundiam largamente diversos movimentos que agitavam os sistemas político-sociais das diversas nações, quais sejam, o Liberalismo, o Parlamentarismo, o Constitucionalismo, o Federalismo, a Democracia e a República. Deste fervor político que se arraigava cada vez mais nas nações européias, nasceu a justificativa para que D. João VI introduzisse no Brasil o sistema constitucionalista, a ponto de querer aplicar aqui no Brasil a Constituição elaborada pelas Cortes portuguesas.

Após a Proclamação da República, havia a necessidade de o Imperador manter a integridade e a unidade nacionais. Para tanto, havia a dependência da estruturação de um poder centralizador e uma organização nacional, o que somente seria conseguido através da elaboração de um sistema constitucional baseado no liberalismo, assegurado por uma declaração constitucional dos direitos do homem e de um sistema de divisão de poderes, de acordo com o postulado do art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, segundo a qual

não tem constituição a sociedade onde não é assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes.

Assim, numa sucessão de percalços, foram editadas, em pouco mais de 180 anos de Independência, e 110 anos de República, oito constituições.

Pela rigidez de nossa Constituição, tem-se que ela é a Lei Fundamental e suprema do Estado brasileiro. Nela pode-se encontrar toda a autoridade e o poder fundamentais à existência do Estado. Somente a Constituição confere poderes e competência governamentais.

Como ensina José Afonso da Silva,

Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou o Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. [6] (grifo nosso)

2.2.1.Noções sobre controle de constitucionalidade

Partindo-se do pressuposto da supremacia da Constituição, todas as demais normatizações estabelecidas no universo jurídico pátrio devem estar de acordo com os ditames constitucionais positivados. Inconstitucionalidade não significa apenas regras que prevêem dispositivos em desacordo com os preceitos constitucionais. A omissão do legislador que resulte em inobservância de regras constitucionais também é uma forma de violar as orientações máximas previstas na Carta Magna. Cabe, neste ínterim, à Corte Constitucional pátria, exercer a proteção da integridade da Carta Fundamental, em face dos dispositivos legais criados no emaranhado jurídico nacional que estejam em dissonância com as regras fundamentais emanadas pela Constituição. Essa tarefa somente se perfaz através dos mecanismos de controle de constitucionalidade previstos no sistema constitucional de nosso país.

Controlar a constitucionalidade, na precisa exposição de Michel Temer, significa "impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição". [7]

Para cristalizarmos esse entendimento, vejamos as palavras de José Afonso da Silva [8]:

O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional.

Para que se verifique a fiscalização da constitucionalidade de atos normativos, devem ser observados alguns pressupostos, dentre eles, a existência de uma constituição formal, a compreensão da Constituição como lei fundamental (rigidez e supremacia constitucionais, e distinção entre leis ordinárias e leis constitucionais) e a previsão de pelo menos um órgão dotado de competência para o exercício destas atividades [9].

Dizemos ser uma Constituição formal aquela emanada de uma só vez, elaborada e escrita por legisladores dotados de poderes especiais, os chamados poderes constituintes. Deriva da força da razão, e não do tempo, podendo aqui ser traçado seu paralelo com as Constituições consuetudinárias (aquelas firmadas através da ocorrência regular de atos costumeiros), sendo estas elaboradas pela ação quase imperceptível de um poder constituinte difuso, estratificada pela história [10].

Para diferenciarmos uma Constituição rígida de uma flexível, devemos observar, inicialmente, que a primeira necessita de um procedimento formal e complexo para que possa ser modificada. Já na segunda forma, não são necessários procedimentos além daqueles previstos para a elaboração de normas comuns para que sejam alteradas.

A supremacia constitucional está diretamente ligada à rigidez da Constituição, não sendo, no entanto, suficientemente capaz de distinguir uma Constituição suprema das demais. Contudo, não basta apenas ter uma Carta Constitucional suprema, é necessário que a consciência política e social dominante seja eminentemente constitucionalista, de modo que a sociedade organizada possa compreender e respeitar a Carta Maior colocada à sua disposição.

Somente poderá haver o controle ou fiscalização da constitucionalidade de uma norma quando, expressamente, a própria Constituição preveja atribuições a um ou mais órgão de sua estrutura judiciária que possam executar esta tarefa. Esta Corte Constitucional pode tanto fazer parte do grupo que exerce funções jurisdicionais como funções políticas. Importante, deve-se ressaltar, é que se ocupem da fiscalização da constitucionalidade dos atos emanados pelo Poder Público, censurando aqueles violados de preceitos ou princípios constitucionais.

2.2.2.Controle de constitucionalidade quanto ao momento de realização

O controle de constitucionalidade pode se dar, em relação ao momento de sua propositura, segundo a classificação clássica, de forma preventiva ou repressiva.

Apresentam-se como corolários da modalidade do controle de constitucionalidade preventivo, o princípio da legalidade e o processo legislativo constitucional. Para tanto, salienta-se que para que a norma possa fazer parte do universo jurídico nacional, deve a mesma observar o procedimento previsto constitucionalmente até a sua efetiva inclusão no corpo de normas pátrias.

Quando o controle for preventivo, o objetivo do órgão executante é o de não deixar que a norma eivada do vício da inconstitucionalidade sequer chegue a fazer parte do sistema jurídico pátrio.

Via de regra, o controle preventivo é realizado pelo próprio Poder Legislativo ou pelo Poder Executivo. Sendo assim, afiguram-se como formas práticas de controle preventivo de constitucionalidade a apreciação pelas comissões de constituição e justiça e o veto jurídico pelo Poder Executivo.

Quanto ao Legislativo, o art. 58 da CF reflete a possibilidade de criação de comissões permanentes estabelecidas conforme sua previsão, seguindo a rotina prevista nos Regimentos Internos das Casas Legislativas Federais. O art. 32, III, do regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê a criação da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação,

estabelecendo seu campo temático e sua área de atividade em aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas comissões, para efeito de admissibilidade e tramitação [12].

No caso do Senado Federal, o art. 101 do seu regimento interno prevê a existência da comissão similar, com competência para opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe forem submetidas por deliberação do plenário, por despacho do Presidente, por consulta de qualquer comissão, ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o plenário [13].

A outra hipótese de controle preventivo de constitucionalidade, pelo veto jurídico, ocorre pela participação do chefe do Executivo, ainda durante o processo legislativo. Se entender que o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional vai contra os princípios insculpidos na Constituição Federal, pode o Presidente da República aplicar o chamado Veto Jurídico, demonstrando sua contrariedade.

Assim, demonstra-se que no Brasil, o controle de constitucionalidade preventivo ocorre ainda no processo legislativo, antes mesmo que o projeto de lei venha a ser coroado de eficácia, seja pelo Legislativo, seja pelo Executivo.

Já quando se fala em controle repressivo de constitucionalidade, está se referindo, como dito anteriormente, àquele realizado quando a norma já faz parte do ordenamento jurídico vigente. Muito se diz a respeito do princípio da presunção de constitucionalidade de uma norma já vigente. Pois bem, tecnicamente, parte-se desse pressuposto. Contudo, na prática, observa-se que nem tudo o que reluz é ouro. Observando-se a quantidade de ações de natureza de controle de constitucionalidade propostas perante o STF, verificamos a significativa quantidade de normas que passaram pelos crivos tanto do Congresso Nacional, quanto do chefe do Poder Executivo, chegando à vigência, com a mácula da inconstitucionalidade em seu conteúdo ou em sua forma.

Nossa Constituição Federal prevê o controle repressivo por iniciativa tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Judiciário.

Na primeira hipótese, onde o Legislativo faz o primeiro movimento em busca da constitucionalidade da norma suscitada, surgem duas possibilidades. Prevê o art. 49, V, da Carta Fundamental, que

É competência exclusiva do Congresso Nacional... sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Neste caso, o procedimento do Congresso Nacional será a edição de um decreto legislativo suspendendo a eficácia do ato do Executivo em desacordo com a Ordem Constitucional, seja o ato impugnado um decreto presidencial ou uma lei delegada.

A outra possibilidade de controle repressivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, por iniciativa do Poder Legislativo, é aquela verificada durante o processo de edição e apreciação de uma Medida Provisória pelo Presidente da república.

Por primeiro, algumas observações: a Medida Provisória, após sua edição e publicação, tem força de lei, independentemente de seu caráter provisório. Nos termos do art. 62, da Constituição Federal, ela terá vigência e eficácia imediatas, devendo ser submetida ao Congresso Nacional para votação e posterior conversão em Lei.

Contudo, se ao apreciar a Medida Provisória, o Congresso rejeita-la por violação à constitucionalidade no parecer da comissão temporária mista, tem-se aí o controle repressivo, pois estaria retirando da órbita jurídica um diploma legal (com efeitos temporários), viciado de flagrante inconstitucionalidade.

Poder-se-ia dizer, pela natureza jurídica da Medida Provisória, que se trata de norma ainda não acabada – sujeita a alteração ou até mesmo supressão do ordenamento jurídico. Seguindo este raciocínio, poderiam alguns afirmar que se trata de controle de constitucionalidade preventivo. Contudo, como afirmamos acima, a Medida Provisória, depois de editada, tem vigência e eficácia já a partir de seu nascedouro. Por isso, o controle seria sobre dispositivo já pertencente ao ordenamento jurídico pátrio, negando, assim, a teoria de que se trata de controle preventivo.

Quando se fala em controle de constitucionalidade repressivo realizado pelo Poder Judiciário, tem-se a determinação expressa da CF, no seu art. 102, I, a competência do STF para julgar e processar, originariamente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, e a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, e, ainda, a possibilidade de apreciação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de atos do Poder Público (controle concentrado).

Permite, ainda, o art. 97 da Carta Magna, em relação ao controle repressivo de constitucionalidade, na modalidade difusa, a apreciação também pelos Tribunais, de acordo com as regras previstas no dispositivo acima mencionado.

Verificamos, assim, no Brasil, a presença de um sistema misto de controle de constitucionalidade, podendo ser verificadas as ocorrências tanto do controle concentrado, quanto do controle difuso de constitucionalidade. A seguir, daremos um tratamento abrangente aos dois institutos, mostrando as suas diferenças, semelhanças e processamento.

2.2.3.Controle de constitucionalidade concentrado ou por via de ação direta

A criação de uma Corte Constitucional foi observada pela primeira vez no direito austríaco, em sua Constituição de 1920, e tinha ela a exclusividade do exercício do controle judicial de constitucionalidade, fazendo frente ao consagrado judicial review do direito norte-americano.

Na visão de Hans Kelsen, a escolha de um único órgão para exercer o controle de constitucionalidade era justificada pois se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico concluindo que se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é valida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito [14].

O controle abstrato de constitucionalidade surgiu no Brasil com a Constituição de 1965, que atribuiu ao STF competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, proposta pelo Procurador-Geral da República.

O objetivo visado pelo controle concentrado de constitucionalidade é a declaração da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo emanado pelo Poder Público, em tese, buscando a retirada desta norma eivada do vício da inconstitucionalidade do ordenamento jurídico vigente. Desta forma, deduza-se que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade por parte da Suprema Corte possuem efeitos erga omnes. Idealiza-se, com isso, a manutenção da segurança das relações jurídicas, que jamais podem ser fundamentadas em normas inconstitucionais.

Nas palavras de Alexandre de Moraes,

A declaração da inconstitucionalidade, portanto, é o objeto principal da ação, da mesma forma que ocorre nas Cortes Constitucionais européias, diferentemente do ocorrido no controle difuso, característica básica do ‘judicial review’ do sistema norte-americano [15].

2.2.4.Controle de constitucionalidade difuso ou incidental

Também conhecido como controle por via de ação ou defesa, caracteriza-se pelo fato de que o controle acerca da constitucionalidade se dá através de análise de um caso concreto, realizado por qualquer juiz ou tribunal. No Brasil, este sistema de controle constitucional já é observado desde a Constituição de 1891.

De influência norte-americana, o sistema difuso foi inaugurado no país yankee com o célebre caso Madison x Marbury, já exposto no capítulo 1 desta obra.

No controle difuso, a inconstitucionalidade não é o objeto principal da ação. A discordância com a Constituição será analisada incidentalmente, em questão prévia, indispensável ao julgamento do objeto principal da lide. Via de regra, o que se pleiteia nesta via de defesa é tão somente a declaração de inconstitucionalidade única e exclusivamente para isentar a parte da submissão ou não ao dispositivo impugnado de desconforme com a Carta Magna. No caso de ser a lei ou ato normativo do Poder Público declarados inconstitucionais por tribunal inferior, tem-se o chamado efeito inter partes, apenas isentando do cumprimento da norma às partes envolvidas no processo em análise.

Quando se fala em controle de constitucionalidade, não se pode deixar de falar de algumas situações inerentes a este mecanismo.

Primeiro, no que diz respeito à Cláusula de Reserva de Plenário. A Constituição Federal, em seu art. 97, prevê que a declaração de inconstitucionalidade só poderá ocorrer se por voto da maioria absoluta do tribunal ou órgão especial que esteja incumbido da apreciação da matéria. Esta cláusula atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, devendo ser obedecida por todos os tribunais na via difusa, e pelo próprio STF, no controle concentrado.

Outro aspecto a ser ressaltado, é a participação do Senado Federal no caso da declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato do Poder Público. No Capítulo da Constituição Federal que trata das competências do Senado (art. 52, X), existe a previsão para a suspensão da eficácia da norma declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF. Assim, por meio de uma resolução da Casa, afasta-se definitivamente a possibilidade de que esta norma manchada pela nódoa da inconstitucionalidade continue a produzir efeitos nas relações jurídicas ocorridas no futuro.

Note-se, que quando o STF declarar a inconstitucionalidade, pela via difusa, os efeitos para as partes envolvidas no processo cuja decisão depender desta, serão ex tunc, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos, desprovidos de qualquer carga de eficácia jurídica. Nesse contraponto, como dito acima, quando da declaração de inconstitucionalidade incidental pelo STF, o Senado editará uma Resolução, suspendendo, no todo ou em parte, da lei ou ato declarado inconstitucional, por decisão definitiva da Suprema Corte, que terá efeitos erga omnes e ex nunc, ou seja, a partir da publicação da referida medida do Senado Federal.

2.2.5.Diferença entre as modalidades de controle de constitucionalidade abstrato e concreto

Muito se discute acerca da superposição de algumas modalidades de controle de constitucionalidade. Entre elas, podemos elencar, fundamentalmente, duas modalidades, conforme classificação de Luís Roberto Barroso [16]:

1.Quanto ao órgão que o desempenha

Nesta classificação, leva-se em consideração qual o juízo ou tribunal que exercerá o controle de constitucionalidade. Nesta esteira, a fórmula brasileira prevê a existência do controle concentrado e do controle difuso de constitucionalidade. Em relação a estas duas modalidades, acreditamos que foram suficientemente exauridas as possíveis dúvidas existentes, e o tema encontra-se em perfeito entendimento.

2.Em relação à forma pela qual é exercido

Quando se trata do modo o qual é realizado o controle de constitucionalidade, Barroso afirma que a classificação pode ser

relativa à forma pela qual é exercida. Nesse caso, o controle poderá ser incidental ou principal. O controle por via incidental, ou ‘incidenter tantum’, ou por via de exceção, ou por via de defesa, é aquele exercido na apreciação de casos concretos, enquanto o controle por via principal ou por ação direta é o controle exercido em tese.

Em nosso país, em regra,

o controle por via incidental é difuso e o controle por via principal é concentrado. Entretanto, incidental não é sinônimo de difuso, tampouco principal é sinônimo de concentrado. São conceitos distintos que, no caso brasileiro, freqüentemente se superpõem [17].

2.2.5.Sistema brasileiro de controle de constitucionalidade

Como dissemos anteriormente, o sistema de controle de constitucionalidade desenvolvido e aplicado no Brasil é um sistema misto, combinando influências européias, onde o processamento da ação se dá na Corte Suprema, que, neste momento, exerce sua competência precípua, que é a da guarda da Constituição, atuando como verdadeira Corte Constitucional. A competência do STF, prevista no art. 102, I, a, da Constituição Federal, demonstra expressamente a exclusividade deste Tribunal para apreciar e julgar o controle de constitucionalidade em questão.

Verifica-se também, no Brasil, a ocorrência de influências do sistema norte-americano de controle constitucional, onde nos deparamos com a figura do controle difuso de constitucionalidade. Nessa modalidade, qualquer interessado pode propor a ação de inconstitucionalidade a qualquer juízo ou tribunal, para que verifique a incongruência de ato do Poder Público, aplicada no caso concreto. Esta previsão, do controle difuso, porém, não é explícita na Carta Maior. Implicitamente se verifica essa possibilidade, pela leitura dos arts. 97 e 102, III, da CF. No primeiro dispositivo, espia-se a apreciação do Princípio da Reserva do Plenário já discorrido anteriormente; no segundo, o Recurso Extraordinário. Neste, presume-se que um determinado caso concreto está sob apreciação, em grau de recurso à Suprema Corte, onde já houve uma decisão anterior a respeito da aplicação lei ou ato normativo do Poder Público. Trata-se, desta forma, de controle difuso, pois, apesar de a possível declaração de inconstitucionalidade ser proferida pelo STF, não o foi de forma originária, e sim, como dissemos, em grau de recurso, apreciando-a em relação à lei ou norma em discussão.


III-ASPECTOS MATERIAIS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

3.1.Instrumentos assemelhados à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no direito comparado

O texto da Lei 9.882/99, que regulamentou as possibilidades e o procedimento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, possui algumas características semelhantes às de alguns institutos afins do direito comparado.

Para compreendermos melhor esta topografia do direito comparado, inicialmente teceremos alguns comentários acerca do incidente de inconstitucionalidade, que pode ser entendido como a natureza jurídica dos institutos assemelhados internacionais.

3.1.1.O incidente de constitucionalidade

O incidente de inconstitucionalidade, nas palavras de Mandelli Jr., é

o meio processual que permite ser levada uma questão constitucional, como uma violação a um direito fundamental por parte do Poder Público, diretamente ao Tribunal Constitucional para decidir de imediato o problema constitucional suscitado, pois a demora em qualquer outra instância judicial poderia ocasionar dano irreparável à vítima da violação [18].

Arnoldo Wald [19] ao suscitar seu posicionamento a respeito do incidente de inconstitucionalidade, disse que o dispositivo,

inspirado no direito alemão, permite que seja antecipada a decisão do STF sempre que for suscitado, em qualquer processo, o problema de constitucionalidade, com fundamentos relevantes. No caso, a Corte Suprema se limitaria a decidir a matéria constitucional, prosseguindo, em seguida, normalmente o feito na instância em que se encontrava... Trata-se, no fundo, de uma espécie de tutela antecipada de caráter constitucional, em virtude da qual ocorre, no processo, uma cisão entre a questão constitucional e as demais suscitadas pelas partes.

Apesar de um sistema de controle de constitucionalidade complexo e completo, tentou-se inserir o incidente de inconstitucionalidade à época das Emendas Constitucionais de Revisão de 1994, não tendo, no entanto, sido aprovada nenhuma proposta neste sentido.

Apesar da edição da Lei 9.882/99, por iniciativa do Executivo federal, em 2001, surpreendentemente, o Presidente da república enviou ao Congresso Nacional a PEC 382/01, acrescentando um parágrafo 5º. no art. 103 da CF, autorizando o STF nos casos de incidente de constitucionalidade, para a ação direta de inconstitucionalidade, suspender todos os processos para proferir decisão que verse sobre matéria constitucional, a qual terá eficácia contra todos e efeito vinculante.

Observa-se, no entanto, que mesmo com a rejeição do incidente de constitucionalidade através da Revisão Constitucional, e ainda, que a PEC 382/01 ainda não ter sido votada, a Lei 9.882/99 contempla o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade com algumas características do incidente de inconstitucionalidade, tais como, a proteção de direitos fundamentais e, por conseqüência, da ordem constitucional, e a presença do princípio da subsidiariedade, como possibilidade da sua utilização quando houver o exaurimento prévio da jurisdição ordinária ou inexistência de um meio eficaz para sanar a lesão.

3.1.2.A Verfassungsbeschwerde do direito alemão

A tradução mais aproximada para o termo em alemão seria "recurso constitucional" ou "queixa constitucional", tendo sido instituído na Alemanha com status constitucional em 1951.

Através da Verfassungsbeschwerde, qualquer pessoa física ou jurídica que tenha sofrido lesões de seus direitos constitucionais fundamentais poderá recorrer ao Tribunal Constitucional para que este decida diretamente a questão. Os prazos, regra geral, são de um mês, havendo a exceção quando a lesão tenha sido causada por ato do Poder Público o qual não seja permitido o controle judicial.

Os direitos fundamentais resguardados pelo recurso constitucional alemão não são taxativos. Contudo, admite-se que sejam interpelados atos relacionados com o direito de resistência, o direito de igualdade e cidadania, direito de voto, proibição dos tribunais de exceção e o princípio do juiz natural, além dos direitos fundamentais do réu e as garantias na privação de liberdade.

Luís Afonso Heck apresenta sua opinião a respeito da Verfassungsbeschwerde:

O recurso constitucional é um remédio jurídico extraordinário para a proteção e para a realização dos direitos fundamentais que somente é admissível quando a violação de direitos fundamentais censurada não pôde ser suprimida de outra forma. O fundamento dessa restrição à admissibilidade está em que, por motivo de certeza jurídica, só excepcionalmente decisões de outros tribunais, formalmente transitadas em julgado ou não impugnáveis, ou de autoridades, podem ser postas em dúvida [20].

Presente também neste instrumento, o princípio da subsidiariedade, ou seja, o exaurimento de todas as possibilidades judiciais para a concessão da tutela jurisdicional pretendida pelo interessado. Paralelamente a isso, verifica-se também no recurso constitucional alemão sua função objetiva, na proteção não apenas do direito individual lesado, mas também da própria ordem jurídica constitucional.

O recurso constitucional germânico pode ser interposto com vistas a impugnar atos do Poder Público, dentre eles: a) por parte do Poder Legislativo: leis em sentido formal, sejam federais ou estaduais, ou, ainda, pré-constitucionais ou pós-constitucionais, como, também, as normas jurídicas materiais e as omissões, sejam absolutas ou relativas; b) por parte do Poder Executivo: os atos administrativos federais, estaduais e municipais e as omissões relacionadas a este poder; e c) por parte do Poder Judiciário: as decisões dos Tribunais da Federação (exceto as do Tribunal Constitucional Federal) e dos Estados (incluindo os Constitucionais estaduais), bem como as omissões relacionadas a este poder [21].

Observa-se, com isso, que na Alemanha, quando um tribunal ordinário, ao analisar uma questão concreta incorrer em dúvida acerca da constitucionalidade de um ato do Poder Público, deve remeter o processo ao Tribunal Constitucional, suspendendo o curso da lide, para que este decida sobre a constitucionalidade do ato questionado. Este procedimento funciona como um verdadeiro incidente de constitucionalidade, ou seja, uma questão acessória que deve ser resolvida antes do processo principal, para que, somente após, possa este ser decidido.

3.1.3.A Beschewerde do direito austríaco

O recurso constitucional austríaco é mais antigo que o similar alemão, tendo sido instituído no regime imperial de 1867. Porém, após 1920, recebeu status constitucional. Nesta oportunidade, a Constituição austríaca adotou o sistema de controle de constitucionalidade concentrado, a ser realizado por um Tribunal Constitucional.

O mecanismo da Beschewerde austríaca tem como natureza jurídica um dispositivo de incidente de inconstitucionalidade, na qual é suspenso um processo ou em primeira inst6ancia ou em um tribunal, submetendo-se a questão constitucional à apreciação do Tribunal Constitucional. Exige-se o prazo de seis meses a partir da data do ato inconstitucional para a propositura do recurso.

Uma particularidade do recurso austríaco, é que o próprio Tribunal Constitucional reconhece sua exclusiva faculdade, a de verificar a constitucionalidade de uma lei, podendo promover de ofício a sua inconstitucionalidade. Assim, tem-se que a própria Corte pode escolher os casos em que deseja atuar como Tribunal Constitucional.

Da mesma forma que o recurso germânico, o austríaco poderá ser interposto por qualquer cidadão cujos direitos tenham sido lesados por atos normativos ou administrativos emanados do Poder Público.

Os requisitos para a propositura do recurso constitucional austríaco são: a) a alegação de lesão a um direito constitucional; b) existência de um ato ou de uma medida supostamente inconstitucional; c) na existência de um caso concreto, a prova de que o próprio demandante é vítima dessa pretendida violação; e d) prazo de seis meses a contar da prática do ato inconstitucional do Poder Público [22].

Comparativamente, a Beschewerde austríaca é semelhante ao recurso constitucional alemão, com características semelhantes, dentre as mais importantes, a defesa contra lesão a um direito constitucional, a legitimação ativa a qualquer pessoa que se sinta lesada e, fundamentalmente, a existência de um ato do Poder Público que seja o causador do dano.

3.1.4.O Recurso de Amparo espanhol

Foi incluído no ordenamento jurídico espanhol a partir da Constituição de 1978, havendo sido utilizadas características semelhantes aos recursos germânico e austríaco da mesma natureza.

Dentre as semelhanças aos mecanismos acima, verifica-se a possibilidade de ingresso diretamente pela pessoa lesada, aplicando-se o princípio da subsidiariedade, ou seja, o esgotamento da via judicial na busca da reparação da lesão. O prazo para o ingresso do recurso é de vinte dias contra atos dos juízos ou tribunais ou ainda do Poder Executivo, e três meses para os atos do Poder Legislativo. Além da pessoa física lesada, poderão propor o recurso as pessoas jurídicas, o Defensor do Povo e o Ministério Fiscal (Ministério Público espanhol).

Dentre os direitos resguardados pelo Amparo, podemos citar os fundamentais e as liberdades públicas reconhecidas pela Constituição (princípio da igualdade, direito à vida, integridade física e moral, liberdade ideológica, religiosa e ao culto, liberdade, segurança, honra, intimidade e própria imagem, inviolabilidade de domicílio, entre outros).

Eduardo García de Enterría ensina que a justificação do Recurso de Amparo é a própria posição central que os direitos fundamentais e as liberdades públicas conquistam no sistema constitucional; são valores superiores, fundamentos do ordenamento político e da paz social, que recebem uma proteção especial. Para o autor, "a proteção deles é a proteção dos valores superiores do ordenamento e correlativamente da própria Constituição" [23].

Tem-se no Recurso de Amparo, a exemplo demais dos mecanismos estudados, o caráter de proteção não só dos direitos individuais fundamentais, mas também da guarda da Constituição, tendo o Tribunal Constitucional como realizador deste feito.

Comparativamente à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o recurso de Amparo espanhol possui a característica de realizar o controle de constitucionalidade concreto concentrado através do Tribunal Constitucional. No entanto, no dispositivo pátrio, existe a limitação em relação aos legitimados para propor a argüição de descumprimento, permitindo apenas aos arrolados no art. 103 da Constituição Federal a realização de tal exercício.

3.2.Da criação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade na órbita jurídica nacional dava apenas alguns sinais de que poderia se transformar no eficiente mecanismo de defesa da Constituição que hoje conhecemos.

Na edição da Carta Magna, a previsão da aplicação do controle de constitucionalidade se restringia apenas à menção da existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual [24]. Em relação à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, o parágrafo único do art. 102 da Carta Fundamental previa a possibilidade de regulamentação deste novel instituto de controle de constitucionalidade que teria o STF como o órgão competente do Poder Judiciário para apreciar o pedido, carecendo a edição de uma lei que viesse a regulamentar a possibilidade e o procedimento para o processamento da verificação da constitucionalidade do ato impugnado.

3.2.1.A inserção da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no ordenamento jurídico pátrio

Como destacado no intróito acima, a CF 88 previu, inicialmente no parágrafo único do art. 102, que trata das competências do STF, que:

A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

Em 1993, com a edição da Emenda Constitucional nº 3, que em matéria de controle de constitucionalidade trouxe ao bojo da legislação brasileira a Ação Declaratória de Constitucionalidade, renumerou os parágrafos do art. 102, sendo que o § 1º. passou a ser destinado a previsão da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, e o § 2º. tratou da eficácia erga omnes e dos efeitos vinculantes da Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Carecia a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, no entanto, de regulamentação, visto que por determinação expressa da própria CF, esta seria regulamentada na forma da lei. Isso dava ao instituto a característica de norma de eficácia limitada, ou seja, aquela que, apesar de sua previsão constitucional, não tinha força para, de per si, causar impacto suficiente na órbita jurídica para impor à sociedade o seu conteúdo.

De acordo com os ensinamentos do mestre José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam

aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade [25].

Ainda, segundo o professor,

o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinários estruture em definitivo, mediante lei [26].

Ficava clara e manifesta a intenção do constituinte em deixar ao encargo do legislador ordinário a atribuição de criar uma lei capaz de regulamentar o instituto, com o atendimento das limitações básicas indicadas no texto constitucional, sob pena de violação do princípio da legalidade [27].

3.2.2.Considerações sobre o processo legislativo da Lei 9.882/99, regulamentadora da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Em meados de 1997, Gilmar Ferreira Mendes e Celso Ribeiro Bastos iniciam discussões para tratar da introdução no sistema jurídico brasileiro de um mecanismo que visasse acabar com a chamada ‘guerra de liminares’. Pois bem, nesse ínterim, chegaram a conclusão que a própria Constituição já previra um meio adequado a atingir as finalidades previstas pelos ilustres professores: a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Ato contínuo, foi instituída pelo Poder Executivo uma comissão de estudos destinada a desenvolver o anteprojeto que viria a regulamentar a ADPF. Para formar esta comissão, foram designados os dois criadores da concepção inicial, sendo Celso Bastos conduzido à sua presidência, e mais os professores Arnoldo Wald, Ives Gandra Martins e Oscar Dias Corrêa.

Gilmar Ferreira Mendes, ao relatar as atividades desenvolvidas pela comissão, afirma que a proposta do anteprojeto teve por objetivo desenvolver os principais aspectos processuais e de julgamento do instituto, estabelecendo o seu rito, os legitimados ativos para propor a argüição, os pressupostos para suscitar o questionamento e os efeitos da decisão proferida e sua irrecorribilidade.

Par e passo, tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.872, de autoria da Deputada Sandra Starling, que denominava o instituto de Reclamação. Porém, tal medida serviria também para a interpretação dos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, e, ainda, do Regimento Comum, exclusivamente aplicados no processo legislativo previsto na Constituição Federal.

O Projeto de Lei da deputada Sandra Starling teve reconhecimento através do parecer favorável do Relator, Deputado Prisco Viana, que apresentou substitutivo de sua autoria, que muita coisa em comum tinha com o anteprojeto da Comissão formada pelo Executivo.

Após votação na CCJ da Câmara, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, ficando sujeito à sanção do Presidente da República. Este, ao analisar o Projeto, exerceu suas prerrogativas presidenciais e vetou alguns dispositivos: inc. II, do § ún. do art. 1º.; inc. II, do art. 2º.; § 2º., do art. 2o.; § 4º., do art. 5; § 1º. e 2º., do art. 8º.; e o art. 9º.

Na obra Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o autor gaúcho Hélio Márcio Campo mostra sucintamente as razões do Veto presidencial aos dispositivos acima citados. São eles:

a)Em relação ao inc. II, do § ún. do art. 1º., orienta o autor: Não se pode dar ao Supremo Tribunal Federal a ingerência ilimitada e genérica acerca da interpretação e aplicação dos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como do regimento comum, uma vez que tais questões constituem matéria ‘interna corporis’, de modo que a única intervenção poderia dar-se nas disposições que produziriam normas constitucionais;

b)O veto ao § 4º. do art. 5º., assim como o do inc. II do § ún, do art. 1º. e também do art. 9º., funda-se na excessiva intervenção da jurisdição constitucional no processo legislativo;

c)A disposição introduzida no inc. II, do art. 2º., relativa à possibilidade de ingresso de qualquer cidadão no Supremo Tribunal Federal, mediante a argüição de descumprimento de preceito fundamental, é incompatível com o controle concentrado dos atos estatais, presumindo-se, ademais, com o dispositivo, que haveria uma sobrecarga do número de processos na Corte sem a correlata relevância jurídica e consistência nas argüições propostas, de modo que os legitimados no art. 103 da Constituição Federal, que atuam como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania, saberão melhor veicular e selecionar as questões relevantes;

d)A exigência de um juízo favorável do Procurador-Geral da República, quanto à relevância e a consistência da fundamentação da representação, constitui um mecanismo adequado para assegurar a legitimidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental, de sorte que eventual recurso, na hipótese de indeferimento da representação, desqualificaria o exame feito por aquele e criaria um procedimento adicional e desnecessário, o que justificaria o veto ao § 2º. do art. 2º.;

e)O ‘quorum’ previsto nos § § 1º. e 2º. do art. 8º. constitui restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e à eficiência que demanda a argüição de descumprimento de preceito fundamental, sem se falar, ainda, que é excessivo e desproporcional, haja vista ser superior ao previsto para a ação direta de inconstitucionalidade, o que leva a impor-se o veto aos § § 1º. e 2º., do art. 8º., em razão do interesse público [28]

Por fim, em 03 de dezembro de 1999, com publicação no DOU no dia 06, seguinte, finalmente foi editada a lei 9.882, regulamentando, tardiamente, o instituto da ADPF.

3.3.Teoria geral da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Neste item, realizaremos um estudo mais detalhado dos principais aspectos da ADPF.

Trataremos, inicialmente, da definição jurídica do termo argüição e das possíveis espécies encontradas na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, previstas na legislação regulamentadora do instituto – Lei 9.882/99, e dos principais reflexos dos atos que resultam em descumprimento do texto constitucional.

Avançaremos por aquele que é um dos principais pontos de discussão doutrinária acerca da ADPF, que é o que trata da não enumeração de quais princípios constitucionais são considerados fundamentais.

Em seguida, estudaremos com profundidade quais atos do Poder Público podem ser objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, sem nos olvidarmos, por certo, do Princípio da Subsidiariedade da ADPF, característica marcante do dispositivo.

Sobre os aspectos processuais, da ADPF, discursaremos acerca da competência da Corte Suprema atuando como verdadeiro Tribunal Constitucional em defesa da Carta Fundamental, dos legitimados constitucionalmente a ingressar perante o STF em busca da declaração de inconstitucionalidade de atos do poder público via ADPF, além de discutirmos os efeitos das decisões em relação à argüição proposta, dentre outros.

3.3.1.As espécies de ADPF

A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental é uma medida de natureza eminentemente judicial, que tem como meta principal o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos (e também não normativos), desde que emanados do Poder Público, com a sua conseqüente declaração de inconstitucionalidade.

Observando-se por uma visão macroscópica do sistema de controle de constitucionalidade pátrio, a ADPF veio complementar o rol de mecanismos de defesa da Ordem Constitucional, mostrando possibilidades especialmente abertas à correção das injustiças praticadas contra a sociedade, causadas pela ocorrência de atos do Poder Público tendentes a violar o Texto Constitucional.

Celso Ribeiro Bastos afirma que a medida veio lançar o direito pátrio na vanguarda absoluta, sobranceiro no resguardo à Constituição e, especialmente, de seus valores principais para proteger-se o Documento Magno [29]

O instituto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental pode ter duas classificações, em relação ao momento de sua propositura face à ocorrência do ato do Poder Público – preventiva ou repressiva, ou ainda, de acordo com a sua natureza de mecanismo de controle de constitucionalidade – incidental ou por via de ação direta.

1.ADPF em relação ao momento de sua propositura

Para buscarmos o significado da primeira forma de classificação, remetamo-nos ao art. 1º. da Lei 9.882/99:

Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. (grifo nosso)

Como se depreende da leitura do dispositivo acima, o legislador ordinário colocou à disposição dos interessados em ingressarem no STF com a ADPF a possibilidade de dois momentos para tal. Quando o art. 1º. fala em evitar lesão a preceito fundamental, está se referindo à possibilidade de se buscar a declaração de inconstitucionalidade ao ato do Poder Público, antes mesmo que este faça parte da ordem jurídica interna.

No entendimento do STF, o controle de constitucionalidade vigente no país será, em regra, orientado pela modalidade repressiva. O Pretório Excelso admite o controle preventivo de constitucionalidade apenas nas hipóteses de violação das regras constitucionais pertinentes ao processo legislativo, e ainda, na ofensa das cláusulas pétreas por projeto de Emenda Constitucional. Por orientação da Corte, a modalidade preventiva de controle de constitucionalidade apenas será possível pela via incidental, através de mandado de segurança impetrado por parlamentar que julga impossível sua participação no processo legislativo incompatível com a Carta Magna. Segundo o Supremo, não existe a possibilidade de qualquer cidadão de propor o controle preventivo de constitucionalidade, pela inexistência de previsão legal de aplicação do mesmo em violação a seu direito subjetivo [30].

Com o advento da Lei 9.882/99, aguardava-se uma alteração no quadro do controle de constitucionalidade no Brasil. Esperava-se que a possibilidade de controle preventivo pudesse ser largamente aproveitada pela sociedade como um todo. Porém não foi o que se observou, em função dos vetos presidenciais, por alegada inconstitucionalidade, do inc. II do § único do art. 1º., do § 4º. do art. 5º. e do art. 9º. da Lei 9.882/99, que conferiam explícito amparo ao controle preventivo de constitucionalidade das leis, por via da ADPF.

Na Mensagem de Veto nº 1.807, o Presidente da República utilizou-se dos argumentos de invasão de competência do Poder Judiciário para analisar matérias afetas ao Poder Legislativo, durante o processo de elaboração de leis. Constaram como razões do veto, as seguintes:

Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à "interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional" prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1º. Tais questões constituem antes matéria ‘interna corporis’ do Congresso Nacional. A intervenção autorizada ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas constitucionais. Essa orientação restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança nº 22503-DF, Relator para o Acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ 06.06.97, p. 24872. Do mesmo modo, no julgamento do Mandado de Segurança nº-22183-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal assentou: "3. Decisão fundada, exclusivamente, em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos (art. 8º). 3.1 O fundamento regimental, por ser matéria ‘interna corporis’, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário. 3.2 Inexistência de fundamento constitucional (art. 58, § 1º), caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário" (DJ 12-12-97, p. 65569). Dito isso, impõe-se o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do Supremo Tribunal Federal em matéria ‘interna corporis’ do Congresso Nacional. No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do Supremo Tribunal Federal, seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão, em se tratando da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo.

A seu turno, impõe-se o veto do § 4º do art. 5º pelas mesmas razões aduzidas para vetar-se o inciso II do parágrafo único do art. 1º, consubstanciadas, fundamentalmente, em intervenção excessiva da jurisdição constitucional no processo legislativo, nos termos da mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O art. 9º, de modo análogo, confere ao Supremo Tribunal Federal intervenção excessiva em questão ‘interna corporis’ do Poder Legislativo, tal como asseverado no veto oposto ao inciso II do parágrafo único do art. 1º. Com efeito, a disposição encontra-se vinculada à admissão da ampla intervenção do Supremo Tribunal Federal nos processos legislativos ‘in genere’. Assim, opostos vetos às disposições insertas no inciso II do parágrafo único do art. 1º e ao § 4º do art. 5º, torna-se imperativo seja vetado também o art. 9º.

Contudo, a maioria dos doutrinadores que trataram do tema afirma categoricamente que o objetivo do Presidente da República foi o de manter a governabilidade do país, garantindo ao Poder Legislativo ampla possibilidade de realizar sua tarefa legiferante sem que houvesse qualquer risco de serem limitados por quaisquer intervenções do STF.

Além da modalidade de controle preventivo de constitucionalidade, foi regulamentada pela Lei 9.882/99 a possibilidade repressiva de controle constitucional através da ADPF, seguindo-se o texto da norma infraconstitucional, donde consta reparar a lesão causada pelo ato danoso do Poder Público.

Apresentam-se como figuras assemelhadas a ADPF repressiva, a Verfassungsbeshewerde alemã, a Beschewerde austríaca e o Recurso de Amparo espanhol, todas estudadas no capítulo 2 desta obra. Trata-se de uma espécie de controle submetido à apreciação do STF, quando o ato emanado pelo Poder Público for fundamentado em lei ou regulamentação governamental. Poderão assim estar sendo questionados atos que resultem em criação de leis, decretos, regulamentos, portarias ou quaisquer outros de cunho legislativo, além daqueles atos executivos, cuja justificativa seja uma norma que deu origem a este ato, desde que, por certo, sejam violadores a um preceito constitucional fundamental.

Alexandre de Moraes, ao comparar a ADPF com o similar dispositivo argentino de controle de constitucionalidade, aduz que a nossa argüição é bem menos generosa que aquela, sendo que o amparo argentino é admissível contra toda ação ou omissão de autoridades públicas ou particulares, que, de forma atual ou iminente, lesionem, restrinjam, alterem ou ameacem, com arbitrariedade ou manifesta ilegalidade, direitos e garantias reconhecidos pela Constituição, pelos tratados e leis [31].

Por fim, com a ADPF, torna-se viável e efetivo o controle das ilegalidades invariavelmente cometidas pelo Poder Público, e também se chega a uma maior efetividade da concretização dos direitos fundamentais pela sociedade. Com a efetividade da proteção aos princípios basilares da Constituição proporcionado pela ADPF, o Supremo Tribunal Federal poderá desempenhar, sobremaneira, seu papel de Tribunal Constitucional, salvaguardando a Carta Fundamental de atos atentatórios à sua integridade.

2.ADPF em relação a sua natureza

O legislador infraconstitucional imaginou a possibilidade da ocorrência de duas modalidades de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a primeira por via de ação direta, e a segunda pela via de incidente processual. Essa amplitude dada ao mecanismo de controle constitucional dos atos do Poder Público sem dúvidas veio a complementar o nosso sistema de controle. Essa dedução se faz pela verificação na nossa legislação, de uma reunião dos mecanismos norte-americano (de controle eminentemente difuso, incidental) e europeu (cuja tendência é a da presença de um Tribunal Constitucional que vele pela integridade do Texto Máximo). Nesta hipótese, quando ao STF for submetida uma matéria de inconstitucionalidade pela via incidental, ocorre uma verdadeira cisão do processo, ficando a lide original submetida à resolução do incidente de inconstitucionalidade para, ai sim, poder ser julgada pelo juiz original da causa.

Contudo, muitos doutrinadores insistem em cingir a ADPF de acordo com a classificação em comento, em função da disposição dos dois dispositivos da Lei 9.882/99. Na opinião destes autores, enquanto o caput do art. 1º. trataria exclusivamente da argüição por via de ação direta, o seu inciso I seria responsável pela modalidade incidental da argüição:

Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

Por mais que se afirme que o legislador tenha tido como escopo principal exatamente a fissão das duas modalidades de acordo com a disposição contida nos dispositivos acima, verifica-se imperiosa uma interpretação mais ampla do que simplesmente a contida no texto legal. Explica-se: se aplicada ipsis verbis a norma contida no caput do art. 1º. da Lei 9.882/99, teríamos a situação de um controle de constitucionalidade concentrado – pois sujeito à apreciação do STF – na qual a Suprema Corte decidiria apenas a forma genérica de atos do Poder Público, por assim estar descrito na norma.

Por conseguinte, ao interpretarmos o inc. I do § único do mesmo artigo, haveria somente a apreciação de matérias atinentes a atos do Poder Público das três esferas da federação, inclusive do direito pré-constitucional, pela via difusa do controle de constitucionalidade, visto que se trata de exame de controvérsia constitucional em relação a tais atos, característica desta modalidade de controle de constitucionalidade.

Observa-se, desse modo, a necessidade de uma interpretação mas extensiva do conteúdo da Lei 9.882/99 de modo a revelar a abrangência e as reais possibilidades que ela oferece. Senão vejamos.

No processo de elaboração da referida Lei, o legislador inovou ao lançar mão da possibilidade de exame de lesões a preceitos fundamentais causadas por leis ou atos normativos municipais e anteriores à Constituição. Se nos utilizássemos da regra que conduz à uma separação da argüição por ação direta com fundamento apenas no caput do art 1º., não se vislumbraria a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade das matérias recém incluídas na legislação pátria.

Outro argumento a favor de uma leitura global do texto da Lei 9.882/99 para fins de delimitação das possibilidades de argüição por via de ação direta ou pela via incidenter tantum, é o de que não existe qualquer distinção em relação à legitimação para a propositura da medida principal ou incidental, sendo os legitimados (art. 2º. da Lei 9.882/99) arrolados indistintamente em relação à modalidade.

Também, surge a motivação para uma interpretação unitária, quando se fala nos requisitos da petição inicial (art. 3º. da Lei 9.882/99). O termo petição inicial constante no caput nos faz, à primeira vista, supor a situação de uma ação específica (direta). No entanto, o inc. V deste mesmo artigo expressa a necessidade da

comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado

claramente patenteando a existência da modalidade difusa da ADPF.

É necessário, pois, que se supere definitivamente a interpretação literal do art. 1º. da Lei 9.882/99, para que se tenha uma consistência do conteúdo da referida Lei como um todo.

No ensinamento de Walter Claudius Rothenburg [32]:

Em síntese, oportuna a criação das modalidades assim direta como incidental de argüição de descumprimento de preceito fundamental não deve significar que o art. 1º. da Lei 9.882/99 esteja composto de duas normas distintas a que a leitura se faça em dois blocos. O do ‘caput’ (correspondente à argüição direta) e o do § único, inciso i (correspondente à argüição incidental), mas que uma única norma se extraia, estabelecendo o mesmo requisito e o mesmo objeto a ambas as modalidades de argüição.

3.3.2.Espécies de Descumprimento

Dentre as várias classificações relacionadas a dispositivos constitucionais, temos a apontada por Clèmerson Merlin Clève, que relaciona diretamente o descumprimento como espécie de inconstitucionalidade. Assim, podemos verificar várias formas de inconstitucionalidade, dentre elas, formal e material, total e parcial, por ação ou por omissão, originária ou superveniente, antecedente ou conseqüente e, ainda, direta e indireta.

Quanto a esse vasto arcabouço de modalidades de inconstitucionalidade, tratando do tema que mais nos interessa, o descumprimento, mais importante se fazem tais distinções, quando se tratam estes vícios de afronta a preceitos constitucionais fundamentais.

O descumprimento formal é verificado quando decorre do vício de incompetência em relação à autoridade pública que edita o dispositivo ou norma, ou ainda, quando o procedimento adotado para a formação da medida não seguiu aquele previamente fixado pela Constituição. Fala-se em descumprimento material quanto o conteúdo da norma nascente é incompatível com os ditames constitucionais.

Em relação ao descumprimento total ou parcial, aquele diz respeito ao vício encontrado na totalidade do ato emanado pelo poder público, enquanto este apenas o vicia em parte.

A Constituição poderá ser descumprida por ação quando o ato questionado seja de caráter comissivo. Já por omissão, temos as situações em que a inércia do Poder Público causa danos irremediáveis à sociedade.

O descumprimento poderá ainda ser originário, quando o Ato Público afronta dispositivo constitucional vigente; será superveniente quando a norma ferida, contida na Carta Magna, tenha sua vigência posterior à da prolação do dito ato inconstitucional.

Poderá o descumprimento ser antecedente (ou imediato) ou conseqüente (derivado). O antecedente decorre de violação direta, imediata, enquanto o conseqüente deriva de um efeito reflexo do descumprimento antecedente, em virtude da relação de dependência que pode existir entre os atos do poder público [33].

Por fim, o sistema jurídico pátrio apresenta as formas direta de descumprimento, quando contrário a um preceito fundamental explícito, ou indireto, quando afronta um preceito constitucional fundamental implícito.

3.3.3.O que é Preceito Fundamental?

A definição do conteúdo axiológico da expressão Preceito Fundamental é de fatal importância para o decorrer do entendimento acerca da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Como bem se sabe, a Constituição Federal é o cerne de todo o sistema jurídico nacional. Ela traz consigo um conteúdo mandamental de valor jurídico sempre superior às demais normatizações existentes. A Carta Fundamental traz normas de dever-ser, que tem como objetivo precípuo reger o comportamento de toda uma sociedade, prevendo fatos e atribuindo conseqüências jurídicas quando observado o seu descumprimento.

Preceito, conforme contido no dicionário Aurélio, tem como significado "regra de proceder, norma, ensinamento, doutrina, ordem, determinação, prescrição". Preceitos constitucionais, por dedução, são todos os mandamentos contidos na Constituição, que tem por razão de existência regular o sistema jurídico-social da nação.

Essa idéia de comando, ordem, determinação de valores constitucionais, está contemplada no conceito de preceito constitucional, que poderá ser demonstrado tanto na forma de regras como de princípios constitucionais. As regras e princípios constitucionais são espécies das normas constitucionais. O direito não é o somatório destes preceitos, mas uma concatenação ordenada e orientada, implicando em coerência, com funcionamento sistematizado, de forma tal que funcione como uma estrutura organizada.

De acordo com es ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho,

a articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, iluminará a compreensão da constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos princípios. Quer dizer: a constituição é formada por regras e princípios de diferente grau de concretização [34]

José Afonso da Silva dá a sua interpretação acerca do significado de preceito fundamental, comentando que

"Preceitos Fundamentais" não é expressão sinônima de "princípios fundamentais". É mais ampla, abrange a este e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de ‘direitos e garantias constitucionais’.

E aí é que aquele dispositivo poderá ser fértil como fonte de alargamento da jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo nosso Pretório Excelso [35].

Cumpre, ao final, esclarecer o real significado da expressão Preceito Fundamental, empregada tanto pelo legislador constitucional quanto pelo legislador ordinário.

É sabido que não existe hierarquia entre normas constitucionais no sistema jurídico de nosso país. Porém, é certo que algumas normas constitucionais tem maior importância que outras, desfrutando de primazia na ordem do direito positivo constitucional. Na Revista de Direito Constitucional e Internacional, tratando do tema da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Celso Bastos e Alexis Galiás de Souza Vargas referem-se a ADPF desta forma:

não se trata de fiscalizar a lesão a qualquer dispositivo da que é, sem dúvida, a maior Constituição do mundo, mas tão-somente aos grandes princípios e regras basilares deste diploma [36].

Daniel Sarmento [37] é um dos poucos doutrinadores que se arriscam a delimitar e enumerar quais preceitos constitucionais devem receber o status de fundamentais. Diz o autor que

Entre os preceitos fundamentais situam-se, sem sombra de dúvidas, os direitos fundamentais, as demais cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4º., da Constituição da República, bem como os princípios fundamentais da República, previstos nos arts. 1º ao 5º. do Texto Magno.

Em sua opinião, agiu bem o legislador ao não arrolar taxativamente quais normas constitucionais devem ser considerados preceitos fundamentais. Ao tratá-los como preceitos jurídicos indeterminados, a Lei 9.882/99 possibilitou que a própria jurisprudência acomode seu posicionamento em relação à aplicabilidade do mecanismo da ADPF de acordo com a dinâmica imposta pelo Direito, e de interpretações distintas das que hoje temos em relação à Constituição Federal. Ao STF caberá a tarefa de definir tal conceito, sempre se orientando pelo entendimento axiológico dado às normas constitucionais.

Além de Sarmento, Roberto Mandelli Jr. acrescenta que devam ser incluídos na categoria de Preceitos Fundamentais, os princípios constitucionais sensíveis (arts. 34, VII e 35, IV da CF), que são aqueles que, quando desatendidos, dão ensejo à intervenção federal ou estadual.

3.4.Matérias objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Um dos assuntos que causa acalorada discussão acerca da ADPF, é o delineamento dado pela Lei ordinária que deu azo ao novel instituto de controle de constitucionalidade.

A Lei 9.882/99, em seu art. 1º. expressa que a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem por objeto "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público".

O mesmo dispositivo, em seu parágrafo único, inciso II, afirma que cabe a medida

Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Embora pareça tranqüila a resolução desta equação, muito se discute sobre quais atos do Poder Público estariam elencados entre os chamados objetos sindicáveis da argüição.

Inicialmente, cabe a lembrança de que o contido no art. 4º., § 1º. da Lei em muito limitou as possibilidades da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, quando este afirma que

Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

O ditame acima expresso representa o chamado Caráter Subsidiário da ADPF, que será adiante estudado com maior vagar.

3.4.1.Atos do Poder Público

Pela própria redação dada ao caput do art. 1º. da Lei, observa-se a larga abrangência da expressão ato do Poder Público. Ao buscarmos o significado axiológico da expressão, verificamos que entre estes atos, podem ser enquadrados não somente os atos legislativos, mas também os atos administrativos emanados do Poder Público. Alguns doutrinadores entendem ainda ser possível a argüição fundamentada em atos do poder judiciário, pois, embora sejam atos sistematicamente independentes, em sua essência são atos produzidos por agentes dotados de atribuições públicas.

Ainda, segundo o entendimento de alguns segmentos mais autorizados da doutrina, dentre eles Daniel Sarmento, poderão ser objeto da ADPF os atos emanados por particulares no exercício de atribuições próprias do Poder Público, como, v. g., empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos.

Dentre as diversas classificações dadas ao conceito de atos do Poder Público, encontradas na doutrina que trata do assunto, a de Mandelli Jr. nos parece a mais útil para o desenvolvimento de nosso tema. O autor assim classifica tais procedimentos: a) atos não normativos do Poder Público; b) leis ou atos normativos municipais; e c) leis ou atos normativos anteriores à Constituição de 1988. Não se incluem neste rol, por dedução, as leis ou atos normativos posteriores à CF 88, visto que tais procedimentos são atacáveis através da Ação Direta de Inconstitucionalidade, por efeito da subsidiariedade imposta à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental por força do dispositivo supra mencionado.

Para complementarmos nossos estudos, incluiremos, além dos atos das categorias acima enumeradas, os chamados atos políticos e os atos realizados por particulares no exercício de atividades clássicas do Estado.

a)Atos políticos

A primeira ADPF proposta perante o STF teve como objetivo impugnar o veto imotivado do Prefeito do Rio de Janeiro contra uma lei referente ao IPTU fluminense. No entanto, a Suprema Corte decidiu pela negativa ao pedido, fundamentando sua decisão no entendimento que o veto do poder executivo foge à apreciação do judiciário.

Segundo Daniel Sarmento, a orientação da Suprema Corte em não apreciar atos típicos do Poder Executivo se deve a uma inspiração da jurisprudência norte-americana, demonstrando sua clara preocupação em qualquer tentativa de intervenção do judiciário na seara do executivo. No entanto, a doutrina da inatacabilidade dos atos políticos não pode ser lembrada em nosso ordenamento quando o ato em apreço contrariar manifestamente a Carta Magna, que é o limite legal para a aferição da validade de todo e qualquer ato proveniente do Poder Público. O autor cita Rui Barbosa, que apesar de não ser recente, está em perfeita sintonia com o contexto que ora se debate, ensina:

Uma questão pode ser distintamente política, altamente política, segundo alguns, até puramente política fora dos domínios da justiça, e, contudo, revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demanda, fira a Constituição, lesando ou negando direito nela consagrado [38].

Por certo, a própria Constituição muitas vezes remete a solução de alguns problemas envolvendo o Poder Público, entregando aos outros poderes essa atuação corretiva. No entanto, em relação ao exemplo acima ilustrado, na opinião de Sarmento, embora nunca se olvide que o veto pode ser uma ferramenta de cunho eminentemente político, houve flagrante desrespeito aos preceitos constitucionais em relação ao processo legislativo, onde ao veto se impõe a necessidade de motivação, o que não ocorreu no caso da decisão do Prefeito daquela cidade. Assim, negar a possibilidade de apreciação de ato flagrantemente eivado de inconstitucionalidade implica, em sua opinião, enfraquecer o magno princípio da supremacia da Constituição [39].

Prossegue o autor:

Só é ato político judicialmente insindicável aquele cuja prática a Constituição deferir, com exclusividade, à discricionariedade do Executivo ou Legislativo, sem estabelecer parâmetros minimamente objetivos que legitimem seu controle por via jurisdicional [40].

b)Atos realizados por particulares no exercício de atividades públicas

Os atos praticados pelos particulares no livre exercício da iniciativa privada, via de regra são regulados pela legislação cabível (cível, em geral), sem a interveniência do Poder Público, com exceção dos casos em que a demanda judicial é pleiteada pelas partes envolvidas.

No entanto, quando o ato praticado emana de um ente privado revestido de autoridade pública, acredita a doutrina dominante que tais atos podem ser objeto de apreciação do Poder Judiciário, por estarem corrompidos por máculas à Constituição Federal. O exemplo clássico aventado, é o das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

Poderia ser realizada uma analogia com o mandado de segurança`albergado pelo art. 5º., inciso LX da Carta Magna, que se refere ao "agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público".

Pelo fato de estarmos vivenciando uma crise do Estado Social e a imposição de uma política neoliberal crescente, onde o particular cada vez mais assume a posição do Estado nas atividades correntes da sociedade, não seria de todo inimaginável a inclusão destes atos originariamente privados no objeto de sindicabilidade da ADPF, realizando-se, desta forma, uma interpretação muito generosa e ampliativa do conteúdo da Lei 9.882/99.

c)Leis ou atos normativos municipais e distritais

Uma das inovações de maior discussão e alcance advindas com a edição da Lei 9.882/99, foi a inclusão da possibilidade de discussão do controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais e distritais via ADPF. Como se sabe, ao STF competia, antes da alteração introduzida pela EC nº 03/93, processar e julgar

a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (grifo nosso) [41].

Até então, as leis ou atos normativos municipais ficavam sujeitos apenas ao controle difuso ou ao controle sujeito à apreciação dos Tribunais de Justiça em face das Constituições Estaduais, conforme previsão do art. 125, § 2º. da Lei Maior.

Agora, a constitucionalidade de tais atos municipais pode ser apreciada via controle concentrado, desde que se enquadrem no conceito de "preceito fundamental" ou realmente exista e que seja relevante a chamada "controvérsia constitucional".

O mestre Alexandre de Moraes discorda deste posicionamento, ensinando que a inclusão dos atos municipais como possível objeto de discussão da ADPF estaria violando a vontade do constituinte originário, que não os incluiu no art. 102, I, a, da CF. No entanto, trata-se de uma interpretação muito restritiva do dispositivo, visto que apenas ao que se refere à ADIn, o constituinte preferiu não consignar tal possibilidade aos atos municipais. No entanto, não fez qualquer limitação em incluí-los, atribuindo ao legislador infraconstitucional a possibilidade de faze-lo, conforme redação dada ao § 1º. do mesmo art 102 (antigo § único, renumerado por força da EC nº 03/93).

Assim, não se trata de extensão da competência do STF por força de lei ordinária, o que obviamente deveria ser vedado. O que ocorre aqui, é que a competência para a apreciação da ADPF pelo STF já estava prevista desde o início da vigência da CF 88, vindo apenas o legislador ordinário regulamenta-la. Lembre-se, ainda, que uma das razões que levaram à criação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, foi a possibilidade de que este mecanismo viesse a abarcar situações ainda não agraciadas pelos outros métodos de controle de constitucionalidade existentes.

Em relação ao Distrito Federal, poder-se-á dar o mesmo tratamento em relação aos municípios, em decorrência da competência que lhe foi auferida pela Constituição Federal, quando este legislar tipicamente no âmbito municipal (CF, art. 32, § 1º.).

d)Leis ou atos normativos anteriores à Constituição de 1988

As leis ou atos normativos anteriores à promulgação da CF 1988 não eram admitidos como objetos a serem discutidos pela Ação Direta de Inconstitucionalidade, em virtude da reiterada manifestação jurisprudencial da Suprema Corte. O STF sempre entendeu que em casos como este, a solução seria dada através do fenômeno da recepção da norma pré-constitucional pelo novo texto constitucional, interpretando que deveria haver a revogação de tais normas, em virtude da sua incompatibilidade com o texto constitucional, e não a declaração de sua inconstitucionalidade.

Após o início da vigência da atual Carta Constitucional, o tema foi discutido na ADIn 02-DF, antes mesmo da promulgação da Lei nº 9.882/99, na qual o relator, Ministro Paulo Brossard assim se posicionou:

O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser constitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as [42].

Na oportunidade, foram votos vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Para eles, não se trata de simples revogação, mas sim de "revogação qualificada", situando-se ambos em favor da inconstitucionalidade superveniente de lei anterior à Constituição.

Assim, com a estratificada orientação do STF, criava-se um vácuo no controle abstrato de constitucionalidade dos atos do Poder Público pretéritos à Constituição vigente, o que reflete em total prejuízo à segurança jurídica, ao ponto que a solução de controvérsias constitucionais envolvendo a recepção de tais normas, que deixaram de ter um instrumento definitivo de solução de controvérsias dessa natureza, com um definitivo instrumento de pacificação, dotado de eficácia erga omnes.

Tal possibilidade foi contemplada através da Lei nº 9.882/99, passando assim, a contar o sistema pátrio de controle de constitucionalidade com um mecanismo objetivo de fiscalização da constitucionalidade das normas inseridas no direito precedente. No direito comparado, observa-se essa possibilidade. Na Alemanha, em Portugal, na Itália e na Espanha, é admissível o controle de constitucionalidade do direito anterior à vigência das respectivas Constituições [43].

3.4.2.Princípio da subsidiariedade

A consagração do chamado Princípio da Subsidiariedade da ADPF, se deu com o conteúdo do art. 4º., § 1º. da Lei 9.882/99, que assim determina:

Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1º Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. (grifo nosso)

No início, esse princípio foi inspirado em condicionamento semelhante existente nos mecanismos constitucionais germânico e espanhol, cuja possibilidade de utilização se limitam ao esgotamento das demais instâncias judiciais para a tutela do direito fundamental.

O STF, em julgamento à algumas ADPF´s já aplicou tal princípio, em virtude do cabimento de outros meios possíveis para sanar a lesividade de preceito constitucional fundamental. Vejamos:

ADPF 17 AgR / AP – Argüição De Descumprimento De Preceito Fundamental (CF, ART. 102, § 1º) - Ação especial de índole constitucional - Princípio da subsidiariedade (lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º) - Existência de outro meio apto a neutralizar a situação de lesividade que emerge dos atos impugnados - Inviabilidade da presente argüição de descumprimento - Recurso de agravo improvido.

ADPF 18 AgR / CE – Argüição De Descumprimento De Preceito Fundamental. Agravo regimental. 2. Visa a ação desconstituir ato do Governador do Estado do Ceará que, concordando com a conclusão a que chegou a Comissão Processante da Procuradoria de Processo Administrativo-Disciplinar - PROPAD, da Procuradoria-Geral do Estado - PGR, nos autos do Processo Administrativo-Disciplinar n.º 270/97, determinou a lavratura de ato de demissão de policial civil. 3. Negado seguimento por despacho, ao fundamento de que "não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade", nos termos da Lei n.º 9.882/99, art. 4º, § 1º. 4. Agravo regimental em que se defende a inexistência de outro meio eficaz para sanar a lesividade que aponta. Aduz suspeição do TJCE. 5. Os vícios do processo disciplinar e a nulidade do ato de demissão estão sendo objeto de ação ordinária em curso na Justiça local cearense, ajuizada com pedido de antecipação de tutela, já deferida. 6. Se ainda não ocorreu o cumprimento da decisão judicial de primeiro grau, não seria a medida judicial ora ajuizada no STF a via adequada a assegurar a imediata execução do decisum. Incabível discutir a alegada parcialidade da Corte de Justiça do Ceará para processar e julgar as medidas judiciais requeridas. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.

Não há dúvida que o Princípio da Subsidiariedade exclui a possibilidade da argüição, sempre que outro instrumento de fiscalização abstrata de constitucionalidade for suficiente para sanar a lesão ou ameaça de lesão ao preceito constitucional defendido. Assim, v. g., não cabe a ADPF para a retirada do mundo jurídico de lei ou ato normativo estadual, posterior à Constituição de 1988, pois para isso já existe a ADIn. Do mesmo modo, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental será inadmissível para a declaração da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal superveniente à ordem constitucional, pois para tal finalidade á possível o uso da ADCon.

Contudo, em relação à argüição incidental, a questão torna-se mais complexa. É possível sustentar, com base no teor literal do art. 4º., § 1º. da Lei 9.882/99, que a simples existência de qualquer recurso contra a decisão judicial questionada é suficiente para afastar o cabimento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Tal entendimento reduziria a quase nada tal modalidade de ADPF, pois é praticamente impossível que não exista, em um caso concreto, algum remédio apto para tutelar o direito das partes revestido de dimensão constitucional.

Gilmar Ferreira Mendes, no entanto, defende entendimento diverso, baseando-se na premissa que o objetivo que prevalece na ADPF, mesmo incidental, é a tutela da higidez do ordenamento jurídico, e não a defesa dos interesses concretos do autor. Segundo Mendes, não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a priori, a utilização da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Até porque, tal como assinalado, o instituto assume, entre nós, feição marcadamente objetiva.

Nessas hipóteses, continua o eminente Ministro, ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solver, de uma vez por todas, a controvérsia constitucional, afigura-se integralmente aplicável a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. É que, em seu entendimento, as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem capazes, na maioria das vezes, de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de uma pletora de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF [44].

Nas hipóteses de argüição incidental, o STF deverá examinar, caso a caso, se realmente a questão constitucional ventilada ostenta relevante interesse público. O interesse público deve ser entendido aqui não como não como o consistente na resolução da controvérsia que tenha ensejado a argüição, pois, por mais relevante que seja o caso, para dirimi-lo devem ser utilizados os inúmeros recursos próprios do ordenamento processual. Caso contrário, permitir-se-ia o acesso indiscriminado ao STF para resolver conflitos intersubjetivos concretos, com o atropelo das instâncias recursais competentes, o que representaria uma afronta ao devido processo legal e ao princípio do juiz natural. Além disso, acabar-se-ia inviabilizando por completo o Pretório Excelso, pela sobrecarga de trabalho.

Na opinião de Daniel Sarmento, as hipóteses de argüição incidental sem a prévia exaustão das instâncias ordinárias, só podem ser admitidas naqueles casos em que existir um grande número de processos idênticos, gravitando em torno da mesma questão constitucional. Assim, quando não for cabível a resolução da questão constitucional por meio dos instrumentos abstratos de controle de constitucionalidade, será possível o emprego da ADPF. Isso evitará que se estenda desnecessariamente a insegurança jurídica decorrente da dúvida sobre a constitucionalidade de certos atos estatais, e evitará o congestionamento desnecessário do Poder Judiciário, que será poupado do ônus de julgar um sem-número de processos rigorosamente iguais.


IV-ASPECTOS PROCESSUAIS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

Desde sua criação na Constituição Federal, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, embora não regulamentada, já possuía alguns traços característicos. Pela posição ocupada no texto constitucional, constituía mecanismo de controle de constitucionalidade. A previsão, na Lei 9.882/99, confirmou sua natureza de ação, instrumento especial de provocação da jurisdição constitucional.

4.1.Competência jurisdicional em defesa da ordem constitucional

A ADPF, da mesma forma que a ADIn e a ADCon, proporciona um "processo objetivo", constituindo meio adequado para a solução de uma questão constitucional, provocando a chamada jurisdição constitucional.

A possibilidade de criação de um controle abstrato de constitucionalidade por meio de tal processo objetivo não destinado, essencialmente, à defesa de um direito subjetivo havia sido considerada pela doutrina constitucional alemã, em 1879. Mais especificamente por Rudolf von Gneist, para quem

a idéia de que, como pressuposto de qualquer pronunciamento jurisdicional, devessem existir dois sujeitos, que discutissem sobre direitos subjetivos, isto é, que qualquer pronunciamento jurisdicional somente pudesse ser visto como proteção a direitos subjetivos, continha uma petição de princípio civilista (civilistische petitio principi) [45].

A finalidade desses instrumentos de fiscalização concentrada de constitucionalidade não é diretamente a defesa de um direito subjetivo, mas a defesa da ordem constitucional objetiva, a proteção da Constituição. No entanto, não deixam de ser verdadeiras ações, porque assumem papel relevante na verificada evolução da jurisdição individual para a jurisdição coletiva.

Mesmo a argüição incidental, que se propõe, primeiramente, à defesa dos direitos fundamentais, acaba também proporcionando a defesa do conteúdo essencial à Constituição por meio de uma fiscalização de constitucionalidade que permite extrair do STF as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito constitucional.

Aliás, embora seja tradicional a distinção entre processo constitucional objetivo (proteção da ordem jurídico-constitucional) e processo constitucional subjetivo (proteção de interesses individuais juridicamente protegidos), tem-se que, neste caso, não está ausente o propósito de uma defesa objetiva do direito constitucional, enquanto naquele, não está ausente a idéia de proteção de direitos e interesses juridicamente protegidos [46]

Por se tratar de instituto que proporciona a jurisdição constitucional, a própria Carta Magna [47] estabelece que o STF será competente para processar e julgar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

É possível admitir a existência de argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição Estadual. A ausência de previsão constitucional não pode ser considerada uma negativa implícita. O federalismo supõe diversidade entre as unidades federadas e não há impossibilidade de um Estado-membro apresentar um preceito constitucional estadual próprio que lhe seja fundamental. A competência jurisdicional, neste caso, seguindo parâmetro estabelecido pelo art. 125, § 2º., da CF 1988, seria do Tribunal de Justiça estadual.

4.2.Legitimados para propor a ADPF

Segundo previsão expressa no art. 2º. da Lei 9.882/99, os co-legitimados para a propositura da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental são os mesmos co-legitimados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade previstos no art. 103 da CF 1988. Vejamos o dispositivo ordinário:

Art. 2º Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;

II - (VETADO)

§ 1º Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.

§ 2º (VETADO)

Segundo o texto constitucional, são legitimados para a propositura da ADPF, o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, as Mesas das Assembléias Legislativas, os Governadores de Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

O Presidente da República vetou o inciso II, do parágrafo único, do art. 1º., da Lei 9.882/99, que permitia a propositura ampla da argüição por qualquer prejudicado, nos termos do recurso de amparo previsto nas legislações espanhola e argentina. Trataremos deste aspecto em tópico específico, a seguir.

A regulamentação do art. 102, § 1º., da CF distanciou, portanto, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de seus modelos correlatos austríaco e alemão, pois não permitiu acesso direto ao STF a qualquer pessoa que afirme ter sido diretamente lesionada em face do descumprimento de preceitos fundamentais previstos constitucionalmente, havendo a previsão taxativa dos mesmos co-legitimados para o ajuizamento da ADIn [48].

4.2.1.Legitimação para utilizar a via incidental da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

A ADPF não é mais um recurso, em meio a um sistema que se pode considerar bastante vasto nesta seara. Trata-se, antes, de um instrumento apto a provocar o conhecimento imediato do STF, e isso ocorre tanto na ADPF por via de ação direta quanto na argüição incidental. A provocação imediata do STF é traço característico de qualquer modalidade de argüição de descumprimento.

Mesmo no caso da argüição incidental, tem-se que não há mera mudança de nome quanto ao Recurso Extraordinário. A distinção existe exatamente na possibilidade de impugnação imediata para o STF, presente na argüição, e, ainda, na necessária superação de várias instâncias judiciais, exigível apenas no caso do recurso extraordinário. Ademais, a argüição só será cabível para a tutela dos preceitos fundamentais constitucionais.

A solução apresentada por André Ramos Tavares em sua tese de doutorado, intitulada Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental [49], indicando a existência de duas modalidades de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma autônoma, proposta diretamente à Suprema Corte e outra incidental, amplia a restrita legitimidade prevista na lei orgânica da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Assim, ao se atribuir à primeira hipótese a regra da legitimidade do art. 103 da CF (como determina o art 2º., I da Lei), afasta, contudo o dispositivo em se tratando da modalidade incidental. Para o caso desta argüição, já que se trata de modalidade que surge necessariamente no curso de uma demanda judicial qualquer (consoante o § único do art 1º.), tem-se que a legitimidade será de qualquer pessoa, desde que seja parte desta demanda originária. Assim, embora com o veto presidencial, a tese sustenta que permaneceu a possibilidade de qualquer interessado apresentar perante o STF a questão constitucional discutida em seu processo, desde que envolva preceito fundamental, desde que seja relevante (para a nação) a sua apreciação pela Corte Máxima e, finalmente, desde que apareça no curso de uma demanda judicial já instaurada.

4.3Motivos que levaram ao veto presidencial ao inciso II do art. 2º. da Lei 9.882/99

Se o extenso rol dos legitimados para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade faz com que o sistema brasileiro de constitucionalidade das leis seja tido como um dos mais benevolentes do mundo, o mesmo não se pode dizer em relação à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, haja vista que foi vetado pelo Presidente da República o inciso II do art. 2º. da Lei 9.882/99, que facultava a qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público manejar o novel instrumento.

A expectativa da doutrina, que via na ADPF um instituto semelhante ao recurso constitucional alemão, precipuamente pelo fato de que qualquer um poderia utiliza-lo, sobretudo para salvaguardar os preceitos constitucionais fundamentais, certamente foi por água abaixo diante da Mensagem de Veto nº 1.807, publicada no Diário Oficial da União em 6 de dezembro de 1999.

Não há dúvidas de que a possibilidade de qualquer pessoa manusear um instrumento tão valioso perante a Corte Suprema, faria com que houvesse uma sobrecarga do número de processos na Corte e, possivelmente, muitos deles não teriam a correlata relevância jurídica e consistência nas argüições propostas, tal como explicita o veto.

A despeito do exagero na interposição dos recursos constitucionais perante a Corte alemã, o correto é que melhor solução teria o dispositivo vetado se porventura existisse uma delimitação dos requisitos para o conhecimento da argüição proposta por qualquer pessoa e fosse modificada a competência do Supremo Tribunal Federal, de forma a permitir a sua viabilidade funcional.

O sistema difuso de controle de constitucionalidade das leis revela, por um lado, a preocupação da garantia aos juízes e tribunais da independência de seus julgados, e também, por outro, o livre acesso do cidadão à justiça constitucional. Todavia, a possibilidade de qualquer brasileiro levantar a ADPF junto ao STF representaria uma ponte entre o sistema difuso e o concentrado [50].

O que sobrou, nesse caso, para qualquer pessoa que se sinta lesada, ou que tenha receio de se sentir lesada, por lei ou ato do Poder Público que contrarie, ou venha a contrariar preceito constitucional fundamental, é a representação ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pleito, decidirá do cabimento de seu ingresso em juízo, segundo lhe faculta o § 1º., do art. 2º., da Lei 9.882/99. [51]

4.4.Requisitos da petição inicial

A petição inicial, não existindo prazo para ajuizamento, deve conter os requisitos descritos na Lei 9.882/99, quais sejam:

Art. 3º A petição inicial deverá conter:

I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;

II - a indicação do ato questionado;

III - a prova da violação do preceito fundamental;

IV - o pedido, com suas especificações;

V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.

Percebe-se a constante presença, entre os requisitos da petição inicial, do parâmetro de sindicabilidade da ADPF, qual seja, o preceito constitucional fundamental supostamente violado. É necessário indicá-lo – embora o STF não esteja limitado, no desempenho de sua função jurisdicional, às razões deduzidas na inicial –, bem como provar sua violação, a fim de preservá-lo.

Também, nota-se como um dos requisitos da petição inicial, a necessidade de "comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado".

Como já observado, a relevância da controvérsia judicial está diretamente associada ao descumprimento de preceito fundamental, pois sempre será relevante a controvérsia em que se discute o descumprimento de preceito constitucional fundamental.

A eventualidade trazida pela expressão "se for o caso" tem razão de ser apenas em virtude da possibilidade de existência de uma argüição incidental, que pressupõe um processo anterior, tramitando pela jurisdição ordinária.

A petição inicial, conforme o § único do art. 3º., da Lei 9.882/99, deverá ser apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários à comprovar a impugnação. Se for o caso, deverá estar acompanhada de instrumento de mandato.

A capacidade processual, estabelecida no art. 2º., inc. I, da Lei 9.882/99, não se confunde com a capacidade postulatória. A primeira diz respeito à aptidão para ser parte (no caso, parte meramente em sentido formal), enquanto a segunda vem a ser a aptidão para realizar, com eficácia, atos do processo.

Os legitimados para propor a ADPF devem se fazer representar judicialmente por advogado, conforme entendimento do mestre Clèmerson Merlin Clève [52], que desempenha função indispensável à administração da justiça, conforme dispositivo contido no art 133 da CF 1988.

A expressão "se for o caso", do art. 3º. § único, refere-se, especificamente ao Procurador-Geral da República, o qual, por motivos óbvios não apresentará instrumento de mandato. Todos os demais legitimados para propor a argüição necessitam estar representados judicialmente por advogado.

Se houver indeferimento da petição inicial, caberá agravo (conforme art. 4º., § 2º., da Lei 9.882/99), no prazo de cinco dias, e de acordo com as disposições regimentais do STF. O indeferimento liminar da petição inicial, pelo próprio relator (em decisão monocrática), poderá se dar quando não for o caso de argüição, quando faltar alguns dos requisitos exigidos pelo art. 3º. da Lei, ou quando for inepta, de acordo com o art. 4º., caput, do mesmo diploma legal.

4.5.Desistência da ação

O processo objetivo em que se verifica a constitucionalidade de um ato normativo ou de um comportamento do Poder Público está sujeito ao princípio da indisponibilidade de instância, não admitindo a desistência da ação proposta.

De acordo com o art. 169 do Regimento Interno do STF, na proposta a representação, não se admitirá desistência, ainda que ao final o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedência.

Esse preceito foi elaborado na vigência da Constituição Federal anterior, por isso se refere à "Representação de Inconstitucionalidade", e estabelece a impossibilidade de desistência somente quando intentada pelo Procurador-Geral da República.

Assim, é perfeitamente adequado à sistemática atual de fiscalização de constitucionalidade, a fim de possibilitar que seja estendido não só a ADIn, mas também a ADIn por Omissão e, finalmente à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Nesta mesma esteira, está o art. 5º. da Lei 9.868/99 – Lei Orgânica das ações de inconstitucionalidade: "Proposta a ação direta, não se admitirá desistência".

4.6.Instrução probatória

O art. 6º da Lei 9.882/99 dispõe que o relator "solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias".

Estas informações são justificáveis pela procura objetiva da defesa da Constituição. A falta de informações não gera a produção dos efeitos atinentes à revelia, pois estes são inaplicáveis no caso do controle de constitucionalidade objetivo. Ainda, esclarecemos que a autoridade responsável não contesta no sentido técnico da expressão, embora possa refutar os argumentos da inicial.

Há uma notável diretriz, apontada pela lei, permitindo ao relator, se entender necessário, ouvir as partes que ensejaram o processo de argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que seja emitido parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Por vezes, para que seja proferida a decisão, é necessário o enfrentamento de questões técnicas, cujo conhecimento pode estar além dos adquiridos pelo magistrado.

Essas possibilidades dadas ao STF na fase de instrução da argüição, visam a "busca objetiva da garantia do preceito constitucional fundamental, supostamente violado" [53]. A Lei 9.882/99 amplia o direito de manifestação de diferentes órgãos ou entidades no controle concentrado, quando também à instrução probatória, sempre que necessária.

Outra possibilidade dada ao STF é a solicitação de pareceres de peritos ou personalidades que disponham de conhecimentos específicos sobre determinada área, caso se revelem imprescindíveis para o esclarecimento de uma dada questão (art. 6º, § 1º, da Lei 9.882/99).

Ainda, também, a critério do relator, poderão ser autorizadas a sustentação oral e a juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo. É conveniente, devendo o STF praticar esta conduta, possibilitar a sustentação oral ou a apresentação de memoriais, sempre que forem produzidas provas no decorrer do processo, abrindo aos interessados a possibilidade de manifestarem-se sobre elas.

Na argüição incidental, existirá a discussão acerca de um direito fundamental que se pretende preservar. A argüição incidental tem origem em um processo envolvendo interesses subjetivos; apesar de provocar um controle concentrado de constitucionalidade, este também é um controle concreto, devendo, portanto, a sustentação oral ou a juntada de memoriais fazerem-se presentes, não ficando meramente a juízo do relator, mas dependente simplesmente de requerimento dos interessados. Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para inclusão na pauta de julgamentos. O Ministério Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do processo por cinco dias, após o decurso do prazo para informações [54]. Aliás, a manifestação do Procurador-Geral da República, em processos de competência do STF, encontra-se estabelecida constitucionalmente, no art. 103, § 1º.

4.7.Decisões cautelar e final na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

O grande desafio de caracterizar-se a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental como um instrumento de proteção não só da Constituição Federal, mas, principalmente, dos chamados preceitos constitucionais fundamentais, encontra-se nos efeitos que proporcionam suas decisões.

Para uma exata e merecida delimitação dos efeitos da argüição, é necessário entendê-la como instrumento de proteção da Carta Constitucional e dos direitos e preceitos fundamentais nela contidos. Essa afirmação, sem dúvidas, traz conseqüências aos efeitos proporcionados por esse instrumento de fiscalização de constitucionalidade.

Precede a análise dos aspectos legais dos efeitos das decisões cautelar e final na argüição, necessariamente, o estudo de seus parâmetros constitucionais que delimitam a atividade do legislador ordinário, sob pena de sua inconstitucionalidade.

Primeiramente, cabe lembrar que a argüição é instrumento de verificação de descumprimento, e não de cumprimento de preceito fundamental. Dessa forma, a produção de efeitos da decisão nessa ação justifica-se, na medida em que, com sua procedência, declara-se o descumprimento (ou inconstitucionalidade) de um ato do Poder Público contrário a preceito constitucional fundamental. A ADPF não proporciona a confirmação de presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, sua improcedência não produz efeitos.

A verificação do descumprimento (e tão-somente deste) é característica constitucional do instituto, expressa no art. 102, § 1º., da CF. Em um Estado instituído como Estado Social Democrático de Direito, não poderia ser outra a interpretação dada ao instituto, sob pena de pretender criar e implementar um instrumento de proteção e ratificação dos atos do Poder Público; sendo que a própria idéia de Constituição tem por origem a defesa e a preservação de direitos fundamentais contra abusos e arbitrariedades cometidas pelo Estado.

Pretender transformar o STF em instância única, e não última, de fiscalização e confirmação dos atos do Poder Público seria transformá-lo em um órgão autoritário e ilegítimo de poder, hipótese essa contrária ao Estado Social Democrático de Direito.

Segundo Mandelli, o compromisso constitucional a que está submetido o STF é a guarda da Constituição, traduzida na proteção dos direitos fundamentais e não na defesa da governabilidade [55].

Essas considerações iniciais devem nortear a interpretação da ADPF, bem como delimitar todos os efeitos das decisões nela proferidas.

4.8.A decisão cautelar

A possibilidade de medida cautelar tem fundamento no amplo poder geral de cautela que é dado ao Poder Judiciário no exercício da atividade jurisdicional.

A previsão constitucional expressa de pedido de medida cautelar no controle concentrado de constitucionalidade coube à EC 07/77, que também estabeleceu a possibilidade de o STF, originariamente, processar e julgar a anteriormente denominada representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

A tutela cautelar fundamenta-se na segurança e garantia do eficaz desenvolvimento das demais atividades jurisdicionais (cognição e execução), criando condições para que seja atingido o escopo geral da jurisdição, assegurando o resultado do processo principal e eliminando situações de perigo.

Nos ensinamentos de Clèmerson Merlin Clève, a concessão de medida cautelar, pelo STF, condiciona-se a certos requisitos, quais sejam,

(a) na plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris), (b) na possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora), (c) na irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos impugnados; e (d) na necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão. [56]

A possibilidade de concessão de cautelar na ADPF encontra-se prevista de forma expressa no art. 5º. da Lei 9.882/99, que estabelece que

O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Atualmente, a previsão normativa de pedido de medida cautelar, além da Lei 9.882/99, encontra-se expressa no texto constitucional no art. 102, I, p, quanto às ADIn’s, e na Lei 9.868/99, para estas, nos arts. 10 a 12, e para as ADCon’s, no art. 21.

4.8.1.Competência para a concessão de liminar

Verifica-se que, no art. 5º. da Lei 9.882/99 acima citado, a competência para conceder o pedido de medida cautelar corresponde ao quorum de maioria absoluta dos Ministros do STF.

Ainda, dispõe art. 8º. da mesma Lei, que

A decisão sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros.

Necessário, portanto, diferenciar um quorum de instalação e julgamento da decisão da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que corresponde a, pelo menos, oito Ministros, conforme o dispositivo acima, e o quorum de concessão (deferimento) de liminar, de maioria absoluta, ou seja, pelo menos seis Ministros, disposto no referido art. 5º. da Lei 9.882/99, acima transcrito.

Excepcionalmente, conforme o art. 5º., § 1º., do diploma legal que regulamenta a ADPF,

Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.

De acordo com o professor Michel Temer, a concessão de cautelar é exceção ao princípio de presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público; portanto, essa possibilidade de concessão deve ser interpretada restritivamente, pois a regra é a da não-invalidação do ato. [57] No mesmo sentido, o mestre Clèmerson Merlin Clève descreve que

O STF define a medida cautelar como providência excepcional, devendo a excepcionalidade da medida ser considerada como um expressivo fator limitativo de sua concessão. Afinal, os atos estatais gozam de presunção juris tantum de legitimidade. [58]

Se a concessão de medida cautelar já se reveste de caráter excepcional, o seu deferimento tão só pelo Ministro Relator, embora ad referendum do Pleno, deve ser medida excepcionalíssima, exigindo necessariamente os requisitos de extrema urgência ou perigo de lesão grave, advindos da não suspensão do ato emanado do Poder Público.

Ainda, dispõe o § 2º. do citado art 5º. da Lei 9.882/99, que

O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

4.8.2.Efeitos da decisão cautelar

Como já assinalado, a previsão de uma modalidade incidental de ADPF decorre de dispositivo assimetricamente colocado na Lei 9.882/99, entre eles o § 3º. do art. 5º., que estabelece os possíveis efeitos da decisão cautelar. [59]

A possibilidade de suspensão do andamento de processo ou dos efeitos das decisões judiciais foi muito criticada por parte da doutrina que entendia se tratar de uma espécie de avocatória [60].

A fim de tirar do dispositivo essa pecha de avocatória, preservando sua constitucionalidade, é necessário estabelecer-se uma interpretação conforme, com o objetivo de proporcionar à medida uma condição de incidente de inconstitucionalidade nos moldes daqueles instituídos no direito europeu, em defesa dos direitos fundamentais, e não de um verdadeiro "incidente de inconstitucionalidade às avessas, em defesa de medidas governamentais".

Marco Aurélio de Mello, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, em 22/04/2001, na posição de Presidente do STF, indagado sobre a possibilidade de apreciar individualmente pedidos do governo de suspensão das decisões judiciais, respondeu que "existe uma espécie de medida em uso, que não está contemplada na Carta (Constitucional). Está apenas na legislação ordinária. Então deve ser encarada pelo menos com alguma reserva. Se há o processo tramitando em outro tribunal, o certo é aguardar o julgamento".

O sistema complexo de controle de constitucionalidade adotado pela Constituição de 1988 contempla tanto o controle concentrado quanto o controle difuso, permitindo que se retire do seu texto um direito constitucional implícito à jurisprudência, no sentido de que uma posição final do Poder Judiciário acerca de uma matéria de relevância constitucional seja tomada após um determinado período, observando tendências apontadas por juízes e tribunais.

O STF, atuando no controle concentrado de constitucionalidade, deve agir, com moderação, comedimento e parcimônia, com o objetivo de não sufocar, de forma prematura, a formação livre e espontânea da convicção de juízes e tribunais na jurisdição ordinária.

A concessão de medida cautelar, com seus efeitos, apenas estaria de acordo com a Constituição se tivesse por objetivo evitar ou reparar lesão a outro direito fundamental. Isso porque uma das características dos direitos fundamentais é a limitabilidade, ou seja, possíveis espaços de tensão entre os direitos fundamentais que devem ser resolvidos adotando-se um regime de cedência recíproca, utilizando tanto o princípio da unidade da Constituição como o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

A defesa de uma política governamental, refletida em atos do Poder Público, por meio de decisões, inclusive a cautelar, nas argüições de descumprimento deve ser descartada, sob pena de desvirtuar-se o controle de constitucionalidade.

Na ADPF 10-AL, o relator, Min. Maurício Corrêa, em decisão monocrática, após conturbada suspensão de julgamento, deferiu a primeira liminar em sede de ADPF, suspendendo a vigência de dispositivos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Alagoas, que estabelecia uma ação de reclamação para a preservação da competência do mesmo Tribunal e a garantia de suas decisões, apresentando os seguintes argumentos:

Resta evidente, contudo, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação e o fundado receio de que, antes do julgamento deste processo, ocorra grave lesão ao direito do requerente, em virtude das ordens de pagamento e de seqüestro de verbas públicas, desestabilizando-se as finanças do Estado de Alagoas. Ante tais circunstâncias, com base no artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, defiro, "ad referendum" do Tribunal Pleno, o pedido cautelar e determino a suspensão da vigência dos artigos 353 a 360 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, de 30 de abril de 1981, e, em conseqüência, ordeno seja sustado o andamento de todas as reclamações ora em tramitação naquela Corte e demais decisões que envolvam a aplicação dos preceitos ora suspensos e que não tenham ainda transitado em julgado, até o julgamento final desta argüição. Comunique-se, com urgência, ao Governador do Estado de Alagoas e ao Presidente do Tribunal de Justiça estadual.

Ainda, verifica-se que o dispositivo em apreço (art. 5º., § 3º., da Lei 9.882/99) ressalva, dos efeitos da cautelar concedida, a coisa julgada. Esta é garantia constitucional fundamental, de acordo com o art. 5º., XXXVI da Carta Magna, não podendo ser atacada, mesmo que não houvesse previsão de exceção expressa. Na coisa julgada, o direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial [61].

4.9.A decisão final

A decisão final está submetida ao pedido, que na argüição encontra-se delimitado constitucionalmente pela verificação do descumprimento de preceito constitucional fundamental – jamais no cumprimento – pelo ato sindicável do Poder Público.

4.9.1.Competência para a decisão final

Da mesma forma que em relação às decisões de pedido cautelar, torna-se necessário verificar-se a exigência de um quorum de instalação da sessão de julgamento e um quorum de decisão ou julgamento, responsável em declarar o descumprimento de preceito constitucional fundamental.

O quorum de instalação encontra-se previsto no art. 8º. da Lei 9.882/99, e é o mesmo utilizado para os pedidos cautelares, qual seja, a presença mínima de dois terços dos Ministros. Sendo o STF composto por onze ministros, torna-se necessária a presença de, pelo menos, oito Ministros para iniciar o julgamento definitivo.

Já o quorum de decisão ou julgamento estava previsto no mesmo artigo, § 1º., que estabelecia quorum idêntico ao da instalação, qual seja, pelo menos dois terços dos Ministros para considerar a argüição procedente ou improcedente. No entanto, tal dispositivo foi vetado no momento da deliberação executiva. Na motivação deste ato presidencial, o chefe do Executivo assim se manifestou, em sua Mensagem de Veto nº 1.807, de 03 de dezembro de 1999, acerca do dispositivo em comento:

O § 1º do art. 8º exige, para o exame da argüição de descumprimento de preceito fundamental, quorum superior inclusive àquele necessário para o exame do mérito de ação direta de inconstitucionalidade. Tal disposição constituirá, portanto, restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e a eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. A isso, acrescente-se a consideração de que o escopo fundamental do projeto de lei sob exame reside em ampliar a eficácia e o alcance do sistema de controle de constitucionalidade, o que certamente resta frustrado diante do excessivo quorum exigido pelo dispositivo ora vetado. A fidelidade à Constituição Federal impõe o veto da disposição por interesse público, resguardando-se, ainda uma vez, a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal e a presteza nas suas decisões.

Opõe-se ao § 2º do art. 8º veto decorrente do veto oposto ao § 1º do art. 8º, de cujo conteúdo normativo o § 2º encontra-se inequivocamente dependente e de cujos vícios comunga.

Com o veto, impõe-se a aplicação do art. 97 da CF, tendo como quorum para a decisão ou julgamento o voto da maioria absoluta dos Ministros do STF.

4.9.2.Interpretação e aplicação do preceito fundamental

Após julgada a ação, conforme dispõe o art. 10 da Lei 9.882/99, o STF comunicará às autoridades ou órgãos responsáveis pelo ato impugnado, fixando as "condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental".

O legislador ordinário, no caput do art. 10, pretendeu inserir no julgamento da ADPF, técnicas de decisão, que já vinham sendo admitidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade, a fim de preservar um ato normativo editado pelo Poder Público, como a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto.

A aplicação destas técnicas conduz à preservação da norma e a uma restrição das possibilidades de interpretação, excluindo alternativas inconstitucionais. Como se verifica da jurisprudência do STF é difícil identificar uma identidade própria na utilização de cada uma das duas técnicas.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior distinguem a interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Atribuem à primeira técnica o "aproveitamento de um dos sentidos possíveis de interpretação de uma lei, desde que compatível com o texto constitucional, desprezando outras possibilidades interpretativas que levariam à inconstitucionalidade da norma". Já quanto à segunda técnica, entendem que com o seu uso, "o órgão jurisdicional não indica qual a interpretação adequada, mas só exclui uma ou algumas possibilidades interpretativas existentes, deixando a critério do intérprete a aplicação das diversas outras existentes". [62]

Essas técnicas, contudo, encontram restrições, pois só são legitimamente aplicadas quando existe um espaço de decisão na norma que admite a possibilidade de mais de uma interpretação. O STF não pode distorcer o sentido da norma nem adulterar a clara intenção do legislador para salvar a lei, pois estaria agindo como legislador positivo.

Na argüição de descumprimento, outros limites, ainda, devem ser colocados, pois esta ação pode ter como objeto sindicável ato concreto do Poder Público, não normativo, que não admita um espaço de decisão necessário para a aplicação das referidas técnicas de interpretação.

Outras técnicas de decisão, sobretudo na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, são observadas, como a "declaração de norma ainda constitucional, mas em trânsito para a inconstitucionalidade" [63], e o "apelo ao legislador" [64].

No entanto, todas essas técnicas, inclusive as anteriormente citadas, suscitam problemas de aplicação no direito brasileiro. Os efeitos da decisão alcançam apenas sua parte dispositiva, que declara ou não o descumprimento da Constituição; os fundamentos ou a motivação da decisão não são alcançados pela coisa julgada, o que obriga o STF a incorporá-los na parte dispositiva, a fim de superar o problema.

O uso dessas técnicas, nunca é demais lembrar, está vinculado à proteção dos direitos fundamentais, dos objetivos fundamentais e dos fundamentos do Estados brasileiro, que condicionam a interpretação de todas as normas jurídicas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, bem como, evidentemente, norteiam as decisões jurisdicionais.

4.9.3.Efeitos da decisão final

Os efeitos da decisão final passam a ser tratados a partir do art. 10 da Lei 9.882/99.

Os dois primeiros parágrafos do art. 10 determinam a publicação da parte dispositiva em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, bem como seu imediato cumprimento, antes mesmo de lavrado o acórdão.

A informação e a exigência do cumprimento da decisão, antes de sua publicação na imprensa oficial, é faculdade concedida ao Presidente do STF, que verificará a razoabilidade e a necessidade prévia dessa determinação, ante o descumprimento de preceito constitucional fundamental. Essa possibilidade revela a importância da argüição como instrumento de proteção da Constituição e dos direitos fundamentais.

Determina, ainda, o art. 12 da Lei 9.882/99 que:

A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

O rigor da irrecorribilidade estabelecido no dispositivo não deve alcançar o cabimento dos embargos de declaração, em caso de obscuridade, dúvida, contradição ou omissão, na forma estabelecida pelo art. 337 do RISTF, pois com estes não se busca uma nova decisão, mas apenas aclarar a anterior, que será mantida.

Aliás, se o STF verificar a utilização do recurso como medida manifestamente protelatória poderá condenar o embargante em uma multa, nos termos do art. 339, § 2.º, do mesmo regimento.

Já os embargos infringentes, que objetivam a reforma da decisão não unânime, nos termos do art. 333 do RISTF, não poderão ser interpostos, em virtude da irrecorribilidade expressa do dispositivo legal (art. 12 da Lei 9.882/99).

Também são colocados obstáculos ao ajuizamento de ação rescisória, os quais devem ser observados com certas reservas, diante da possibilidade de mutação constitucional, que acarreta, por meio de uma interpretação constitucional evolutiva, um processo informal de alteração da Constituição, dentro de seus limites (espaço de interpretação da norma e preservação da essência da Constituição).

A lei, ainda, estabelece que a decisão terá eficácia contra todos, efeito vinculante e efeitos retroativos, passíveis de restrição. Esses efeitos demandam uma análise mais profunda, inclusive de sua constitucionalidade, e serão analisados, a seguir, em itens separados.

A)Eficácia erga omnes e efeito vinculante

Estabelece o art. 10, § 3.º, da Lei 9.882/99: "A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público".

Antes do estudo mais particular da eficácia erga omnes e do efeito vinculante, necessário recordar que apenas a decisão declaratória de descumprimento de preceito fundamental produzirá os efeitos pretendidos pelo legislador porque nenhuma relevância possuem as decisões que rejeitam o descumprimento.

Tratando das decisões que declaram a inconstitucionalidade, ensina Jorge Miranda:

Só esta concepção é compatível com a defesa da Constituição; só ela impede que tais sentenças venham como que a adquirir força constitucional, por não mais poderem ser reformadas; só ela assegura plena liberdade de julgamento do Tribunal Constitucional e dos demais Tribunais; só ela obsta a fraude à Constituição que seria qualquer órgão ou entidade com poder de iniciativa requerer a apreciação de certa norma para, uma vez obtida uma decisão de inconstitucionalidade, impedir que noutro momento, em qualquer tribunal ou no próprio Tribunal Constitucional, com ou sem a mesma composição, essa norma viesse a ser argüida. [65]

A eficácia contra todos ou eficácia oponível erga omnes da coisa julgada estende seus efeitos para além das partes envolvidas no processo.

A eficácia erga omnes confere à decisão uma força obrigatória geral, determinando, por meio de um efeito negativo cassatório do ato declarado inconstitucional (ou descumpridor de preceito constitucional fundamental), a sua não aplicação pelos tribunais e pelos órgãos e agentes do poder político do Estado, sempre que confrontado com uma situação que poderia ensejá-lo.

A força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade é conseqüência do objeto da declaração. Os atos com características normativas contém uma regulamentação geral e abstrata; portanto declarar inconstitucional o ato deve atingir as mesmas situações e pessoas por ele abrangidas. O mesmo se dá com atos do Poder Público de efeitos concretos, que também são objetos sindicáveis da argüição, porém, em menor extensão, apenas aquela abrangida pelo ato.

Alarga-se, tanto quanto possível, o âmbito subjetivo da coisa julgada, com extensão dos seus limites subjetivos, atribuindo à decisão uma conseqüente vinculação geral, em virtude de lhe ser conferido o mesmo âmbito do ato sindicado, embora não tenha "valor de lei", pois não a substitui na estrutura do ordenamento jurídico.

A parte da decisão que proporciona efeito erga omnes é tão-somente o seu dispositivo, ou seja, a sua conclusão, na qual se declara ou não a inconstitucionalidade do ato impugnado. O próprio art. 10, § 2º. da Lei 9.882/99 determina a publicação apenas da parte dispositiva da decisão, não permitindo estender a vinculação aos motivos da decisão, ou seja, sua fundamentação jurídica.

A decisão que declara o descumprimento de preceito constitucional fundamental deve ser aplicada pelo próprio STF [66], que atua como agente negativo, ao caracterizar o ato do Poder Público como inconstitucional, como também pelos tribunais e juízes integrantes do Poder Judiciário.

Quanto ao efeito vinculante, previsto apenas pelo legislador ordinário, no art. 10, § 3º., da Lei 9.882/99, e não pela Constituição Federal, pelo menos no tocante à ADPF, não se podem dar características de efeito autônomo, mas sim conseqüência da eficácia erga omnes, dentro de limites comportáveis por esta.

O efeito vinculante não alcança os fundamentos ou motivos determinantes da decisão.

A tese da vinculação dos motivos determinantes da decisão encontra respaldo no controle concentrado de constitucionalidade do direito alemão, em virtude do art 94, 2, da Constituição alemã que trata da composição do Tribunal Constitucional Federal, dispondo que "Lei federal regula a sua constituição e o procedimento e determina em que casos as suas decisões têm força de lei [67]".

No entanto, essa tese, segundo Rui Medeiros, vem sendo objeto de crescente contestação na própria Alemanha, porquanto a doutrina e a jurisprudência vêm obtendo consciência de que o alargamento do efeito vinculativo aos fundamentos da decisão envolve o perigo de estagnação do direito constitucional, comprometendo sua inovação e a característica dinâmica do direito.

Ainda, verifica-se que na Alemanha pratica-se um controle puro concentrado de constitucionalidade, o que não ocorre no direito brasileiro, que adotou um sistema misto de controle de constitucionalidade. Também, na Alemanha, a força de lei das decisões do tribunal Constitucional, encontra previsão constitucional, o que não ocorre no sistema brasileiro, quanto ao efeito vinculante para as argüições de descumprimento. A fórmula alemã não deve, portanto, ser simplesmente importada pelo direito brasileiro.

O efeito vinculante estabelecido pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, por meio da regra do stare decisis, resultado do sistema difuso de constitucionalidade, com um conseqüente debate jurisprudencial, também não deve servir de inspiração para se praticar a tese de vinculação no nosso direito pátrio, por meio das ações que propiciam um controle concentrado de constitucionalidade.

Ensina Rui Medeiros:

O precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decisão jurisdicional – que se toma (ou se impõe) como padrão normativo casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica. Não se ultrapassa, assim, o plano do concreto casuístico – de particular a particular, e não do geral (norma) ao particular (o caso). [68]

Uma vinculação nesses termos, no direito brasileiro, por meio de um controle concentrado de constitucionalidade, ocasionaria uma grave ruptura no diálogo salutar que em matéria constitucional deve existir entre o STF e os demais órgãos jurisdicionais que praticam o controle de constitucionalidade, violando os princípios constitucionais do juiz natural e do livre convencimento do magistrado.

No entanto, independentemente da vinculação jurídica aos motivos determinantes, nada impede e tudo recomenda o recurso, pelos órgãos do Poder Judiciário, à fundamentação da decisão do STF para captar o verdadeiro sentido da norma quando esta não se apresentar suficientemente clara. Ainda, é insofismável que a jurisprudência constitucional tem um grande valor persuasivo, pois na prática a aplicação do direito é influenciada pelos precedentes.

O efeito vinculante, ainda, não tem o poder de alcançar o Poder Legislativo, vedando a reprodução do ato considerado inconstitucional.

Essa proibição ocasionaria a perda da flexibilidade e abertura da Constituição, que exige para sua interpretação, uma relação dialética entre o legislador e o órgão de controle, principalmente levando em consideração a possibilidade de uma mutação constitucional com a modificação das circunstâncias fáticas.

Novamente, Rui Medeiros leciona:

A impossibilidade de renovação do acto colocaria o legislador numa posição de clara subalternidade em face do Tribunal Constitucional. A aceitação deste limite negativo à actuação do legislador transformaria a relação bilateral Constituição-lei numa relação trilateral – Constituição-sentença-lei – em que o parâmetro positivo da Constituição seria mediado pela declaração judicial da inconstitucionalidade. E, como se isso não bastasse, afastaria o legislador, legitimado democraticamente, do processo de interpretação e actuação da Constituição. Já se vê, por isso, que, se o caso julgado inconstitucional do Tribunal Constitucional significasse uma preclusão da liberdade conformadora do legislador ou, pelo menos, de um determinado sentido concretizador da opção legislativa, assistir-se-ia um perigoso domínio absoluto do Tribunal Constitucional, que assumiria o papel de verdadeiro órgão supraconstitucional. Simultaneamente, reduzir-se-ia o espaço democrático-representativo da legitimidade política subjacente aos órgãos legislativos, rompendo-se o equilíbrio constitucional de legitimidades". [69]

A vedação ao legislador, que poderia ser sugerida pela expressão "efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público", do art. 10, § 3.°, da Lei 9.882/99, violaria o princípio da liberdade de conformação do legislador como órgão participante do processo de concretização da Constituição, não dispondo o Poder Judiciário de monopólio na interpretação e atualização do texto constitucional.

Ademais, quando previsto o efeito vinculante para as ações declaratórias de constitucionalidade, pela EC 03/93, acrescentando o § 2.° ao art. 102 da CF, estendeu-o tão-somente "relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

As limitações ao efeito vinculante no direito brasileiro, previsto para as argüições de descumprimento (e também para as ações diretas de inconstitucionalidade) tão-somente pelo legislador ordinário, acarretam uma conseqüente falta de utilidade na distinção entre este e a eficácia erga omnes. Ainda mais porque o STF, mesmo anteriormente às Leis 9.868/99 e 9.882/99, já vinha paulatinamente admitindo a reclamação, prevista no art. 102, I, l, da CF, em casos de descumprimento de suas decisões em controle de constitucionalidade.

A reclamação constitucional, instrumento previsto constitucionalmente para a preservação da competência do STF e garantia da autoridade de suas decisões, é cabível, na forma de seu regimento interno, conforme o art. 12 da Lei 9.882/99, contra a desobediência, pelos demais órgãos, da decisão pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, se declarado o descumprimento de preceito constitucional fundamental.

a)Efeito retroativo e a declaração de inconstitucionalidade

O ato do Poder Público que descumpre preceito constitucional fundamental deve ser declarado inconstitucional, implicando esta declaração nulidade do ato impugnado, que produz efeitos ex tunc, ou seja, retroativos ao momento da edição ou realização do ato, posto que não são admitidos como válidos os efeitos produzidos por ato nulo, contrário à Constituição.

Algumas questões, principalmente (mas não exclusivamente) podem ser levantadas após a edição da Lei 9.868/99 e da Lei 9.882/99, quanto aos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade no sistema concentrado de constitucionalidade. Em ambos documentos legais, verifica-se um dispositivo semelhante (art. 27 e art. 11, respectivamente) ao tratar da matéria:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. [70]

O dispositivo é de duvidosa constitucionalidade. Isso porque os efeitos da decisão do controle de constitucionalidade devem ser retirados do próprio texto constitucional e não de lei ordinária que, sem critérios objetivos, concede a um órgão constituído determinar as conseqüências das suas decisões de inconstitucionalidade, mesmo sendo esse órgão o STF.

O próprio dispositivo legal reconhece, de início, que a inconstitucionalidade é declarada, isto é, trata-se de decisão declaratória do descumprimento de um preceito constitucional pelo ato sindicável do Poder Público. O provimento pretendido nas ações que provocam o controle concentrado de constitucionalidade é declaratório e não desconstitutivo (ou constitutivo negativo).

A natureza do provimento vincula os efeitos temporais das decisões. O processo declaratório tem por objetivo a declaração da existência ou inexistência de um estado, no caso, de um descumprimento de preceito fundamental por um ato do Poder Público, o qual é preexistente ao provimento judicial que reconhece o vício. Já o processo desconstitutivo, se fosse o caso, acarretaria a revogação do ato considerado inconstitucional, modificando, a partir do provimento judicial, a relação existente entre lei e Constituição.

Humberto Theodoro Júnior ensina que,

Enquanto na sentença declaratória o juiz atesta a preexistência de relações jurídicas, na sentença constitutiva sua função é essencialmente ´criadora de situações novas’. [71]

Sendo declaratório o provimento judicial, o ato do Poder Público é nulo, pois não retira da Constituição fundamento de validade. Assim, considerando a supremacia da Constituição, o ato é absolutamente inválido. Não há que se falar em anulabilidade, pois o ato é nulo desde seu nascimento. Há uma superioridade hierárquica das normas constitucionais que as fazem preponderar sobre as normas e os atos infraconstitucionais.

Embora a Constituição não seja expressa a respeito da sanção decorrente da declaração de inconstitucionalidade, é reconhecida como princípio constitucional implícito a nulidade (e não a anulabilidade) do ato normativo inconstitucional. [72]

Aliás, a possibilidade de um controle difuso de constitucionalidade, com influência do sistema de fiscalização americano, realizado por qualquer juiz ou tribunal, fundamenta-se justamente na nulidade do ato considerado inconstitucional. Não fosse o ato nulo, mas meramente anulável, seria de observância obrigatória até a decisão do órgão responsável pelo controle concentrado de constitucionalidade.

Alfredo Buzaid, na obra Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, ensina:

O que afirma, em suma, a doutrina americana e brasileira é que a lei inconstitucional não tem nenhuma eficácia, desde o seu berço e não a adquire jamais com o decurso do tempo. Se toda a doutrina da inconstitucionalidade se funda na antinomia entre a lei e a Constituição, e se a solução adotada se baseia no princípio da supremacia da Constituição sobre a lei ordinária, atribuir a esta uma eficácia transitória, enquanto não fulminada pela sentença judicial, equivale a negar durante esse tempo a autoridade da Constituição.

(...) O fundamento da doutrina americana e brasileira está, pois, em que, no conflito entre a lei ordinária e a Constituição, esta sempre prepondera sobre aquela. Se a lei inconstitucional pudesse adquirir validade, ainda que temporariamente, resultaria daí uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição. Ou, em outras palavras, o respeito à lei ordinária significa desacato à autoridade da Constituição.

(...) Lei inconstitucional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade fere-a ab initio. [73]

A declaração de nulidade acompanha a decisão de descumprimento de preceito constitucional fundamental, com pedido procedente, produzindo efeitos retroativos, ex tunc, ao momento do nascimento do ato, porque não são admitidos como válidos os efeitos produzidos pelo ato declarado inconstitucional.

No entanto, o legislador ordinário, dispondo em sentido contrário ao princípio constitucional implícito, pretendeu atribuir ao STF, por intermédio de um quorum qualificado, a possibilidade de "restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado" nos casos de "segurança jurídica ou excepcional interesse social".

Trata-se de dispositivo inconstitucional que só guarda semelhança, na história do direito constitucional brasileiro, com regra do Estado Novo, contudo prevista constitucionalmente.

O art. 96 da Constituição de 1937 estabelecia que:

No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

Ainda, no direito estrangeiro, a Constituição portuguesa, no art. 282, item 4, estabelece regra semelhante, dispondo que:

Quando a segurança jurídica, por razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos 1 e 2.

Os dispositivos 1 e 2 estabelecem efeitos retroativos.

Porém, tanto a norma brasileira de 1937 como a portuguesa estavam previstas na própria Constituição (a portuguesa ainda em vigor). No atual ordenamento jurídico brasileiro norma com semelhantes características deveria ser prevista constitucionalmente, por meio de Emenda à Constituição.

A limitação dos efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade não pode ser estabelecida pelo legislador ordinário, seja a eficácia ex nunc (da decisão de inconstitucionalidade em diante, preservando os efeitos até então produzidos), seja a eficácia pro futuro (fixação de um termo para que o ato passe a ser considerado inaplicável), sob pena de inconstitucionalidade.

A eficácia ex tunc decorrente da nulidade do ato declarado inconstitucional atinge todos os possíveis efeitos que aquele seria capaz de gerar, inclusive a revogação da legislação anterior que tratava do mesmo assunto.

No entanto, a reentrada em vigor da norma aparentemente revogada, conseqüência do efeito repristinatório da decisão do STF, pode gerar uma inconstitucionalidade ainda mais grave que o ato nulificado.

A aplicação às cegas do efeito retroativo pode, ainda, gerar situações de inconstitucionalidade, também não admitidas pelo sistema constitucional brasileiro, podendo observar nas decisões do STF alguns temperamentos na aplicação do efeito ex tunc.

São exemplos verificáveis na jurisprudência do STF: a) não invalidação de atos praticados por funcionário investido em cargo público, por força de lei inconstitucional (funcionário de fato), quando inexistir prejuízo, a fim de proteger a aparência de legalidade dos atos em favor da boa-fé de terceiros; b) proteção da coisa julgada, estabelecida como direito fundamental no art. 5.°, XXXVI, da CF, não afetando a norma concreta da sentença ou acórdão (a decisão com trânsito em julgado faz lei entre as partes), pois consiste em limite à retroatividade da lei e à eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade, salvo as sentenças penais com base em norma penal desfavorável (art. 5.°, XL, da CF).

Clèmerson Merlin Clève aponta, ainda, outras duas situações que não ferem o ato declarado inconstitucional desde o seu nascimento: a) alteração formal (Emenda à Constituição) ou informal (mutação constitucional), quando se alcança o ato impugnado a partir do momento em que a inconstitucionalidade se manifestou (entrada em vigor da norma-parâmetro); b) processo de inconstitucionalização da norma em virtude das alterações fáticas ou nas concepções que presidem a compreensão da Constituição (mutação constitucional), atingindo a norma a partir do período em que passou a ser inconstitucional. [74]

A possibilidade de modulação dos efeitos temporais da decisão do STF, entretanto, não justifica o art. 11 da Lei 9.882/99. Na realidade o que se pode observar dos exemplos fornecidos pela jurisprudência é a presença de dois valores constitucionais, aparentemente contrários, os quais são sopesados, extraindo de cada um a máxima eficácia possível, de acordo com o princípio da unidade da Constituição.

Não é possível simplesmente, como pode ser subentendido da interpretação do art. 11 da Lei 9.882/99, que o STF tenha poderes para, mesmo com um quorum qualificado, considerar aplicável, por um determinado período, um ato que descumpre preceito constitucional fundamental, pois isso importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.

A consideração de determinados efeitos produzidos pelo ato considerado inconstitucional deve sempre estar acompanhada de valores contemplados na Constituição e, ainda, também considerados fundamentais, ou seja, de mesma hierarquia axiológica se comparada ao preceito violado pelo ato infraconstitucional.

Dessa forma, o STF não estará convalidando ato infraconstitucional contrário à Constituição, mas estará aplicando a própria Constituição.

E para assim fazer não há razão que justifique a necessidade de um quorum qualificado (dois terços dos membros do Tribunal), até mesmo porque o art. 97 da Constituição (cláusula de reserva de plenário) exige tão-somente o voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal para a aplicação da Constituição.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o desenvolvimento deste trabalhos, passamos, a seguir, a apresentar as considerações finais do mesmo, sintetizando, desta forma, todos os meandros percorridos durante a exposição.

1.O instituto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi introduzido no sistema jurídico constitucional pátrio, através da Emenda Constitucional 3, de 1993, adicionando o § único no art. 102 da CF 1988;

2.Carecedora de regulamentação por meio de lei ordinária, apenas em 1999 foi editada a Lei 9.882, de iniciativa do Poder Executivo, que veio regulamentar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental;

3.A ADPF está incluída no rol dos mecanismos de controle de constitucionalidade, podendo ser proposta tanto pela via concentrada (ou ação direta), quanto pela via difusa (incidenter tantum);

4.No direito comparado, existem institutos semelhantes à ADPF brasileira, podendo ser destacadas a Verfassungsbeschewerde germânica, a Beschewerde austríaca e o Recurso de Amparo espanhol. O que difere a nossa ADPF de tais institutos, é que no sistema estrangeiro, qualquer cidadão lesado ou vítima de ameaça de lesão por ato emanado do Poder Público pode se socorrer destes remédios constitucionais;

5.Em relação à definição de "preceito fundamental", poucos doutrinadores se aventuraram em arrolar tais dispositivos no texto constitucional. Em suma, podem ser tidos como preceitos fundamentais, as cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4º., da Constituição da República, bem como os princípios fundamentais da República, previstos nos arts. 1º ao 5º. do Texto Magno. Além destes, os princípios constitucionais sensíveis (arts. 34, VII e 35, IV da CF), que são aqueles que, quando desatendidos, dão ensejo à intervenção federal ou estadual;

6.Entre os atos públicos que podem ser objeto sindicável na ADPF, verificamos os atos normativos, políticos, municipais, distritais e anteriores à CF 1988. Além destes, parte da doutrina entende que os atos praticados por particulares no exercício de atividades públicas podem também ser questionados por meio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental;

7.Caberá a ADPF apenas quando esgotados todos os meios processuais constitucionais disponíveis para sanar a lesão ou ameaça de lesão, caracterizando o chamado Princípio da Subsidiariedade da argüição;

8.São legitimados para propor a ADPF perante o STF, por via de controle concentrado, as mesmas autoridades arroladas para a propositura da ADIn, previstas no art 103 da CF 1988, por limitação expressa do art. 2º. da Lei 9.882/99. Na modalidade incidental, o interessado poderá representar ao Procurador-Geral da República para que este decida sobre o seu cabimento em juízo;

9.Poderá ser concedida liminar suspendendo o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada;

10.A decisão final terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.


NOTAS

1 Neste célebre episódio, relatado pelo Chief Justice John Marshall, Marbury havia sido nomeado em 1801, nos termos da lei, para o cargo de juiz de paz no Distrito de Columbia, pelo então presidente da República John Adams, do Partido Federalista, que se encontrava nos seus últimos dias de mandato. Ocorre, porém, que não houve tempo hábil para que fosse dada posse ao já nomeado Marbury, antes que assumisse a Presidência da República o republicano Thomas Jefferson. Este, ao assumir, determinou que seu Secretário de Estado, Madison, negasse posse a Marbury, que, por sua vez, em virtude dessa ilegalidade, requereu à Suprema Corte um mandamus, para que o Secretário de Estado Madison fosse obrigado a dar-lhe posse. Embora a Suprema Corte não tenha dado provimento ao pedido de Marbury, foi a primeira vez que a mais alta corte norte-americana apreciou uma questão de controle de constitucionalidade relativa a uma situação concreta.

2 MANDELLI JR, Roberto Mendes. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Instrumento de Proteção dos Direitos Fundamentais e da Constituição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 41.

3 BUENO, José Antonio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, Ministério da Justiça, 1958, apud MANDELLI JR, Roberto Mendes. Op. cit. p. 41.

4 História Constitucional do Brasil, p. 333, apud MANDELLI JR, Roberto Mendes. Op. cit., p. 47

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Ed. Malheiros, 2000. p. 75.

6 SILVA, José Afonso da. Op. cit. pg. 48.

7 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo, Ed. Malheiros, 1998. p. 40.

8 Op. cit., p. 48.

9 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo, RT, 2000, p. 28.

10 Idem, op. cit., p. 29.

11 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo, Atlas, 13. ed., 2003, p. 584.

12 Idem, op. cit., p. 585.

13 KELSEN, Hans apud MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 605.

14 MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 606.

15 O Controle de Constitucionalidade e a Lei nº. 9.868/99. p. 244.

16 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p 245.

17 Op. cit., p. 75.

18 WALD, Arnoldo. O incidente de inconstitucionalidade, instrumento de uma justiça rápida e eficiente. Revista Jurídica Virtual da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, n. 7, dez. 1999.

19 O Tribunal Constitucional Federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais: contributo para uma compreensão da jurisdição constitucional federal alemã. p. 141.

20 HECK, Luís Afonso. Op. cit., p. 143 e ss., apud Roberto Mendes Mandelli Jr., op. cit., p. 79.

21 MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição. São Paulo: Atlas, 2000. p. 129.

22 La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. P. 141 e 142, apud MANDELLI JR. Roberto Mendes. Op. cit., p. 84.

23 Art. 102, I, a da CF 19888, antes da Emenda Constitucional n º 3/93, que posteriormente trouxe a Ação Declaratória de Constitucionalidade.

24 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982 apud MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 41.

25 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 126.

26 ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: análises à luz da Lei 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 200.

27 ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Op. cit., p. 16.

28 TAVARES, André Ramos e BASTOS, Celso Ribeiro. Reféns da Desinformação. Jornal do Brasil, p. 3, 28 maio 2000, apud ROTHENBURG, Walter Claudius. Op. cit., p. 78.

29 TAVARES, André Ramos, apud ROTHENBURG, Walter Claudius. Op. cit., p. 96.

30 MORAES, Alexandre de, apud ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Op. cit., p. 19.

31 ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Op. cit., p. 207.

32 MANDELLI JR, Roberto Mendes. Op. cit., p. 112.

33 Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1047, apud MANDELLI JR., op. cit., p. 113.

34 Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 561.

35 BASTOS, Celso Ribeiro e VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Op. cit. São Paulo, jan-mar 2000, n. 30, p. 1.

36 In ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Op. cit., p. 91.

37 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 291.

38 In ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Op. cit., p. 99.

39 Ibidem, p. 99.

40 Art. 102, inciso I, alínea a, da CF 1988.

41 DJU 21.11.1997.

42 ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. 3. ed. Madrid: Civitas, 1988. p. 83, apud Rothenburg (Org.). Op. cit., p. 95.

43 Apud SARMENTO, Daniel In Rothemburg (org.). Op. cit., p. 103-104.

44 Apud MANDELLI JR. Op. cit., p. 147.

45 CANOTILHO. Op. cit., p. 861, apud MANDELLI JR. Op. cit., p. 148.

46 Art. 102, § 1º.

47 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 2410.

48 São Paulo: PUC, 2000.

49 BASTOS, Celso Ribeiro e VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Op. cit. São Paulo, jan-mar 2000, n. 30, p. 70.

50 CAMPO. Hélio Márcio. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: 2001. Ed. Juarez de Oliveira, p. 43.

51 Op. cit., p. 173.

52 MANDELLI JR. Op. cit., p. 157.

53 Art. 7º, caput, e § único, da Lei 9.882/99.

54 Op. cit., p. 157.

55 Op. cit., p. 237.

56 Op. cit., p. 49.

57 Op. cit., p. 235.

58 Diz o dispositivo: "A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada".

59 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em O Sistema Constitucional Brasileiro e as Recentes Inovações no Controle de Constitucionalidade, RDA 220/14, abr.-jun. 2000, afirma que "(...) o objetivo real, disfarçado embora, é introduzir uma forma de avocatória, concentrando nas mãos do STF questões de inconstitucionalidade, suscitadas incidentalmente perante outras instâncias".

60 BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 1994. p. 20 e 21.

61 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001. p. 64 e 65.

62 Com essa técnica, o Tribunal Constitucional verifica que, em virtude da alteração das circunstâncias fáticas ou mesmo de interpretação da Constituição, a norma insere-se em um processo de inconstitucionalização.

63 O apelo ao legislador, Appellentscheidung, é a técnica em que o Tribunal Constitucional atua em situações imperfeitas, nas quais não possui competência para realizar as necessárias correções, advertindo o legislador para que as faça.

64 Manual de Direito Constitucional. 3. ed. reimpr. Coimbra: Coimbra Ed., 1996. t. II., p. 483., apud MANDELLI JR., op. cit., p. 172.

65 Nesse sentido, MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade: comentários à Lei 9.868/99. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001. p. 342: "Não há que se falar, no entanto, em autovinculação do STF às suas decisões, caso contrário ocasionaria o congelamento do direito constitucional, bem como, por vezes, obrigaria o STF a sustentar teses consideradas errôneas ou superadas".

66 HECK, Luís Afonso. Op. cit., p. 266.

67 MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Ed., 1999. p. 813.

68 Op. cit., p. 832.

69 Redação do art. 11 da Lei 9.882/99, que trata do processo e julgamento da ADPF. No art. 27, da Lei 9.868/99 a redação é quase idêntica, apenas não sendo utilizadas as expressões "no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental", porque o diploma trata, por sua vez, do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.

70 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. 1. p. 457.

71 A nulidade do ato normativo inconstitucional é considerada princípio implícito e assim apontada por, entre outros, Gilmar Ferreira Mendes, Clèmerson Merlin Clève e Walter Claudius Rothenburg.

72 BUZAID, Alfredo apud MANDELLU JR., op. cit. p. 179.

73 Op. cit. p. 256 e 257.


ANEXO

LEI Nº 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999.

Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

II – (VETADO)

Art. 2º Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;

II - (VETADO)

§ 1º Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.

§ 2º (VETADO)

Art. 3º A petição inicial deverá conter:

I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;

II - a indicação do ato questionado;

III - a prova da violação do preceito fundamental;

IV - o pedido, com suas especificações;

V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.

Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1º Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

§ 2º Da decisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo de cinco dias.

Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

§ 1º Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.

§ 2º O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

§ 3º A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

§ 4º (VETADO)

Art. 6º Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.

§ 1º Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

§ 2º Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.

Art. 7º Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento.

Parágrafo único. O Ministério Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.

Art. 8º A decisão sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros.

§ 1º (VETADO)

§ 2º (VETADO)

Art. 9º (VETADO)

Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.

§ 1º O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

§ 2º Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.

§ 3º A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Art. 12. A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

Art. 13. Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento Interno.

Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de dezembro de 1999; 178º da Independência e 1 11º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Carlos Dias


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JUNIOR, José Ayres dos. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 292, 25 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5080. Acesso em: 18 abr. 2024.