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A recuperação extrajudicial na lei de falência e recuperação de empresa

A recuperação extrajudicial na lei de falência e recuperação de empresa

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Elucidar os principais aspectos referentes ao instituto da recuperação extrajudicial, como seus pressupostos, os legitimados no seio desse procedimento e as etapas a serem efetivadas.

Resumo

Elucidar os principais aspectos referentes ao instituto da recuperação extrajudicial. Avaliar as principais finalidades legais e inspirações desse instituto que evidencia uma alternativa para a preservação da empresa. Analisar os pressupostos a serem preenchidos para que a recuperação extrajudicial possa ser levada à efeito, bem como os legitimados do ponto de vista ativo e passivo.  Descrever o procedimento que deve ser adotado na recuperação extrajudicial e os efeitos que ela pode operar, tendo como pano de fundo os dispositivos da Lei n. 11.101/2005, a denominada Lei de falência e recuperação de empresa.

Palavras-chave: Recuperação extrajudicial. Empresa. Pressupostos. Procedimento.

1.      INTRODUÇÃO 

A Lei de Falência e Recuperação de Empresa (Lei n. 11.101/2005) trouxe consigo o paradigma do princípio da preservação da empresa, objetivando facilitar a recuperação da empresa em crise e manter o nível de emprego, arrecadação de tributos e a possibilidade de circulação de bens e serviços. Tendo em vista esse princípio, o instituto da recuperação extrajudicial se mostra como ferramenta empresarial pertinente à essa finalidade de preservação e será ela objeto do presente estudo.

A origem da recuperação extrajudicial remonta ao instituto da concordata, extinto com a Lei n. 11.101/2005. A concordata teve seus primeiros traços delineados no direito romano e posteriormente foi regulada originalmente nos estatutos das cidades italianas da Idade Média. No direito brasileiro, o referido instituto foi, pela primeira vez, regulado pelo Código Comercial de 1850 e aqui se desenvolveu com um caráter de favor legal direcionado a evitar ou suspender a falência, em que a vontade dos credores não era considerada.

A recuperação extrajudicial, emergente da nova lei de falência, também possui esse objetivo de evitar a falência, mas tem novas características e corrobora o principio da preservação da empresa, pois agora credores manifestam sua vontade, fazem acordo com o devedor e um plano de viabilização da superação da crise deve ser apresentado.

Segundo Restiffe (2008, p. 372-373), “a recuperação extrajudicial caracteriza-se por ser negócio jurídico bilateral, ao qual devem convergir as vontades de devedor e seus credores” e “a intervenção estatal por meio da homologação judicial de acordo privado entre devedor e seus credores, cumpridos os requisitos legais exigidos, denota sua natureza jurídica de procedimento especial de jurisdição voluntária, que se dá pela administração pública, no caso, por meio de atividade judiciária, de direitos privados.”

Logo, a recuperação extrajudicial é um procedimento concursal que busca prevenir a decretação da falência, preservando a empresa, através de acordo entre credores e devedor que necessita de homologação judicial.

2.      PRESSUPOSTOS E LEGITIMIDADE

2.1 Pressupostos objetivos e subjetivos

A recuperação extrajudicial da empresa, instituto falimentar que busca preservar a empresa, só pode alcançar esse objetivo através de um plano submetido à homologação, que será pressuposto de caráter objetivo, na medida em que para pleitear a recuperação, é indispensável que exista realmente um plano de viabilização, que contenha os créditos que podem ser sujeitos à recuperação extrajudicial e que trate os credores de uma mesma espécie de forma paritária. (COELHO, 2011).

A nova lei enuncia também outros requisitos ou pressupostos que devem ser atendidos para possibilitar a recuperação extrajudicial. Assim, os pressupostos para a recuperação extrajudicial podem ser relacionados da seguinte forma: plano submetido à homologação (pressuposto objetivo), qualidade de devedor empresário do legitimado ativo e atendimento aos requisitos dos incisos do artigo 48 e do § 3º do artigo 161 (pressupostos subjetivos) da Lei n. 11.101/2005, quais sejam:

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

O § 3º do art. 161, por sua vez, traz outro requisito:

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

[...]

§ 3o O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.

2.2  Legitimidade ativa

Na recuperação extrajudicial, o legitimado ativo para requerer a homologação do plano é o empresário individual ou sociedade empresária, comumente referidos como devedor. Esse devedor deve ser possuidor dos mesmos requisitos subjetivos exigíveis na recuperação judicial e que se configuram também como requisitos de ordem subjetiva para a homologação do plano de recuperação extrajudicial referidos nos incisos do art. 48 e no § 3º do art. 161.

Além disso, assim como na recuperação judicial, cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente também podem requerer a recuperação extrajudicial (art. 48, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005).

2.3  Legitimidade passiva (credores sujeitos à recuperação extrajudicial)

Segundo Restiffe (2008, p. 378-379), legitimados passivos são “as pessoas em relação às quais se pretende a providência judicial”, ou seja, “são todos os credores sujeitos aos efeitos da recuperação extrajudicial”.

Dessa forma, os créditos sujeitos à recuperação extrajudicial são os mesmos que estão sujeitos à recuperação judicial, com exceção daqueles excluídos pelo art. 161, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, que Ecio Perin Junior (2011, p. 385) relaciona da seguinte forma:

a)       Créditos de natureza tributária;

b)       Créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho;

c)       Créditos decorrentes do direito de propriedade, previstos no art. 49, § 3º, da LFRE;

d)       Adiantamento de contrato de câmbio para exportação, previsto no art. 86, II, da LFRE.

 

3.      PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

3.1  Recuperação extrajudicial ordinária e recuperação extrajudicial extraordinária

De acordo com a maneira como os credores são vinculados ao plano, a recuperação extrajudicial poderá ser ordinária ou extraordinária, segundo terminologia de Gladston Mamede (2012). Essa classificação ilustra a fase de livre acordo entre devedor e credores, na qual o devedor escolhe grupos de credores com os quais irá negociar.

A recuperação extrajudicial ordinária, prevista nos artigos 161 e 162, é o mecanismo no qual o plano recuperatório descreve os credores que a ele anuíram voluntariamente. Apenas os credores que aderiram ao plano serão atingidos pelos efeitos quando da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Essa modalidade de recuperação extrajudicial está, dessa forma, relacionada à homologação facultativa que, segundo Perin Junior (2011), é aquela na qual o plano homologado não obriga os credores que não aderiram ao plano, mas somente àqueles que assinaram e concordaram com o mesmo.

A recuperação extrajudicial extraordinária, prevista no artigo 163, por sua vez, é o mecanismo no qual o plano recuperatório é assinado por credores que representam mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de determinado grupo (grupo de credores quirografários, por exemplo) e isso vincula a minoria do grupo que não aderiu voluntariamente ao plano. Segundo Perin Junior (2011), ocorre uma homologação obrigatória, ou seja, a adesão forçada de credores de determinada faixa de créditos ao plano de recuperação extrajudicial, desde que 3/5 (três quintos) de todos os credores de cada espécie tenham aderido espontaneamente. Assim, os efeitos irão se alastrar aos demais credores.

3.2  Etapas procedimentais

 

O procedimento se inicia com a distribuição do pedido, que deverá conter o plano de recuperação extrajudicial, sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, devidamente assinado pelos credores anuentes ao plano.

Após o recebimento da referida petição, o juiz ordenará a publicação de edital por intermédio de órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional.  Essa publicidade tem a finalidade de possibilitar que os credores com eventuais impugnações ao plano recuperatório possam se manifestar e que o devedor, no prazo estabelecido no mesmo edital, possa comprovar que enviou as cartas de que trata o § 1º do artigo 164 a todos os credores sujeitos ao plano, que através dessas cartas serão informados sobre distribuição do pedido, condições do plano e prazo de impugnação.

Como dito, a publicação do edital dá a oportunidade para os credores impugnarem o plano, juntando a prova de seu crédito. Essa impugnação poderá ser realizada no prazo de trinta dias contados da publicação do edital e apenas as seguintes alegações podem ser feitas, com base nos incisos do § 3º do artigo 164: não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do artigo 163 da lei; prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do art. 130 da lei, ou descumprimento de qualquer requisito presente na mesma; ou descumprimento de qualquer exigência legal.

Após a fase de impugnação, abre-se prazo de cinco dias para que o devedor possa se manifestar sobre eventuais impugnações, sendo que após isso os autos serão conclusos ao juiz que decidirá, também no prazo de cinco dias, se homologa ou indefere o plano, avaliando se existem razões para que o pedido seja rejeitado, como: irregularidades; atos fraudulentos por parte do devedor; simulação de créditos ou vício de representação dos credores que subscreveram o plano.

Apreciado o plano, o juiz proferirá sua sentença, que caracterizará a constituição de uma nova situação, através da homologação do plano, ou atestará a inadequação do mesmo, através do indeferimento. Seja qual for o conteúdo da sentença (homologação ou indeferimento) cabe o recurso de apelação.

3.3  Efeitos

 

O plano de recuperação, em regra, produz seus efeitos em relação aos credores signatários após a homologação judicial. Em regra porque pode o plano estabelecer produção de efeitos anteriores à homologação, desde que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários, como determina a dicção do § 1º do artigo 165.

A lei aborda ainda que, apesar do pedido de homologação do plano, direitos, ações e execuções não se suspendem e que os credores não participantes do plano de recuperação extrajudicial não estão impossibilitados de pedir a decretação da falência, sendo importante ressaltar que após a distribuição do pedido de homologação do plano, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com o consentimento expresso dos demais signatários.

A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo extrajudicial, segundo o artigo 584, III, do Código de Processo Civil.

4.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

A recuperação extrajudicial, enquanto ferramenta do empresário, se configura como um mecanismo mais simples, em que o Estado tem função acessória, enquanto credores e devedor protagonizam juntos a busca pela melhor solução dos problemas. Como bem elucida Gladston Mamede (2012, p. 204):

A afirmação da viabilidade jurídica da recuperação extrajudicial da empresa, mais do que uma alternativa de solução global da crise econômico financeira da empresa, a alcançar toda uma classe de credores, como se estudará neste capítulo, é a afirmação da licitude, da viabilidade e da regularidade dos procedimentos negociais entre o devedor e seus credores.

Dessa forma, o que no início era um favor legal concedido ao devedor pelo Estado, na antiga concordata, passou a ser viabilização de superação da crise, através da participação dos credores, que passaram a ter sua vontade considerada nesse procedimento de recuperação extrajudicial. O desenvolvimento do instituto coroa, então, a evolução da legislação falimentar, através de um plano legitimado por razões de viabilidade que exclui abusos de direito do devedor e se firma como solução para satisfação dos interesses dos credores e continuidade da empresa.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei nº 11.101, de  9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 9 maio 2013.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012. v. 4.

PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de empresas: de acordo com a lei 11.101, de 09.02.2005. Barueri: Manole, 2008.


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