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Da modificação do regime de bens

Da modificação do regime de bens

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1.Objetivo do presente artigo

Com o presente trabalho espera-se verificar o alcance da faculdade de modificação do regime de casamento, autorizado pelo artigo 1.639, do atual Código Civil, quer pelas sociedades conjugais atuais, quer pelas celebradas anteriormente à vigência do atual sistema legal. Isto porque, o artigo 2.039, do mesmo diploma, ressalta que ficam mantidos os regimes anteriores. A questão, então, é saber se a possibilidade de modificação se dá, somente, aos casamentos celebrados após 11 de janeiro de 2003, ou também aos anteriores. Para tanto, entende-se necessária uma segunda problemática: a de verificar a abrangência da noção de regime de casamento, ou seja, se tal concepção deve se dar aos regime típicos elencados pelo legislador ou à noção ampla de regime, como o complexo patrimonial surgido de cada sociedade, em sua individualidade.

A nosso ver, a concepção de aplicação somente aos casamentos atuais, afronta a garantia constitucional da isonomia, da preservação da família, como entidade maior, assim como, da liberdade, consagradas na Carta Magna.

Resumindo, surgem duas posições a serem enfrentadas: uma, restritiva de que a norma de liberalidade do artigo 1.639 do CC/02, está a se referir aos casamentos realizados sob sua égide; a segunda, que defendemos, vê possível sua extensão aos casamentos celebrados anteriormente, sob vigência do Código revogado.

É sempre oportuno ressaltar o seguinte fundamento hermenêutico: quando o legislador não restringir direitos, não caberá ao intérprete restringi-los, sob pena de estar cerceando garantias. Por outro lado, quando o legislador restringir deveres e obrigações, não poderá o intérprete ampliá-los, sob pena de estar legislando, criando novos deveres e obrigações.

Não se deve vislumbrar qualquer antinomia entre a norma concessiva, do artigo 1.639, com a excepcional, do artigo 2.039 do Código Civil. Justifica-se, a defesa da posição extensiva de se facultar a modificação dos regimes aos casamentos anteriores. Não se deve enxergar redação restritiva que permita conceber, portanto, qualquer impedimento; o quê, sem qualquer pretensão ou soberba, tenta-se, aqui, fundar.


2. Da proibição aparente e do fundamento concessivo para a modificação do regime

O Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias estabelece, em seu artigo 2.039, que "O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido".

Por outro lado, determina o artigo 1.639 do mesmo Código, ser "lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver", permitindo-se-lhes, modificá-lo – o regime de bens – "mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros."

Como afirmado anteriormente, a se validar a posição restritiva, quando confrontados os dois normativos, estariam de fora do permissivo as sociedades conjugais celebradas sob a vigência da lei civil revogada, destinados os seus membros à morte sob o mesmo regime que lhes regula a sociedade desde a sua formação. Neste caso, lhes resta, entre os mesmos, buscarem isonomia pelo divórcio e novo casamento, em franca fraude à lei.

A vexata questio, a nosso sentir, repousa na questão de fundo, de se revelar o que a lei quer estabelecer com o conceito de "regime de bens", qual seja o seu significado próprio.


3. A concepção legal de regime de bens, prevista no artigo 2.039 do CC/02

Em uma primeira leitura do citado artigo 2.039 verifica-se o que o legislador concebe por regime de bens, ou melhor, o que a ordem jurídica atual nos faz crer, devamos por isto entender.

Para tanto, como posto, duas são as possibilidades: uma restritiva diante de outra, ampliativa. Para nós, como autêntica se apresenta esta última, simples interpretação como a voz da lei dá a supor: caráter concessivo de direitos.

A concepção restritiva de regime de bens, leva a crer que a lei se refira aos regimes propriamente ditos, segundo critério taxativo, como o dotal, o da comunhão universal de bens etc., que podem ter sido objeto de escolha, pelos nubentes, no momento da elaboração mediante pacto antenupcial, ou por imposição legal, como o regime da comunhão ou da separação. A se entender, por este veio, que a lei se refere, restritivamente, a estes tipos de regime, tem-se por inatingível a possibilidade de mudança e, por sua vez, afastada a aplicabilidade da referida norma autorizante.

Em segunda vista, preferimos entender por regime de bens, em sentido lato, a situação jurídica patrimonial individualmente resultante do matrimônio, com suas peculiaridades resultantes do vínculo de cada sociedade conjugal, construídos de per se, caso a caso, sociedade a sociedade.

3.1 Da interpretação restritiva

Os filiados à primeira corrente não enxergam a referência a um sistema patrimonial criado, pelas peculiaridades de cada sociedade, não vislumbram o espírito de preservação da lei, não afastam uma visão engessada, não dinâmica da lei.

A afirmativa restritiva, de que tal preceito veio somente para ser aplicado em favor dos casamentos novos, com todo respeito, soa na contramão do tempo e da ideologia, não apenas constitucional, como do novo Código. Atropela-se, por corolário, hermenêutica ajustada à facilitação da liberdade, da auto-regulação das relações privadas. Considere-se ademais, que a natureza íntima destas situações jurídicas de caráter patrimonial, embora ensimesmadas no Direito de Família - em meio à noção de direitos da personalidade, com os quais não se confundem -, admite regras de disposição, ainda que publicizados, para sermos mais contemporâneos.

3.2 Da interpretação concessiva

A atual lei civil faz expressa previsão de garantia dos regimes de bens anteriores, preservados, rectius, garantidos, em sua inteireza. Trata-se, então de referência garantidora, a do artigo 2.039. Por que legislação estariam, hoje, casados aqueles que se submeteram ao regime dotal, uma vez que não se reproduz a norma do artigo 278 do Código revogado? Quando o artigo 2.039 do CC/02 prevê que os casamentos anteriores serão regidos pelo regime próprio. O que isto quer dizer, imutabilidade ou garantia?

Para tanto, urge enfrentar a noção latu sensu de "regime de bens". Imperioso lembrar que o artigo 259 do Código revogado, embora não se encontre, aparentemente, recepcionado pela redação geral de regimes matrimoniais do atual Código, sobrevive, entretanto, pela sua normativa transitória. [1]

Na redação do artigo 259 do Código Civil de 1916, dispunha a lei que mesmo diante da situação em que o regime não fosse o da comunhão de bens, prevaleceriam, no silêncio do contrato, os princípios deste, atinentes à comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Aqui, infere-se o que denominamos por regime em sentido amplo, decorrente de peculiaridades de determinadas sociedades, neste particular mantidas, por garantia, repise-se, e não restritividade que refutamos ver na normativa do artigo 2.039 vigente.

Observe-se que o mencionado artigo 259 não encontra correspondente fácil e direto no Código atual. Mesmo assim, o tratamento aos casamentos de pessoas "impedidas de casarem-se", nas hipóteses de impedimentos meramente dirimentes privados, aplica-se, senão por força da regra do artigo acima, pelo princípio do não enriquecimento sem causa. Resulta assim, ver a existência de três regimes patrimoniais: um para cada cônjuge, sobre os bens particulares que traziam para a sociedade, e outro, resultante do esforço comum [2].

Ainda que ferida a ordem expositiva do antigo Código, para as pessoas que se casaram dependentes de autorização, como menores, e todos os demais em situções elencadas pelos seis incisos do parágrafo único do artigo 258 revogado, mandava-se aplicar a normativa de comunicação dos bens havidos por esforço comum.

Por estas razões propedêuticas, julga-se que o legislador atual, em hipótese alguma pretendeu cercear direitos, criando tratamentos díspares para casais celebrados antes ou depois do atual diploma mas, simplesmente, proteger os anteriores regimes, em sentido estrito e amplo.


4. Das exposição de motivos do novo Código Civil

É sabido que as "Exposições de motivos" de um diploma legal ou simples norma, não vinculam, não possuem eficácia capaz de serem considerados como comandos normativos. Mas ao cultor da aplicação teleológica, sonante à voz íntima e política da nova ordem, resta ver infirmado ali, na referida exposição de motivos, o sentido revelado para uma mais adequada hermenêutica, sob pena de contramão, de descarrilhamento.

Agora, então, se torna possível enfrentar o desafio da leitura normativa, pelo sentido da socialidade e concreção, como valores norteadores segundo a mesma exposição de motivos do atual Código Civil. Isto sem trazer à baila o princípio da eticidade, tão em voga consagrado. Este, aliás, tautologicamente preservado, quando acolhidos os primeiros. Dispõe, assim, neste norte sociológico, o texto:

"sem se olvidar as de natureza sistemática, como a rigorosa distinção do Direito de Família em pessoal e patrimonial, demonstram que o Livro IV do Anteprojeto foi elaborado não só com ciência, mas também com plena consciência do valor social e espiritual da instuição da família, que constitui a base inamovível dos valores mais altos da comunidade". [3]

Socialidade, então, é realidade normativa imanente. Dever-ser genérico que faz voltar qualquer aplicabilidade para o valor social do tempo de sua aplicação e não de sua elaboração. É desta realidade que decorrerá a concreção, a atualidade e não a realidade formal.

Muitas vezes, para um dos cônjuges preservar de terceiros, considerados, genericamente, credores de boa fé, os interesses seus e de menores exsurge conceber-se a possibilidade da modificação. Não se pode, desta forma, adotar postura restritiva, de caráter tão ilimitado quanto ilegítimo. Afinal, se a lei não cerceou, jamais se poderá impor limites fora de uma lógica razoável, inclusive quanto ao número de vezes em que se busque a referida conversão.

Por valor maior a família é preservada pela Constituição da República, no artigo 226, como entidade núcleo da sociedade. Assim como é preservada pela sua mais expressiva e tradicional forma constitutiva – o casamento -, não abortada pelo ideal do legislador, que o faz vir como recipiente principal daquela instituição, pelo que se determina reconhecer até mesmo na dúvida de sua existência. [4]

Não restaria conceber, assim, artifícios de restritividade a sua manutenção, a sua preservação. Sandice, seria crer necessário encurralar casais e casais para o fim do matrimônio, privando-os da necessidade, ou da conveniência da modificação do regime, muitas vezes para preservação mesmo dos filhos ou de um dos cônjuges. Como dito, levando-os ao escárnio da autoridade legal no buscar, pela fraude do divórcio e de novo casamento,entre os mesmos, remédio para a analogia torta, aplicativa da lei favorecedora.

Por se tratar de uma carta política, onde predominam regras de organização administrativa e de soberania, não se pode menosprezar o fato de a Constituição da República, somente no Capitulo VII, mais precisamente, no artigo 226, fundamentar a sociedade familiar, em seus contornos gerais e regras de abstração. Não se pode dizer que haja instituição mais importante ou mais privilegiada que outra, pela mesma Carta. Deve-se, antes, observar que a Constituição ressalta a família, como base da sociedade, para a qual institui, programaticamente, especial proteção do Estado (seccionemos o texto legal, para simples reconstrução ideológica), incumbindo ao mesmo, assegurar àquela, na pessoa de cada um dos que a integram, mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações.

Não se concebem como natural e possível, violências decorrentes do preconceito, do privilégio, sobretudo, onde a norma não particularize. Deixemos de lado leituras que possam coibir, e antes, façamos leituras que venham facultar, enxergar caminhos, que preservem a família, antes que lhas prescrevam o fim.


5. Das causas legitimadoras da modificação do regime.

Diversas são as causas que legitimam a necessidade de se estender, tal privilégio, às sociedades conjugais estabelecidas sob a lei civil revogada. Vejam-se alguns exemplos de conflitos, entre tantos outros que o caso concreto e a melhor reflexão poderão revelar, para vermos a injustiça que tal restritividade poderia acarretar, acolhida interpretação restritiva.

Ao se dar continudade ao presente, tenha-se em mente, apenas a seguinte reflexão: Que maior valor jurídico devemos preservar, o casamento ou a rigoridade legal, pela leitura restritiva? Considere que a lei não determina limites subjetivos, senão concede a manutenção do regime, em sentido simples e puro.

5.1 Participação em sociedade empresarial.

A própria lei civil vigente ao inferir-se na vida privada patrimonial dos casais civis, como pelo artigo 977 do CC/02, determina a modificação de sua realidade interna patrimonial, quando limita contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham se casado sob o regime da comunhão universal de bens ou da separação obrigatória. Assim, impõe-se, como melhor solução, a mudança do regime, o fim do casamento ou da sociedade empresarial?

Inconcebível que para os casais, cujo casamento tenha sido celebrado pelo regime da comunhão universal de bens, se lhes imponha o único caminho de se retirarem da sociedade de que façam parte, para preservar o casamento. Muitas vezes, exclusivamente, dela dependentes sua sobrevivência, na atividade societária e mesmo empresarial. Mas não resta outro caminho, o fim do casamento, ou da sociedade, se não admitida a modificação do regime.

5.2 Terceiros de boa-fé e as obrigações estranhas ao interesse da sociedade.

Terceiros de boa fé são todos aqueles que se vejam atingidos pelas obrigações não realizadas de um ou de ambos os cônjuges. Havendo regime especial de matrimônio, que se queira opor aos interesses daqueles terceiros, há de se exigir que o matrimônio tenha sido celebrado e devidamente precedido de pacto antenupcial, elaborado por escritura pública, como determina o artigo 1.640 parágrafo único, do CC/02, devidamente registrado no Cartório do Registro de Imóveis da Circunscrição de cada domicílio firmado pelos cônjuges, como dispõe o artigo 1.657 também do CC/02 e 167, I, 12 da Lei 6.015/73, e averbado, ainda, junto à matrícula de cada bem imóvel, artigo 167, II, I desta mesma lei de registros.

Somente estes cuidados, ou deveres legais, poderão constituir a existência objetiva de patrimônio distinto entre os cônjuges, salvaguardando, o inocente lesado, do ônus de intentar sucessivos embargos de terceiros, para defesa das eventuais constrições judiciais pretendentes da satisfação dos créditos dos terceiros.

Não opera perante terceiros ajustes internos sem publicidade, conforme o artigo 1.688 do CC/02, o qual determina que ambos os cônjuges, contribuirão para as despesas comuns, nos limites de seus ganhos, salvo deliberação expressa, no pacto antenupcial. Então, como forma protetiva para um dos membros, diante das obrigações a eles estranhas resta facultada a modificação do regime.

5.3 Interesse da prole.

Imagine-se, agora, um pai perdulário, lançado a aventuras financeiras, as quais venham comprometer o patrimônio do casal e, muitas vezes, o dos filhos menores. Bens concedidos por antecipações de progenitores, em forma de pensões, contas de poupança, títulos e toda sorte de bens que dispensam a hasta pública para alienação, tornando-se, inclusive, penhoráveis, alguns deles. Algumas vezes instituído, tal patrimônio, em favor dos netos, diretamente em nome dos pais, com a finalidade de atendimento daqueles menores, que se verão lesados pelo engessamento do regime.

Vislumbramos, então, a possibilidade, ou melhor, a necessidade de se instituir novo regime, agora permitido, como forma de se privar, pela superveniência de pacto, fora do alcance da atuação perdulária do outro, excluindo-se bens considerados, até então comuns.

5.4 Direito sucessório.

Em matéria sucessória, por fim, resta concebido ao cônjuge a qualidade de herdeiro necessário, concorrendo com ascendentes e descendentes (artigo 1829 e 1845 do CC/02). Determinação de ordem pública, inafastável.

Contudo, no interesse da prole unilateral, concebe-se possível o mecanismo pela elaboração de pacto, tornar o casamento submetido ao regime da separação de bens. Neste caso, o cônjuge falecido não daria à sucessão o patrimônio do outro, para a prole do defunto, por não tero colaborado, ou mesmo nada tenha recebido de afeto ou reconhecimento da referida prole.

Explicando melhor: Alberto falece. Neste caso, sua mulher herdaria em condições de igualdade com os ascendentes ou descendentes. Mas se o inverso – sua mulher morrer – Alberto desta herdaria. Imagine que o patrimônio da mulher de Alberto, constituiu-se, exclusivamente, pelo seu esforço e se Alberto não atrapalhou, em nada ajudou. Assim, moralmente, interessam-se em modificar o regime, para deixar certo que tais bens fiquem fora da comunhão. Uma vez fora da comunhão, não ingressam no patrimônio de sucessão do outro e nem se destinam aos herdeiros do outro, preservados os herdeiros legítimos do cônjuge operante.

Neste caso, a modificação do regime operaria como instrumento de preservação da própria sociedade, em seu bem estar, para que chegue ao término natural, pela morte natural.

5.5 Do próprio cônjuge.

Quanto ao próprio cônjuge, já foi lembrado da necessidade de se preservar seu patrimônio contra o outro, que dê má gestão aos bens comuns ou constitua dívidas de obrigações pessoais estranhas à sociedade. [5] Exigindo-lhe, permanentemente, o uso de expedientes processuais e custosos, para eximir sua parcela de bens de excuções decorrentes de causas imorais, que em nada aproveitaram ao outro ou mesmo à prole.

Neste caso, novamente, que melhor medida: divórcio ou a modificação do regime?


6. Das causas desautorizadoras para a modificação

O interesse dos filhos menores, ao mesmo tempo que legitimaria a modificação, pode ser aquilatado como causa desautorizante, protegidos, sobre todo outro qualquer valor formal. Quer pelos pais, quer pelos cônjuges, quer pelo Judicário ou pelo Ministério Público, posto que nada se poderia, ante a realidade moral hodierna, cada vez mais surpreendente, vislumbrar-se a possibilidade de lesão aos interesses dos filhos, no afastamento de suas legítimas, no concurso da herança dos cônjuges, consagrada no artigo 1845 do Código vigente. Cada caso, então, analisado de per se.

Assim, antevemos, na maioria das hipóteses acima, ao contrário, de sua legitimação, a impossibilidade da modificação do regime, por forma de não se permitir se valerem da lei, como instrumento de lesão ao interesse dos filhos, dos terceiros de boa fé, e mesmo do Estado, como eventual titular de direitos obrigacionais.

Como sabido, menores e as demais pessoas que se casam inobservando as cautelas das causas suspensivas do Código Civil, assim como as que, sob a égide do Código anterior, se casaram sob regime imposto, regime sanção, não poderão buscar a conversão do regime. Isto porque restaria violada a determinação do interesse público, aqui, legitimamente restritivo.

Ressalte-se a possibilidade da modificação do regime resultar de interesse constitutivo de fraude a credores, afastando bens da penhora, da absorção da massa falimentar, da insolvência antes mencionada ou decorrentes de obrigações tributárias.


7. Do procedimento

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Impõe-se, qual o procedimento que se deve adotar, quando admitida, em qualquer hipótese, a conversão do regime: jurisdição voluntária ou comum, consensual ou litigiosa?

Restará ao casal, em princípio, valer-se do procedimento de jurisdição voluntária, na forma do artigo 1003 do Código de Processo Civil e, mediante juízo com jurisdição em matéria de família, pretenderem, por óbvio, sua modificação.

Mediante petição conjunta, acompanhada de pacto, por escritura pública, de regra, onde se declare a justa causa da necessidade da modificação.

A nosso sentir, entretanto, nada impediria, desde que se amadureça tal concepção, que se valha, um ou outro cônjuge, do procedimento de jurisdição contenciosa, diante de prejuízo concreto que o regime vigente possa lhe atribuir, à sociedade da qual faça parte ou a seus filhos e respectivo patrimônio.

Exempli gratia, retornemos, como já exposto, à necessidade de um dos cônjuges, casados pelo regime da comunhão universal, se ver obrigado a desfazer-se das cotas da sociedade de que faça parte, sendo o principal fundo de sustento, mantenedor da sociedade conjugal e, quanto mais, dos filhos. Pense-se, ademais, em homem ou mulher, casados pelo regime de comunhão de bens, com pessoa estróina, para o qual tenha incansavelmente concorrido no pagamento de dívidas pessoais, que em nada interessaram ao casal, ou filhos comuns, com o fito de salvaguardar patrimônio comum, passível de constrição por dívidas realizadas pela vida exclusiva do outro.

Pense-se, apenas, pense-se, antes de se ver refutada mais uma porta aberta para a salvação da instituição família, simplesmente, quando permitido alterar-se o regime de casamento.

7.1 Dos procedimentos e requisitos da instrução.

Em todos os casos, em quaisquer dos procedimentos, a instrução deverá conter a qualificação dos cônjuges, o regime que vige e qual passará a ter eficácia, o que pretendem, a causa de pedir que motiva a conversão e os pedidos, além, por óbvio, de vir acompanhada das certidões negativas de Cartórios de Registros de Imóveis, havendo bens, e, sobretudo, das certidões de distribuidores de ações cíveis e criminais, de abrangência de feitos de competência estadual e federal, bem como de centralização de distribuição de negócios jurídicos. Oportuno, ainda, a apresentação de certidões de interdições e tutelas. As municipais, de regra, por mais vulgares, restam apontando litígios decorrentes de obrigações tributárias, propter rem. Assim, por cautela, a certidão negativa de débitos fiscais, como do distribuidor de competência de ações da fazenda municipal, soam como prudência inafastável, necessária ao momento da partilha e inventariança.

A possibilidade-necessidade de serem intimados credores, eventualmente identificados pelas distribuições, poderia causar aspectos de reflexão quanto à cautela máxima, reconhecendo-lhes legitimidade para intervirem. Critérios, caso a caso analisados, pelo prudente arbítrio do juízo. É de se reconhecer, contudo, que a simples publicidade encontrada no processo de modificação do regime enseja o conhecimento de terceiros, assim como a preservação de seus direitos, limitados à constituição de obrigações anteriores ao registro das sentenças, junto ao competente Cartório de Registro de Imóveis, lugar do domicílio do casal, bem como, da conseqüente averbação junto à matrícula dos imóveis que se queira preservar de excuções.

A averbação do regime novo, como na hipótese comum de regime especial a demandar pacto antenupcial, em certo tempo jurídico, conforme dispõe o artigo 1.657 do CC/02, definirá o marco de constrição ou preservação do patrimônio por terceiros.

7.2 Da intervenção do Ministério Público.

Após a interveniência necessária do Ministério Público, sob pena de nulidade do procedimento, conforme dispõe o artigo 82 do Código de Processo Civil, será julgado o pedido, autorizando-se (rectius, constituindo-se), por homologação ou por sentença, nova relação jurídica patrimonial entre os cônjuges. A seguir, será expedida carta de sentença ao Cartório de Registros de Pessoas Naturais (RCPN) onde será averbada a modificação do regime, à margem do registro de casamento, nos termos do artigo 167, I, 12 da Lei 6.015/73.

7.3 Da elaboração de pacto, do ajuste homologado ou da sentença.

Em complementação à peça inicial, elaborar-se-á pacto para eleição do regime especial que, neste caso, não será obviamente antenupcial, devendo-se elaborar instrumento na forma de documento público por qualquer Cartório de Ofício de Notas, como dispõe o parágrafo único do artigo 1.640 do CC/02. Quanto à possiblidade de termo particular, o mesmo será a seguir analisado.

7.4 Da constituição de título executivo, do registro e da averbação.

Nada impede, pela natureza pública e solene do procedimento jurisdicional e ante o princípio da economia dos atos, que seja elaborado, no corpo do pedido amigável, esboço substitutivo de termo particular e avença do regime e seus detalhes. A interveniência do Estado Juiz, com seu poder jurisdicional, acrescido do poder fiscal do Ministério Público e da Fazenda Pública, na inventariança, torna dispensável a elaboração de escritura pública, investido o acordo por termo nos autos ou pela própria sentença, em documento capaz de atribuir a segurança, certeza e eficácia comum aos atos de forma pública. A exemplo das avenças em separações, termos de partilha e processos de inventário, como título necessário à especialização de bens imóveis, quando da extinção da comunhão entre comunheiros, para alteração junto ao registro, de seu novo status familiae.

Isto posto, dever-se-á proceder, sendo o caso, à partilha dos bens do casal, na forma do procedimento adotado, de forma a tornar distintos os patrimônios dos cônjuges, inclusive para se verificar a enventual tributação de imposto de reposição.

Somente, então, concluído o processo, será expedido o necessário título executivo, originado pela sentença homologatória ratificadora do pacto por escritura pública ou termo particular de avença, ou ainda, da própria sentença judicial constitutiva, que determine a favor de um dos cônjuges quanto à solução do regime e da situação patrimonial nova.

Será, então, procedido o registro das transmissões dos bens, constantes da individualização junto ao Registro de Imóveis competente para cada circunscrição onde tenha domicílio o casal, bem como junto àqueles onde estejam matriculados outros bens imóveis e, se for o caso, para averbação junto ao Registro de Empresas, a fim de ensejar, como título, qualquer ato de liberalidade, como pela forma de constituição ou alteração contratual da sociedade (artigo 985 do CC/02).


8.Conclusão.

A família é preservada pela Constituição da República, na forma prevista em seu artigo 226, tida como entidade núcleo da sociedade. É, ainda, privilegiada pela sua mais expressiva e tradicional forma constitutiva, qual seja, o casamento. Este, embora claudicante, ainda não abortado pelo ideal, inclusive, do legislador, que o faz vir como veículo principal daquela instituição. Sua importância e naturalidade vêm ressaltadas pela legislação que chega, aliás, a determinar que diante da dúvida, se conclua pela existência do vínculo matrimonial, como já ressaltado [6], determinando o atuar do curador do vínculo em sua preservação, sob pena de nulidade do processo. [7]

Nada impedirá, a nosso sentir repise-se, que se permita a modificação do regime, para todos os casamentos. Note-se que o legislador em outros momentos, como em relação à enfiteuse, revelou seu espírito de conservação de institutos, em confessada teleologia de preservação, não de extinção. Deixa, assim, para todos, entreaberta, a opção da modificação ou da preservação dos regimes havidos, quer em sentido estrito, quer em sentido lato.

Parece crível, voltando a mais remoto e mais culto passado, haver de buscar fundamento no Digesto, pela memória permanente de Carlos Maximiliano, segundo quem, Paulo já asseverava, que o juiz deve atentar ao princípio de que se tire a norma do Direito e não o Direito da norma [8]. Não se extrai, assim, o todo do particular, mas o particular do todo e, desta forma, poderá construir o juiz, aplicador da norma, a melhor justiça, aquela que reflita e atenda ao momento social em que se possa inserir a ansiedade coletiva.

Mesmo quando os pressupostos sociológicos se confundiam com a Filosofia, já se alertava ao intérprete "conocer las cualidades genéricas de las comunidades, los afanes valorativos específicos em ella dominantes y por éstos cabe conocer sus tendencias culturales y sus mónadas de valor." [9]

Não se pode permitir que sem razão, ou por pura vaidade, se permitam visões restritivas onde não haja restrições. Como visto, estar-se-ia atingindo a determinação, o valor constitucional maior, em sede de valores privados como a família e mesmo o casamento. Em lugar de se adaptar tais sociedades para uma dinâmica mais isonômica, estar-se-á alijando, não apenas o instituto em si, mas mais ainda, bem mais, estar-se-á extirpando das próprias formas éticas a maneira mais justa de contornar tais restrições.

Estabeleça, o aplicador da norma, então valores mais preservados dos princípios constitucionais, como garantidores da família. Em sentido contrário, os formais, arraigados aos postulados teoréticos, comuns ao solenismo jurídico.

De toda sorte, com mais efetividade nos tem valido a metáfora de Th. W. Adorno, filósofo alemão, dos idos de sessenta, em aforisma de contorno Nitschniano, capaz de nos mostrar, enquanto aplicadores da norma, a possibilidade de uma luz adiante: Tua prisão tem janelas, advertia o filósofo. [10]


NOTAS PARA ACRÉSCIMO

Ver artigo 214 do Código Francês

Na França são quatro os regimes jurídicos patrimoniais decorrentes do matrimônio, equivalentes ao sistema que adotamos, agrupados, segundo Weill e Terré (opus cit), em dois grupos: les régimes communautaire e séparatiste. A saber: Les régimes communautaires, que se caracteriza pela existência da comunhão de bens. O referido regime se divide em la communauté universelle, que se dá sobre todos os bens; la communauté de meubles et acquêts, antigo regime legal francês, onde a comunhão anterior ou posterior se dá sobre os bens móveis e sobre os imóveis adquiridos, posteriormente ao casaemnto, mediante esforço comum; la communauté d´acquêts, regime instalado após a reforma de 1965, equivale-se ao nosso regime da comunhão parcial de bens, onde a onerosidade da aquisição pelo esforço comum atribui a comunicabilidade, restando individuais os bens anteriores ao casamento. De outro lado, les régimes séparatiste, qeu se caracteriza pela falta de comunhão sobre bens, como o regime da séparation de biens. (Idem, página 292)

Le régime matrimonial ne peut être modifié en cours de mariage que par une décision de justice prononçant la séparation de biens judiciaire ou par un acte notarié, passé dans l´intérêt de la famille après au moins deux annés d´application du régime primitif, et soumis à l´homologation du tribunal de grande instance (art. 1396, al. 3 et 1397). La possibilité d´une modification par acte notarié constitue une innovation de la loi de 1965, qui a écarté l´immutabilité des conventions matrimoniales consacrée par l´article 1395 primitif du Code Civil. (Droit Civil, Les personnes, La famille, Les incapacités. Alex Weill e Ffrançois Terré, Dalloz, Paris. 5a. Ed., 324, página 292).

Regulamentação permissiva do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Entre nós, mais uma vez, o Rio Grande do Sul, através de sua Corte de Justiça, antecipou-se regulamentando a novidade introduzida pelo Código Civil. Desta forma, o Provimento n° 24/03 da Corregedoria Geral de Justiça do citado Tribunal, a fim de orientar seus Juízes, prevê a possibilidade da modificação do regime entre cônjuges, não obstante, tal possibilidade jurídica limita-se à previsão do procedimento de jurisdição voluntária, conforme dispõe o artigo 1° do referido Provimento [11], o que se lamenta.

A competência, por óbvio, como melhor solução, determina-se à uma das Varas de Família, lugar da sociedade conjugal, ou, conforme o texto do Provimento (Art. 4º ), "da da respectiva Comarca onde se processar a mudança". Melhor solução, aliás, não haveria, haja vista que o lugar onde resida o casal, de fato torna-se o lugar do eventual interesse de terceiros a ser protegida.

Para fins de garantia do eventual interesse de terceiros, determina-se ainda que seja publicado edital, por trinta dias, como forma de se alcançar a necessária publicidade. Bem como, na forma do que determina o artigo 82, em seu inciso II, do Código de Processo Civil, tornando a intervenção do Ministério Público como condição de validade da decisão concessiva, artigo 84 do mesmo Código de Processo.

Resguardando-se, assim, a complementar efetividade, a decisão transitada em julgado, será, por carta de sentença, levada à averbação junto ao Registro Civil de Pessoas Naturais, onde se registrou o casamento, no Registro de Imóveis e, sendo o caso de cônjuges com atividade empresarial, junto ao Cartório de Registro de Empresas.

A primeira decisão conhecida que deferiu legitimidade a pedido formulado por cônjuges casados sob a égida da legislação civil ordinária revogada, decorre de processo ajuizado perante a 3ª. Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre (RS), Processo nº 00113454988. Adequou-se, com o pedido, o regime do casamento à exigência legal prevista no artigo 977 do Código Civil atual, que veda aos cônjuges sob regime da comunhão universal de bens, deterem cotas de uma mesma sociedade. A título ilustrativo, colacionamos a referida decisão:

Vistos.XX e XX brasileiros, casados entre si, empresários, ajuizaram a presente ação ordinária onde postulam a alteração de regime de bens de seu casamento, a fim de poderem proceder modificação na disposição da empresa em que são sócios, pelo fato do novo Código Civil não mais permitir sociedade entre cônjuges casados pelo regime da comunhão universal de bens. Por isso requerem a alteração do regime de bens de comunhão universal para o de comunhão parcial. Juntam documentação exigida pelo Juízo.Designada audiência na qual os postulantes expuseram a situação, e de forma espontânea manifestaram a vontade de alterarem o regime, tendo sido advertidos das conseqüências.O Ministério Público opinou, neste ato, pela procedência do pedido. Relatei. Decido.Trata-se de pedido de alteração de regime de bens de casamento, o que está previsto no art. 1639, § 2º do Novo Código Civil. Apesar do art. 2.039 do novo Código Civil dizer que o regime de bens dos casamentos celebrados sob a vigência do CC/16 é o por este estabelecido, o legislador não proibiu a alteração do regime, se esta for a vontade do casal. Até o advento deste novo diploma, o regime em que se contraía o casamento era irrevogável, mas a regra esculpida no art. 1.639, § 2º, do novo Código Civil, termina com esta vedação, e dá ao regime de separação de bens maior flexibilidade: permitindo seja alterado, e só veda a possibilidade de mudança nas hipóteses dos incisos do art. 1.641, que não se aplicam a este caso em exame. O pedido está motivado no fato do casal ser sócio de uma empresa, e ao tentarem abrir filiais desta empresa, sua pretensão esbarrou na negativa do Registro Civil das Pessoas Jurídicas desta Capital, em razão dos sócios serem casados pelo regime da comunhão universal de bens, pois o art. 977 do novo Código Civil, vedou que cônjuges casados por esse regime sejam sócios, entretanto, a mesma lei abriu a possibilidade para que eles possam alterar o regime de bens.Na audiência de ratificação do pedido (fl. 44), os autores expuseram a este Juízo a sua situação, e ficou bastante evidente que a alteração do regime tem a finalidade apenas de expandir os negócios da empresa familiar, e não há prejuízo para nenhum deles, pois todos os bens foram adquiridos na constância do casamento, muito menos para terceiros, já que a própria lei se encarregou de fazer a ressalva.Ademais, os requerentes apresentaram certidões negativas de débitos com a União, Estado, e Município de Porto Alegre. Também dos tabelionatos de protesto de títulos desta Capital (fls. 45/56), além de certidões negativas em falências e concordatas e condenações criminais (fls. 57/62), a fim de demonstrarem a seriedade do pedido, o qual merece prosperar.Ante ao exposto, defiro o pedido e determino a alteração do regime de bens do casamento de XX e XX, passando este a ser o regime da comunhão parcial de bens.Com o trânsito em julgado, expeça-se mandado ao Registro Civil. A alteração do regime também deverá ser averbada no Registro de Imóveis (art. 1.657 do CC).Custas pelos autores.Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 16 de julho de 2003.Jucelana Lurdes Pereira dos Santos,Juíza de Direito".

CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS

DECRETO-LEI Nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966

Artigo 15º (Regime de bens)

O preceituado nos artigos 1717º a 1752º só é aplicável aos casamentos celebrados até 31 de Maio de 1967 na medida em que for considerado como interpretativo do direito vigente, salvo pelo que respeita ao nº 2 do artigo 1739º.

ARTIGO 52º

(Relações entre os cônjuges)

1. Salvo o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum.

2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.

(Redacção do Dec.-Lei 497/77, de 25-11)

ARTIGO 54º

(Modificações do regime de bens)

1. Aos cônjuges é permitido modificar o regime de bens, legal ou convencional, se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do artigo 52º.

2. A nova convenção em caso nenhum terá efeito retroactivo em prejuízo de terceiro.

ARTIGO 1680º

(Depósitos bancários)

Qualquer que seja o regime de bens, pode cada um dos cônjuges fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente.

(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

ARTIGO 1698º

(Liberdade de convenção)

Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei.

ARTIGO 1714º

(Imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultantes da lei)

1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados.

2. Consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens.

  1. É lícita, contudo, a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de capitais, bem como a dação em cumprimento feita pelo cônjuge devedor ao seu consorte.

ARTIGO 1715º

(Excepções ao princípio da imutabilidade)

1. São admitidas alterações ao regime de bens:

a) Pela revogação das disposições mencionadas no artigo 1700º, nos casos e sob a forma em que é permitida pelos artigos 1701º a 1707º;

b) Pela simples separação judicial de bens;

c) Pela separação judicial de pessoas e bens;

d) Em todos os demais casos, previstos na lei, de separação de bens na vigência da sociedade conjugal.

2. Às alterações da convenção antenupcial ou do regime legal de bens previstas no número anterior é aplicável o disposto no artigo 1711º.

(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)


Anexo:

PROVIMENTO Nº 024/03-CGJ

PROCESSO Nº 20860/03-8

PARECER Nº 191/2003-MAS

ESTABELECE DIRETRIZES PARA A MODIFICAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO, NOS TERMOS DA LEI Nº 10.406, E 10 DE JANEIRO DE 2002 (NOVO CÓDIGO CIVIL).

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR MARCELO BANDEIRA PEREIRA, CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA, NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,

CONSIDERANDO QUE A LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002 (CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO) ADMITE, EM SEU ART. 1.639, § 2º, A ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, EM PEDIDO MOTIVADO DE AMBOS OS CÔNJUGES, APURADA A PROCEDÊNCIA DAS RAZÕES INVOCADAS E RESSALVADOS OS DIREITOS DE TERCEIROS;

CONSIDERANDO A NECESSIDADE DE UNIFORMIZAR-SE O PROCEDIMENTO JUDICIAL VISANDO À MODIFICAÇÃO DE REGIME DE BENS, PARA QUE NÃO HAJA PREJUÍZO AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA;

RESOLVE PROVER:

Art. 1º - A modificação do Regime de bens do casamento decorrerá de pedido manifestado por ambos os cônjuges, em procedimento de jurisdição voluntária, devendo o juízo competente publicar edital com prazo de trinta (30) dias, a fim de imprimir a devida publicidade à mudança, visando resguardar direitos de terceiros;

Art. 2º - A intervenção do Ministério Público é necessária para a validade da mudança;

Art. 3º - Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de Registro Civil e de Imóveis, e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas a Mercantis;

Art. 4º - A modificação do regime de bens é de competência do Juízo da Vara de Família da respectiva Comarca onde se processar a mudança;

Art. 5º - Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Publique-se.

Cumpra-se.

PORTO ALEGRE, 10 DE SETEMBRO DE 2003.

DESEMBARGADOR MARCELO BANDEIRA PEREIRA

CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA

PUBLICADO NO "DJ" Nº 2.692, FL. 02, DE 17-09-2003.


Notas

1 Não nos descuremos, que em matéria patrimonial, prevalece o princípio maior da vedação ao enriquecimento sem causa.

2 Em boa hora, o novo Código corrigiu a infeliz expressão impedimentos, para causas suspensivas. Impedimentos, jamais houve, tanto que a doutrina a eles se referia como "impedientes dirirmentes privados", restando-lhes, senão, atribuição compulsória do regime de separação obrigatória de bens, como sabido, por todos.

3 Excerto do texto da Exposição de motivos, subscrita por Miguel Reale, em 11 de janeiro de 1975.

4 Para lembrança, verifiquem-se os artigos 226, parágrafo 3º. da CR/88, os artigos 1547 e 176 do CC/02, para não citarmos as leis 1.110/50, 8.971/94 e 9.278/96, que sempre estimularam facilitar o reconhecimento e a conversão em casamento.

5 Os artigos 1.642 a 1.651 do CCB, dispõe, entre outras, quanto à possibilidade de ajuizamento de ação anulatória, pelo cônjuge prejudicado, diante de alienações e dívidas que não integrem o interesse comum.

6 Não obstante por valor do casamento, exalçado pelo legislador, chega a parecer que o Código deixe transparecer a idéia de fardo, em que se vem concebendo o matrimônio, hodiernamente. Pelo menos, como fardo obrigacional. Assim dispõe o artigo 552 do CC/02, que "O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às conseqüências da evicção ou do vício redibitório". Entretanto, se a doação se destinava em contemplação de casamento futuro, com certa e determinada pessoa, "o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário", em garantia legal em favor do donatário. Curiosa disposição, como se alguém se obrigara, ad negotia, a se casar com certa pessoa, e o patrocinador restasse punido, pelo mal causado, frustrada, pela evicção, a devida contraprestação, advinda de desequilíbrio pela onerosidade excessiva, superveniente. Dispositivo, aliás, que dependendo da circunstância, poderia soar com natureza de estipulação em favor de terceiro, ou mesmo, de promessa de recompensa, para quem aceitar a se casar.

7 Poder-se-ia brincar, em resposta à idéia de crise do casamento, que talvez mais se acumulem vínculos sucessivos hodiernamente. Havendo nítida preferência pela sua observância, ainda que não pela constância, em nível subjetivo. Nunca se uniu ou se casou tanto, em resposta do divórcio, instrumento de simples transitoriedade.

8 Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, Rio, 1988, 10ª. ed., página 48.

9 Wilhelm Sauer. Filosofia Jurídica Y Social, tradução de Luis Legaz Lacambra, Editorial Labor S.A. Barcelona, 1933, pág. 167.

10 Citado por Rolf Wiggershaus, in A escola de Frankfurt, trad. do francês por Vera de Azambuja Harvey. Ed. Difel, Rj. 2002.

11 Texto publicado no Boletim Informativo Mensal – BIM n° 315 Setembro/2003


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGHIARIAN, Hércules. Da modificação do regime de bens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 325, 28 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5241. Acesso em: 18 maio 2024.