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As inovações no interrogatório no Processo Penal

As inovações no interrogatório no Processo Penal

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São cinco as alterações: citação pessoal do réu preso; local de realização do interrogatório; adequação constitucional quanto ao direito de silêncio; necessidade da participação do advogado; extinção da figura do curador ao réu menor.

Resumo: O interrogatório judicial sofreu intensas modificações, por intermédio da Lei 10.792/2003, cuidando-se o presente artigo de analisar as referidas alterações com destaque para a citação do réu preso, a natureza jurídica do ato, a possibilidade de atuação das partes e suas repercussões na esfera policial.

Palavras-chave: processo penal; instrução processual; provas; interrogatório; defesa; natureza jurídica; penitenciária; citação; preso; silêncio; advogado; ministério público; participação; curador; interrogatório policial.

SUMÁRIO: 1. Introdução — 2. Citação do réu preso — 3. Local de realização do interrogatório — 4. Direito ao silêncio — 5. Participação do advogado — 6. A extinção do curador do réu menor — 7. Repercussão das alterações do interrrogatório judicial na esfera policial — 8. Conclusões


1.Introdução

A recente Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, além de alterar a disciplina da Lei de Execuções Penais, trouxe significativas modificações no que pertine ao interrogatório realizado no bojo de um processo penal.

Diz a exposição de motivos do projeto [1], da lavra do então Ministro da Justiça, José Gregori, que havia "consenso entre os responsáveis pela administração penitenciária de todos os Estados da Federação, que reclamam, urgentemente, a adoção das medidas que ora se propõe". Afirma, ainda, que o projeto apresenta, basicamente, três novidades, sendo a última a previsão de "que os interrogatórios dos acusados presos sejam realizados, sempre que possível, nos estabelecimentos penitenciários em que estejam recolhidos".

São cinco as alterações mais significativas sobre o tema: necessidade de citação pessoal do réu preso; modificação quanto à regra do local de realização do ato do interrogatório; adequação constitucional à interpretação quanto ao direito de silêncio; necessidade da presença do advogado, com possibilidade de entrevista prévia e reperguntas pelas partes; e, extinção definitiva da figura do curador ao réu menor de 21 anos. Interessante também a repercussão das alterações do interrogatório judicial, na esfera policial.


2. Citação pessoal do réu preso

Citação é, nas palavras de Eduardo Espínola Filho [2], "o ato oficial, pelo qual, no início da ação penal, é dada ciência ao acusado de que contra ele se movimenta essa ação, chamando-o a vir a juízo ver-se processar e fazer a sua defesa..... importa num chamamento geral, para todos os atos do processo".

O Código de Processo Penal (arts. 351/69) prevê algumas modalidades de citação, podendo ser resumidas às seguintes hipóteses: a citação pessoal por mandado cumprido por oficial de justiça (quando o citando se encontra na mesma comarca que o juiz), a citação pessoal por carta precatória (quando a pessoa se encontra em local conhecido em outra comarca brasileira), a citação pessoal por carta rogatória (para citandos em local sabido no exterior), a citação pessoal do militar por intermédio de requisição ao chefe do respectivo serviço e, por fim, a citação ficta por intermédio de publicação de edital (quando o citando está em local incerto, inacessível ou se oculta para não ser citado).

Destaque-se que em relação ao funcionário público a citação deve ser pessoal por intermédio de mandado de citação, a ser cumprido por oficial de justiça, sendo que, nos termos do artigo 359 do Código de Processo Penal, além da citação dirigida ao réu, também deve ser endereçada notificação ao chefe da repartição, para que tome conhecimento do ato.

Quanto ao preso, a antiga redação do artigo 360 do referido diploma legal, ao determinar que a apresentação do réu seria requisitada às autoridades carcerárias, levou a inúmeros equívocos interpretativos, pois passou a ser entendimento da maioria dos juízos criminais, com amparo nos escólios jurisprudenciais de diversas cortes, que o réu preso não precisaria ser citado, mas simplesmente trazido a juízo no dia de seu interrogatório.

Tal conclusão, entretanto, não pode ser extraída, nem mesmo da simples interpretação gramatical do dispositivo em comento, conforme se observa de sua leitura:

Art. 360. Se o réu estiver preso, será requisitada a sua apresentação em juízo, no dia e hora designados. (revogado)

O que queria dizer o legislador é que a citação seria pessoalmente realizada por oficial de justiça em cumprimento de mandado, porém, é óbvio, como o réu encontrava-se preso não poderia, por vontade própria, comparecer em juízo se não fosse conduzido ou apresentado pela autoridade carcerária, daí a necessidade de se determinar ou requisitar à autoridade a simples apresentação do preso.

Seria até razoável que fosse expedida requisição endereçada à autoridade carcerária com dupla finalidade, citar o réu em data anterior ao interrogatório e apresentá-lo em juízo na data marcada. Como, porém, na prática, a requisição não dava efetiva ciência ao preso da imputação que pairava contra o mesmo, estava-se diante de uma situação que gerava prejuízo ao exercício da autodefesa.

Como já registrava Bento de Faria [3], em 1942, o "preso deve ter conhecimento antecipado da ordem de apresentação, com os esclarecimentos necessários sobre o fim do comparecimento. Do contrário, pode ocorrer a impossibilidade de providenciar sobre os meios de defesa, o que seria uma surpresa inconciliável com as suas garantias."

Na verdade, o que justificou a interpretação que ora se critica foi a redação do artigo 570 do Código de Processo Penal, que, ao tratar de nulidades processuais, afirma que, se não houver citação ou se a citação for nula, o comparecimento do réu suprirá a irregularidade, devendo o juiz suspender ou adiar o interrogatório, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte. Então, deveria o juiz cientificar o réu da imputação naquela ocasião e realizar o interrogatório em outro momento, para que houvesse oportunidade do réu avaliar qual seria a melhor estratégia de defesa (pessoal e técnica) para o ato.

Como na maioria dos juízos o interrogatório era realizado na mesma ocasião da efetiva citação, fez-se necessário explicitar o lógico, vindo o artigo 360, por força da Lei 10.792/03, a dispor o seguinte:

Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado.

Significa dizer que o réu será citado por oficial de justiça em cumprimento de mandado de citação, devendo ocorrer também, em documento apartado, notificação de requisição ao responsável pela carceragem para a apresentação do preso na data designada para seu interrogatório.

O que não se afigura razoável, mesmo com a nova redação legal, é afirmar que, em virtude do comparecimento/condução do réu suprir a inexistência ou nulidade da citação, está autorizada a adoção da atipicidade processual como regra, pois cumpre ao juiz manter a regularidade dos atos processuais, especialmente quando gerem dificuldade ou impedimento ao exercício da garantia da ampla defesa.

Ademais, o Pacto de São José da Costa Rica, tornado norma nacional por intermédio do Decreto n.º 678/92 [4], determina em seu artigo 8º, 2, "b" e "c", que é necessária a "comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada" e que deve ser garantida a "concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa".


3. Local de realização do interrogatório.

Realizada a citação, por qualquer dos meios legais previstos, estará o réu cientificado da imputação dirigida a si e também notificado da data e local para onde foi designado seu interrogatório.

Nos termos do artigo 792 do Código de Processo Penal, as audiências, sessões e atos processuais serão, em regra, realizados nas sedes dos juízos e tribunais, em dia e hora anteriormente designados, constando ainda, no § 2º do referido diploma, o seguinte:

Art. 792..... .

§ 1º. [...]

§ 2º. As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada.

Inovando em relação à espécie o novel diploma prevê que o interrogatório do acusado preso será realizado como regra nos estabelecimentos prisionais, estando assim redigido o dispositivo:

Art. 185..... ..

§ 1º. O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.

Observa-se que a nova disciplina determina a realização do interrogatório no presídio e apenas excepcionalmente, no caso de insegurança, deve ser o ato praticado na sede do juízo.

As razões que levaram à redação da regra, sem dúvida, encontram-se na necessidade de redução de custos com o transporte e escolta de presos e a necessidade de evitarem-se os riscos de fuga durante o trajeto até os fóruns, porém a regra subverte a disciplina da realização dos atos processuais e não cumpre totalmente a finalidade para qual foi gerada.

Ocorrem, de fato, situações em que o Juiz necessita realizar o ato em local alheio à sala de audiências de seu juízo, como se dá na oitiva de testemunha enferma ou idosa, ou, ainda, na oitiva de autoridade com prerrogativa para indicar hora e local para o ato. Da mesma forma, quando o magistrado necessita acompanhar a realização, verbi gratia, de uma reconstituição, deve deslocar-se ao local dos fatos, dentre outras situações excepcionais. Nada demais. Afirmar, entretanto, que em todos os interrogatórios de presos deve o juiz abandonar a sede do juízo e deslocar-se para o estabelecimento prisional foge do razoável.

A primeira razão encontrada para justificar a mudança, que seria a economia com transporte, cai por terra, quando se tem em mente que agora, ao invés do preso ser transportado (geralmente junto com outros presos, acompanhado de escolta em um veículo), será necessário que o juízo e seus auxiliares se desloquem para o presídio, carregando os equipamentos necessários para a realização da audiência (a não ser que o sistema carcerário se encarregue de arcar com esses novos ônus). Ademais, também se deslocarão, em outros veículos, o membro do Ministério Público e o advogado ou o defensor público.

Em resumo, teremos três ou mais veículos se deslocando para a realização de um único interrogatório, enquanto, hoje em dia, normalmente são deslocados em uma única van (ou perua) quatro ou mais presos.

Da mesma forma, o objetivo de evitar-se a tentativa de fuga resta frustrado, porque a audiência de instrução ou de instrução e julgamento se realizará na sede do juízo, o que enseja a mesma alegada possibilidade de fuga no deslocamento.

Por outro lado, a realização de ato judicial dentro das penitenciárias, nos moldes em que se encontra o sistema carcerário brasileiro (totalmente deficiente e superlotado), ensejaria uma grande instabilidade carcerária a ciência, por parte dos presos, de que autoridades judiciárias e ministeriais se encontram trabalhando diariamente no referido local. Ou seja, seria um estímulo a rebeliões e motins a existência de qualificados reféns nos presídios.

Outra questão diz respeito à necessidade de criação de locais apropriados e em quantidade suficiente para a realização dos interrogatórios. É de pueril conhecimento que não há espaço para nada em nossos estabelecimentos prisionais. E não se afirme que apenas uma sala seria suficiente.

Nas pequenas comarcas, ou em locais em que os presos dividem espaço nas próprias delegacia, seria totalmente temerário que os Juízes praticassem o ato dentro da repartição policial, pois leva ao equívoco de que se trata de procedimento inquisitorial conduzido por magistrado.

Já nas comarcas onde existem médios e grandes presídios seria necessário criar um enorme número de salas para que os Julgadores pudessem, simultaneamente, fazer os interrogatórios. Em Brasília, por exemplo, segundo informações da Coordenação do Sistema Penitenciário, são realizadas em média 80 escoltas judiciais por dia, sendo que, aproximadamente, 30 são de presos para interrogatórios, o que leva a conclusão de que seria necessária uma estrutura que permitisse a realização de 30 interrogatórios simultâneos, o que é inviável, dentro da nossa realidade, notadamente pelo custo econômico da construção e instalação das referidas salas.

Noutra ótica, em regra, os atos judiciais são públicos, podendo ser restritos somente no caso de interesse público ou por resguardo à intimidade. Por questões de segurança do estabelecimento prisional, não se afigura razoável esteja aberto à presença de todos quantos queiram presenciar os interrogatórios, pois a proximidade da sala de interrogatório com a carceragem poderia facilitar tentativas de resgate ou fugas em massa.

Outra questão que se apresenta é a responsabilidade pela avaliação da existência ou não de segurança para realização dos interrogatórios. Não se afigura razoável que o Diretor do presídio, o Diretor do Sistema Penitenciário ou até mesmo o Secretário de Segurança, por exemplo, sejam os responsáveis pela afirmação de que é seguro colocar dezenas de Juízes por dia dentro de presídios.

Como a lei não define de quem é a atribuição pela aferição da segurança, compete ao próprio Juiz decidir acerca da realização do ato no estabelecimento prisional ou na sede do próprio juízo, como lhe faculta a norma.

Em resumo, não se está a criticar a previsão de que alguns interrogatórios podem e devem ser realizados em estabelecimentos prisionais, o que não se pode concordar é que esta seja a regra e a realização do multicitado ato na sede do juízo seja a exceção.


4. Direito ao silêncio

O interrogatório, nas palavras de Tourinho Filho [5], "é o meio pelo qual o Juiz ouve do pretenso culpado esclarecimentos sobre a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe dados importantes para o seu convencimento".

Da própria definição do mestre e também da localização do instituto dentro do Código no Capítulo referente às provas, observa-se a dificuldade em definir-se sua natureza jurídica, se meio de prova ou de defesa. Doutrinariamente, enquanto os autores mais tradicionais, Adalberto Camargo Aranha, Hélio Tornaghi e José Frederico Marques, defendem sua natureza probatória, os autores mais modernos, Tourinho Filho, Ada Pellegrini Grinover e Fernando Capez, dentre outros, destacam sua índole defensiva [6].

Observando-se a evolução histórica do instituto, paralelamente à evolução dos sistemas penais e do próprio homem, percebe-se que no passado a confissão era objetivada a qualquer custo (tortura inclusive), enquanto hoje permite-se ao réu optar por prestar ou não declarações. Portanto, o réu era objeto de prova, sendo agora sujeito do processo.

Prevê a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXIII, que o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado.

Da mesma forma, extrai-se do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV) e do princípio da não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) que não se pode admitir que o direito ao silêncio lhe seja vedado ou que venha a ser interpretado em seu prejuízo.

Do corolário latino nemo tenetur se detegere retira-se a conclusão de que ninguém é obrigado a acusar-se, estando, conseqüentemente, livre para calar ou até mesmo mentir sobre os fatos perguntados, especialmente porque no Brasil não existe o crime de perjúrio.

É entendimento dominante, porém, que o réu tem direito de mentir sobre os fatos criminosos, mas não pode fazer auto-acusação falsa, sob pena de incidir no artigo 342 do Código Penal. Recusando-se à identificação ou mentindo sobre sua identidade, estará, segundo posição doutrinária dominante — visto não se tratar de ato de defesa —, incidindo nas infrações do artigo 68 da LCP e 307 do CP. Mas a questão não é pacífica, visto que já existem vários julgados, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, que garantem ao réu e ao investigado o direito de mentir sobre a própria identidade para escapar da responsabilidade penal [7].

Estando ao dispor do acusado falar ou calar-se, dizer a verdade ou mentir, percebe-se que é ele, o réu, o ator principal do interrogatório, podendo usá-lo como instrumento de defesa pessoal. Daí, muitos autores enfatizarem a natureza de meio de defesa.

Por outro lado, estando situado no início do feito não permite ao réu conhecer os fatos já comprovados contra si, para somente então dar sua versão do crime, o que atenua a natureza jurídica até então manifestada.

Em verdade, quando se estuda o objetivo do ato, inafastável resta sua natureza híbrida. Como bem leciona Eduardo Espínola [8]:

A finalidade do interrogatório é tríplice: a) facultar ao magistrado o conhecimento do caráter, da índole, dos sentimentos do acusado: em suma, compreender-lhe a personalidade; b) transmitir ao julgador a versão, que, do acontecimento, dá, sincera ou tendenciosamente, o inculpado, com a menção dos elementos, de que o último dispõe, ou pretende dispor, para convencer da idoneidade da sua versão; c) verificar as reações do acusado, ao lhe ser dada diretamente, pelo juiz, a ciência do que os autos encerram contra ele. Aí está porque se costuma dizer, e muito razoavelmente, que o interrogatório é uma fonte de prova.

Das palavras ditas pelo réu e de todos os demais elementos colhidos, formará o juiz sua conviccão.

Optando o réu por confessar, afirmando inverdades ou mesmo se calando, ofertará ao juiz elementos instrutórios, seja sobre seu caráter e personalidade, seja sobre os fatos apurados (quando não se cala). Daí a conclusão de que o interrogatório também é meio de prova.

Com as modificações em comento, reforça-se o caráter de prova, visto que as partes também poderão indicar ao juiz indagações complementares, estando, por via indireta, permitido, inclusive ao acusador, formular indagações.

Restando, portanto, induvidoso que, segundo a Constituição de 1988, o réu não é obrigado a falar e que seu silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo, foi com atraso que a Lei 10.792/03 corrigiu o equívoco constante do superado artigo 186 do Código que afirmava que o silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da defesa, para corretamente constar, no novo parágrafo único do mesmo artigo 186, que o silêncio, que não importará confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Ocorre, porém, que apesar do acerto da modificação, restou ao legislador harmonizar outro dispositivo igualmente violador do direito ao silêncio e do princípio da presunção de inocência, que é o artigo 198, onde, lamentavelmente, ainda consta, in verbis: "O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz."

Ora, se a Constituição assegura o direito ao silêncio e, na ausência de prova em contrário, determina que a presunção deve ser feita a favor do réu, é totalmente incompatível que se assegure o direito ao silêncio e seja o mesmo utilizado na formação do convencimento do juiz quando ao fato criminoso apurado.

Se o réu confessa ou nega a conduta delituosa, sem dúvida, colocará à disposição do juiz informações que serão levadas em consideração. Se mente, da mesma forma, permite ao juiz aferir, diante da contradição com as demais provas, como se deram os fatos. Quando se cala, entretanto, não está fornecendo qualquer elemento instrutório, portanto, seu silêncio não deve ser levado em consideração para absolvê-lo, nem para condená-lo.

Como bem afirma Mirabete [9], ad exemplum, diante do princípio constitucional irrestrito quanto ao silêncio, essa parte do dispositivo está revogada.

Melhor seria a adoção da redação sugerida pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, que, no projeto de lei nº 4.204/2001, afirmava que "o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa e tampouco poderá influir no convencimento do juiz".

Nesse ponto, conclui-se, então, que andou mal o legislador reformista ao corrigir um dos dispositivos maculadores dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do direito ao silêncio, sem contudo corrigir artigo referente ao mesmo tema, devendo o intérprete ignorar as regras ali constantes por não terem sido recepcionadas pela Carta Magna.


5. Participação do advogado

A quarta modificação legal alcança profundamente a atividade do defensor do acusado, pois lhe confere poderes que não eram claros na redação original do Código de Processo Penal. De início, torna obrigatória a presença do defensor no interrogatório, prevendo, a seguir, o direito de entrevista prévia entre réu e defensor. E culmina com a possibilidade de indicação pelas partes de fato que deva ser indagado ao réu.

No tocante às duas primeiras modificações, ou seja, obrigatoriedade da presença do defensor e direito de entrevista prévia, assim se encontra redigido o novel diploma:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

§ 1º [...]

§ 2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.

Com a nova redação ficam afastadas quaisquer dúvidas sobre a necessidade de comparecimento do defensor ao interrogatório, pois se torna obrigatória sua presença, não podendo o juiz realizar o ato sem que o réu esteja acompanhado de sua defesa técnica, sob pena de nulidade.

Para facilitar a realização do ato, é recomendável que o mandado de citação contenha a advertência ao réu de que deve comparecer acompanhado de advogado e de que, se não o fizer, será assistido por defensor público ou nomeado pelo juiz.

Feita a advertência, mesmo que o réu compareça desacompanhado e indique o advogado de sua preferência, poderá o ato ser realizado com o acompanhamento de defensor dativo, evitando-se assim o adiamento. Somente para os atos subseqüentes é que será intimado ou notificado o advogado constituído.

Ademais, se entender o defensor constituído que o interrogatório não foi conclusivo em algum aspecto, poderá requerer, nos termos do artigo 196 do CPP, a realização de nova oitiva do réu.

Por seu turno, acaso já exista procuração nos autos, antes do interrogatório, deve o causídico ser notificado a comparecer na data e local designados.

Quanto à entrevista prévia, não exige a lei que a mesma seja realizada, tratando-se, em verdade, de direito (e não dever) do réu a possibilidade de entrevistar-se reservadamente com seu patrono antes da realização do ato. Se já tiverem conversado em data pretérita ou se não quiser o réu exercer esse direito, nada obsta que o interrogatório seja realizado sem a entrevista imediatamente anterior à sua oitiva.

Ao contrário, sendo desejo do réu, deve o juiz assegurar local reservado para o referido encontro, garantindo-se todavia, quando se tratar de réu preso, que sejam tomadas as cautelas para evitar-se uma tentativa de fuga, o que pode exigir, inclusive, em casos extremos, que o advogado seja revistado e que o réu seja algemado a um ponto fixo da sala, visto que a escolta não deverá estar presente à entrevista. Tudo, é claro, a depender da necessidade e razoabilidade dos meios empregados diante da situação concreta.

Nas conclusões preliminares do Grupo de Estudos do Departamento de Projetos Legislativos do IBCCRIM [10], consta a afirmativa de que a regra de entrevista prévia se refere ao réu preso, com o que não se deve concordar.

Ao contrário do que concluem, observa-se que a regra se encontra topograficamente no parágrafo segundo do artigo 185, que, por seu turno, trata do interrogatório em geral (do preso e do solto). Cuidando-se, desta forma, de parágrafo explicativo do caput, não estará adstrito às hipóteses referidas no parágrafo primeiro, este sim referente apenas ao réu preso.

Em resumo, a regra da entrevista prévia vale para qualquer réu, preso ou solto.

Outra questão de ordem prática, visando evitar atrasos na realização das audiências de interrogatório, é a recomendação de que conste nas intimações (notificações) dos advogados e dos réus que cheguem com antecedência suficiente para a realização da entrevista prévia antes do horário marcado para a audiência, vez que não se justifica fiquem o juiz, o promotor e o escrivão aguardando a conversa entre cliente e advogado durante o horário marcado para a audiência.

Analisando-se os dois dispositivos, chega-se à conclusão que andou muito bem o legislador, tanto na previsão de presença obrigatória do defensor, quanto na hipótese do direito de entrevista prévia, pois o aconselhamento e o acompanhamento técnico do profissional do direito são essenciais para o pleno atingimento do respeito ao corolário da ampla defesa.

Atente-se, porém, que o legislador não menciona no artigo 185 do diploma processual penal seja obrigatória a presença do membro do Ministério Público à audiência de interrogatório, suscitando dúvida sobre a obrigatoriedade de sua participação, o que será objeto de análise mais adiante.

Induvidoso que as partes, acusação e defesa passam a ter participação ativa nas perguntas feitas ao réu, visto que o artigo 188 do CPP assim faz constar:

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

A norma não prevê sejam as partes encarregadas da formulação de perguntas ao réu, mas da indicação de fatos a serem esclarecidos, o que evidencia que o sistema presidencial foi mantido.

Apesar da redação ser distinta do que consta do artigo 212 do CPP — onde se encontra disciplinado que, na oitiva das testemunhas, as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha—, nada obsta que na indicação do fato a ser esclarecido, manifeste-se o requerente através de questionamento, mas, indiscutivelmente, a inquirição não é direta e o juiz deve encarregar-se de formular a pergunta ou até mesmo determinar que o réu responda como formulado o pedido de esclarecimento da parte.

Diante da possibilidade de indagações das partes, fica clara a intenção do legislador de valorizar o interrogatório como meio de prova e não somente como meio de defesa, reforçando-se assim sua natureza mista.

Nos casos de ação penal pública, sendo o Ministério Público parte, terá a oportunidade de indicar ao juiz os fatos que ainda não foram esclarecidos. Quanto atuar exclusivamente como fiscal da lei, nos casos de ação penal privada, apesar de não prever a alteração legislativa, com mais razão ainda, deverá ser permitido ao mesmo, na busca da verdade real, que exerça o mesmo direito.

O que se indaga é se trata-se de uma faculdade o comparecimento do membro do Ministério Público ao interrogatório ou se está compelido a comparecer.

Para responder a indagação urge uma breve análise do papel aparentemente ambíguo desenvolvido pelo Parquet no processo penal.

Advém da Constituição Federal a natureza de seu labor. Prevê o artigo 127 da Carta Magna que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Apenas no detalhamento de suas funções institucionais (art. 129, I, da CF) é que consta a promoção da ação penal pública, restando induvidoso que sua atuação como fiscal da lei e representante dos interesses sociais será exercida em todas as áreas do direito, inclusive na tarefa que lhe foi incumbida na persecução penal.

Significa dizer, que, mesmo quando é parte, não deixa de ser defensor dos interesses sociais e responsabilizar-se pelo regular cumprimento da lei. Já afirmava o consagrado Roberto Lira (em 1937), ao comentar a imparcialidade do Promotor de Justiça, que "Ninguém ignora que o Promotor Público, mesmo quando acusa, na terminologia processual, promove a justiça dentro da prova e da lei [11]."

Como bem salienta Marcellus Polastri Lima, alguns autores defendem que o Ministério Público é "parte sui generis (Manzini), outros, parte material e processual (Frederico Marques), outros, ainda, parte imparcial (Carnelutti), parte formal e instrumental ou processual (Tourinho) e até mesmo que não constitui parte (Otto Mayer e Petrocelli)" [12].

Ao descrever a atividade processual do Ministério Público, menciona Magalhães Noronha, que:

Não obstante parte, deve ser dotado de imparcialidade, o que não tira esse característico.[...] A verdadeira missão do Ministério Público, conseqüentemente, é a de fazer atuar a lei, seja para tornar efetivo o direito de punir por parte do Estado, seja para precatar, através do devido processo, a liberdade dos cidadãos." [13]

Sendo portanto parte e estando em pé de igualdade com a defesa, deve interessar-se pela coleta das provas e, sendo fiscal da lei, deve buscar todos os elementos que permitam descobrir a verdade material acerca dos fatos apurados.

Na redação anterior do dispositivo, interpretavam os tribunais que diante da natureza de meio de defesa do interrogatório, pois inexistente a possibilidade de perguntas das partes ao réu, era dispensável a presença do defensor e também do Promotor de Justiça, estando assim ementadas algumas decisões nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO. NÃO COMPARECIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. DEFESA. DEFICIÊNCIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FALTA DE PREJUÍZO. CONDENAÇÃO ANTERIOR REINCIDÊNCIA.

1 - O não comparecimento do Ministério Público ao interrogatório, onde ausente a possibilidade de reperguntas, mesmo pelo defensor, não gera nulidade, haja vista tratar-se de oportunidade de defesa do acusado que pode, inclusive, permanecer calado.

2 - Em tema de nulidade por deficiência da defesa, vigora a Súmula 523 do STF.

3 - Ordem denegada. [14]

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. INTERROGATÓRIO DO RÉU. PRESENÇA DO DEFENSOR.

1. A ausência do defensor do réu durante o interrogatório não acarreta nulidade. O interrogatório é ato privativo do juiz, não sujeito ao princípio do contraditório, não sendo obrigatória a participação do representante do Ministério Público e do defensor do acusado.

2. Recurso conhecido e provido. [15]

Como o fundamento inequívoco para a desnecessidade da presença das partes era a impossibilidade de indagações, com a nova redação da norma outra interpretação deve ser realizada. A intimação da defesa e da acusação torna-se imperiosa. A presença do defensor também, restando aferir se o não comparecimento do promotor deve ser causa de declaração de nulidade ou não.

Analisando-se sua ausência ao interrogatório, depois de regular intimação (notificação), sob a ótica da teoria geral das nulidades, chega-se à conclusão que dificilmente ocorrerá declaração de nulidade. Primeiro, porque não pode a defesa alegar nulidade que somente à parte contrária interesse; segundo, porque eventual argüição por parte do próprio gerador da nulidade restaria prejudicada por sua torpeza (art. 565 do CPP).

A única situação em que a nulidade pode ser declarada é na hipótese da nulidade ser declarada de ofício.

A ausência de participação do membro do Ministério Público a ato que deva estar presente é causa de nulidade, porém, disciplina o Código de Processo Penal que se trata de nulidade relativa, o que pode ser extraído da interpretação dos seguintes artigos do diploma processual brasileiro:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I. [...]

II. [...]

III. por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

..........

d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;

...........

Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, III, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas:

I – se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior;

II – se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim;

III – se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.

(sem grifo no original)

Tratando-se de nulidade relativa, é até razoável que se admita a declaração de ofício, mas somente no caso de não ter ocorrido convalidação nos termos do artigo 572, do CPP, ocasião em que se dará a preclusão da matéria, inclusive pro judicato.

Mesmo que relativa seja a ausência ministerial, não se pode admiti-la, seja diante da natureza de parte que é no processo penal, ou diante do exercício do papel de custus legis, pois nas duas situações defende os interesses da sociedade que representa.

Até mesmo com base na antiga redação dos dispositivos referentes ao interrogatório sua presença já era defendida por muitos autores, como, por exemplo, Paulo Rangel, ao afirmar que "o Ministério Público deve estar presente ao ato, a fim de evitar ofensa aos direitos e garantias individuais, defendendo a ordem jurídica e protegendo o réu das possíveis investidas inquisidoras do juiz, ou exigindo respeito às regras básicas para o desenvolvimento de um processo penal justo" [16]. Da mesma forma, Tourinho Filho assim se manifesta: "O Promotor deverá estar presente ao interrogatório, pois o art. 394 dispõe que o Juiz, ao designar data para realização do interrogatório, deverá determinar também a notificação do Ministério Público" [17].

A despeito das opiniões mencionadas, a posição majoritária era de que sua ausência não gerava qualquer mácula diante da natureza personalíssima do ato, vez que ausente oportunidade de inquirição pelas partes.

Agora a interpretação deve ser outra. Apesar da modificação legislativa apenas mencionar a obrigatoriedade da presença do defensor, a nova natureza do ato, o papel processual do Promotor e, principalmente, os deveres funcionais do membro do Ministério Público levam à conclusão de que sua participação é obrigatória.

Tratando o novo interrogatório de ato nitidamente misto, pois configura-se meio de defesa e meio de prova, e oportunizada às partes participação não somente na aferição da regularidade do ato, mas na inquirição acerca do objeto material do ato, urge que a parte autora — no caso das ações públicas — ou aquele que atua somente como fiscal da lei — nas ações privadas — esteja presente para desempenhar o papel que a sociedade lhe destinou através da Constituição Federal.

Quando o magistrado não for exaustivo nas indagações ao réu, deve o membro do Ministério Público, portanto, indicar os fatos que entenda devam ser detalhados na busca da verdade material.

Talvez se alegue que, na prática, são raras as vezes em que a intervenção ministerial é necessária e eficaz, visto que a experiência do juiz geralmente abrange todos os fatos, ou que a inexistência do crime de perjúrio leva à coleta da dados, muitas vezes, inverídicos e inúteis, ou, ainda, que o Promotor não quis comparecer porque não tinha interesse em fazer nenhuma indagação ao acusado. Entretanto, a aferição do que realmente ocorrerá na oitiva do réu somente pode ser detectada por quem a presencia.

O comparecimento à audiência de interrogatório pode ser muito útil para que o acusador conheça o réu e forme seu próprio convencimento sobre sua personalidade, caráter e, principalmente, sobre a versão fantasiosa, ou não, que apresenta, evitando-se desta forma a figura de um processo estático e objetivo, sem rostos e sem sentimentos, afinal, tudo isso pode, e deve, influenciar a busca da melhor solução para o caso concreto, sempre visando a justiça na aplicação da lei.

Por outro lado, há várias situações em que o réu revela fatos importantíssimos no interrogatório, e que são objeto de interesse do Ministério Público, como por exemplo quando detalha a participação dos co-autores, transformando-se em verdadeira testemunha contra os demais, ou, ainda, quando noticia irregularidades praticadas pela polícia etc.

Quanto às obrigações institucionais do membro do Ministério Público, a Lei Complementar 75/93 e a Lei 8.625/93 são uníssonas em indicar que é obrigação do órgão ministerial manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei, sempre que cabível a intervenção no exercício de suas funções institucionais. Da igual forma, as portarias de atribuições de cada Ministério Público são expressas no mesmo sentido.

Como se observa, revela-se não só importante, mas indispensável a presença do Promotor de Justiça ou do Procurador da República no interrogatório. Diante desta conclusão faz-se necessário adote o Juiz o mesmo procedimento do caso de ausência do Membro do Ministério Público à audiência de instrução, com bem indica Ada Pellegrini Grinover, nos seguintes termos:

A ausência do promotor na audiência impõe substituição por outro membro do Ministério Público, ou o adiamento: segundo os arts. 45 e 564, III, d, CPP, a participação do órgão acusatório é essencial para a validade de todo ato processual de instrução criminal.

Conclui-se que, sendo ato de instrução, em que deve o Ministério Público diligenciar pela regular colheita da prova, e sendo ônus institucional o comparecimento aos atos de desempenho de seu mister, obrigatória é a presença do órgão ministerial e do defensor na audiência de interrogatório.


6. A extinção do curador do réu menor

Preocupou-se o legislador reformista, também, em extinguir a figura do curador ao réu menor.

Previa a antiga redação do artigo 194 do CPP que, "se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador".

Como não definia o dispositivo que idade encontrava-se dentro do conceito de menor, o intérprete era obrigado, entre 1941 e 2003, a entender que menor era aquele que já era imputável criminalmente e ainda não era plenamente capaz para os atos da vida civil, ou seja aquele que já possuía 18 anos, mas ainda não havia completado os 21 anos.

Durante a vigência concorrente do CPP e do antigo Código Civil de 1916, deveria o interrogatório daquele que ainda não tivesse 21 anos ser realizada com o acompanhamento de um curador indicado pelo juiz. Interpretava-se, entretanto, à luz da Súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de n.º 352 que "não é nulo o processo penal por falta de nomeação de curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo", pois a assistência do defensor supria a ausência do curador.

Todavia, com a edição do novo Código Civil (Lei 10.406/2002), que trouxe a capacidade civil plena para o limite dos 18 anos, coincidindo assim com a maioridade penal, deixou de existir, desde janeiro de 2003, razão para a nomeação de curador para aquele que não é mais menor sobre qualquer aspecto.

A posição doutrinária dominante, apesar de alguns afirmarem que as modificações cíveis não repercutem automaticamente no CPP, é no sentido de que o conceito de menor não é realizado pelo próprio Código de Processo Penal, razão pela qual, faz-se necessário o preenchimento da norma em branco com uma outra norma em vigor, o que indica que menor é, nos termos do Código Civil, aquele que tem menos de 18 anos. Donde se conclui que, por ser inimputável, o menor de 18 anos, jamais estará sujeito a um processo penal, estando, conseqüentemente, extinta a figura do curador dentro das regras do CPP.

De uma forma ou de outra, a discussão perdeu sentido depois da edição da norma em comento que simplesmente revogou a redação anterior do artigo 194.

Seja porque o réu sempre estará acompanhado de defensor, seja porque não mais poderá ser chamado de "menor", a figura do curador foi definitivamente extinta em virtude de faixa etária, restando-a apenas para a hipótese de ausência de capacidade em virtude de se tratar de pessoa portadora de necessidades especiais.

Para a harmonização e sistematização do Código de Processo Penal deveria, porém, o reformista preocupar-se em revogar também a parte final da alínea c, do inciso III, do artigo 564, que prevê que é causa de nulidade a falta de indicação de curador ao réu menor de 21 anos. Andou mal nesse ponto.

Apesar da omissão deve-se interpretar tacitamente revogado o dispositivo retromencionado.

Da mesma forma, deveria ter revogado o artigo 15 do Código, que também prevê a presença de curador para o indiciado menor. Perdeu uma boa oportunidade de retirar do diploma legal dispositivos tacitamente revogados.


7. Repercussão das alterações do interrogatório judicial na esfera policial

Apesar da Lei 10.792/2003 não trazer qualquer alteração do Capítulo do Código de Processo Penal referente à investigação policial, o artigo 6º, V, da norma adjetiva, prevê que a autoridade policial deverá "ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro", que é justamente o capítulo modificado pela norma reformista.

Das alterações realizadas quase todas terão plena aplicação no interrogatório policial. O direito ao silêncio não se restringe à fase processual; o direito de assistência do advogado é garantido constitucionalmente e a possibilidade de entrevista prévia e reservada é inerente à assistência técnica prestada; o local de realização do interrogatório tanto pode ser o presídio como a sede da delegacia de polícia, a depender da segurança do local; as perguntas devem versar, nos termos do artigo 187, sobre a pessoa do investigado e sobre os fatos; devem ser observadas as regras específicas sobre surdos, mudos e estrangeiros e a separação dos interrogatórios no caso de co-autoria; e, por fim, é cabível a indicação por parte do advogado e do Promotor (se estiver presente) de outros fatos que devem ser indagados.

A única distinção diz respeito à obrigatoriedade da presença do defensor e do membro do Ministério Público, que, evidentemente, não se aplica durante o inquérito. Se é verdade que é constitucional o direito de assistência de advogado, não é correto afirmar que se trata de obrigação, ou seja, durante o inquérito não é indispensável que se faça presente o advogado. Se o investigado não quiser ou não puder contratar advogado para acompanhar a fase pré-processual da persecução penal, não existirá qualquer mácula no procedimento, por se tratar de momento exclusivamente inquisitivo.

Em resumo: se não há acusação durante o inquérito, inexiste oportunidade de defesa ou contraditório, daí a não obrigatoriedade da participação do causídico.

Se o advogado estiver presente poderá desempenhar todos os atos previstos para o interrogatório judicial, mas sua presença, assim como a do acusador, não é indispensável.


8. Conclusões

Causa espécie que uma lei que modifica e moderniza o interrogatório judicial tenha como origem "o consenso dos responsáveis pelas administrações penitenciárias estaduais", como afirma o Ministro da Justiça em sua exposição de motivos ao projeto que deu origem à Lei 10792/03.

Apesar da atípica origem, a maior parte de suas modificações, com algumas ressalvas, vem ao encontro dos anseios da comunidade jurídica nacional.

A citação do réu preso deve ser, indubitavelmente, realizada de forma pessoal, através de mandado de citação, não sendo razoável que o réu seja cientificado da imputação somente no momento em que é conduzido para seu interrogatório, por violação ao princípio da ampla defesa.

Apesar da norma indicar que o local do interrogatório deva ser o estabelecimento prisional, tal solução não atende a seus próprios objetivos, pois não gera a alegada economia e aumenta os riscos de rebeliões e fugas em massa, conforme demonstrado anteriormente.

Diante da insegurança dos nosso presídios, recomenda-se que os juízes continuem realizando os interrogatórios nas sedes dos respectivos juízos.

Quanto ao direito ao silêncio, a adequação ao texto constitucional, faz com que se garanta seu exercício, sem que tal ato possa ser utilizado em prejuízo do réu, o que exige seja o artigo 198 do Código de Processo Penal interpretado como não recepcionado pela Constituição, pois faltou ao legislador reformista revogá-lo expressamente.

No que toca à participação do defensor do réu, andou muito bem a reforma ao prever sua obrigatória participação no interrogatório, o direito de entrevista reservada prévia e a possibilidade de indagação de fatos complementares, o que reforça a natureza também de meio de prova do ato.

Mesmo não constando expressamente a participação obrigatória do membro do Ministério Público no interrogatório, tal presença se torna imprescindível quando se examina a natureza jurídica mista (meio de defesa e meio de prova) do ato, o papel do Parquet (parte e fiscal da lei) na instrução criminal e, especialmente, suas funções institucionais.

Por seu turno, o curador ao réu menor de 21 anos deixa de existir, (também) porque sempre estará acompanhado de advogado, mas, principalmente, porque, diante do novo Código Civil, deixou de ser considerado menor quem se encontra acima dos 18 anos.

A posição doutrinária dominante, apesar de alguns afirmarem que as modificações cíveis não repercutem automaticamente no CPP, é no sentido que o conceito de menor não é realizado pelo próprio Código de Processo Penal, razão pela qual, faz-se necessário o preenchimento da norma em branco com uma outra norma em vigor, o que indica que menor é aquele que tem menos de 18 anos. Donde se conclui que, por ser inimputável, o menor de 18 anos, jamais estará sujeito a um processo penal, estando, conseqüentemente, extinta a figura do curador nesta hipótese.

Para a harmonização e sistematização do Código de Processo Penal faltou, porém, revogar a parte final da alínea c do inciso III do artigo 564, que prevê que é causa de nulidade a falta de indicação de curador ao réu menor de 21 anos e o artigo 15 do Código, que também prevê a presença de curador para o indiciado menor.

Apesar da omissão, deve-se interpretar derrogados os dispositivos retromencionados. Perdeu o reformista uma boa oportunidade de retirar do diploma legal dispositivos tacitamente revogados.

As modificações feitas no interrogatório judicial, em grande parte, diante do artigo 6º, V, da norma adjetiva, também aplicam-se ao interrogatório policial.

A única distinção diz respeito à obrigatoriedade da presença do defensor e do membro do Ministério Público, que, evidentemente, não se aplica durante o inquérito, pois se trata de momento exclusivamente inquisitivo, sem atos tipicamente acusatórios ou defensórios.

Este modesto passo, na tentativa de modernização do processo penal, mostra-se relevante quando se observa que a ótica da nova persecução penal é o respeito às garantias dos acusados em geral.

Urge que o demais projetos de reforma do Código de Processo Penal encaminhados ao Congresso Nacional sejam adequadamente discutidos e votados, sempre visando o equilíbrio entre as garantias processuais e a redução da impunidade que impera em nosso país.


Notas

1 A Exposição de motivos n.º 00201 – MJ foi encaminhada ao Congresso Nacional através da mensagem 842 do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, tendo sido publicada no Diário da Câmara dos Deputados, no dia 15 de agosto de 2001, p. 36.784.

2 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Anotado, Volume III. Campinas: Ed. Bookseller, 2000, p. 610.

3 Apud ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Ob. cit. p. 632.

4 Observe-se que, apesar de muitos autores defenderem que se trata de norma de hierarquia constitucional, decidiu o Supremo Tribunal Federal que os decretos desta natureza, por não contarem com o quórum qualificado para modificar a Constituição Federal, possuem natureza de lei ordinária, o que significa que a norma em comento modificou o próprio Código de Processo Penal.

5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001, p. 384.

6 EL DEBS, Aline Iacovelo. Natureza jurídica do interrogatório. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em:http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3123>. Acesso em: 18 mar. 2004.

7 STJ. 5ª Turma. RESP 471252 / MG. Relator Min. GILSON DIPP. Data da Decisão 18/09/2003. DJ DATA:20/10/2003 PG:00289.

8 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Ob. Cit. p. 61.

9 MIRABETE, Júlio F. Código de Processo Penal Interpretado, 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 543.

10 PITOMBO, Cleunice V. B.; BADARÓ, Gustavo H. R. I.; ZILLI, Alexandre C.; ASSIS MOURA, Maria T. R. A. Publicidade, ampla defesa e contraditório no novo interrogatório judicial. Boletim IBCCRIM. Ano 11, n.º 135, fevereiro de 2004, p. 2.

11 LIRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria Pública. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1989, p. 73.

12 POLASTRI LIMA, Marcellus. Ministério Público e persecução criminal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2002, p. 29.

13 MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Curso de Direito Processual Penal. 28ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 180.

14 STJ. 6ª Turma. HC 9915/RS. Relator Min. FERNANDO GONÇALVES. Data da Decisão 18/10/1999. DJ DATA:16/11/1999 PG:00232.

15 STJ. 6ª Turma. RESP 446042 / RS. Relator Min. PAULO GALLOTTI. Data da decisão 26/11/2002. DJ DATA:09/12/2003 PG:00354.

16 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris editora, 2003, p. 469.

17 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001, p. 387.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, José Theodoro Corrêa de. As inovações no interrogatório no Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 336, 8 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5292. Acesso em: 24 abr. 2024.