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Tutela antecipada e fumus boni iuris

Tutela antecipada e fumus boni iuris

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2. O ENFRENTAMENTO DA INEFICIÊNCIA DA JUSTIÇA CIVIL PELA REFORMA: A TUTELA ANTECIAPADA. 3. RECENTES INSTRUMENTOS DE FOMENTO À EFETIVIDADE NO BRASIL. 4. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E EFETIVIDADE. 5. FUMUS BONI IURIS E TUTELA ANTECIPADA. A PROVA INEQUÍVOCA. 5.1 Juízo de Verossimilhança. 5.2 Prova inequívoca. 6. FUMUS BONI IURIS, RELEVANTE FUNDAMENTO E ABUSO DE DIREITO DE DEFESA. 6.1 A Noção de Relevante Fundamento. 6.2 Abuso de Direito de Defesa e Manifesto Propósito Protelatório do Réu. 6.2.1 Abuso de Direito de Defesa. 6.2.2 Manifesto Propósito Protelatório do Réu. 7. Conclusão. Referências.


1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo mostrar o entendimento da doutrina referente ao Fumus Boni Iuris relacionado ao Instituto da Tutela Antecipada. Contudo, antes de entrarmos nos pontos divergentes que se relacionam com a finalidade deste trabalho, faremos uma breve explanação do que consiste a Tutela Antecipada disciplina pela Lei n° 8.952/94, situando o instituto no contexto existente no Brasil em relação a efetividade da jurisdição civil, tangenciando os instrumentos paralelos utilizados pelo legislador com a finalidade de corrigir os problemas e os pontos de estrangulamento do Código de Processo Civil, resultando o que se denominou de Reforma do Código de Processo Civil.


2 O Enfrentamento da Ineficiência da Justiça Civil pela Reforma : A Tutela Antecipada

Para enfrentar a crise de efetividade civil surgem no cenário brasileiro as Leis 8950 a 8953, todas de 13 de dezembro de 1994, que somadas às anteriores Leis 8898/94, 8710/93 e 8718/93 e às Leis 9079 de 14 de julho (ação monitória), 9139 de 30 de novembro (agravo) e 9245 de 26 de dezembro (procedimento sumário), todas de 1995, compõe o que se costumou chamar de " A Reforma do Processo Civil", com o que se procurou corrigir falhas e atacar os "pontos de estrangulamento" da atividade judiciária.

As alterações provocadas pela reforma, principalmente no Processo de Conhecimento e no Processo de Execução, tiveram como finalidade simplificar e agilizar o estado de cômoda lentidão e ineficiência da nossa justiça.

O instituto da Tutela Antecipada não é uma invenção da Reforma de 94. Já havia tutela antecipada nas ações possessórias, alimentos, Mandado de Segurança e Ação Civil Pública.

A Reforma de 94 generalizou a possibilidade do intstituto da Tutela Antecipada ser aplicada a qualquer direito pleiteado em juízo, uma vez que até então o instituto ficava restrito a algumas ações.

Regulada pelos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, a tutela antecipada é arma de enorme potencial para corrigir as distorções que o tempo provoca sobre a efetividade da tutela jurisdicional e compensar as deficiências específicas que o instrumento da jurisdição civil tem mostrado em cada área da sua atuação.

No que pese os problemas estruturais que atingem o Judiciário ( número inadequado de juízes e de pessoal qualificado, fruto da falta de recursos), o instituto da tutela antecipada tende a influir positivamente sobre a atual situação do Judiciário, quer porque elimina em grande parte a necessidade de propositura de ações cautelares inominadas e a conseqüente duplicação de feitos, quer porque a antecipação de tutela, uma vez concedida, representará, por si só, grande incentivo à autocomposição bilateral. Outro aspecto dentro dessa mesma ótica é o efeito moralizador expresso pela antecipação fundada no "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu" (inciso II, do art. 273) que similarmente, fomentará de forma significativa a possibilidade de entendimento entre as partes.


3 Recentes Instrumentos de Fomento à Efetividade no Brasil

Recentemente, temos sido contemplados no Brasil com importantes instrumentos processuais de suporte à efetividade, tais como:

a)a medida liminar que foi inserida no procedimento da ação popular pela Lei 6513/77;

b)a ação civil pública que traz em seu bojo a permissão de concessão de mandado liminar ( Lei 7347/85, art. 12);

c)a criação do mandado de segurança coletivo pela Constituição de 1988 - impetrável por partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe ou associações, CF, art 5º, inc. LXX - e cujo procedimento, por ser o mesmo do writ individual, possui tutela liminar (Lei 1533/51, art. 7º, inc. II);

d)o surgimento do Código de Defesa do Consumidor que identicamente admite tutela in limine, inclusive de conteúdo cominatório (Lei 8079/90, art. 84, §§3º e 4º);

e)a instituição da liminar de desocupação nas ações de despejo (Lei 8245/91, art. 59) etc.

Nota-se, portanto, a permanente intenção do legislador no sentido de conceder efetividade ao processo mediante a aceleração do provimento jurisdicional. Contudo, apesar do quadro geral ter melhorado bastante de 1988 em diante, principalmente com a chegada do Código de Defesa do Consumidor, parece inegável que mesmo a somatória das várias iniciativas isoladas que mencionamos não foi capaz de trazer para dentro do processo civil brasileiro como um todo a sonhada efetividade.

É exatamente nesse quadro de boas intenções, porém de resultados insuficientes em termos de efetividade ao jurisdicionado - apesar da contínua expansão e proliferação das cautelares inominadas para todos os objetivos -, que aparece no cenário brasileiro a Reforma do Código de Processo Civil brasileiro de dezembro de 1994 e no seu bojo, dentre muitas conquistas, a figura da tutela antecipada ampliada para todo e qualquer direito.


4 Antecipação da Tutela e Efetividade

Através deste instituto, o CPC dá ao procedimento ordinário ou sumário um "modo de ser" completamente distinto, potencializando-os com a permissão de outorga antecipada dos "efeitos da tutela pretendida". A inclusão da medida liminar antecipatória do art. 273, inciso I, para as obrigações em geral, e a do art. 461, § 3º, para as obrigações de fazer ou não fazer, representa indubitável e concretamente a perspectiva de efetividade para o processo de rito comum. São os seguintes os motivos, a saber:

a)eliminação do fator tempo como obstáculo à realização de justiça.

b)extensão da tutela jurisdicional rápida a todos os direitos, o que também significa acessibilidade conferida a quaisquer supostos titulares de direitos à via antecipatória, tudo isso sem prejuízo da ampla atividade de provar que é assegurada pelo procedimento cognitivo comum.

O instituto da tutela antecipada evidencia entre nós a esperança que se consiga um "processo de resultados" não só pelo prisma do "modo de ser do processo" como também pela "utilidade do provimento".

A perspectiva de efetividade fica clara no próprio conteúdo normativo do art. 273, caput, que admite a antecipabilidade de quaisquer efeitos sentenciais, inclusive condenatórios, de acordo com José Rogério Cruz e Tucci (1994, p. 117) que coloca o § 1º, do art. 59, da Lei 8245 / 91 como padrão de interpretação. No que concerne ao provimento útil a efetividade fica evidenciada com o art. 461 do CPC que opta ousadamente pela instituição da tutela específica das obrigações de fazer e não-fazer como regra (caput), relegando as perdas e danos ao patamar de último remédio e excepcional (§§ 1º e 2º).

A outorga da tutela in natura às obrigações de fazer ou não fazer já se fazia necessário, principalmente às de valor não patrimonial, que estão relacionadas com muita frequência, aos direitos fundamentais do homem, como a vida, honra, integridade física, privacidade etc., como também a direitos da coletividade, como a qualidade de vida, meio ambiente etc.

Dentro desse aparato crítico de desejo generalizado por provimentos úteis e eficientes, tem realce o papel dos meios coercitivos e medidas subrogatórias colocadas à disposição do magistrado para, sob a forma de liminar ou de sentença (multa cominatória, art. 461 § 4º; busca e apreensão, remoção, ordem para desfazimento de obras ou impedimento de atividade nociva e requisição de força policial, art. 461 § 5º) gerar no mundo dos fatos a realização da própria prestação, objeto da obrigação de fazer ou não fazer.

Desta forma, a efetividade é alcançada pela rapidez da prestação jurisdicional, como também pela garantia de que o credor poderá gozar, por meio do resultado do processo, exatamente o bem da vida que a ordem jurídica material lhe atribuiu. A satisfação desses requisitos é preenchida pelo instituto da tutela específica do art. 461 do CPC.

Outro instrumento de grande potencialidade para tornar efetivo o processo de conhecimento é a antecipação de tutela pautada no inciso II do art. 273 ( "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu"), pelos motivos a seguir expostos:

a)instrumento contra os efeitos deletérios do tempo;

b)moraliza o embate processual mediante o sancionamento severo da conduta desleal do réu.

Em outras palavras, toda vez que o réu, por sua atitude antiética e reprovável, tornar claro que o direito parece amparar a pretensão do demandante, a antecipação de tutela fundada no inciso II do art. 273 resulta na efetividade do processo.


5 Fumus Boni Iuris e Tutela Antecipada. A Prova Inequívoca

A partir deste momento iremos adentrar no objetivo deste trabalho. Assim, veremos o entendimento da doutrina sobre os termos em que a Reforma do Processo Civil de 1994 previu e disciplinou a fumaça do bom direito, enquanto pressuposto inafastável para a concessão da tutela antecipada.

Com essa finalidade descreveremos abaixo as disposições legais que hoje regulam a matéria no CPC, a saber:

a)o caput do art. 273 sozinho;

b)o caput do art. 273 somado ao inciso II;

c)o § 3º do art 461 (no caso das obrigações de fazer e não fazer).

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e :... II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu". "Art. 461... § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia... ".

A título de orientação, adotaremos como padrão neste trabalho, pertencer ao Código de Processo Civil toda citação de artigo sem referência expressa ao estatuto legal a que faz parte.

Segundo Antônio Cláudio da Costa Machado (1999, p. 384) o instituto do fumus boni iuris se adequa perfeitamente bem à qualificação jurídica da prova necessária à concessão de provimentos sumários, pois caso contrário haveria necessidade de se reconhecer que a "prova inequívoca" e "verossimilhança" constituem uma categoria nova.

O autor fundamenta sua assertiva explicando que a doutrina reconhece que constituem manifestações do fumus boni iuris no processo cautelar, a "prova literal da dívida líquida e certa" (art. 814, inciso I), a sentença condenatória no pagamento de dinheiro (art. 814, par. ún.) ou a sentença proferida na reivindicatória (art. 822, inc. II). No âmbito das liminares não comete equívoco quem afirme que são concedidas em função do fumus boni iuris, a apreensão e depósito da coisa vendida a crédito com reserva de domínio (art. 1071), ou a busca e apreensão fundada no contrato de alienação fiduciária(Decreto-lei n. 911/69). O fumus boni iuris também se encontra presente no caso de deferimento da citação do réu na ação para reaver bem depositado que depende da "prova literal do depósito" (art. 902).

Portanto, segundo Antônio Cláudio (1999, p. 385) não há nada, em termos cognitivos, nem teleológicos, que autorize a exclusão, ou a separação, da "prova inequívoca" (art. 273, caput) da categoria do fumus boni iuris.

De acordo com Antônio Machado (1999, p.385) o que existe são graus de intensidade do fumus boni iuris, pois, por exemplo, na esfera do processo cautelar podem ser visualizados diferentes graus de verossimilhança, a saber:

a)aquele que se forma de prova meramente testemunhal, admitida nos casos de busca e apreensão, arrolamento e medidas cautelares inominadas (juízo de aparência não tão intenso);

b)aquele onde se questiona, pelo menos, um documento particular( a "prova literal da dívida líquida e certa"), ou um documento público ( a certidão de casamento no sequestro ou nos alimentos provisionais), o que caracteriza um juízo de aparência mais intenso;

c)aquele que se constitui por intermédio de uma sentença conforme exigência de lei para caracterização do fumus boni iuris ( como ocorre na hipótese de arresto quando não se possui título extrajudicial, ou na de sequestro de frutos e rendimentos do imóvel reivindicando), evidenciando um juízo de aparência de intensidade superior.

Em sendo assim, de acordo com professor Antônio Machado (1999, p.386), não parece ter fundamento a idéia de que a "prova inequívoca" prevista no caput do art. 273 represente algo mais, em termos de cognição, do que a mera aparência, porque até mesmo as declarações judiciais emitidas em processo plenário, mas não cobertas pela coisa julgada, a que se referem os arts. 814, par. único (arresto) e 822, inciso II ( sequestro), não permitem ao juiz, no processo cautelar e para fins cautelares, ultrapassar o juízo de verossimilhança, vale dizer, de mera probabilidade.

Nessa mesma linha de pensamento, segundo o eminente professor, não resta dúvida de que o "relevante fundamento da demanda" previsto no §3º do art. 461, também corresponde ao fumus boni iuris para a concessão da providência antecipatória. O professor sustenta que a figura do fumus boni iuris está sempre e invariavelmente relacionada a idéia de mera probabilidade da existência do direito - tanto no plano do processo cautelar, como no dos procedimentos especiais, como, hoje, no plano da antecipação de tutela.

A questão, na verdade, afirma Antônio Machado (1999, p.387), não é a de se saber se a probabilidade serve ou não - fumus boni iuris é juízo de probabilidade, ou de verossimilhança como diz o próprio caput do art. 273, e, por isso, sempre serve - mas sim, apenas, a de se saber que grau de convencimento sobre a probabilidade se exige do juiz no caso concreto. Portanto, os diferentes graus de fumus boni iuris se revelam segundo o caráter da prova oferecida ao magistrado.

Desta forma, afirma o mestre citado que tanto a "prova inequívoca" (art. 273, caput) quanto o "relevante fundamento" (art 461, § 3º) se enquadram na categoria do fumus boni iuris, sob pena de desmoronamento do mais imprescindível fundamento técnico sobre o qual se assenta a tutela sumária que é o fumus boni iuris.

5.1 Juízo de Verossimilhança

Do ponto de vista estritamente semântico, segundo dicionário de Mansur Guérios (1967, p. 415 e 107), as expressões juízo de aparência, probabilidade ou verossimilhança se aproximam muito, ao ponto de se confundirem, senão vejamos: "verossimilhança... aparência da verdade; probabilidade de ser; "aparência... aquilo que aparece à primeira vista; exteririoridade; probabilidade"; " probabilidade... qualidade do que é provável; a possibilidade de um fato; aparência de verdade, indício".

Juízo de verossimilhança, portanto, no plano semântico, é juízo de probabilidade ou de aparência, o que a princípio para identificar a cognição sumária não se deve descartar nenhuma das três expressões, devido a inegável utilidade das mesmas para o trabalho do intérprete, assim ensina Antônio Machado (1999, p. 389).

Conforme Malatesta (apud Carreira Alvim, 1995, p. 107) a probabilidade está relacionada ao predomínio afirmativo do ser humano diante de um fato. Desta forma, se há prevalência dos motivos negativos sobre os afirmativos, a dúvida é similar ao improvável; havendo igualdade entre os motivos afirmativos e negativos, tem-se o acreditável; e havendo predomínio dos motivos afirmativos sobre os negativos, existe o provável. A partir dessa linha de raciocínio, o referido autor afirma que existem probabilidades máximas (as que estariam próximas do probabilíssimo), probabilidades médias (as que se expressam como o provável) e, finalmente, a probalidade mínima (a que é similar à verossimilhança)

De acordo com Calamandrei (apud Carreira Alvim, 1995, p. 103 e 104) uma forma de diferenciação das noções de possibilidade, verossimilhança e probabilidade seria esta: possível deve ser entendido apenas como aquilo que pode ser verdadeiro; verossímel é aquilo que tem a aparência de ser verdadeiro; e provável seria, etimologicamente, aquilo que se pode provar como verdadeiro.

Carreira Alvim (1995, p. 104) acredita conforme as lições de Calamandrei que o possível, o verossímel e o provável, constituem nessa ordem, uma gradual aproximação para o reconhecimento do que é verdadeiro.

No plano jurídico, o professor Antônio Machado (1999, p. 391-392) embasado nas doutrinas de Calamandrei, Malatesta e Carreira Alvim, afirma o seguinte:

a)juízo de verossimilhança é sinônimo de juízo de probabilidade, razão pela qual se torna plenamente legitimado o uso de uma ou outra expressão quando se busque o entendimento da cognição sumária que o juiz realiza para a concessão da tutela antecipada do art. 273 ou do 461, §3º;

b)sob a ótica brasileira do recém-criado instituto da tutela antecipada, parece claro que o legislador não desejou dar ao termo verossimilhança do caput do art. 273 o significado de probabilidade mínima. Pelo contrário, no contexto da tutela antecipada, o grau de probabilidade que decorre da prova inequívoca se não é, está muito próxima do máximo. No âmbito da tutela sumária do direito brasileiro, nenhuma providência requer verossimilhança mais forte do que a baseada na "prova inequívoca" - comparável a ela, talvez, somente a "prova literal da dívida líquida e certa" do art. 814, inciso II (arresto), ou o "direito líquido e certo" da Lei 1533 / 51 (mandado de segurança);

Quanto ao juízo de aparência o referido autor nos ensina que a expressão aparência também se adequa perfeitamente à identificação do juízo que não se funda na convicção sobre a existência do direito. Sim, porque toda tutela sumária se caracteriza pelo embasamento no provável ou no verossímel, contrária à providência definitiva fundada na certeza.

Se a probabilidade de existência do direito material é contrária a certeza da existência do mesmo e se o verossímel (aquilo que é apenas semelhante a verdade) se opõe à verdade, é claro que todo juízo baseado no provável ou no verossímel é um juízo de aparência. Portanto, conforme o professor Antônio Machado (1999, p. 393) equiparam-se sob o ponto de vista semântico-jurídico, as locuções juízo de verossimilhança, juízo de probabilidade ou juízo de aparência.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, nos ensina o mestre citado que, independemente da denominação que se dê ao juízo sumário, como também da maior ou menor intensidade que a lei exija do juiz para a concessão de um particular provimento, toda e qualquer declaração do juiz no sentido da presença da verossimilhança, probabilidade ou aparência de direito é sinônima de declaração do fumus boni iuris.

5.2 Prova Inequívoca

Conforme explica Antônio Machado (1999, p. 395) a prova inequívoca integra o juízo de verossimilhança, pois este abrange tanto a declaração de que há "prova inequívoca", quanto a de que existe perigo ou abuso. Em outras palavras, o juízo de verossimilhança que o juiz é chamado a formar para conceder a tutela antecipada não decorre apenas da presença de elementos probatórios que apontem para a provável existência do direito material alegado, mas passa também pela insustentabilidade da defesa apresentada pelo réu (como no caso do inciso II) ou pela presença de prova da ocorrência do perigo do dano irreparável (como acontece no inciso I).

No que concerne ao plano semântico jurídico, a expressão "prova inequívoca" traz em seu cerne uma enorme impropriedade, pois o adjetivo "inequívoco" ( com significação de evidente, inegável, que não deixa dúvida) não se adequa, na perspectiva da lógica processual, com o substantivo "prova" que no texto da lei é usado no sentido de meio probatório, esse é o entendimento pacífico da doutrina.

No mesmo diapasão, o entrave é que os meios de prova admitem classificações de caráter objetivo, não cabendo à lei classificá-la como equívoca ou inequívoca, que é critério subjetivo, porque o reconhecimento de tal qualidade depende, tão somente, da valoração que o magistrado decida atribuir à prova num determinado processo, pautado no princípio do livre convencimento. Portanto, se apresenta totalmente equivocada a expressão "prova inequívoca".

O caput do art. 273 teria uma melhor redação se dele constasse: "desde que, existindo prova de fatos inequívocos, se convença da verossimilhança da alegação". Contudo, independentemente do substantivo (fato, prova ou direito) que seja adjetivado pelo termo "inequívoco" a coerência da prescrição, como um todo, sempre estaria comprometida pela circunstância de a lei vincular tal requisito ao juízo de verossimilhança, uma vez que, sob cognição sumária, nenhuma manifestação judicial possui o caráter de declaração de certeza. Em outras palavras, o que é considerado inequívoco sob cognição sumária pode ser entendido como sendo simplesmente inexistente quando da sentença de mérito. Revelando, assim, a não adequação do termo inequívoco ou inequívoca para qualificar qualquer substantivo, em se tratando de cognição sumária.

Em relação ao "direito líquido e certo", o professor Antônio Machado (1999, p. 397-398) nos ensina que a "prova inequívoca" compartilha da mesma idéia daquela expressão. Isto porque o "direito líquido e certo" é aquele cujos fatos se provam prima facie, já a "prova inequívoca" é aquela que convence o juiz de que os fatos constitutivos do direito são inequívocos. Fazendo um trocadilho pode-se dizer que o "direito líquido e certo" é aquele que pode ser demonstrado por "prova inequívoca".

Nessa mesma linha de pensamento, sustenta-se, portanto, que a interpretação do caput do art. 273 no que concerne ao termo "prova inequívoca", certamente representa a exigência de que a prova preconstituída utilizada pelo autor para solicitar a antecipação da tutela tenha, ou possua, uma intensa capacidade para convencer o magistrado da real probabilidade dos fatos terem ocorrido como alega o autor, e além disso, para convencê-lo de que em face de tal quadro fático é bem provável que o direito afirmado realmente exista (fumus boni iuris).

Desse modo, a lei não confiou inteiramente ao órgão jurisdicional a avaliação da probabilidade de existência do direito, mas condicionou, no caso de antecipação de tutela, tal avaliação à presença, nos autos, de prova preconstituída, restringindo, assim, o conhecimento judicial e sua capacidade de decisão.

Assim sendo, a simples prova testemunhal (produzida em audiência de justificação), que num processo cautelar de rito ordinário é "suficiente" para gerar a convicção do verossímel no que concerne a concessão da medida cautelar atípica, não tem o condão de gerar essa mesma convicção na esfera da tutela antecipada, porque, quanto à "verossimilhança" do caput do art. 273, a lei exige prova preconstituída dos fatos que compõe a causa de pedir, semelhante a lei e a Constituição Federal de 1988 que exigem "direito líquido e certo" para a concessão do mandado de segurança.

É ponto pacífico na doutrina que a prova preconstituída capaz de gerar a convicção do magistrado no âmbito da tutela antecipada sempre se funda em prova não suficiente para a declaração da existência do direito material. Isto porque o momento processual em que acontece a sua avaliação não permite ao juiz proferir sentença definitiva, uma vez que a avaliação ocorre antes das providências preliminares sem ter acontecido o contraditório.

No entender de Moacyr Amaral dos Santos (1990, p. 331), a prova preconstituída, no sentido amplo, são as provas preparadas preventivamente, tendo em vista um possível uso em futura contenda. No sentido estrito, são as representadas por instrumentos públicos ou particulares que constituem os atos jurídicos.

No mesmo diapasão, segundo Antônio Machado (1999, p.403) a prova inequívoca inclusa no sentido estrito da classificação de Moacyr Amaral dos Santos de prova preconstituída pode ser:

a)instrumentos públicos ou particulares;

b)cartas missivas, registros domésticos e reproduções mecânicas de qualquer tipo (arts. 376 e 383 do CPC);

c)notoriedade de certos fatos alegados (art. 334, inc. I);

d)fatos em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade (art. 334, inc. IV).

No sentido amplo da referida classificação de Moacyr Amaral dos Santos, conforme o professor Antônio Machado (1999, p.403-405) a "prova inequívoca" subsumida neste conceito são as seguintes:

a)prova pericial produzida em processo cautelar ( a vistoria ad perpetuam rei memoriam);

b)prova testemunhal reveladora dos fatos alegados na contenda abaixo de dez salários mínimos;

c)a oitiva de testemunhas do art. 804 do CPC, no que concerne à prova da ocorrência do periculum in mora, previsto pelo inciso I do art 273.

Para Gláucia Carvalho Santoro (2000, p. 139) a prova inequívoca e a verossimilhança são os chamados "requisitos positivos" à concessão da tutela antecipada. Deve-se compatibilizar ambos aliando a aparência máxima de que o réu não conseguirá articular contra a tese do autor ao critério de probabilidade máxima de êxito na demanda; seria um "SUPER" fumus boni iuris.

Segundo William Santos Ferreira (2000, p.139) o espectro da tutela antecipada é bem maior que o da tutela cautelar, daí que os requisitos para a concessão da tutela antecipada serem mais rigorosos do que os da tutela cautelar. Nesta fala-se em fumus bonis iuris, ou seja, na aparência, ainda que tênue (nebulosa - fumaça), de que o autor pleiteia (ou pleiteará) na ação principal poderá ser procedente.

Para exemplificar o referido autor cita acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apenas para destacar o rigor mais necessário na tutela antecipada em comparação com a tutela cautelar, que tratou a combinação entre verossimilhança da alegação e prova inequívoca como "um fumus boni iuris qualificado" (JTJ-Lex 189/193-195). O mesmo ocorreu no acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, do qual extraiu-se a seguinte ementa: "Agravo de Instrumento - Pedido de tutela antecipada - Pressupostos para a concessão. No exame do pedido de tutela antecipada o juiz não averiguará vestígios de bom direito e perigo na demora, o que seria próprio em medida cautelar; será mais que isso, a constatação quase certa do bom direito, a verossimilhança deste..." (AI 609596DF, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Getúlio Moraes Oliveira, j. 18.11.1996, v.u., DJDF de 12.03.1997, Seção 3, p. 3744). Esse cuidado também foi tomado no acórdão do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: "....Percebe-se, pois, que, ao contrário do que ocorre nas medidas cautelares, aqui não basta o fumus boni iuris, exigindo alguma coisa mais, ou seja, aquela verossimilhança amparada na prova inequívoca, a que se refere o texto processual, aquela probabilidade do direito alegado" (AI775.271-4,8ª Câmara, Rel. Juiz Franklin Nogueira, j. 01.01.1998, v.u, Bol. AASP 2.077/751-j).

Complementa William Ferreira (2000, p.140) que para a tutela antecipada não pode o julgador conformar-se com a mera aparência (tênue) : necessita de algo mais, que seria a prova inequívoca combinada à verossimilhança. Se o requisito fosse apenas a verossimilhança, estar-se-ia exigindo apenas o fumus boni iuris.

Conforme lição de Kazuo Watanabe (1996, p.33-34) a fumaça do bom direito cautelar não pode ser confundida com a prova inequívoca nos seguinte termos:

" o juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples "fumaça", que somente permite a visualização de mera silhueta, uma medida de salvaguarda, que se contrapõe ao instituto da tutela antecipada para todo e qualquer processo de conhecimento. Bem se percebe, assim, que não se trata de tutela que pode ser concedida prodigamente, como mero juízo baseado "em fumaça do bom direito", como vinha ocorrendo com a ação cautelar inominada."

Para Humberto Theodoro Júnior (1999, p.25) qualquer hipótese de tutela antecipada, do art. 273, caput, do CPC, impõe a observância de dois pressupostos genéricos:

a) "prova inequívoca"; e

b)"verossimilhança da alegação".

Segundo o autor citado anteriormente, o instituto da tutela antecipada é uma medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, em virtude disso a lei a condiciona a certas precauções de ordem probatória. Mais do que a simples aparência de direito (fumus boni iuris) reclamada para as medidas cautelares, exige a lei que a antecipação de tutela esteja sempre fundada em "prova inequívoca".

Continua o citado autor afirmando que o instituto da tutela antecipada haverá de apoiar-se em prova preexistente, devendo ser clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.

O mestre mineiro afirma que, em outras palavras, é inequívoca a prova capaz, no momento processual, de autorizar uma sentença de mérito favorável à parte que invoca a tutela antecipada, caso a lide pudesse ser julgada de imediato.

Em relação à "verossimilhança da alegação", o professor Humberto assevera que é o juízo de convencimento a ser realizado em torno de todo o quadro fático pretendido pela parte que pretende a antecipação de tutela, não apenas quanto à existência de seu direito subjetivo material, mas também, e, principalmente, no relativo ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso dos atos de defesa e de procrastinação praticados pelo réu.

Complementa Humberto Theodoro Júnior (1999, p.26) que os fundamentos da pretensão da antecipação de tutela devem ser relevantes e apoiados em prova idônea. Como aqueles não podem ser objeto de juízo de convencimento absoluto, são apreciáveis por probabilidade. Contudo, a lei não requer a mera probabilidade, pois em relação ao art. 273 do CPC, exige a verossimilhança a seu respeito, a qual somente se configurará quando a prova apontar para "uma probabilidade muito grande" de que sejam verdadeiras as alegações do litigante.

Luiz Fux (1996, p.305) nos ensina que a tutela da evidência é aquela que hodiernamente se chama de "direito evidente". A expressão está ligada aqueles pedidos requeridos em juízo nos quais o direito da parte revela-se evidente, da mesma forma como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandamus ou o direito documentado do exeqüente.

Segundo Luiz Fux (1996, p.344) os pressupostos substanciais para a concessão da tutela antecipada são a "evidência" e a "periclitação potencial do direito objeto da ação", sendo processuais a "prova inequívoca conducente à comprovação da verossimilhança da alegação" e o "requerimento da parte".

Assevera o professor Luiz Fux (1996, p.348) que a prova inequívoca é alma gêmea da prova do direito líquido e certo para a concessão do mandado de segurança. Assim, esta constitui prova extreme de dúvidas, aquela cuja produção não deixa ao juízo outro caminho senão a concessão da tutela antecipada. Há de ser prova pré-constituída se o requerente desejar obter a antecipação initio litis.

O juízo de verossimilhança para Luiz Fux (1996, p.349) quando se trata de direito evidente ocorre sem maiores percalços. Quando se trata de direito em estado de periclitação, caberá ao juiz avaliar a prova inequívoca em confronto com a urgência requerida, compondo um juízo de probabilidade que o autorizará a concessão da tutela antecipada. Ressalta o professor carioca, que todo meio de prova moralmente legítimo pode ser usado para a comprovação da verossimilhança da alegação capaz de resultar a antecipação de tutela.

Conforme Luiz Fux (1996, p.337), o instituto da tutela antecipada (tutela satisfativa imediata) compatibiliza-se com o que o autor denominou de tutela de evidência. Explica o professor que em ambos os casos o processo, para cumprir seu desiderato, deve instrumentalizar-se de tal maneira a tornar ligeira e efetiva a proteção pedida. Nesses casos, complementa o mestre carioca, se opera mais do que o fumus boni iuris.

De acordo com a doutrina do professor Teori Albino Zavascki (1997, p. 75-76) a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação são pressupostos genéricos, indispensáveis à qualquer das espécies de antecipação da tutela. Nesta exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Dizendo de uma outra forma:diferentemente do que ocorre no processo cautelar ( onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esta esfera, não há como deixar de equiparar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: em ambos os casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. Nessas situações afirma o citado autor que o fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado.

Finalmente, Calmon de Passos (1995, p.14) afirma que, a "verossimilhança" proveniente da "prova inequívoca", no caput do art. 273, "é mais do que o fumus boni iuris exigido para a tutela cautelar" e que o juízo de verossimilhança "é juízo de probabilidade mais intenso que o fumus boni iuris do processo cautelar".


6 Fumus Boni Iuris, Relevante Fundamento e Abuso de Direito de Defesa

Conforme sustenta Antônio Machado (1999, p.407), tanto a "prova inequívoca, quanto a cláusula que diz respeito ao "relevante fundamento", estabelecida no § 3º do art. 461, e a concernente ao "abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu" do inciso II do art. 273, integram o instituto do fumus boni iuris com que trabalha o legislador toda vez que deseja instituir qualquer forma de provimento sumário cautelar ou não cautelar. O Juízo de verossimilhança tem perfeita identificação com a figura do fumus boni iuris no que diz respeito a antecipação de tutela fundada no abuso do direito de defesa prescrito pelo inciso II do art. 273 e nesse caso temos um fumus boni iuris "dobrado".

Tendo por objetivo o conhecimento para perfeita aplicação do fumus boni iuris para a concessão da tutela antecipada na esfera do processo de cognição de rito ordinário é que precisamos compreender o conceito, significado e repercussão do "relevante fundamento" do art. 461, bem como sobre o que se deve entender por "abuso de direito de defesa" e "manifesto propósito protelatório do réu".

6.1 A Noção de Relevante Fundamento

Para iniciar descreveremos a parte do art. 461 que nos interessa: "Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação... § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu... ".

Duas premissas essencias são importantes para se entender a noção de "relevante fundamento", segundo Antônio Machado (1999, p. 408-409), a saber:

a)a interpretação do § 3º do art. 461deve ser integrada com as regras do art. 273 porque o instituto da tutela antecipada é um sistema único de proteção e fomento da efetividade do processo civil;

b)há disposições reguladoras próprias da antecipação na esfera do art. 461 como a que instituiu a tutela específica e a que permite a imposição, por meio de liminar, de prazo para cumprimento e de multa diária ao réu em caso de desobediência ao preceito.

O professor Luiz Fux (1996, p.362) assevera que o "relevante fundamento" de uma demanda é aquele que tem relevo próprio, apresenta-se ao juiz como "acolhível prima facie", assemelha-se ao "direito líquido e certo" e se aproxima do embasamento da ação monitória documental. O referido autor afirma também nessas situações se opera mais do que o fumus boni iuris.

Portanto, a locução relevante fundamento, quer significar prova preconstituída, pois nemhuma outra é capaz de revelar o imediato atendimento de uma pretensão por liminar, similar ao que acontece no procedimento do mandado de segurança.

Sobre a questão da "relevância" da prova, Carreira Alvim (1995, p. 117-118), pautando-se nos ensinamentos de Calamandrei, nos revela que o mestre de Florença ao estudar a verossimilhança não falava de prova inequívoca, mas sim de prova "relevante", ressaltando que o juízo sobre ela formado é um juízo de direito, concernente ao mérito e que traz em seu cerne o germe da decisão definitiva. Acentua Calamandrei que na linguagem forense a locução provas relevantes é similar a provas ‘pertinentes’, ‘concernentes’ e ‘concludentes’.

Seguindo essa linha de raciocínio, o juízo de verossimilhança, além de convicção judicial sobre o quadro fático, é também a convicção do magistrado sobre a provável legitimidade do fundamento jurídico e, por consequência, a provável atendibilidade do pedido.

O juízo de verossimilhança como é juízo de fato e de direito, pois não é apenas convicção judicial sobre o quadro fático, mas igualmente convicção sobre a provável atendibilidade do pedido, torna-se mais adequado a expressão "prova relevante" ao nos referirmos ao lado fático, já no que concerne ao lado jurídico a locução "fundamento relevante" é mais esclarecedora no plano de comunicação das idéias. Fenômeno que não pode ser posto de lado quando da interpretação do § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil.

Assevera Antônio Machado (1999, p. 416) que sob a ótica do grau de convencimento do juiz, não existe diferença de fundamento probatório entre a tutela antecipada dada pela expressão "prova inequívoca" do art. 273 e a cláusula "relevante fundamento" do art. 461 §3º, senão vejamos:

a)o primeiro ponto de semelhança entre as duas expressões é que a "relevância" do fundamento do art. 461 §3º, na verdade, é a "inequivocidade" da prova produzida com a petição inicial a que se refere o art. 273. Isto em virtude que, num sentido processual, a "prova inequívoca" do texto do referido artigo, só pode ser compreendida como aquela que parece convincente, robusta como fonte de convicção, ou "concludente", "pertinente" ou "relevante" como diz Calamandrei, devido a impropriedade da palavra "inequívoca" utlizada pelo caput do art 273, como já mencionado anteriormente.

b) a segunda semelhança é que o "fundamento" deve possuir relevância tanto na dimensão dos fatos, o objeto da prova, quanto no aspecto do direito, chegando-se a conclusão de que a idéia de "fundamento", como causa de pedir, está inexoravelmente inserido no entendimento do termo "prova" utilizado pelo art. 273 (provam-se os fatos que compõe o fundamento jurídico do pedido, e esta prova é que leva o juiz ao reconhecimento da probabilidade da existência do direito afirmado pelo autor).

c)O terceiro método de se chegar a conclusão da similaridade das expressões em análise é o da origem remota do "relevante fundamento" somada à sua ubiquação no sistema da tutela antecipada genérica instituída pela Lei n. 8952 / 94. Assim, quanto a origem remota da cláusula "relevante fundamento", parece não haver dúvida que a mesma tem seu berço no mandado de segurança. Portanto, qualquer interpretação a respeito da expressão em contexto de lei processual posterior, não pode deixar de levar em consideração o seu significado no contexto do mandamus. Na esfera do mandado de segurança, o "relevante fundamento" exigido pelo art. 7º, inc. II, está intimamente ligado a locução "direito líquido e certo" que é entendido como sendo aquele direito subjetivo cujos fatos que lhe dão sustentação podem ser provados por meio de prova preconstituída. Ora, em que se pauta a "relevância do fundamento", senão na declaração judicial de que os fatos afirmados por meio de documentos (direito líquido e certo), tenha probabilidade de existência do direito subjetivo ? Betina Rizzato Lara (1994, p. 129), afirma que "relevante é o fundamento que indica a existência de uma provável procedência da ação". Em outras palavras, o "direito líquido e certo", corresponde a prova suficiente e pertinente capaz de permitir não só o julgamento do writ, ao final do processo, como, no seu início, o reconhecimento da probabilidade da existência do direito afirmado ou "fundamento relevante".

6.2 Abuso de Direito de Defesa e Manifesto Propósito Protelatório do Réu

Dedicaremos nossa análise agora para o inciso II do art. 273, na qual o juiz está autorizado a antecipar a tutela quando fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Como já foi mencionado anteriormente, a antecipação de tutela fundada no inciso II do art 273, representa a insuficiência da "prova inequívoca" para revelar a plenitude do fumus boni iuris, pois nesse caso, precisa-se além da "prova inequívoca", o comportamento reprovável do réu que, abusa do seu "direito de defesa", ou "manifesta propósito protelatório". Nessa situação, segundo Antônio Machado (1999, p.420), ocorre o fumus boni iuris dobrado. "Prova inequívoca" e "abuso de direito de defesa" ou "manifesto propósito protelatório do réu" integram, destarte, um único e mesmo requisito da tutela antecipada, o fumus boni iuris.

Ressalte-se que apesar da "inequivocidade" da prova produzida pelo autor e do comportamento de má-fé do réu, ainda assim o convencimento que o magistrado forma, com a finalidade de conceder a tutela antecipada, é convencimento de mera probabilidade ou verossimilhança, ou seja, juízo de cognição sumária, que não é a mesma coisa que julgamento antecipado da lide que materializa o fim do juízo de conhecimento.

Na mesma esteira de raciocínio, Humberto Theodoro (1999, p. 90) complementa que a antecipação de tutela não se supre com julgamento antecipado da lide, nos moldes do art. 330 do CPC. É que mesmo julgado o mérito, o direito subjetivo da parte poderá continuar insatisfeito e terá de aguardar a solução de eventual recurso do vencido para entrar no estágio de execução forçada.

Assim, explica o referido autor que o que se procura alcançar com a tutela antecipada do art. 273 é muito mais que a simples e provisória condenação do réu. São atos concretos de efetiva satisfação do direito do requerente. Antes da própria sentença, o que se lhe assegura é, dentro do processo de conhecimento, uma tutela de natureza executiva por antecipação. Isto, obviamente, jamais seria atingível com a simples prolação da sentença antecipada de mérito.

Dessa forma, ainda que se apresente cabível o julgamento de mérito previsto no art. 330 do CPC, ainda assim poderá haver interesse do requerente na obtenção de liminar dentro das características do art. 273 do mesmo estatuto legal.

6.2.1 Abuso de Direito de Defesa

Em princípio, como a própria lei de forma expressa, estatuiu duas formas de conduta reprovável do sujeito passivo no inciso II do art. 273 é porque existe diferença entre elas.

Preliminarmente, o entendimento do termo "defesa" é fundamental para compreensão da referida expressão. Segundo Calmon de Passos (1974, p. 18-19), não resta dúvida que o termo "defesa" deve ser compreendido como sinônimo de "contestação", e não de "resposta", pois tanto o inciso III do art. 14, como o inciso I do art. 17, referem-se a ela no sentido de razões dedutíveis pelo réu contra a pretensão do autor, razões que encontram na peça contestatória a sua materialização, conforme o art. 300.

Entendimento diverso do exposto acima, levaria a compreender como defesas, típicas manifestações do direito de ação, como a reconvenção, a declaratória incidental, a denunciação da lide ou a exibição de documento ou coisa, o que obviamente não se combina com a primeira cláusula do inciso II do art. 273.

A partir da compreensão do termo "defesa", podemos conceituar a expressão "abuso de direito de defesa". Conforme Antônio Machado (1999, p.423), "abuso de direito defesa" significa o uso excessivo ou exorbitante das faculdades que compõe o direito de contestar, como a apresentação de várias objeções processuais, ou defesas de mérito diretas ou indiretas, sem fundamentação ou articulação entre elas.

Na mesma esteira de pensamento encontramos a lição de Calmon de Passos (1974, p.18-19), que conceituando abuso de direito, ensina:

"Talvez a melhor maneira de definir o abuso de direito seja dizer-se que ele ocorre quando se exercita, além do limite necessário, o direito que se tem, ou quando esse exercício objetiva não alcançar a tutela que a ele se associa e é devida a seu titular, sim outro fim, mesmo lícito que seja ou moralmente justificável. Todo desvio de finalidade é um abuso". O autor acredita que a defesa carecedora de consistência nos pontos fundamentais também é uma forma de abuso de direito de defesa. Em relação a este ponto, escreve: " A defesa carece de consistência quando são inconsistentes as alegações de fato ou alegações de direito, isto é, incapazes de tornar o fato controvertido (objeto de prova) ou representativa, em matéria de direito, daquele erro inescusável a que já nos referimos ".

Encontramos posicionamento similar em Luiz Fux (1996, p. 347) que manifestou o seguinte:

"A defesa abusiva é a inconsistente, bem como a que não enfrenta com objeções, defesa direta ou exceções materiais a pretensão deduzida, limitando-se à articulação de preliminares infundadas".

Do exposto acima, temos que o modelo de interpretação da expressão "abuso de direito defesa" está relacionado com a litigância de ma fé. De fato, sob o prisma de inconsistência que contamina a expressão sob análise, não é possível o não reconhecimento que o réu que se defende "contra texto expresso de lei ou fato incontroverso" (art. 17, inc. I), ou que altera "a verdade dos fatos" (art. 17, inc. II), realiza o que é cognominado pela lei de "abuso de direito de defesa". Nesse sentido, é o posicionamento de Cândido Dinamarco (1995, p.146) que assevera que constituem litigância de má-fé as condutas do inciso II do art. 273, ora apenadas com a antecipação de tutela.

Finalmente, assevera Antônio Machado (1999, p.425) que é o próprio art. 17 que nos fornece subsídios para distinguir as duas expressões do inciso II do art. 273. Assim, o citado autor acredita que os dois primeiros incisos do art. 17 se identificam com o "abuso de direito de defesa", sendo que os outros incisos correspondem a categoria do "propósito protelatório do réu", já que não se expressam por meio de contestação.

No entender do referido autor, o inciso I do art. 17 ("deduzir...defesa contra expresso texto de lei...") pode ser aplicado na categoria do "abuso de direito de defesa" como fundamento da antecipação de tutela, nas seguintes situações:

a)Em tese é suficiente que o texto de lei invocado pelo autor somado à "prova inequívoca" que tenha sido trazida para os autos gere a convicção do magistrado para que se reconheça que o réu abusou do direito de defesa ao realizar alegações fáticas ou jurídicas contra direito material previsto pelo texto da lei. Logicamente, que não se deve entender a expressão "texto expresso de lei" somente no sentido de literal disposição de lei, pois, com frequência, a convicção do juiz sobre a existência de um determinado direito subjetivo material não depende, em tese, de texto expresso de lei, mas da interpretação sistemática de vários textos ou diretamente de princípios;

b)O "abuso de direito de defesa" pode também ficar caracterizado quando na contestação o demandado argumente contra uma tese jurídica já consagrada e cristalizada em súmula de algum tribunal, fazendo o juiz reconhecer, salvo a excepcionalidade de um fato novo conhecível de ofício (art 462 do CPC), a abusividade com que o réu exerce o direito de se opor à pretensão do autor ao realizar alegação contra orientação já assentada nos pretórios.

Em relação à previsão do inciso II do art 17 ("alterar a verdade dos fatos") como fundamento para o entendimento do "abuso de direito de defesa", Antônio Machado (1999, p.427) nos ensina que este inciso diz respeito ao lado fático das alegações insustentáveis do réu. Assim, abusa do direito de defesa o réu que insiste em contestar o direito, em tese, incontestável, através de argumentos interpretativos absurdos, como o que nega fatos notórios, fatos que têm o condão da presunção absoluta de veracidade. Qualquer dessas condutas, somadas à "prova inequívoca", autorizam o órgão jurisdicional, legitimado pela lei, a antecipar os efeitos da providência final de mérito, como forma de penalizar o "abuso de direito de defesa".

No que concerne as defesas de mérito indiretas realizadas na contestação (art. 326), à luz da expressão do "abuso de direito de defesa", Antônio Machado (1999, p. 428) assevera que o réu pode mostrar toda a sua má-fé ao sustentar fatos extintivos, modificativos ou impeditivos que não possuam o menor fundamento fático ou jurídico. É o caso, por exemplo, da alegação de prescrição ou decadência que notoriamente não aconteceu. O "abuso" pode ser caracterizado por uma única defesa insustentável, como também é possível se concretizar, na convicção do magistrado, se duas ou três exceções materiais se mostrem sem fundamento razoável, tudo depende do grau de inconsistência da exceção substancial alegada.

Nesse sentido, Carreira Alvim (1995, p. 105) observa o seguinte:

"O conceito de verossimilhança depende do subjetivismo de cada autor, e continuará a depender do de cada juiz, no momento de decidir sobre o pedido de antecipação de tutela. O que é verossímel para um, pode não ser para outro, dependo do grau de percepção individual".

6.2.2 Manifesto Propósito Protelatório do Réu

Por "propósito protelatório do réu" deve-se entender a intenção do réu de tão só retardar o desfecho do processo, por quaisquer outros atos não pertencentes à contestação, segundo Antônio Machado (1999, p. 429).

Nesse mesmo diapasão, professor anteriormente citado, nos ensina que são três e não quatro as possíveis atitudes do demandado da ação que revelam o "manifesto propósito protelatório do réu" a que se refere o inciso II do art. 273, se é que realmente o instituto da litigância de má fé é o correto modelo normativo.

No mesmo sentido, não parece haver dúvida, conforme acredita o professor Antônio Machado (1999, p.429), que o réu que opõe "resistência injustificada ao andamento do processo", de acordo com o previsto no inciso IV do art. 17, revela intenção procrastinatória. Um exemplo disso ocorre quando o advogado do réu, repetidas vezes, retém os autos consigo fora do cartório além do prazo regular, ou do sujeito passivo que atrasa indefinidamente o pagamento dos honorários provisórios do perito quando lhe caiba tal ônus, por ter pedido sozinho a prova. Interessante notar que não será um único ato desse tipo que identificará o "propósito protelatório", mas a repetição de algum ou a somatória de alguns deles poderá trazer a convicção ao magistrado da intenção procrastinatória, para fins de antecipação de tutela. Logicamente, que essa convicção do "propósito protelatório do réu" vai depender do grau de percepção individual de cada magistrado, conforme assevera Carreira Alvim (1995, p. 105).

Ensina Antônio Machado (1999, p.429-430) que, uma outra forma de o réu demonstrar sua intenção de procrastinar o processo é o mesmo agir de acordo com o previsto pelo inciso VI do art. 17, ou seja, o demandado provocar incidentes manifestamente infundados. É o caso, por exemplo, quando o réu sem fundamentos razoáveis, provoca durante a fase instrutória a instauração do incidente de falsidade, de exibição de documento ou coisa, ou antes, ajuíza levianamente reconvenção, denunciação da lide, ou, ainda, sem razão nomeia à autoria, opõe exceção de incompetência, de suspeição ou de impedimento apenas com o intuito de estender a relação de processual de primeiro grau. Se a conduta do réu for similar a descrita anteriormente, certamente o mesmo pratica o que é chamado de litigância de má fé e revela com a sua ação o "propósito protelatório" estatuído pelo art. 273, inciso II, do CPC.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, é possível vislumbrar, de acordo com Antônio Machado (1999, p. 430), semelhante intenção reprovável do réu sempre que, conforme o inciso V do art. 17, o mesmo procede de "modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo". De fato, isto ocorre quando, por exemplo, o demandado procura tumultuar deliberadamente, do início ao fim, a produção de prova pericial ou mesmo procura retardar com argumentos falaciosos a realização da audiência de instrução ou o seu término.

Em relação a locução em análise Calmon de Passos (1995, p. 20) escreve o seguinte trecho:

"A par do abuso de direito, também pode fundamentar a antecipação a comprovação nos autos de que há, por parte do réu, manifesto propósito protelatório. No já mencionado art. 17, fala-se em provocar incidente manifestamente infundado; é uma hipótese capaz de configurar intuito pretelatório. Quem postula sem fundamento sério, abusa do direito de demandar; inclusive quem, no curso da demanda, provoca incidentes infundados, além do abuso de direito, revela propósito manifestamente protelatório. Também quem opõe resistência injustificada ao andamento do processo exterioriza manifesto intuito protelatório. Protelatório é tudo que retarda, sem razão atendível, o andamento do feito. E esse intuito é manifesto quando desprovido o ato, tido como protelatório, de justificação razoável, vale dizer, quando dele não poderá resultar proveito processual lícito para o interessado em sua prática".

Assim, Calmon de Passos identifica o que está previsto nos incisos IV e VI do art. 17, como relacionados com o "propósito protelatório" do art. 273, e não faz diferença se o estabelecido no art 17, inc. VI (provocar incidentes manifestamente infundados) pertence à categoria do "abuso de direito de defesa" ou do "propósito protelatório do réu". Essa conduta de não distinção é seguida na obra de Cândido Rangel Dinamarco Dinamarco (1999, p.146), sendo que nesse caso o referido autor não faz diferença em todos os incisos do art. 17.

De acordo com Sérgio Bermudes (1995, p. 37), a expressão "abuso de direito de defesa" está vinculada aos incisos I e II do art 17, enquanto o "manifesto propósito protelatório" está relacionado aos incisos IV a VI do referido artigo. Também considera que as "alegações de todo inverossímeis, ou desgarradas de qualquer prova " integram o "abuso", mas não se enquadram nos incisos I e II do art. 17.

Quanto ao inciso III do art. 17, Antônio Machado (1999, p.432) nos ensina que esta regra não serve para a antecipação de tutela fundada no art. 273, II. O motivo é porque "usar do processo para conseguir objetivo ilegal" como prescrito no inciso III, art. 17 é atitude pertinente ao sujeito ativo da ação, ou seja, é ação reprovável do autor, a não ser quando autor e réu simulando ato para conseguir fim proibido por lei (art. 129). Logicamente, nesse último caso não se pode utilizar o instituto da antecipação de tutela para sancionar o réu, apesar da sua participação, porque o processo deve ser anulado para impedir que autor e réu realizem seus objetivos.

Em sendo assim, Antônio Machado (1999, 433) assevera que "manifesto propósito protelatório do réu" é a intenção flagrante do réu de retardar o seguimento do processo e seu desfecho, intenção cuja clareza é mostrada pelo uso exaustivo do direito de provocar incidentes, assim como pela prática de quaisquer atos isolados de caráter temerário. No que tange ao direito de resposta, a excessividade se caracteriza tanto no caso de o réu utilizar uma de suas formas com clara intenção procrastinatória, como quando usa várias respostas ao mesmo tempo (reconvenção, exceção, denunciação, etc..) desprovidas, todas ou algumas, de razoável fundamentação.


7. CONCLUSÃO

Quer nos parecer que no ponto crucial a que se propôs este trabalho, ficou evidente que a doutrina não é pacífica em relação se a figura processual do fumus boni iuris é plenamente suficiente para explicar os institutos da "prova inequívoca" (art. 273, caput) e do "relevante fundamento" (art. 461, §3º).

A maior parte da doutrina acredita que para concessão do instituto da tutela antecipada se opera mais que o fumus boni iuris. Em outras palavras, a "prova inequívoca" e o "relevante fundamento" são expressões que não se adequam a fumaça do bom direito, uma vez que esses doutrinadores afirmam que para a concessão da antecipação da tutela se exige que o direito revele-se evidente, tal como o direito líquido e certo e, portanto, muito mais provável de ser verdadeira à pretensão deduzida em juízo pelo autor que a simples fumaça do bom direito.

A doutrina minoritária defende a tese da adequação da "prova inequíca" e do "relevante fundamento" à categoria do fumus boni iuris, uma vez que esse instituto está sempre e invariavelmente relacionado à idéia de mera probabilidade da existência do direito nos procedimentos sumários. O que se deve perquirir segundo o entendimento desta parte da doutrina é que grau de convencimento sobre a probabilidade se exige do magistrado no caso concreto. Portanto, os diferentes graus de fumus boni iuris se revelam segundo o caráter da prova oferecida ao magistrado.

Acreditamos que algumas idéias ficaram consignadas e que, em geral, é consenso na doutrina, a saber :

1.A "prova inequívoca" tem um estreito relacionamento com o instituto do "direito líquido e certo" do mandado de segurança e com a idéia de prova de fato inequívoco, significando, portanto, prova de grande potencial de convencimento, comparável com a preconstituída;

2.A idéia de robustez da prova preconstituída também deve interpor-se a compreensão do "relevante fundamento", pois o instituto da antecipação de tutela equivale a um sistema único de tutela jurisdicional;

3.Juízo de "verossimilhança", juízo de "probabilidade" e juízo de "aparência" são expressões que representam a mesma realidade, qual seja, a cognição sumária;

4.A locução "abuso de direito de defesa" não se coaduna com a expressão "manifesto propósito protelatório do réu", pois a primeira se identifica com o ato contestação, enquanto que a segunda está relacionada a todos os demais atos que o requerido realiza no processo;

O instituto da tutela antecipada da forma como introduzida pela Reforma de 94 veio democratizar a celeridade do atendimento da prestação jurisdicional a qualquer direito, pois estendeu a qualquer pretensão deduzida em juízo a possibilidade da satisfatividade da mesma no início da lide. Em tese, a Reforma de 94 teve o condão de amenizar a impressão negativa que os jurisdicionados, em sua maioria, têm da atividade jurisdicional, e, a propósito, a mesma cumprirá esse desiderato de fazer o Poder Judiciário ser visualizado como instrumento de realização da justiça, e não de sua negação, se houver coragem e responsabilidade dos juízes que a aplicarão, advindo daí a interpretação de que preenchidos os pressupostos, é "direito da parte" a obtenção da tutela antecipada.

Por fim, o instituto da tutela antecipada veio minimizar a certeza de que o bom é advogar para o réu devido as inúmeras possibilidades de recursos no processo brasileiro combinado com a morosidade da justiça, uma vez que subjaz a certeza de que, são abrangentes os efeitos que se irradiam a partir da antecipação da tutela por todo o sistema processual civil, de tal forma que, parece legítimo dizer que ficou mais fácil sonhar com a prontidão das decisões da justiça que, em última instância, é sinônimo, mais do que qualquer outra coisa, de efetividade do processo e de credibilidade do Poder Judiciário sem o que não se construirá uma democracia no Brasil.


REFERÊNCIAS

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Bermudes, Sérgio. A Reforma do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1995.

Calmon de Passos, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1974, vol. 3.

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SOUZA, Odilon Capucho Pontes de. Tutela antecipada e fumus boni iuris. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 367, 9 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5430. Acesso em: 25 abr. 2024.