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A licitude do aborto de feto anencefálico

A licitude do aborto de feto anencefálico

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A importância deste tema fundamenta-se no direito da mulher, tendo a mesma mais autonomia de seu corpo e de suas escolhas, demonstrando que o aborto de feto anencefálico é licito, assim se configurando como um direito da mulher e não um crime cometido.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo oferecer uma visão geral sobre Aborto na legislação brasileira nos dias atuais, dando ênfase ao tema nos casos em que os fetos são portadores de Anencefalia, demonstrando que com a autorização do Supremo Tribunal Federal a mulher teve mais autonomia de seu corpo.  Abordando o Aborto no ordenamento jurídico brasileiro, juntamente com seu conceito, ponderando quais formas de abortos permitidos e definição de anencefalia. Tendo como a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2012, no qual se autorizou o aborto de feto anencefálico, tendo os fundamentos jurídicos expostos pelos ministros na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 e abordando o porquê de não se punir este tipo de aborto.

Palavra chave: Aborto. Anencefalia. Liberdade. 

ABSTRACT: This article aims to provide an overview of Abortion in Brazilian legislation, emphasizing the issue in cases where fetuses are carriers of Anencephaly, demonstrating that with the authorization of the Federal Supreme Court the woman had more autonomy Of his body. Addressing Abortion in the Brazilian legal system, along with its concept, pondering what forms of abortions allowed and definition of anencephaly. Having as the decision of the Federal Supreme Court of 2012, which authorized the abortion of an anencephalic fetus, having the legal foundations set forth by the ministers in the Argument of Non-Compliance with Fundamental Precept No. 54 and addressing the reason for not punishing this type of abortion.

Keyword: Abortion. Anencephaly. Freedom.

1.     INTRODUÇÃO

O atual trabalho tem como objetivo o estudo do aborto no Brasil, com enfoque central na excludente de ilicitude no aborto de feto anencefálico e com o estudo jurisprudencial pautado na ADPF n°54 de 2004; além do mais, visa mostrar os direitos da gestante de acordo com o ordenamento jurídico, o risco à saúde física e psicológica da gestante e a autonomia reprodutiva da mulher, com isto dando ensejo à interpretação desta modalidade de aborto e sua argumentação em termos de incidência em hipótese de excludente de ilicitude.

Questiona-se se existem casos no qual o direito à vida intrauterina cede diante dos direitos à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da mulher, para que ela tenha o direito de realizar licitamente o aborto nos casos de anencefalia. Em vistas do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral desde trabalho, analisar o aborto do feto anencefálico no ordenamento jurídico brasileiro e assim resguardar o direito da escolha da mulher no que tange os seus interesses, sem afetar o princípio à dignidade da pessoa humana, já que o feto anencefálico não tem expectativa de vida intrauterina e nem extrauterina. Assim, cabe à gestante decidir levar ou não esta gestação adiante, de modo que cada pessoa deve escolher como lidar com essa dor, e o Estado não tem o direito de intervir na decisão da mulher. Diante disso, será discutida a importância e o avanço quanto a esta modalidade de aborto referente à anencefalia.

Embora o Código Penal não autorize o aborto de fetos portadores de anencefalia, com a ADPF n°54 há possibilidade da autorização destes casos individuais, assim dando ensejo à interpretação desta hipótese de aborto em termos de ocorrência de excludente de ilicitude;

Com a interpretação jurisprudencial trazida pela ADPF n°54 a mulher teve mais autonomia e liberdade de escolha.

 

1.1   NOÇÕES BÁSICAS SOBRE ABORTO E ANENCEFALIA

1.2 CONCEITO

Aborto significa interrupção do nascimento. Provém de “ab”, que significa privação e “ortus” nascimento.  Segundo E. Magalhães Noronha (2007 p. 53) “aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção (ovo, embrião ou feto)”. O uso da palavra aborto, no âmbito jurídico, nem sempre é aceito por outros ramos do conhecimento humano, já que aborto significa o resultado de uma ação e não a ação em si, assim, existe autores que usam o termo abortamento para definir o ato de abortar conforme José Henrique Pierangeli.

Para a medicina o Dicionário de Termos Técnicos de Saúde (2015 p. 02) conceitua o aborto enquanto:

Expulsão espontânea ou provocada do embrião ou feto de menos de 500g de peso ou ate 20 semanas de idade gestacional, quando tem pouca ou nenhuma chance de sobrevivência fora do organismo materno. A expulsão do feto após essa idade gestacional é considerado internacionalmente como parto prematuro.

Aborto é a interrupção da gravidez antes de concluir seu período normal, com ou sem consentimento da gestante que tenha como resultado a morte do produto da concepção.

1.4. ABORTO E ANENCEFALIA 

Sobre a anencefalia, esta é uma má formação congênita, difícil de acontecer, do tubo neural, consequência da falta parcial do encéfalo e da calota craniana, resultante de um defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.

Ao contrário do que muitos pensam a anencefalia não caracteriza casos de ausência total do encéfalo, mas há situações em que se observam graus variados de danos encefálicos. É difícil ter uma definição exata deste termo, pois baseia-se sobre o fato de que é uma má formação do tipo “tudo” ou “nada”, ou seja, não está ausente ou presente, trata-se de uma má formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves a quadros de indubitável anencefalia.

 Bebês com anencefalia tem uma expectativa de vida muito curta, apesar de que não possa haver uma precisão do tempo de vida que terão fora do útero. A ausência pode ser diagnosticada, com certa precisão, a partir das 12 semanas de gestação, através de um exame de ultrassonografia. Vale ressaltar, que o neném desta gestação só possui vida devido ao metabolismo da mãe, que ao nascer, consegue “viver” apenas alguns instantes e vem a óbito logo após um curto prazo de tempo.

Segundo Getulio Daré Rabello (2003 p. 167):

É de larga aceitação atual o conceito de que a confirmação da morte encefálica deve se basear em três princípios fundamentais: irreversibilidade do estado de coma, ausência de reflexos do tronco encefálico e ausência de atividade cerebral cortical.

 

Bebês com anencefalia tem uma expectativa de vida muito curta, apesar de que não possa ter uma precisão o tempo de vida que terão fora do útero. A ausência pode ser diagnosticada, com certa precisão, a partir das 12 semanas de gestação, através de um exame de ultrassonografia. Vale ressaltar, que o neném desta gestação só possui vida devido ao metabolismo da mãe, que ao nascer, consegue “viver” apenas alguns instantes e vem a óbito logo após um curto prazo de tempo.

Isto posta, desaparecimento de cérebro não daria a este ser, expectativa de vida. É cruel a necessidade de uma mãe carregar em seu ventre um filho que não tenha possibilidade de ter uma vida extrauterina, e que ela, além da dor física que terá durante nove meses de gravidez, tem a dor psíquica, de saber que seu filho não terá sobrevida após o parto.

1.5. CONCEITO DE MORTE

Antes de adentrarmos no tema em si, conceituaremos Morte no que diz à visão dos médicos e juristas.  Antigamente era correto afirmar que a morte se dava a partir do momento em que acontecesse o cessar total ou parte dele das suas funções vitais.  Porém este conceito foi mudado, pois a Morte não é tratada como uma suspensão simples, mas sim toda a série de fatores que desencadeiam durante o certo período de tempo.  A teoria da morte cerebral é a predominante, com parâmetro em sua constatação médica.

Assim, Jorge Paulete Vanrell (2003 p.26) expõe:

(...) os avanços técnicos muito tem conseguido no que tange a suprir alguns desses fenômenos vitais, pela ação de aparelhos que “respiram” pelo individuo (facilitando as trocas gasosas e o aporte de oxigênio) e que fazem o sangue “circular” (mecanicamente). Todavia, inexiste qualquer egenho eletromecânico capaz de “pensar”, “agir” e “ter emoções”, que seja aplicável ao organismo humano, para suprir-lhe a falha dos neurônios mortos.

A obliteração do nível mais elevado dos neurônios ou a sua somatória do sistema neural é constatado em função da própria desintegração da personalidade, e assim não existe meio que supra esta falta, resultando assim sua Morte.

Já o conceito jurídico se revela através da Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, a qual frui sobre a retirada de órgãos e tecidos e partes do corpo humano para transplantes ou tratamentos.

Conclui Paulo César Busato (2005 p.591) que é considero morto o ser humano quando sua passagem não revela possibilidade de sobrevivência. A constatação da anencefalia é a morte diagnosticada, tanto que é considerada pelos médicos como uma deformação incompatível com a Vida.

Assim, juridicamente, Morte é a ausência de Vida, sendo esta representada pela atividade cerebral, da qual depende a realização de todas as funções do encéfalo e assim de todo o corpo.

Conforme Busato (2005 p. 583) observa-se que o fundamento pelo qual nosso código não abriga a possibilidade de exclusão da antijuridicidade nas hipóteses de anencefalia deriva da época de sua edição, pois, a ciência medica não poderia oferecer um diagnostico seguro sobre a inviabilidade fetal em casos de anencefalia.

Com essa evolução na medicina, a Confederação dos Trabalhadores na Saúde apresentou uma petição ao poder público para a autorização de aborto desses fetos, visando o direito de escolha da mulher, segundo Supremo Tribunal Federal.

1.6. A ADPF N° 54 E A MUDANÇA DO PARAGIDMA QUANTO AO TRATAMENTO DO ABORTO ANENCEFÁLICO

A Confederação dos Trabalhadores na Saúde formalizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n°54 em 17 de junho de 2004, considerando a anencefalia um feto incapaz, bem assim a antecipação do parto.

A petição inicial apresentou algumas argumentações como aquela relacionada à patologia da anencefalia, o que torna totalmente inviável a vida extrauterina; a continuidade do feto no útero da mulher fere a dignidade da pessoa humana na proporção em que a comunhão com a triste realidade e a lembrança do feto que jamais poderá constituir-se um ser vivo, isso pode ser comparado á torturas psicológica e reflete também sobre a diferenciação entre antecipação terapêutica do aborto e aborto.

Em 1° de julho de 2004, o Ministro Marco Aurélio de Mello, relator da referida ADPF, concedeu uma liminar favorável à pretensão da parte autora, autorizando as gestantes a anteciparem o parto após o diagnóstico da anencefalia.  Para o referido Ministro, a interrupção da gravidez no caso de fetos anencefálicos não pode ser considerada um aborto e sob sua ótica afirma que:

Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos postos à disposição da humanidade não para a simples inserção, no dia a dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. (ADPF 54/ DF- Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, 2004).

Porém, em outubro do mesmo ano, esta permissão foi cancelada, sendo que apenas quatro dos Magistrados do STF votaram pela manutenção da liminar, dentre eles o próprio Ministro Marco Aurélio, o qual concedeu a liminar.

Alguns anos se passaram e o Supremo Tribunal Federal em 2008 realizou audiências públicas, onde foram discutidos os motivos para a autorização da interrupção da gestação de feto anencefálicos, foram ouvidos especialistas favoráveis e contrários a antecipação do parto.  O Ministro e relator Marco Aurélio de Mello, através do despacho de saneamento de audiência publica, expôs novamente o seu entendimento sobre o assunto, reafirmando o seu posicionamento no sentido do deferimento da ação postulada:

No caso da anencefalia, a ciência medica atua como margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencéfalos morrem no período intrauterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação à sobrevida é diminuída, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resultam em impor à mulher, a respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos ricos físicos reconhecidos no âmbito da medicina. Como registrado na inicial, a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar – tratar-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto- que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade. A saúde, no sentido admitido pela Organização Mundial da Saúde, fica solapada, envolvidos os aspectos físicos, metal e social. (ADPF 54/ DF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, 2008).

 

Em abril de 2012 ocorreu o julgamento no Supremo Tribunal Federal por oito votos a dois decidiu que as gestantes têm o direito de escolha se desejam levar a gestação anencefálica ate seu término natural ou se desejam interromper essa gestação, sem que sejam criminalizadas por esta conduta.

No julgamento, os ministros decidiram que os médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem qualquer espécie de crime. Com a decisão para interromper a gravidez de feto anencefálico, as mulheres não precisam de decisão judicial que as autorize, basta ter o diagnostico médico da anomalia e realizar o procedimento.

1.7. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

A origem e desenvolvimento do principio da proporcionalidade, encontra-se ligado a evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana. Conforme Pontes (2000, p.43) ”o termo proporcionalidade contem uma noção de proporção, adequação, medida justa, prudente e apropriada à necessidade exigida pelo caso presente (...)”.

O entendimento de proporcionalidade encontra-se presente nos sistemas jurídicos desde a antiguidade. Para Aristóteles (1992, p.96) a proporcionalidade fazia parte do conceito de justiça, segundo ele o justo é uma das espécies do gênero proporcional, e ela não é uma propriedade apenas das quantidades numéricas, mas sim das quantidades em geral. 

Conforme Carolina Alves (2015 p.161), a aplicação do principio da proporcionalidade dá-se toda vez que houver a intervenção do Estado na esfera de liberdade do individuo, nas situações de colisão de direitos fundamentais. Visa a garantir que a intervenção do poder público na liberdade do individuo só se dê quando necessária, e assim seja realizada de forma adequada e na justa medida, buscando a máxima proteção dos direitos concorrentes.

Assim Maria Ângela (2003 p. 35) expõe que:

 No especifico âmbito do direito penal, o principio da proporcionalidade implica que aquele não deve ser utilizado como mero instrumento de poder, há de estar sempre, ao contrario, a serviço dos valores comunitários e individuais. Significa, ainda, que deve ser guardada, em todo caso, a devida proporção entre a sanção penal e a gravidade do fato como exigência indeclinável da justiça e da dignidade da pessoa humana.

 

Em casos de anencefalia, por mais que haja a proteção constitucional à vida, o direito à vida de tal feto cederá para preservar os direitos à saúde da mulher, a liberdade de autonomia reprodutiva da mesma. Caso seja comprovada a anencefalia, o aborto consentido não pode ser analisado apenas do lado do direito a vida intrauterina do anencéfalo e ignorar os problemas sociais e pessoais, de saúde física, psíquica e social da mulher e também sua liberdade de escolha em uma situação tão frágil.

Ao Estado compete apenas em garantir que a mulher faça livremente sua escolha, sem qualquer interferência, coração ou violência contra ela. A criminalização do aborto nos casos de anencefalia agride os direitos à saúde e a liberdade de autonomia da mulher.

1.8. DIREITOS À SAÚDE DA MULHER

 O direito à saúde da mulher é tutelado pela Constituição Federal conforme o caput do artigo 6°, em que se definem os direitos sociais. O artigo 196 prescreve que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante politicas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. A Lei 8.080/90 funda-se no seu artigo 2° que: “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o estado promover as condições indispensáveis ao seu bom exercício”. 

A garantia do direito à saúde abrange tanto a proteção do direito em si, pelo ordenamento jurídico, quanto à prestação de determinados serviços pelo Estado, para que o direito seja protegido. Quanto ao direito de realizar o aborto do anencéfalo, o direito à saúde não pode concretizar sem politicas públicas que admitam a realização desse procedimento nos hospitais públicos e privados, com todo o atendimento médico e psicológico necessário ao restabelecimento da mulher.

A saúde física da mulher também pode ser afetada na gestação do feto anencefálico. Segundo Thomaz Gollop (2004 p. 27-28):

Uma gestação de feto com anencefalia acarreta riscos de morte à mulher grávida. Sem dúvida, e sobre isso há alguns dados levantados que são muito interessantes. Em primeiro lugar, há pelo menos 5% de possibilidade de polidrâmo, ou seja, excesso de liquido amniótico que causa maior distensão do útero, possibilidade de atonia no pós-parto, hemorragia e, no esvaziamento do excesso de líquido, a possibilidade de descolamento prematuro de placenta, que é um acidente obstétrico de relativa gravidade. Além disso, os fetos anencefálicos, por não terem o pólo cefálico, podem iniciar a expulsão antes da dilatação completa do colo do útero e ter o que nós chamamos de distócia do ombro, o que pode acarretar dificuldades muito grandes do ponto de vista obstétrico. Assim sendo, há inúmeras complicações em uma gestação cujo resultado é um feto sem nenhuma perspectiva de sobrevida. A distócia de ombro acontece em 5% dos casos, o cesso de líquido em 50% dos casos e a atonia do útero pode ocorrer em 10% a 15% dos casos.

 

O diagnostico da anencefalia significa a noticia da morte que se apregoa e representa a incapacidade de gerar uma criança saudável. Tal realidade coloca a mulher em contato com o filho malformado. Este, de acordo com Glaucia Benute (2005 p. 6) “representa o fracasso, o erro, a falha, a destruição da expectativa, do planejamento e do sonho. Sentimentos de impotência e frustação se sobrepõem”.

A existência de concepto anencéfalo coloca a mulher em contato direto com o luto. Esse é um procedimento natural e esperado de preparação da perda desse filho. Caracteriza, inclusive, processo importante para retornar a saúde mental da mulher. Quando a gestante a recebe a noticia da malformação fetal-letal, vai essencialmente vivenciar um processo de luto, independentemente de optar por interromper ou não a gestação. Nessa situação vivenciada, a morte está presente, qualquer que seja a decisão. O que distingue é o período da morte.

Segundo Adriana Medeiros Farias Binotto (2005 p. 39):

A perda da gravidez também requer tempo, requer espaços na sociedade para que o luto ocorra de forma saudável. A mãe cria um vínculo com o bebê, portador de suas projeções inconscientes, desde o momento em que se descobre grávida. A perda de gravidez tem implicações adicionais, dadas as peculiaridades desse evento e do contexto em que ocorre: por um lado, há um duplo fracasso, no ‘cumprimento do ato de procriar’ e ‘ na perpetuação da herança pessoal’, que correspondem, respectivamente, as suas dimensões sociais e pessoais; por outro, há dimensões mais intimas: a mãe, dado o sentimento de unicidade com o feto, tende a sentir a sua morte como a perda de uma parte de seu corpo, uma riqueza de facetas, dão uma ideia da delicadeza, da profundidade e da extensão do processo de luto necessário. Tal processo demanda, em primeiro lugar, o reconhecimento, a validação da perda que houve, exatamente o contrario do que se tende a fazer, tenho observado o grau de sofrimento causado pelo isolamento da dor, pela impossibilidade de compartilha-la, diante da insensibilidade circunstante.

Quando a mulher é privada da liberdade de escolha, seu sofrimento pode ser ainda mais agravado e sua saúde física e psíquica também mais afetada. A única forma de diminuir o sofrimento da gestante, com respeito aos seus direitos fundamentais básicos, é garantindo lhe legalmente que interromper a gestação nos casos de anencefalia é resultado de decisão livre e autônoma da mulher.

Assim, a gestação do anencéfalo pode comprometer a saúde da mulher, e a imposição de uma gestação nessas circunstancias efetivamente lesa sua saúde física, psíquica e social configurando total desrespeito aos seus direitos fundamentais.

2.     CONCLUSÃO

 

O bem jurídico dos seres humanos por primazia é a vida. Apenas desde homem passa a ser titular de todos os outros direitos, devido que ela é fonte primaria para titularidade de direitos. A anencefalia é uma malformação letal do sistema nervoso central. A obrigação de manter uma gestação nesses casos efetivamente prejudica a saúde física, psíquica e social da mulher. Assim quando a mesma é privada da liberdade de escolha, seu sofrimento pode ser mais agravado e sua saúde física e psíquica, mais afetada. Não se pode admitir ao principio da proporcionalidade impor uma mulher a gestar um ser anencefálico, que não tem e nunca terá competência biológica para ter a condição de desenvolvimento humano. Julgar criminalizado o aborto, nesse contexto, coloca a mulher em situação de total desrespeito a sua condição humana e a sua dignidade da pessoa humana. O respeito à dignidade da pessoa humana deve ser configurado como a liberdade de conformação e de orientação da vida.

  REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte especial 2, dos Crimes contra a pessoa. 7ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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BUSATO, Paulo César. Tipicidade material, Aborto e Anencefalia. Novos estudos jurídicos. Itajai, v.10,n.2, 2005.

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ABSTRACT: This article aims to provide an overview of Abortion in Brazilian legislation, emphasizing the issue in cases where fetuses are carriers of Anencephaly, demonstrating that with the authorization of the Federal Supreme Court the woman had more autonomy Of his body.

 



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