Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/55364
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A redução da alíquota fiscal como condição para o alargamento da base tributária

A redução da alíquota fiscal como condição para o alargamento da base tributária

Publicado em . Elaborado em .

O alargamento da base tributária é o objectivo traçado pelo Governo com vista a diminuir a dependência da ajuda externa e trazer maiores receitas internas, Num país onde apenas 10% da população economicamente activa paga imposto, como será exequível?

Sumário: Introdução. 2. Objectivos da política tributária. 3. Princípios que enformam o sistema tributário. 4. Evolução do Sistema Tributário Moçambicano. 4.1 Período antes da independência. 4.2. Período à data de Independência. 4.3. Período após a Independência. 4.3.1 Reforma Fiscal de 1978. 4.3.2 Reforma Fiscal de 1987 (PRE). 4.3.3  Reforma Fiscal de 2002. 5. Os Impostos no Sistema Tributário. 5.1 Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRPC). 5.2. Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (IRPS). 5.3 O Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA). 5.4 Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC). 5.5 Os Direitos Aduaneiros (DA). 5.6 O Imposto sobre o Consumo Específico. 6. O papel da administração fiscal. 7. O Pagamento dos impostos e a cultura fiscal. 8. Desempenho da receita. 9. Impacto do Sistema Tributário. 9.1 Eficiência económica. 9.2 Equidade. 9.3 Eficiência administrativa. 10. O aumento da base tributária. 10.1 Investimento. 10.2 Emprego. 10.3 Poupança. 10.4 Consumo. 11. Os custos da cobrança. 12. Benefícios fiscais. 13. O problema da evasão e elisão fiscal. 14. Conclusão. Bibliografia. Legislação


Introdução

Os impostos cumprem uma importante função na nossa sociedade. Com os recursos arrecadados via tributação, o Estado consegue financiar-se e prover bens públicos à população. Saúde, educação e segurança pública são alguns dos exemplos que o Estado na senda do assistencialismo fornece gratuitamente à sociedade em troca do pagamento do imposto.

O alargamento da base tributária é o objectivo traçado pelo Governo com vista a diminuir a dependência da ajuda externa e obtenção de maiores receitas internas, bem assim para enfrentar os desafios da globalização em geral.

Sucede, porém, para um país com cerca de dez milhões de pessoas economicamente activas , das quais apenas dez por cento pagam impostos (pouco mais de um milhão), o grau de realização se afigura muito aquém do necessário para o equilíbrio das contas públicas. O Estado ainda está muito aquém de reunir os fundos suficientes para fazer face as despesas públicas, pelo que a contribuição de todos para o pagamento dos impostos seria de grande utilidade, podendo alargar de forma significativa a base tributária, factor que ajudaria no melhoramento do desempenho do Orçamento do Estado. Urge, pois, alargar a base tributária.

É assim que, com a presente apresentação, cujo tema é ”A Redução da Alíquota Fiscal como Condição para o Alargamento da Base Tributária” se vai discutir como captar mais recursos para o Estado assente na premissa ali colocada.

Em conformidade, pretendemos com a presente apresentação perceber os constrangimentos para o alargamento da base tributária e como uma variação na alíquota fiscal poderá ter impacto nos ganhos de receitas que o Estado pode haver.

Assim, e tendo em conta o seu âmbito, optou-se por fazer uma abordagem crítica sobre o trabalho que vem estruturado em cinco partes. Na primeira parte faz-se uma descrição sumária sobre os objectivos da política fiscal e os princípios que enformam o sistema tributário. Na segunda, faz-se uma descrição sobre a evolução tributária no país desde os primórdios até as grandes reformas de 1978, 1987 e 2002. A seguir, entra-se numa descrição sumária das seis principais categorias de impostos, nomeadamente: o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS), o IRPC, os Direitos Aduaneiros (DA), o Imposto sobre o Consumo Específco (ICE) e o Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC). Para cada um destes impostos é feita uma comparação das respectivas alíquotas fiscais em vigor. Segue-se, na mesma secção, a análise do contributo potencial dos benefícios fiscais. No capítulo seguinte estuda-se o papel da administração fiscal e os custos da cobrança e, por fim, estuda-se o impacto do aumento da alíquota fiscal nas rubricas do investimento, do consumo, da poupança e do emprego. O último capítulo reporta-se a análise da elisão e evasão fiscal. Por fim as devidas conclusões e recomendações. 

Por uma questão de metodologia expositiva, o trabalho é apresentado de modo contínuo observando a enumeração correspondente.


2. Objectivos da política tributária

Decorre do artigo 127.º, n.º 1 da CRM que o Sistema Fiscal Moçambicano é estruturado com vista a satisfazer as necessidades financeiras do Estado e das demais entidades públicas, realizar os objectivos da política económica do Estado e garantir uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

Deste princípio fundamental advém o entendimento de que é pelas receitas públicas que o Estado realiza as necessidades públicas. A tributação tem assim como principal objectivo a operacionalização de um mecanismo que garanta uma eficaz colecta e redistribuição das receitas públicas em vista a promoção da justiça social. Eficaz porque deverá garantir a consecução das metas orçamentais no que diz respeito as receitas públicas e sua sustentabilidade ao longo do tempo, ao mesmo tempo o sistema proporcionará recursos para o melhoramento dos serviços públicos, sem sobrecarregar o sector privado e evitando alterações na pauta fiscal.

Concomitantemente, a recolha de receitas também possui funções extrafiscais, como a utilização para a distribuição da renda e diminuição da desigualdade entre pessoas e regiões. Serve também para a protecção da economia nacional, estímulo de actividades de produção e geração de empregos. Deve, em tese, ainda, regular ou restringir o consumo de produtos não essenciais, nocivos à saúde e de luxo. Pode estimular o desenvolvimento económico e social promovendo a educação e cultura, fortalecer a economia informal, facilitar a produção e muitos outros objectivos.

A criação, modificação e extinção de impostos segundo o princípio da legalidade (artigo 127.º, n.º 2 da CRM) devem garantir um sistema fiscal justo. A carga tributária imposta a cada agente deve estar de acordo com a sua capacidade de contribuição, isto é, o sistema deve conceder tratamento igual para situações iguais e desiguais para situações desiguais .

A doutrina maioritária considera que o sistema fiscal é considerado justo na base de dois critérios: equidade vertical (requer que os indivíduos com maior capacidade de pagamento suportem uma carga fiscal maior) e equidade horizontal (a distribuição da carga fiscal deve efectuar-se de modo a que indivíduos com igual capacidade suportem a carga), tudo no sentido de minimizar a evasão fiscal e estender a base tributária.

Ainda assim o sistema fiscal deverá ser simples, evitando complexidades administrativas e minimizando as diferenças arbitrárias na tributação, concorrendo deste modo para que o contribuinte se predisponha a pagar o tributo, pois sabe como o imposto foi calculado.Mais ainda, o sistema deve ser previsível, isto é, deve ser conhecido e ter por base uma legislação estável e transparente, sem excessiva carga tributária e ainda flexível para acomodar as mudanças necessárias.

Por fim a eficiência do sistema é aferida pela moderação das distorções do impacto dos impostos na decisão sobre poupança, investimento, produção, comércio, trabalho e consumo.


3. Princípios que enformam o sistema tributário

O artigo 100.º da CRM estabelece que “os impostos são criados ou alterados por lei, que os fixa segundo critérios de justiça social”, sendo esta uma referência do texto constitucional aos princípios da legalidade e da justiça social.

O texto constitucional é, a este respeito, complementado pela Lei ordinária, encontrando-se os princípios que regem a organização e o funcionamento do sistema tributário nacional e fixam as respectivas bases sistematizados em dois diplomas complementares, respectivamente:

-  Lei nº 15/2002, de 26 de Junho – Lei de Bases do Sistema Tributário;

-  Lei nº 2/2006, de 22 de Março – Lei Geral Tributária.

São princípios e conceitos básicos estabelecidos por estes dois diplomas:

Princípios Gerais: 

- A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e a necessária redistribuição da riqueza e do rendimento;

- A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade, da não retroactividade, da justiça material e da eficiência e simplicidade do sistema tributário, não havendo lugar à cobrança de impostos que não tenham sido estabelecidos por lei;

- Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias e obrigações dos contribuintes e da administração tributária e o regime de infracções tributárias.

Princípio da Legalidade Tributária:

- As bases da política de impostos e o sistema fiscal são definidos por Lei, nos termos da Constituição;

- A Lei de Bases do Sistema Tributário determina a incidência, as taxas e os benefícios fiscais dos impostos nacionais, as garantias e as obrigações do sujeito passivo e da administração tributária, bem como os procedimentos básicos de liquidação e cobrança de impostos;

- A Lei das Finanças Autárquicas determina a incidência, as taxas e os benefícios fiscais dos impostos autárquicos;

- O exercício da justiça tributária é garantido através dos tribunais das jurisdições fiscal e aduaneira para tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria tributária.


4. Evolução do Sistema Tributário Moçambicano

4.1 Período antes da independência

Segundo Ibraimo Ibraimo , mesmo antes da chegada dos portugueses já existia o imposto em Moçambique que era essencialmente pago em forma de roupa, gado, escravos e outros bens. Mas uma das principais evidências da existência do imposto em Moçambique foi com o surgimento dos prazos da Zambézia, em que se utilizou o tributo tradicional pela primeira vez. 

O Vale do Zambeze em meados do séc. XVII estava organizado politicamente e tradicionalmente por vários chefes em cada região. O governador do distrito era designado por mambo” que era assistido por um chefe local “mpfumu”, e pelo chefe das povoações. Uma das atribuições do “mpfumu” era de cobrar o imposto Dentro dos prazos, todos os habitantes estavam sujeitos ao pagamento de um imposto anual designado por “mussoco”, que era pago como forma de afirmar o poderio do mambo sobre a terra. O conteúdo, a taxa e o montante do “mussoco” atribuído a cada família não era fixo nem estabelecido, variava de prazo a prazo e de região para região.

Os camponeses, através do “mussoco”, renda em géneros, canalizavam parte dos seus excedentes agrícolas para a “elite” dos prazos, sendo, muitas das vezes, utilizados para alimentação. Com a penetração crescente do capitalismo colonial, o “mussoco” passou a ser cobrado em trabalho e, depois, em dinheiro, o que exprime uma mudança profunda nas relações sociais de produção.

Segundo Carlos Serra , o imposto de palhota foi introduzido ao abrigo do decreto de 9 de Julho de 1982 e cobrado à luz do Regulamento do Imposto de Palhota de 30 de Julho de 1892. Os proprietários das palhotas situadas no interior ficavam obrigados ao pagamento anual de 900 reis por palhota utilizada como habitação. Nos dois primeiros anos, o imposto de palhota podia ser cobrado em dinheiro ou género, mas em 1894 passou a ser obrigatoriamente recebido em dinheiro. Aquele que não cumprisse com esta obrigação era punido com trabalho forçado durante os dias necessários do valor do salário oficial local acrescentado 50 por cento no valor após a finalização do trabalho forçado.

Salienta-se que a administração directa durou até 1892, e era feita através dos agentes da autoridade, cuja função não era apenas de cobrar o “mussoco” mas, também de controlar os chefes locais.  

Como forma de obter dinheiro para pagamento do imposto de palhota a maior parte dos homens moçambicanos residentes na zona sul do país emigravam para África do Sul para trabalhar nas minas, o que facilitava a cobrança.

Segundo Ibraimo Ibraimo, o fenómeno de emigração no sul do nosso país influenciou a política fiscal porque fez com que o Estado colonial encarasse duas questões que não lhe agradavam:

- Com a emigração, o número de trabalhadores para as Companhias reduziu;

- Os salários praticados na África do Sul eram substancialmente mais elevados que os da Companhias que operavam em Moçambique. Este facto anulava a política existente de elevar os impostos para obrigar os trabalhadores a permanecerem mais tempo nas suas terras.

Ao mesmo tempo, este fenómeno causava problemas no próprio orçamento do Estado colonial e na balança de pagamentos. Por um lado, necessitava de promover a emigração, de obter o imposto em libras - ouro, e por outro lado necessitava da mão-de-obra.

Após o imposto de palhota, a outra forma de tributação introduzida foi a tributação indirecta, que incidia sobre os bens de consumo produzidos pelos indígenas, como forma de os levar a concorrer para as despesas públicas. 

E, nesse sentido, foram criados alguns impostos directos, nomeadamente:

- Impostos prediais – que incidiam sobre os prédios rústicos e urbanos situados na baixa da cidade, dentro do território das companhias;

- Tributação das actividades comerciais e industriais  –  que  eram  tributados  por taxas  variáveis,  em  função  do  valor  das  mercadorias  importadas  por  cada contribuinte,  a  legislação  e  a  cobrança  deste  imposto  era  feito  com  base  nas declarações dos contribuintes;

- Contribuição de Juros – que consistia num imposto sobre o crédito e sobre a aplicação de capitais, com base numa taxa fixa;

- Sisa – que incidia sobre os actos de transmissão da propriedade de bens imóveis a título oneroso; 

- Imposto sucessório – que incidia sobre os actos de transmissão de propriedade móvel a título gratuito.

4.2. Período à data de Independência

Segundo Ibraimo Ibraimo, na véspera da independência, o sistema tributário aplicado em Moçambique era basicamente o então vigente na Metrópole – resultante da reforma de 1959-1963 e da política de harmonização fiscal, enquadrado no programa de integração económica dentro do na época chamado espaço português.

Nessa época vigorava um sistema tributário moldado aos objectivos do Estado que estava dimensionado às necessidades orçamentais deste mesmo Estado. Para tal, estava organizado um sistema administrativo adequado e dotado de pessoal apropriado, convenientemente treinado. Era um sistema fiscal com uma legislação complexa e quase inacessível à grande maioria dos contribuintes, e não respeitava os princípios de justiça social , onde todos deviam pagar impostos independentemente da sua condição social e financeira.

O Estado Português em Moçambique tinha um orçamento que integrava as receitas por um lado e as despesas por outro lado. E, a tabela de despesas procurava responder às necessidades dos gastos do Estado na altura. Segundo ainda o mesmo autor, para fazer face as despesas, o Estado Português tinha uma tabela de receitas correntes alimentada em 82% pelas receitas fiscais. O conjunto das receitas destes impostos equilibrava o orçamento corrente do Estado Português em Moçambique.

De acordo ainda com Ibraimo Ibraimo, os impostos indirectos por exemplo como o imposto de consumo e direitos aduaneiros, tinham algumas taxas proteccionistas para a importação de produtos que aparentemente eram supérfluos e taxas mais pesadas para outros produtos considerados essenciais para consumo da população, mas que beneficiavam se de taxas aduaneiras preferenciais, quando importadas de certos países.

Pode-se, em suma, caracterizar o sistema fiscal à data da independência como:

- Um sistema concebido e dimensionado de acordo com a política do Estado e suficiente para fazer face à correspondente tabela de despesas.

- O nível de receitas era suficiente para fazer face às despesas de funcionamento do seu aparelho administrativo.

- O conjunto de pequenas taxas e impostos de nível local ou regional cujas características e fim a que as receitas se destinavam - despesas das instituições locais e autónomas - estavam em perfeita consonância com a forma de organização administrativa e eram dotados de processos orçamentais que permitiam estipular as cobranças.

 Ibraimo Ibraimo menciona que os principais impostos vigentes nessa altura eram:

- Contribuição Industrial – que incidia sobre os lucros das actividades industriais e comerciais;

- Contribuição Predial Urbana – que incidia sobre o lucro das explorações agrícolas, silvícolas, pecuárias, ficando sujeitas todas as pessoas singulares ou colectivas nacionais ou não, desde que se desenvolvessem actividades em terrenos, prédios ou concessões no território nacional;

- Imposto Profissional  –  que  incidia  sobre  os  rendimentos  de  trabalho,  e este  por  sua  vez  eram  sujeitos  a  imposto  quando  auferidos  por  pessoas singulares,  nacionais  ou  estrangeiras,  que  em Moçambique  exerciam  qualquer actividade por conta de outrem ou por conta própria;

- Imposto sobre aplicação de capitais – que incidia sobre os rendimentos provenientes da simples aplicação de capitais;

- Imposto Complementar – que incidia sobre o rendimento global das pessoas singulares e colectivas.

4.3. Período após a Independência

Após a independência ocorreram várias reformas no sistema fiscal:

a)  Reforma Fiscal de 1978

Segundo Ibraimo Ibraimo, com a independência nacional verifica-se uma imediata inadequação do sistema tributário por um lado e a debilidade da máquina de administração fiscal, por outro.

Esta situação foi originada pela queda de produção industrial pois as unidades económicas de cujos lucros dependiam do êxito da contribuição industrial foram abandonadas pelos seus proprietários e algumas sofreram sabotagem. O facto associado à debilidade verificada na administração e o dealbar da guerra de desestabilização originou a quebra da matéria colectável e consequente ineficácia da contribuição industrial.

A Assembleia Popular adoptou então a Resolução 5/77, de 1 de Setembro. Com este instrumento definiram-se os princípios fundamentais a observar no sistema tributário, que consagrando o modelo de economia de planificação, pretendia a par do PPI  acabar com o subdesenvolvimento em dez anos, e iniciar um novo período da economia moçambicana em geral, e da tributação, em particular.

A nova política fiscal visava os seguintes objectivos: primeiro, simplificar o processo de captação do rendimento das empresas, através da retenção antecipada deste no processo de circulação de mercadorias e prestação de serviços; segundo, transformar os impostos de contribuição industrial e complementar em simples impostos correctivos; terceiro, fundir os diversos impostos parcelares sobre o rendimento do trabalho em um apenas, criando-se uma tributação progressiva, de acordo com as normas constitucionais; quarto, agravar a carga fiscal sobre os lucros das empresas ; e, finalmente, simplificar a legislação fiscal em vigor.

O sistema não permitia a captação dos excedentes financeiros gerados pelos agentes económicos, tal situação fazia com que do lado da procura aumentasse cada vez mais o dinheiro disponível e, do lado da oferta, os preços reais não correspondiam ao valor ofertado, daí que gradualmente começam a surgir os mercados paralelos.

b) Reforma Fiscal de 1987 (PRE)

Em princípios de 1987 foi lançado o Programa de Reabilitação Económica (PRE), destinado a corrigir os desequilíbrios da economia nacional. Este programa consistia na reabilitação da economia através de uma série de acções nas áreas de formação de preços, de taxas de câmbio, de política fiscal e outras estruturais e administrativas visando melhorar a eficiência dos agentes económicos, aumentar o abastecimento e a produção, ajudar a restabelecer o equilíbrio financeiro.

Dentre estas acções pretendiam-se algumas alterações à legislação fiscal.

Revogou-se então a Resolução 5/77 pela Lei 3/87, de 19 de Janeiro, que passou a fixar os novos princípios em que o Sistema Tributário Moçambicano devia assentar, com o objectivo de aumentar a elasticidade das receitas em relação ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e alargar a base tributária.

O sistema tributário definido na Lei 3/87, de 19 de Janeiro, integrava impostos directos e indirectos.

A tributação directa dos rendimentos era feita com base no seguinte sistema de impostos:

- Contribuição Industrial, incidente sobre os lucros da actividade comercial e industrial;

- Imposto sobre o Rendimento do Trabalho – Secção A, incidente sobre as remunerações do trabalho;

- Imposto sobre o Rendimento do Trabalho – Secção B, incidente sobre o valor da produção das cooperativas de produção e das explorações individuais agrícolas, silvícolas ou pecuárias de pequena dimensão;

- Imposto Complementar, incidente sobre o rendimento global de pessoas singulares e sobre os rendimentos de capital;

- Contribuição Predial, incidente sobre os rendimentos prediais.

A tributação indirecta, que integrava os impostos sobre as despesas, com base no seguinte sistema de impostos:

- Imposto sobre valor acrescentado, que incidia sobre o valor das transmissões de bens e prestações de serviços realizados no País;

- Imposto sobre Consumos Específicos, que tributava, de forma selectiva, o consumo de determinados bens;

- Imposto especial sobre combustíveis, que incidia sobre qualquer combustível comercializado no território nacional.

A Lei 3/87, de 19 de Janeiro, preocupou-se ainda com os objectivos de justiça social e com objectivos tributários não financeiros, nomeadamente o de redistribuição do rendimento nacional, de orientação dos consumos, de personalização dos impostos e da progressividade na tributação dos rendimentos não provenientes do trabalho, continuando estes a ser tratados de forma privilegiada e diferenciada.

A liberalização da economia introduzida pelo PRE permitiu uma dinamização da actividade produtiva e a economia voltou a crescer, chegando o PIB a atingir 15% em 1987 . Como consequência do aumento da actividade económica e da melhoria da eficácia do sistema fiscal, no mesmo ano o volume de receitas fiscais aumentou para mais do dobro em relação ao ano anterior.

c)  Reforma Fiscal de 2002

Em 26 de Junho a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 15/2002 em substituição da Lei n.º 3/87. Esta reforma fiscal iniciou com a introdução do IVA em 1998 e a alteração do Imposto de Consumo em Imposto de Consumo Especifico, e fixava como objectivos:

- O alargamento da base tributária; 

- A redução da carga fiscal no conjunto da tributação directa; 

- O aumento no nível de receitas fiscais; 

- A simplificação de procedimentos; 

- A modernização do sistema de impostos; e 

- A racionalização do sistema de benefícios fiscais.


5. Os Impostos no Sistema Tributário

O sistema tributário de Moçambique passou a integrar impostos nacionais e autárquicos.

Os impostos autárquicos passaram a ser definidos em Lei própria.

Para efeitos do presente trabalho, atermo-nos-emos sumariamente a cada uma das seis categorias de impostos mais importantes, nomeadamente o IRPC, o IRPS, os DA, o IVA, o ICE e o ISPC. Com efeito, segundo Rogério Ossumane , os cinco primeiros impostos representaram, em conjunto, 87% do total das receitas fiscais no período de 1999 a 2008, distribuídos da seguinte maneira: IVA (40%), IRPS (15%), DA (15%), IRPC (11%) e ICE (5%). Esta apresentação foca no grupo de incidência e na taxa de imposto.

5.1 Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRPC)

A Lei n.º nº 34/2007, de 31 de Dezembro, aprovou nova redacção ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aplicável aos rendimentos do exercício de 2008 e seguintes, ficando revogados o Decreto n.º 21/2002, de 30 de Julho, suas alterações e demais a legislação complementar em contrário.

São tributadas em IRPC (sujeitos passivos):

- As sociedades comerciais e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado com sede ou direcção efectiva em território moçambicano, pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional, sem prejuízo das regras de prevenção da dupla tributação internacional aplicáveis;

- as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva no território nacional, relativamente apenas à parcela dos respectivos rendimentos obtidos no País e aqui não sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS).

Para efeitos de sujeição a imposto consideram-se obtidos no território nacional os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado, e bem assim os que, não se encontrando nessas condições, sejam relativos a imóveis aí situados, ou respeitem a rendimentos cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território nacional, ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado.

A taxa do IRPC é de 32%, salvo as situações previstas na Lei (artigo 61.º, n.º 1 do CIRPC).

5.2. Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (IRPS)

A Lei nº 33/2007, de 31 de Dezembro, aprovou nova redacção do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aplicável aos rendimentos do exercício de 2008 e seguintes, ficando revogados o Decreto n.º 20/2002, de 30 de Julho, suas alterações e demais a legislação complementar em contrário.

O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS) incide sobre o valor global anual dos respectivos rendimentos, expressos quer em dinheiro quer em espécie, seja qual for o local onde se obtenham e a moeda e a forma por que sejam auferidos, mesmo que provenientes de actos ilícitos, classificados nas seguintes categorias:

- Primeira Categoria: rendimentos do trabalho dependente;

- Segunda Categoria: rendimentos empresariais e profissionais;

- Terceira Categoria: rendimentos de capitais e das mais-valias;

- Quarta Categoria: rendimentos prediais;

- Quinta Categoria: outros rendimentos.

São sujeitas a IRPS as pessoas singulares que residam no território nacional, pela totalidade dos respectivos rendimentos, incluindo os produzidos fora desse território, e as não residentes, pelos rendimentos aqui obtidos.

O IRPS incide sobre o rendimento do trabalho (independentemente da fonte de rendimento e contrariamente ao imposto do trabalho substituído) e inclui 5 escalões de rendimento sujeitos a taxas progressivas de 10%, 15%, 20%, 25% e 32%.

Estas taxas podem variar para cada escalão de rendimento de acordo com outros critérios como o estado civil e o número de dependentes. Beneficiam de isenção os rendimentos anuais inferiores a 36 salários mínimos, do salário mínimo mais elevado em 31 de Dezembro do ano a que dizem respeito os rendimentos, ficando o excedente sujeito ao imposto.

Os incentivos fiscais atribuídos às empresas beneficiam igualmente da segunda categoria do IRPS que abrange os rendimentos de trabalhadores por conta própria, profissionais e empresas individuais.

5.3 O Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA)

A Lei nº 32/2007, de 31 de Dezembro, aprovou nova redacção do Código do IVA, ficando revogados o Decreto nº 51/98, de 21 de Setembro, e suas alterações, os Decretos nºs 78/98 e 79/98, ambos de 29 de Dezembro, os Decretos nºs 34/99, 35/99 e 36/99, todos de 1 de Junho, e a demais legislação complementar em contrário.

O IVA entrou em vigor em 1999 em substituição do imposto de circulação e do imposto de consumo, visando eliminar o efeito cascata destes impostos. Este imposto incide sobre o consumo fnal (uma vez que o IVA pago em consumo intermédio é recuperável) tanto dos produtos produzidos em território nacional bem como sobre os produtos importados.

O IVA é cobrado a uma taxa de 17% para as empresas com vendas anuais superiores a 250.000Mt e a uma taxa de 5% sobre as vendas brutas para empresas com volume de negócios inferiores a 250.000Mt e superiores a 100.000Mt que são abrangidas pelo regime simplifcado (substituído em 2009 pelo ISPC correspondente a uma taxa de 3% sobre as vendas brutas das empresas com volume de negócios entre 750.000Mt e 2.500.000Mt).

As empresas com vendas inferiores a 100.000Mt (750.000Mt em 2009) estão isentas.

5.4 Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC)

Foi aprovado pela Lei nº 5/2009, de 12 de Janeiro, o Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes com o objectivo de reduzir custos de cumprimento das obrigações tributária, encargos de fiscalização e controlo através das simplificação dos procedimentos, bem como incentivar os contribuintes registar-se e pagar imposto. 

Refira-se que a tributação dos sujeitos passivos no ISPC é de carácter optativo. Para os sujeitos passivos que optem pela tributação em ISPC, sobre as transmissões de bens e prestações de serviços que realizem não há lugar ao IVA e, sobre os rendimentos obtidos, não incide IRPS ou IRPC.

Os sujeitos passivos de ISPC que aufiram outros rendimentos, para além de rendimentos classificados como da segunda categoria em sede de IRPC (rendimentos empresarias e profissionais), são tributados em ISPC apenas relativamente aos rendimentos desta categoria, devendo os restantes rendimento serem declarados para efeitos de tributação em IRPS.

As pessoas singulares ou colectivas que desenvolvam actividades agrícolas, industriais ou comercias, bem como a indústria transformadora e a prestação de serviços (incluindo exportadores e importadores), podem optar pela tributação em ISPC, desde que: (i) o volume de negócios do ano anterior seja inferior ou igual a 2.500.000,00MT; e (ii) não sejam obrigados, para efeitos de IRPS ou IRPC a possuir contabilidade organizada.

Ficam isentos do ISPC os sujeitos passivos com um volume de negócios equivalente a 36 salários mínimos do salário mínimo mais elevado em 31 de Dezembro do ano anterior ao que respeitam os negócios.A taxa anual do ISPC é de 75.000,00MT ou, alternativamente, a taxa é de 3% sobre o volume de negócios desse ano.

5.5 Os Direitos Aduaneiros (DA)

O Decreto n.º 39/2002, de 26 de Dezembro, aprova as Instruções Preliminares e o texto da Pauta Aduaneira em vigor, com as alterações posteriormente introduzidas pela Lei n.º 2/2007, de 7 de Fevereiro.

Os direitos aduaneiros dizem respeito às tarifas a que estão sujeitas as importações do país. As taxas prevalecentes encontram-se discriminadas na pauta aduaneira do país. Esta componente tem tendência decrescente em grande parte devido aos acordos de liberalização do comércio adoptados pelo país no âmbito da SADC, da OMC e de outros acordos que conduzem a maior liberalização do comércio. É neste sentido que a Lei nº 3/2007, de 7 de Fevereiro, reduz de 25% para 20% a taxa geral dos direitos de importação incidente sobre bens de consumo.

5.6 O Imposto sobre o Consumo Específico

A Lei nº 17/2009, de 10 de Setembro, aprova o actual Código do Imposto sobre Consumos Específicos.

O ICE incide sobre bens considerados de consumo supérfluo (por exemplo, jóias), prejudiciais à saúde e ao ambiente (como, por exemplo, bebidas alcoólicas, cigarros, e motores de veículos) a taxas que vão de 15% a 65%. O CBF não providencia a lista específica de bens que beneficiam de isenções por via do ICE. Estas podem ser encontradas nas isenções específicas por produtos e por sectores (por exemplo, a isenção na importação de veículos motorizados para transporte de bens ou outros bens necessários para o desenvolvimento das actividades das empresas no caso das empresas em ZFIs e, no caso do CBF 2009, iates importados pelos sectores de hotelaria e turismo).


6. O papel da administração fiscal

Em muitos países em desenvolvimento, as remunerações, a gestão de recursos humanos e a gestão do sector público, criam condições que tornam difícil, se não impossível, recrutar e manter funcionários altamente qualificados na área tributária . Se é verdade que este é um problema que afecta, de modo geral, todo o sector público, pode se perguntar porque dar uma especial atenção à administração fiscal?

Neste particular, vale considerar o estudo de Bruce Bulnick  para quem o fortalecimento da administração tributária deve ser uma prioridade do Governo tendo em conta os seguintes aspectos:

- Os impostos são a principal fonte de receitas para financiar as despesas públicas; assim, maior eficiência na colecta de receitas constitui a chave para a expansão e melhoria dos todos os serviços públicos e a redução em relação à dependência externa;

- A estruturara do sistema fiscal provocar uma forte influência no crescimento económico e na redução da pobreza, através do seu efeito no volume e eficiência do investimento, produção, comércio, criação de emprego e poupança;

- Diferente de outras rubricas do orçamento, uma maior alocação de recursos à administração fiscal pode contribuir para a aumento de fundos disponíveis em outras rubricas ou para reduzir as taxas fiscais (impostos) gerando incentivos para uma maior expansão económica;

- O sistema fiscal tem um impacto importante na equidade, através da incidência fiscal entre os diferentes grupos sociais;

- A eficiência da administração fiscal é uma componente essencial da boa governação e uma fraca administração fiscal torna-se forte numa aliada forte da corrupção e má gestão da economia.

Este autor, em resumo, considera que o aumento da efectividade, eficiência, profissionalismo e integridade da administração fiscal, constitui um elemento importante para a estabilidade macroeconómica, ajustamento estrutural, crescimento e equidade – afectando todos os sectores da economia, a provisão de serviços públicos e a qualidade da governação.

A criação da Autoridade Tributária pela Lei n.º 1/2006, de 22 de Março, constituiu um passo gigantesco rumo à profissionalização dos serviços tributários. Comparando com os anteriores mecanismos organizacionais na função pública, a AT é dotada de um alto grau de autonomia de gestão, incluindo a flexibilidade para definir a remuneração e tomar decisões sobre o recrutamento, promoção e retenção de quadros. A criação da AT também cria as bases para se obter ganhos importantes em termos de eficiência através da integração de operações comuns.

Todavia, segundo a USAID , até à data, a integração das alfândegas e dos serviços tributários nacionais tem sido limitada, envolvendo em grande medida funções de serviços de retaguarda (back office). Pode ser conseguida uma maior eficiência através da integração de operações de arrecadação de receitas tais como auditoria, gestão da dívida, gestão do risco e processamento dos reembolsos, assim como funções de apoio, tais como gestão de recursos humanos, junção da base de dados dos contribuintes, desenvolvimento de sistemas de TI e serviços ao cliente. 


7. O Pagamento dos impostos e a cultura fiscal

Um estudo da USAID  atribui um papel decisivo as questões culturais no cumprimento das obrigações fiscais.

O referido estudo faz situar em três níveis as questões mais candentes em torno desta problemática. Em primeiro lugar, embora não comprovado, há um problema muitas vezes levantado, da falta de uma cultura de prestação de serviços ao cliente por parte de muitos funcionários das entidades tributárias, em especial fora de Maputo. Normalmente, os incidentes que envolvem situações em que os funcionários das entidades tributárias adoptam uma atitude punitiva em relação à aplicação da lei, por exemplo a aplicação de multas pesadas por erros inadvertidos e sem consequências ou por erros que resultam de informação inadequada sobre o sistema tributário, em vez de aproveitar estas oportunidades para educar os contribuintes e ajudá-los a evitar cometer erros.

O referido estudo, ancorado em entrevistas e em provas documentais sugere que a AT até está a melhorar os serviços prestados aos contribuintes e programas de educação fiscal. Porém, verificam-se ainda muitas complexidades ou requisitos em termos de procedimentos que podem complicar até mesmo os contribuintes bem intencionados. Também a estrutura de benefícios da  AT encoraja práticas severas sempre que uma repartição de finanças local não esteja a atingir a meta de arrecadação de receitas que lhe tiver sido atribuída. As metas de receitas que são demasiadamente ambiciosas em relação às condições económicas e à capacidade institucional tendem a criar problemas onerosos às pequenas e médias empresas a nível local. 

O mesmo estudo aponta que muitos entrevistados sublinharam igualmente a falta de uma “cultura de pagamento de impostos” em Moçambique. A AT tem estado a trabalhar no sentido de resolver este problema através de informação pública, sublinhando o papel da tributação no financiamento dos serviços públicos, bem como a obrigação que assiste aos cidadãos de contribuir para o desenvolvimento nacional. A AT encontra-se também na última fase de desenvolvimento do seu website cujo objectivo é permitir o acesso rápido a quaisquer empresas ou cidadãos com ligações pela Internet. Esta campanha de informação representa um passo importante na direcção certa, embora vá levar algum tempo a mudar atitudes e hábitos profundamente enraizados. É particularmente difícil mudar a cultura de pagamento de impostos se os funcionários das entidades tributárias forem muitas vezes vistos como elementos que assumem uma atitude predadora, em vez de prestação de apoio e se o público não puder ver os benefícios resultantes das despesas do governo.

Uma observação relacionada sobre a cultura fiscal que também foi amplamente mencionada é que a evasão fiscal e o contrabando continuam a ser notórios e predominantes, assim como o suborno e a corrupção. Aqui também, a AT registou avanços na adopção e divulgação de um código de conduta para os funcionários das alfândegas e das autoridades tributárias e na promoção de uma maior integridade e profissionalismo no seio da organização. Todavia, apesar de tudo, a perda de receitas resultante de práticas não éticas por parte dos contribuintes e dos funcionários continua muito grande. 


8. Desempenho da receita

Assente na publicação da USAID , o PARPA II definiu que a meta do total da receita interna atingisse 16,2 por cento do PIB em 2009, um aumento em relação aos 14,0 por cento registados em 2005. Mais a longo prazo, a meta indicativa no PARPA II era de aumentar a receita para 16,6 por cento do PIB em 2014. O PARPA também definia que estas metas deviam ser atingidas sem colocar um peso desnecessário no sector formal, através do alargamento da base tributária e da redução da evasão e das isenções fiscais. 

O mesmo estudo refere que no total das receitas, as receitas fiscais também aumentaram como percentagem do PIB de 10,8 por cento em 2004 para 13,5 por cento em 2008. A diferença entre o aumento do total da receita e o aumento das receitas fiscais deve-se às “outras receitas”, constituídas por receitas não fiscais, receitas previamente destinadas e receitas de capital, sendo o imposto sobre o combustível e as receitas de capital os principais responsáveis pelo crescimento nesta categoria.

Ainda segundo o mesmo estudo, apesar de não ter atingido a meta do PARPA II definida para 2008 e 2009, o desempenho geral da receita sugere ganhos significativos resultantes da introdução da AT, das reformas da administração tributária e dos esforços para alargar a base tributária. Este aspecto é particularmente impressionante, considerando que foram tomadas várias medidas de política fiscal, cujo resultado provável seria a redução da receita, nomeadamente a redução da tarifa máxima de importação, a implementação do protocolo comercial da SADC, o aumento do limite do IVA e a suspensão temporária do imposto sobre o combustível. Parte do aumento da receita deve-se também à elasticidade natural do sistema tributário.


9. Impacto do Sistema Tributário

A consagração do sistema fiscal face as taxas fixadas tem invariavelmente um impacto em termos gerais no investimento, na poupança e emprego, no desenvolvimento do sector privado e na justiça e equidade.

A discussão dos impactos fiscais é, em muitos aspectos, equivalente a uma revisão dos princípios básicos da tributação. O objectivo fundamental da tributação é, como se viu, aumentar o volume da receita para financiar o fornecimento de bens e serviços públicos. O princípio adveniente é, portanto, que o sistema tributário deve ser eficaz na mobilização e sustentação da receita. Porém, os impostos têm uma influência subtil nas decisões económicas das pessoas e das empresas e na equidade social. Tendo em vista estes efeitos, o sistema tributário deve conseguir atingir o nível adequado de receitas da maneira mais eficiente e justa possível.

 Segundo o estudo da USAID que temos vindo a reportar, um sistema tributário devidamente desenhado deve também obedecer a outros três princípios: 

9.1 Eficiência económica.

Um sistema tributário eficiente minimiza as distorções do comportamento económico causadas pelos impostos de modo a incentivar a produtividade e o crescimento económico. As considerações sobre a eficiência económica são particularmente importantes para os países de baixa renda, como Moçambique, os quais têm menos condições de suportar o custo da má afectação dos recursos, que pode ser evitado.

Os efeitos da eficiência também estão relacionados com a previsibilidade. Um regime fiscal que está sujeito a mudanças inesperadas ou à aplicação arbitrária da lei constitui um factor de risco importante para os investidores. 

9.2 Equidade.

Um sistema tributário justo é caracterizado pela equidade vertical (cobrando proporcionalmente mais aos que possuem mais rendimentos) e pela equidade horizontal (que concede um tratamento relativamente uniforme e não discriminatório aos contribuintes em circunstâncias económicas semelhantes). Também minimiza a carga fiscal nos pobres e evita cargas fiscais excessivas ou imposições arbitrárias. A justiça constitui um objectivo fundamental em si. Além disso, as percepções de justiça podem corroer o cumprimento da lei e minar a sustentabilidade do sistema tributário.

9.3 Eficiência administrativa.

O sistema tributário deve também ser administrado de maneira eficiente, com a devida consideração quer aos custos directos da cobrança de impostos, quer aos custos inerentes ao cumprimento suportados pelos contribuintes. Até mesmo a melhor legislação fiscal produz maus resultados se não for devidamente administrada. Em países com uma capacidade institucional limitada e uma fraca capacidade por parte dos contribuintes de lidarem com as complexidades da gestão financeira, a simplicidade constitui uma virtude.


10. O aumento da base tributária

Será que o aumento da carga fiscal constituiria uma medida de alargamento da base tributária?

Será de se justificar a concessão de benefícios fiscais, hoje em voga, principalmente no sector dos recursos minerais e nos megaprojectos?

10.1 Investimento

Segundo o estudo da USAID que fazemos referência, na vigência do PARPA II, o Investimento Interno Bruto variou entre 18 e 19 por cento do PIB, de acordo com os dados reportados pelo FMI. O ponto de dados reais mais recente (que é distinto das estimativas) é de 18,0 por cento para 2007, em que dois-terços são provenientes do investimento do Estado e apenas 6 por cento é investimento que não é do Estado. O investimento privado flutuou entre 6 e 13 por cento do PIB a partir de 2004, tendo as variações sido determinadas pelo “timing” dos mega-projectos.

As taxas de investimento são excessivamente baixas, ao ponto de serem inconsistentes com o objectivo de sustentar o rápido crescimento económico.

O mesmo estudo inquire se o baixo nível de investimento constituirá um sinal de que as taxas fiscais em Moçambique são demasiado elevadas? Vários outros estudos realizados antes do PARPA II constataram que, em termos gerais, as taxas fiscais aplicadas às empresas em Moçambique estavam em conformidade com as normas regionais e internacionais.

O estudo aponta ainda que Moçambique também está bem posicionado na estimativa do Doing Business do Banco Mundial referente ao Total da Taxa Fiscal sobre os lucros das empresas. 

Qual seria então o impacto da alteração da alíquota fiscal para mais ou para menos?

Como premissa, convém ter presente que vivemos hoje um período de globalização. As actividades económicas há muito que deixaram de se circunscrever ao âmbito territorial dos Estados. Nos tempos actuais os investidores são atraídos por boas condições para o negócio, o que exige por parte dos governos nacionais o estabelecimento de políticas gerais e abstractas que sejam para eles atractivas. O que qualquer investidor quer é um ambiente político e social favorável, baixa tributação e legislação clara, estável e transparente.

O estudo da USAID que temos estado a citar mostra como os impostos afectam o nível e a qualidade do investimento.

Assente no chamado CCU ou “custo de capital do utilizador”, que inclui o custo dos fundos, a taxa fiscal efectiva aplicada aos rendimentos do capital e o impacto dos impostos indirectos no custo de aquisição dos bens de equipamento, uma redução em qualquer das componentes dos impostos muda o CCU para baixo, isto é, estimula um aumento no investimento.

Quer isto dizer que quanto maior for a taxa fiscal menor será a aptidão para o investimento. Taxas fiscais mais baixas iriam aumentar a capacidade das empresas existentes de financiar a expansão e de aumentar a produtividade, incentivando os ganhos líquidos e o fluxo de fundos. Se bem que os cortes nos impostos têm pouco efeito nos projectos de investimento com taxas de retorno inerentemente elevadas ou taxas de retorno inerentemente baixas. As considerações de ordem fiscal afectam principalmente os projectos que são minimamente viáveis. Este impacto selectivo é relevante porque o crescimento económico depende da qualidade do investimento, assim como da quantidade.

Segundo ainda o mesmo estudo, atrair o investimento com taxas de retorno fundamentalmente elevadas requer políticas com vista a melhorar o ambiente de negócios o que quer dizer taxas fiscais não só estáveis, mas atractivas.

Termina o referido estudo com a sugestão de que podem ser utilizadas diferentes ferramentas fiscais para estimular o investimento reduzindo o custo de capital: redução da taxa fiscal padrão aplicada às empresas: redução da dupla tributação dos rendimentos sobre os dividendos; disponibilização de incentivos fiscais especiais a investimentos seleccionados; disponibilização de deduções mais generosas ao investimento ou créditos no cálculo dos rendimentos tributáveis; ou redução dos impostos indirectos aplicados à aquisição de bens de equipamento. Muitos peritos em fiscalidade consideram as últimas duas abordagens como as mais eficazes em termos de custos para equilibrar o impacto no investimento contra a perda de receitas resultante dos incentivos especiais.

Foi, aliás, neste sentido que em 2002, o governo introduziu reformas no Código dos Benefícios Fiscais com o objectivo de atrair mais e melhor investimento, o que seria contraproducente qualquer tentativa de fazer aumentar a carga tributária.

10.2 Emprego

Assente no estudo da USAID, o sistema tributário afecta tanto o lado da oferta como o da procura do mercado laboral, assim como o desenvolvimento de habilidades da força laboral. Começando pelo lado da oferta, os impostos aplicados aos rendimentos do trabalho – o imposto sobre os rendimentos de pessoas singulares e o imposto para a segurança social (INSS) – criam uma “diferença entre o salário líquido e bruto” entre o custo do trabalho/mão-de-obra para os empregadores e os rendimentos recebidos pelos trabalhadores, pelo menos no sector informal. Os modelos económicos indicam que as interacções do mercado tendem a transferir a carga efectiva destes impostos para os trabalhadores sob a forma de dinheiro recebido mais reduzido.

Em Moçambique, a diferença entre o salário líquido e bruto é muito reduzida para a maioria dos trabalhadores não qualificados, mas pode ser suficientemente elevada ao ponto de afectar as decisões da oferta de trabalho para alguns trabalhadores no extremo mais alto da escala de rendimentos.

Passando para o lado da procura do mercado laboral, o impacto do sistema tributário é determinado por três elementos: o efeito no investimento; o efeito no desenvolvimento empresarial e na formalização; e o efeito nas actividades empresariais capital intensivas. A análise apresentada na secção sobre o Investimento sugere que o actual sistema tributário não constitui um impeditivo significativo à maior parte dos investimentos. Não obstante, a aplicação de taxas fiscais mais baixas iria provavelmente estimular a procura de investimento adicional para a mão-de-obra, aumentando os retornos e o fluxo de proventos como fonte de financiamento para a expansão dos negócios. Ao mesmo tempo, as outras deficiências verificadas no ambiente de negócios são muito mais importantes do que os impostos como barreiras ao investimento e ao crescimento dos níveis do emprego. 

10.3 Poupança

Segundo o estudo da USAID que citamos, o principal factor determinante da poupança é o nível de rendimentos. Uma vez que a aplicação de impostos mais baixos iria aumentar os rendimentos, a medida iria encorajar uma maior poupança. Todavia, a longo prazo, o aspecto crucial que deve ser tomado em consideração é se o sistema tributário promove o crescimento rápido e sustentável de modo a aumentar o rendimento e, com ele, a poupança. 

A poupança é também fortemente afectada pela distribuição dos rendimentos, que por seu turno é fortemente influenciada pelo sistema tributário. Um sistema tributário progressivo, como o existente em Moçambique, aplica, no que as famílias diz respeito, impostos mais pesados às famílias de alta renda e minimiza a carga fiscal nos pobres . Esta estrutura fiscal é justificada por questões de equidade e está totalmente de acordo com o objectivo central do PARPA de redução da pobreza. Porém, tende a reduzir a poupança familiar porque as famílias ricas revelam uma maior propensão para a poupança. 

10.4 Consumo

O sistema tributário também afecta a eficiência do consumo. Embora praticamente todos os impostos criem perdas de eficiência por distorcerem o comportamento económico, as diferenças acentuadas na taxa fiscal efectiva por sector ou por tipo de investimento, exacerbam a afectação incorrecta de recursos, em detrimento do crescimento económico.

É conhecida a teoria de Keynes segundo a qual ”maiores níveis de consumo geram riqueza”, e com ela o crescimento e consequentemente o desenvolvimento económico. Ora, a maior incidência de tributação sobre o consumo ocorre nos chamados impostos indirectos – sobre bens e serviços. É claro que maior tributação dos bens e serviços afectando o consumidor final vai ter como consequência a diminuição do giro comercial e, com ela, queda do crescimento económico.

Somos por conseguinte a favor da redução da carga tributária sobre os impostos indirectos. Este cenário não só permitirá maior circulação de bens e serviços, mas a inibição da evasão fiscal, bem assim o alargamento da própria base tributária por os valores ali incidentes serem suportáveis.

Ainda assim não nos repugna um aumento da carga tributário sobre o consumo dos chamados bens de luxo ou supérfluos. É que estes não oscilam em função da variação da tributação. Dizem respeito a um nicho muito específico.


11. Os custos da cobrança

A base fiscal é constituída pelo conjunto das actividades económicas e dos recursos que são tributados.

O alargamento da base tributável através da ampliação da rede de contribuintes não significa necessariamente maiores receitas, uma vez que os custos de cobrança têm de ser tidos em consideração . Qualquer tentativa de ampliar a rede de impostos tem de analisar se as receitas adicionais serão superiores aos custos de cobrança. Os alvos principais devem ser aqueles que beneficiam de preferências fiscais, aqueles que utilizam abusivamente os preços de transferência para alterar os lucros e as indústrias extractivas.


12. Benefícios fiscais 

Nos termos do artigo 9.º da Lei de Bases do Sistema Tributário, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional e tendencialmente temporárias que impedem ou reduzem a tributação, a manifestação da capacidade contributiva e prosseguem objectivos extrafiscais, nomeadamente de orientação da economia e considerados de interesse público relevante.

Os benefícios fiscais podem revestir a forma de isenção, redução de taxas, dedução à matéria colectável e a colecta, amortizações e reintegrações aceleradas e quaisquer outras formas favoráveis ao sujeito passivo.

Em relação a questão dos benefícios fiscais, situamo-nos como Rogério Ossemane  , é preciso que esteja claro que os benefícios fiscais representam um custo para o país. O facto de um projecto trazer vários benefícios líquidos para o país não justifica automaticamente a concessão de benefícios fiscais. Só fará sentido incorrer em custos fiscais se a obtenção desses benefícios for dependente da concessão dos benefícios fiscais.

Num país que apresenta défices crónicos nas suas contas públicas, a concessão de incentivos fiscais não pode ser feita de ânimo leve. Para que o país esteja em condições de analisar a relevância dos incentivos fiscais, antes da sua concessão é necessário desenvolver um conhecimento mais profundo da quantidade e qualidade dos recursos que o país possui, o seu valor de mercado (actual e tendências futuras) e os interesses e dificuldades dos potenciais investidores.

O mesmo autor acrescenta que este conhecimento do valor, a riqueza do país é, em si, um factor de atracção do investimento, ao mesmo tempo que permite o aumento do poder negocial do país. Quando aliado a uma maior clareza do que o país pretende e pode obter da exploração das suas riquezas ao longo do tempo, permite simultaneamente expandir os benefícios da sua exploração (por exemplo, usando a informação sobre as tendências do valor da produção no mercado para determinar o melhor momento para autorizar a exploração de determinado recursos) e reduzir os custos fiscais (por exemplo, quanto mais rentável for o produto no mercado, menos relevante se torna a concessão de incentivos fiscais). 

Ademais, os incentivos fiscais, mesmo que relevantes na atracção de investimento, não devem perder o seu foco nos objectivos estratégicos de promoção de emprego, aumento e diversificação da produção e exportações, formação da mão-de-obra, desenvolvimento tecnológico, etc. Para tal, não basta tomar a decisão da sua concessão num determinado momento. É fundamental que o sistema de concessão de incentivos fiscais esteja ligado a um sistema de monitoria de desempenho determinante para a continuidade dos incentivos e os moldes da sua concessão. Este sistema não só permitiria reduzir os custos fiscais para o país como funcionaria como um mecanismo para estimular impactos mais positivos dos projectos em relação a indicadores estratégicos de desenvolvimento.

Vale, a propósito ter presente o ensinamento de Martin Brownbridge  para quem “a eficácia dos incentivos fiscais como forma de ultrapassar obstáculos ao investimento depende das condições e características de investimento do país anfitrião. De uma forma geral, é melhor identificar os obstáculos efectivos ao investimento e procurar resolvê-los de forma directa”. Enfrentar obstáculos não fiscais pode ser uma opção mais eficaz para atrair investimento do que procurar igualar os incentivos fiscais concedidos por outros países, especialmente se isso resultar numa corrida descendente à medida que os países competem por investimentos e nenhum deles recolhe daí impostos significativos.


13. O problema da evasão e elisão fiscal

A fraude e a evasão fiscais limitam a capacidade de o Estado aumentar as suas receitas e pôr em prática a sua política económica. As estimativas revelam que dezenas de milhões de meticais  estão colocadas em paraísos, muitas vezes não declarados e não tributados, o que diminui as receitas fiscais nacionais. A adopção de medidas decisivas para minimizar a fraude e a evasão fiscais poderia gerar milhares de milhões de meticais de receitas adicionais para o orçamento público.

A fraude e a evasão fiscais são também um desafio para a justiça e a equidade. A equidade é uma condição essencial para que as necessárias reformas económicas sejam social e politicamente aceitáveis. A carga fiscal deve ser distribuída de modo mais uniforme, assegurando que todos, tanto os trabalhadores, como as empresas multinacionais que beneficiam do mercado único, como os particulares ricos com contas em paraísos fiscais, contribuem com a sua quota-parte para o equilíbrio das finanças públicas. A justiça e a equidade também implicam a criação de sistemas de tributação melhores e mais justos.

Um artigo publicado no Caderno de Economia e Negócios do Jornal Notícias, edição de 6 de Dezembro de 2013, traz um alerta do CIP sobre a adopção de estratégias cada vez mais robustas de evasões robustas pelas multinacionais .  

É inevitável que do jeito que segue hoje o mundo com a eliminação das barreiras que entravavam os fluxos de pessoas e capitais, o desenvolvimento das tecnologias e das comunicações tiveram como efeitos, entre outros, o aparecimento da concorrência fiscal entre os diversos países e o aumento da evasão fiscal internacional. Este facto confronta os países afectados pela erosão das suas bases tributárias com a necessidade de estabelecer um equilíbrio entre, por um lado, defender e reconstituir a sua base tributável e, por outro, evitar que uma carga fiscal elevada afaste os agentes económicos e o investimento do seu país.

É assim que se tem assistido a reformas dos sistemas fiscais tradicionais, concebidos num contexto de economia fechada, com destaque para o alargamento da base tributável e a redução das taxas dos impostos.

Por outro lado, se é verdade que a redução das taxas de tributação tem o condão de reduzir ou eliminar os diferenciais de carga fiscal que originam desvios de capital, de investimentos ou de rendimentos tributáveis, rivalizando na concorrência fiscal global, pode ser considerada positiva, tem, no entanto, as suas consequências inerentes a perdas de receitas necessárias ao equilíbrio orçamental.

Pensamos porém que se essas medidas servirão para sustentar uma degeneração de rendimentos num plano imediato – com a queda das receitas fiscais – no plano posterior, permitirão o alargamento da base tributária, pois mais sujeitos passivos preferirão cadastrar-se e cumprir as suas obrigações fiscais por o valor dos tributos ser sustentável.


14. Conclusão

A estrutura fiscal de um país é o conjunto de tributos associados às suas respectivas bases de cálculo e de alíquota. As alterações na estrutura fiscal podem provocar impacto sobre a arrecadação das receitas tributárias em consequências de extensão ou redução da base tributária.

Variações na base tributária podem ter um efeito positivo sobre a arrecadação se elas significarem um aumento da base. Um exemplo disso seria o fim de determinados benefícios fiscais como os concedidos sobretudo aos megaprojectados e as entidades ligadas a indústria extractiva. O fim dos benefícios fiscais é entendido como um alargamento da base, pois um número maior de contribuintes passa a ser alcançado pela norma tributária. Por outro lado, a criação de um benefício fiscal traz efeitos negativos sobre a arrecadação, já que reduz o número de contribuintes que a norma tributária visa alcançar.

No que diz respeito à taxa de incidência, ela, no geral, tem um efeito positivo sobre a arrecadação. Dizemos “no geral” porque o resultado de um aumento da taxa depende do impacto que tal aumento terá no sistema nas rubricas do investimento, do consumo e da poupança. A tendência é que o aumento das taxas de incidência, significando menor disponibilidade monetária na posse dos contribuintes vai inibir, consoante o caso, o investimento, o consumo ou a poupança, ao mesmo tempo que poderá restringir a base tributária. E, mais, contribuirá proporcionalmente para a elisão e evasão fiscal.

Os países de modo geral têm de ser cautelosos na forma como aumentam a proporção dos impostos no rendimento nacional, especialmente aqueles onde já há um esforço fiscal elevado. A solução raramente reside no mero aumento das taxas fiscais. Muitas vezes, é melhor baixar a carga fiscal enquanto se eliminam as isenções e se amplia a base tributária a novos contribuintes. Existe um limite, porém, para a quantidade de impostos que a administração fiscal consegue recolher, mesmo sendo a mais eficaz. Para os países com um elevado nível de impostos, o principal caminho para alargar a quota fiscal é a ampliação da base tributária através do desenvolvimento do sector privado. A existência de uma tributação justa, eficaz e eficiente é uma condição crucial para o desenvolvimento, mas uma reforma fiscal (não obstante dever ser uma prioridade) não é um substituto para uma agenda eficaz de desenvolvimento.

E, verdade seja dita, os agentes económicos desenvolvem hoje actividades em áreas fiscais que lhes sejam favoráveis, já não presos à dimensão do território ou da nacionalidade. E, por favorabilidade, entenda-se áreas de alíquotas fiscais baixas…


Bibliografia

ACIS, O Quadro Legal para Impostos em Moçambique, n.º 1, Maputo, 2011

IBRAIMO, Ibraimo, O Direito e a Fiscalidade: Um Contributo para o Direito Fiscal Moçambicano, Arte C, Maputo, 2002

CHUVA, António et al., Colectânea de Legislação Aduaneira, CFJJ, Maputo, 2007

MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, Boletim de Estatísticas Tributárias, Autoridade Tributária, Edição Zerv. Séries anuais: 2006-2011

OSSEMANE, Rogério, Desafios de Expansão das Receitas Fiscais em Moçambique, IESE, Maputo, 2009

SERRA, Carlos, História de Moçambique, Volume 1, Livraria Universitária, Maputo, 2000 

USAID, Revisão do PARPA II - Sistema Tributário em Moçambique, Volume I, Nathan Associates Inc., 2009

Legislação

Constituição da República de Moçambique

Lei nº 2/2006, de 22 de Março (Lei Geral Tributária)

Lei nº 15/2002, de 26 de Junho (Lei de Bases do Sistema Tributário)

Lei n.º 1/2006, de 22 de Março (Cria a Autoridade Tributária de Moçambique)

Lei nº 33/2007, de 31 de Dezembro (Aprova o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares)

Lei nº 34/2007, de 31 de Dezembro (Aprova o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas)

Lei nº 5/2009, de 12 de Janeiro (Cria o Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes)

Lei nº 32/2007, de 31 de Dezembro (Aprova o Imposto sobre o Valor Acrescentado)

Lei nº 17/2009, de 10 de Setembro (Aprova o actual Código do Imposto sobre Consumos Específicos)


Autor

  • Carlos Pedro Mondlane

    • Juiz de Direito em Maputo (Moçambique);- Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ); - Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ);- Membro da Associação Moçambicana de Juízes (AMJ); - Promotor de Direitos Humanos;- Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica de Moçambique - Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo MondlaneAutor de:- Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos (no prelo)

    Textos publicados pelo autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.